O governo biopolítico do migrante de sobrevivência
uma leitura crítica da lógica do capital humano na era neoliberal
DOI:
https://doi.org/10.1590/0101-3173.2021.v44n2.07.p87Palavras-chave:
Biopolítica, Governamentalidade, Migração de sobrevivência, Capital humano, NeoliberalismoResumo
Neste artigo retomo o significado do verbo “governar” como sendo a disposição correta dos homens mediante sua relação com as coisas. Esta definição foi proposta por Michel Foucault em Segurança, território, população, a partir de sua leitura do pensador renascentista Guillaume La Perrière. Desdobro essa designação deixada por Foucault para analisar a maneira de governar da biopolítica neoliberal contemporânea dos chamados migrantes de sobrevivência, conforme a denominação de Alexander Betts. Na governamentalidade biopolítica neoliberal, a regulação da circulação dos migrantes de sobrevivência é realizada pela sua dependência da circulação das coisas, no caso, o livre fluxo transnacional do capital econômico. Cogito que o critério normativo para diferenciar entre a boa e a má circulação dos migrantes na época contemporânea não ocorre no terreno da política, mas na esfera neoliberal da biopolítica, especialmente seus desdobramentos no conceito de capital humano. Dele depreende-se que não somente o trabalho produtivo, mas ainda a vida completa dos indivíduos é avaliada em termos de investimentos e riscos pela aquisição de competências, desenvolvimento de performances e mobilidade contínua. Em Nascimento da biopolítica, de 1979, Foucault considera que a migração é um dos investimentos mais arriscados na aquisição de capital humano, porém a situa de maneira homogênea, como se qualquer migrante pudesse se subjetivar como um empresário e investidor de si mesmo. Sustento que a objetivação negativa dos migrantes de sobrevivência como improdutivos e indesejáveis tem como possível causa sua identificação indiferenciada a qualquer outro migrante econômico que busca qualificar seu capital humano. Ao apresentar este argumento, evidencio o mecanismo de economização da vida que permeia a subjetivação neoliberal e os reducionismos dele resultantes, tal como a redução da vida ao homo oeconomicus e sua designação como capital humano. Proponho que uma maneira de evitar estes reducionismos consiste na tentativa de conversão do olhar em relação ao migrante de sobrevivência, a começar pelo desnudamento da racionalidade que alimenta a produção biopolítica de sua existência.
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Recebido: 28/3/2020 - Aceito: 09/7/2020
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