UMA VOZ DIFERENTE E AS DIFERENÇAS EM MEIO AO VOZERIO: GILLIGAN REVISITADA À LUZ DA TEORIA FEMINISTA

Autores

  • Marlene Tamanini Professora no Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
  • Henrique da Costa Valério Quagliato Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR)

DOI:

https://doi.org/10.36311/1984-1655.2022.v14.esp.p104-144

Palavras-chave:

Feminismo da diferença, Crítica feminista da ciência, Carol Gilligan

Resumo

Tendo em vista os 40 anos da publicação original de In a Different Voice: Psychological Theory and Women's Development, este texto revisita as principais propostas teóricas de Carol Gilligan tendo em vista a corrente de pensamento conhecida como "feminismo da diferença". Ele se debruça sobre a forma através da qual a autora leva em conta a construção das diferenças entre homens e mulheres. Olhando para as contribuições de Gilligan, buscamos compreender como essa concepção de diferença corroborou um esforço epistemológico de descentramento da voz masculina nos debates sobre as formas de conhecer e agir no mundo. Assim, reportamo-nos a algumas de suas escolhas metodológicas e teóricas para a elaboração do que chamou de uma "ética do cuidado" - que tentava descrever o senso de conexão e interdependência que marcaria o desenvolvimento feminino em nossa sociedade - em contraponto a uma "ética da justiça" - modelo de amadurecimento moral masculino marcado pela abstração, no processo decisório, da relação entre o indivíduo e aqueles em relação aos quais ele existem. O estudo de Gilligan é famoso por descrever e criticar a hegemonia da ética da justiça nas formas de avaliar o desenvolvimento moral das pessoas como um exemplo do masculinismo que marca uma ciência composta majoritariamente por homens. Contudo, este não é o único aspecto deste artigo. Nele denota-se como os argumentos da autora estavam sendo formados concomitantemente às análises propostas por diferentes feministas da década de 1980 em diferentes áreas do conhecimento. Todas essas mulheres traziam um forte posicionamento contra as naturalizações e as essencializações invisibilizadas nos processos de legitimação androcêntrica do fazer científico. Outrossim, apresentamse liames epistêmicos que contidos nas perguntas abarcadas pela chamada "voz diferente" das mulheres enquanto refletimos sobre o que esta voz dizia frente a m momento em grande ebulição social, política, cultural - contexto que apontava para a necessidade de mudanças nas formas canonizadas de conhecer em nossa sociedade, a partir da inserção da experiência das mulheres como sujeitos do fazer científico. Interpelando as propostas teóricas de Carol Gilligan no contexto de seu próprio lugar histórico e intelectual, intentamos observar nuances, diferenciações e interseccionalidades que ficaram de fora de suas análises, bem como evidenciar os caminhos abertos por sua obra para as epistemes do cuidado.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Referências

ADAN, Carmen. Feminismo y conocimiento: de la experiência de las mujeres al Cíborg. Galícia: Spiralia ensaio, 2006.

ALCOFF, Linda M. "Merleau-Ponty y la teoría feminista sobre la experiencia". MORA - Revista del Instituto Interdisciplinario de Estudios de Género,

Buenos Aires, Facultad de Filosofía y Letras, n. 5, p. 122-138, 1999.

BACH, Ana María. Las voces de la experiencia: el viraje de la filosofía feminista. Buenos Aires: Biblos, 2010.

BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagú. São Paulo: Unicamp, Pagu, n. 26, janeiro-junho, p. 329-376, 2006.

BENHABIB, Seyla. “The Generalized and the Concrete Other: The Kohlberg-Gilligan Controversy and Moral Theory”. In: ______. Situating the Self: Gender, community, and postmodernism in contemporary ethics. Nova York: Routledge, 1992, p. 148-77.

BORDO, Susan. The Flight to Objectivity: Essays On Cartesianism and Culture. New York, State University of New York Press, 1987.

COSTA, Sérgio. Desprovincializando a sociologia: a contribuição pós-colonial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 60 , p. 117-134, 2006.

CHODOROW, Nancy. Reproduction of Mothering: Psychoanalysis and the Sociology of Gender. University of California Press, California, 1978.

DE LAURETIS, Teresa. "Semiótica y experiencia". In:______. Alicia ya no: feminismo, semiótica, cine Madrid: Ediciones Cátedra, 1984, p. 251-294.

FAUSTO-STERLING, Anne. Dualismos em duelo. Cadernos Pagu. São Paulo/Campinas: UNICAMP/ Núcleo de Estudos de Gênero, v. 17/18, p. 9-79. 2001.

FEMENIAS, María Luisa. ¿Qué decimos cuando decimos “sujeto”? In: TAMANINI, Marlene, BOSCHILIA, Roseli, SCHWENDLER, Sônia Fátima (orga). Teorias e políticas de gênero na contemporaneidade. Curitiba: Ed. UFPR, 2017, p. 175- 194.

FOX KELLER, Evelyn. Reflections On Gender and Science. New Haven, Yale University Press, 1985.

GARDEY, Delphine; LOWY, Ilana. L’invention du naturel: les sciences et la fabrication du feminine et du masculine. Paris: Éditions des archives contemporaines, 2000.

GARRAU, Marie; LE GOFF, Alice. Care, justice et dépendence: introduction aux théories du care. Paris: Universitaires de France, 2010.

GILLIGAN, Carol. Women's conception of the self and of morality. Harward Educational Review, vol. 47, nº 4, p. 481-517, nov. 1977.

______, Carol. In a Different Voice. Psychological Theory and Women’s Development. Harvard University Press, 2003.

_____. Woman's place in man's life cycle. Harward Educational Review, vol. 49, nº 4, p. 341-446, nov 1979.

_____. Uma voz diferente. Psicologia da diferença entre homens e mulheres da infância à fase adulta. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1982.

_____. Remapping the moral domain: New images of self in relationship. In GILLIGAN; WARD, J. V.; TAYLOR, J. M.; BARDIGE B. Bardige (Eds.). Mapping the moral domain: A contribution of women's thinking to psychological theory and education. Harvard University Press. 1988, p. 1–19.

HARDING, Sandra. The social function of the empiricist conception of the mind. Metaphilosophy. v. 10, n. 1. p. 38-47 Janeiro, 1979.

_____. Is Gender a Variable in Conceptions of Rationality? A Survey of Issues. Dialectica. v. 36, n. 2-3. p. 225-242, 1982.

HARAWAY, Donna. Simians, Cyborgs, and Women: The Reinvention of Nature. London, Free Association Books, 1991.

KUHNEN, Tânia Aparecida. O princípio universalizável do cuidado: superando limites de gênero na teoria moral. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de PósGraduação em Filosofia, Florianópolis, 2015.

LAURETIS, Teresa de. A tecnologia de gênero. in: HOLANDA, Eloísa Buarque de (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, p. 206-242.

LE GOFF, Alice. Care, Participation et Délibération : Politiques du Care et Politique Démocratique. In: GARRAU, Marie e LE GOFF, Alice (Eds.) Politiser le care? Perspectives Sociologiques et Philosophiques, Paris: Le Bord de L'eau, 2012, p. 101-114.

LLOYD, Genevieve. The Man of Reason. “Male” and “Female” in Western Philosophy. Minneapolis. University of Minesota Press, 1984.

MATHIEU, Nicole-Claude. Identité sexuelle/sexuée/de sexe? Trois modes de conceptualisation du rapport entre genre et sexe. In: ______. L'anatomie politique: categorizations et ideologies du sexe. Paris: Côté-Femmes Éditions, 1991. p. 227-266.

NODDIGNS, Nel. Caring: A Feminine Approach to Ethics and Moral Education. Berkeley: University of California Press, 1984.

OKIN Susan Moller. Justice, genre et famille. (trad. L. Thiaw-Po-Une), ChampsFlammarion, Paris, 2008. RUDDICK, Sara. Maternal Thinking: Toward a Politics of Peace. 2nd ed. Boston, MA: Beacon Pres, 1995.

RICH, Adrianne. Of Woman Born. Motherhood as Experience and Institution. Lodon: Virago, 1977.

SHERWIN, Susan. No Longer Patient: Feminist Ethics and Health Care. Philadelphia: Temple University Press, 1992.

KOHLBERG Laurence. Essays on Moral Development. Vol.1: The philosophy of moral development. San Francisco: Harper and Row, 1981.

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora perspectiva, 1998.

PAPERMAN, Patrícia. Cuidado y sentimentos. Tradução de Agoustina Blanco. 1a Ed. Buenos Aires, Fundación Medifé Edita, 2019.

TRONTO, Joan Claire. Caring Democracy. Market, Equality and Justice. New York, New York University Press, 2013.

______. Who cares? How to reshape a democratic politics? Ithaca, NY, Cornell University Press, 2015. Kindle Edition

______. Un monde vulnérable. Pour une éthique du care, (1993), trad. H. Maury, La Découverte, Paris, 2009.

______. Mulheres e cuidados: o que as feministas podem aprender sobre moralidade a partir disso? In: JAGGAR, A. e BORDO, S. Gênero, corpo e conhecimento. Rio de Janeiro, Record, Rosa dos Tempos, 1997.

VARIKAS, Eleni. Naturalização da dominação e poder legítimo na teoria política clássica. Estudos Feministas. CCE/CCE/UFSC. Florianópolis/SC, v. 11, n. 1, p.171-193, 2003.

Downloads

Publicado

2022-11-01