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artificial. Tal cartografia estrutura-se a partir de informações detalhadas, colhidas a partir
do controle de hábitos e costumes (capturam imagens de locais frequentados, diálogos
cotidianos, tipos e formas de relações, acessos e pesquisas feitas na internet, hábitos
alimentares, filmes e programas televisivos assistidos, músicas ouvidas...). Trata-se da
desconstrução de um dos principais avanços civilizatórios, forjado na e pela sociabilidade
burguesa: direito à privacidade, a inviolabilidade do lar, a intimidade, no limite, a
constituição da individuação. No âmbito das relações imediatas, as informações tornam-
se mercadorias, comercializadas pelas grandes corporações, como forma de fidelizar
clientes dispostos a consumir seus produtos, via difusão de anúncios direcionados de
forma permanente. Todavia, no âmbito das relações mediatizadas, trata-se da captura,
controle e domínio das subjetividades, com capacidade de intervenção, controle e
dominação de processos político-econômicos e socioculturais: i. intervenção em
processos eleitorais; ii. Golpes de Estado, aparentemente, estruturados em
descontentamento popular; iii. Movimentos anticientíficos, terraplanistas,
antivacinação... Trata-se de um tipo particular de condicionamento operante, estruturado
objetiva e subjetivamente no e pelo campo do reforço. Pode-se dizer que existem dois
tipos de reforço: positivo e/ou negativo. O primeiro, consiste na apresentação de um
estímulo agradável ou recompensador após a ocorrência da resposta; já o segundo,
consiste em retirar um estímulo aversivo ou desagradável após a ocorrência da resposta
Assim, as Big Techs, fundamentadas na psicologia comportamental, desenvolvem
ferramentas que unificam tecnologias e processos científicos, voltados a manutenção da
conexão total do indivíduo-mercadoria, tais como: i. barra de rolagem, como forma de
criar a ilusão e a projeção de um mundo virtual infinito, em constante processo de
mudança e transformação; ii. notificações, como forma de projetar a ilusão de novidade,
aceitação e reconhecimento social, de tal forma de manter e incentivar a conexão total e
permanente; iii. curtidas e comentários, como forma de projetar a ilusão de que o
indivíduo-mercadoria interfere na dinâmica da vida social e nas grandes questões
socioculturais e político-econômicas; e, iv. avatar, como mecanismo e instrumento do
capitalismo de vigilância, voltado a captura da estrutura cognitiva, psicológica, mental e
emocional dos indivíduos-mercadorias.
A utilização das chamadas redes sociais cria e dinamiza processos de coleta e
atualização de dados de forma permanente, a partir da aplicação de um conjunto integrado
de tecnologias. Assim, forja-se e atualiza-se permanentemente o histórico
comportamental do indivíduo-mercadoria, constituindo-se uma cartografia que coleta e
atualiza dados on e off-line, de tal forma a (re)desenhar permanentemente hábitos,
costumes, comportamentos e ações sociais dos indivíduos-mercadorias. A dinâmica dos
aplicativos impõem e operam via geolocalização. Assim, o app sabe onde você está
(esteve), como, com quem, quando e para onde se desloca, identificando e mapeando
lugares e pessoas com as quais se comunica. Todas ações e comportamentos são
monitorados, permanentemente, coletados e armazenados por algoritmos e inteligência
artificial – institui-se um tipo particular de capitalismo de vigilância complexo e
sofisticado, no qual o próprio indivíduo-mercadoria oferece informações pessoais das
mais diversas, sob uma suposta forma entretenimento.
A vida digital articula-se, difunde-se e naturaliza-se como mercado full time, no
qual os indivíduos-mercadorias são empreendedores de si mesmo e ao mesmo tempo a