O CONCEITO DE OBJETO TRANSCENDENTAL NA DEDUÇÃO A: REVOLUÇÃO OU QUEDA PRÉ-CRÍTICA?

Andrea FAGGION[1]

RESUMO: Pretendo defender a compatibilidade da concepção de objeto desenvolvida na Dedução Transcendental das categorias do entendimento da primeira edição da Crítica da Razão Pura com as demandas da filosofia crítica, ainda que pese em contrário o uso da expressão “objeto transcendental” por parte de Kant. Sugiro que o uso de tal expressão guarde justamente uma transição entre o conceito de objeto como coisa em si e o novo conceito de objeto do conhecimento em sentido crítico.

PALAVRAS-CHAVE: objeto transcendental, filosofia crítica, regra, unidade, categoria, dados sensíveis.

Introdução

Por mais que a afirmação possa soar exótica à primeira vista, Kant se move no quadro da definição nominal clássica da verdade como adequação do conhecimento ao objeto (cf. CRP, A 58, B 82). Assim, o esclarecimento do conceito crítico de objeto assume lugar central quando se pretende entender o que há de revolucionário em Kant. É preciso explicar de que forma este objeto é concebido e de modo que ainda faça sentido que falemos em conhecimento naquele sentido clássico do termo. Neste trabalho, lido com um problema bastante específico que integra esse contexto: a suspeita de que Kant teria se confundido ao desenvolver seu conceito de objeto na primeira versão da Dedução Transcendental das categorias. Portanto, acatando ainda, um conceito pré-revolucionário.

1.

Após desenvolver a famosa tríplice síntese da Dedução A, em que são explicados os níveis de formação da consciência representacional, Kant se pergunta pelo objeto das representações: “É fácil de ver que este objeto apenas deve ser como algo em geral = X, porque nós, fora do nosso conhecimento, nada temos que possamos contrapor a esse conhecimento, como algo que lhe corresponda” (CRP, A 104). Estaria vedado, portanto, o caminho da fundamentação de uma representação objetiva sobre um ente existente em si mesmo como critério (ontológico) de conhecimento. As interpretações de Loparic e Wolff atentam para o fato de que, desde que tenhamos um conceito crítico de objeto, a relação de referência do conjunto de representações a algo, em geral, não deve ser pensada como constituída por algo absolutamente fora de nossa consciência, mas sim como produto de nosso sistema cognitivo:

O “correlato” de nossas representações intuitivas, que na consideração do senso comum é garantida pela existência de um objeto externo, nada mais é do que a consciência da unidade de uma “função [Funktion] de síntese”, mais precisamente, uma “função do entendimento” capaz de gerar padrões unificados de aparecimentos “em conformidade com uma regra” que torne a priori necessária não apenas a reprodução (A 105), mas também a antecipação do múltiplo (A 108). (Loparic, 2000, p.121)[2]

Mas a passagem do texto kantiano, citada acima, contém apenas a enunciação de uma condição negativa para o conceito de objeto da filosofia crítica: o fato de estar descartada a hipótese do objeto ser reificado como a alteridade absoluta do sujeito. Não é ainda enunciada nenhuma condição positiva para que algo ocupe o lugar de objeto. Pelo contrário, o “algo em geral = X” expressa mesmo a total ausência de determinações. No entanto, embora falemos de um objeto indeterminado, não temos um empecilho para tal pesquisa pelas condições positivas que fazem de “algo” um objeto. São coisas diferentes. É assim que Kant prossegue:

Porém, achamos que o nosso pensamento sobre a relação de todo o conhecimento ao seu objeto comporta algo de necessário, pois este objeto é considerado como aquilo a que se faz face; os nossos conhecimentos não se determinam ao acaso ou arbitrariamente, mas a priori e de uma certa maneira, porque, devendo reportar-se a um objeto, devem também concordar necessariamente entre si, relativamente a este objeto, isto é, possuir aquela unidade que constitui o conceito de um objeto. (CRP, A 104-5)[3]

Eis o que viria a aparecer posteriormente nos Prolegômenos como a tese de que o aspecto epistemologicamente relevante da relação da representação ao objeto é a validade universal e necessária conferida à representação pela referência. Na verdade, há um deslocamento na questão que faz com que, rigorosamente falando, não estejamos mais em busca da determinação de um “algo” como objeto, já que este é convertido na unidade de um sistema representacional. Como diz Wolff: “Agora, cognição não é uma questão de construir gravuras mentais, em que imagens internas são adequadas como réplicas de um objeto [...]. A função do objeto então é servir como o fundamento da unidade necessária das representações em um juízo. Em outras palavras, objetividade e necessidade, as marcas do conhecimento, são relações de representações entre si, não a um objeto independente” (1973, p.139).

Para colocarmos de forma mais clara, como nos Prolegômenos, também aqui o insight de Kant é que, em uma concepção tradicional de conhecimento, o que importa na referência de uma representação a seu objeto é o fato de que a representação que tem objetividade neste sentido é, para usarmos uma expressão contemporânea, intersubjetivamente compartilhável de modo necessário, isto é, representações que se reportam a um objeto concordam necessariamente entre si. Assim, a tarefa, para não perdermos o que está em jogo fundamentalmente na noção clássica de conhecimento, é encontrarmos outro critério, que não o fundamento ontológico da representação em um ente existente em si, para a universalidade de nossas representações: “uma vez que apenas temos que nos ocupar com o múltiplo das nossas representações e, como aquele X objeto que lhes  corresponde, não é nada para nós, pois deve ser algo diferente de todas as nossas representações, é claro que a unidade que constitui necessariamente o objeto, não pode ser coisa diferente da unidade formal da consciência na síntese do múltiplo das representações” (CRP, A 105).

Em outros termos, nesta abordagem do problema clássico do conhecimento, o objeto, para nos servirmos de Wolff novamente, pode ser inicialmente caracterizado meramente como um “aquilo em que”: “‘é aquilo no conceito do que o múltiplo de uma dada intuição é unida’. Portanto, a conexão que nós localizamos no objeto não é nada mais nada menos do que a unidade que o entendimento impõe sobre a consciência das representações” (1973, p.187). A noção de objetividade a ser desenvolvida a partir desta nova concepção desreificada de objeto dependerá de conceitos originários, fundamentais (nada mais do que as chamadas “categorias”), que servirão ao entendimento como condições[4] para regras a priori que tornam necessária a apreensão e reprodução do múltiplo da intuição na síntese da imaginação, possibilitando que este múltiplo se unifique em conceitos objetivos de segunda ordem.

2.

A leitura de Loparic mostra-se produtiva para que entendamos este momento do texto de Kant que nos fala da constituição dos objetos sensíveis do conhecimento mediante conceitos. O conceito de um objeto, para Loparic, é justamente a unidade formal discursiva do múltiplo sensível que o refere a seu objeto, garantindo-lhe significado objetivo, sendo que, quando o modo em que o múltiplo é dado não é especificado, o objeto visado é apenas transcendental ou indeterminado, não um objeto sensível determinado (cf. 2000, p.172). A matéria do conceito é então o múltiplo das representações unificadas pela operação do entendimento por meio de sua regra, enquanto a forma do conceito é a regra, que pode ser engendrada inteiramente a priori (que é o caso das categorias que, por isso, tratamos logo acima como conceitos originários) ou com a ajuda da experiência, mas ainda de acordo com aquelas condições a priori expressas nas categorias (cf. 2000, p.176). Conceitos que, de modo algum, funcionam como condições para regras de unificação do múltiplo da intuição são ditos impossíveis (cf. 2000, p.175).

Loparic explica ainda que categorias são “condições universais de regras sintéticas para construção de estruturas de dados intuitivos, que visam garantir que os juízos gerados pelas funções lógicas do entendimento sejam objetivamente válidos, isto é, objetivamente verdadeiros ou falsos no domínio dessas estruturas” (2000, p.188).[5] Importa-nos aqui entender essencialmente que tais regras impõem aos dados sensíveis condições discursivas, que são as categorias, para a estruturação desses dados de modo que possamos pensar objetos a partir deles. Uma vez constituído um domínio sensível objetivo, cada forma lógica dá origem a juízos que podem ser decididos como verdadeiros ou falsos ao serem interpretados em relação a esse domínio. Um exemplo para que tenhamos claro o processo em questão. Uma regra a priori do entendimento chamada “Princípio da Causalidade” (a Segunda Analogia da Experiência) aplica a categoria de causa e efeito ao múltiplo da sensibilidade que apreendemos em relação temporal de sucessão. Com os eventos que se sucedem no tempo, sendo determinados segundo causas, surge um domínio objetivo que permite que juízos empíricos com a forma lógica da relação fundamento/conseqüência (para todo S, se P, então A em e B em ) sejam decididos como verdadeiros ou falsos. Sem a aplicação da categoria de causalidade para a estruturação deste aspecto do domínio de dados sensíveis, os eventos sucessivos seriam pensados apenas como conjuntados, não como necessariamente conectados, de modo que juízos de experiência (leis naturais particulares) com a forma lógica correspondente à categoria da causalidade, não poderiam ter pretensão de verdade. É por esta razão que dizemos que a necessidade objetiva de certa seqüência de aspectos “funda-se numa regra do entendimento que controla a operação de apreensão” (Loparic, 2000, p.109). Em outras palavras, diríamos que a apreensão nunca pode se dar de modo que seja impossível a aplicação das categorias às representações empíricas.

Estudado então o traço distintivo à constituição da objetividade, podemos dar um tratamento ainda mais direto à questão: “o que é um objeto no sentido crítico?” Já sabemos que a resposta não pode ser ontológica. Loparic aborda o problema nos dizendo que as unidades objetivas indeterminadas do múltiplo da intuição que, segundo o uso de Kant, podem também ser chamadas de “algo em geral = X”, “X transcendental” ou “incógnita transcendental” (cf. CRP, A 104 e 253), são determinadas como valores das incógnitas dos problemas do entendimento (cf. Loparic, 2000, p.121). Neste caso, por exemplo, dos problemas objetuais empíricos, as incógnitas seriam os diferentes aspectos da unidade das intuições (como sua constituição interna e suas interconexões), sendo as respostas juízos de experiência que ampliariam aspectos da unidade observados (cf. 2000, p.120). Como uma incógnita significa aqui um correlato da unidade de uma regra de síntese de representações e um objeto empírico determinado é seu valor, o mesmo objeto não pode ser considerado um aparecimento em particular, mas também não pode ser uma classe finita de aparecimentos, visto que sempre são possíveis juízos ampliativos acerca do objeto.

A hipótese de uma classe infinita atual de representações é vedada por falarmos de dados empíricos, sempre condicionados. Como também não falamos de um ente transcendente com relação aos dados sensíveis, concordamos com Loparic, que conclui que: “Resta a possibilidade de dizer que um objeto sensível kantiano é uma classe aberta de aparecimentos, construtível por meio de operações executadas de acordo com uma regra geral” ou “extensões abertas de aparecimentos reprodutíveis por um procedimento geral” (2000, p.122), que são “classes especificadas pelo ponto de partida dado e pela lei para a geração de todos os outros membros”, o que é o mesmo que dizer também que são conjuntos infinitos de soluções de problemas empíricos intermináveis, “cujas incógnitas são os dados infinitos que faltam para completar uma classe construtiva kantiana dada (isto é, já parcialmente constituída)” (2000, p.123).[6] Os objetos empíricos determinados, juntamente com os objetos matemáticos que lhes dão forma a priori, esgotam a esfera do novo conhecimento objetivo possível, ou seja, a Dedução Transcendental ao trabalhar com o conceito crítico de objeto, limita o conhecimento especificamente ao domínio intuitivo.

3.

Leituras como as de Loparic e Wolff para a objetividade em Kant parecem cruciais para que entendamos que o objeto transcendental de que Kant trata na Dedução A não é o objeto transcendental como coisa em si, que aparece na Estética Transcendental (cf. CRP, A 46, B 63), na Segunda Analogia (cf. CRP, A 194, B 239), na Nota sobre a Anfibolia dos Conceitos da Reflexão (cf. CRP, A 277, B 333 e A 288, B 344) e na Dialética Transcendental (cf. CRP, A 358, A 361, A 366, A 372, A 379, A 390, A 393-4, A 494-5, B 522). A mesma nomenclatura estaria sendo usada na análise de problemas diferentes e, por isso, com denotações diferentes: “Há um certo desajuste na exposição de Kant, pois a mudança no significado do termo ‘objeto transcendental’, mesmo quando as razões para isso são explicadas, levam necessariamente à confusão” (Paton, 1936, v. I, p.424). Por conseguinte, cabe ao comentador atentar para a diferença de contextos e não atribuir uniformidade ao objeto transcendental como coisa em si, único mantido na edição B da Crítica, e ao objeto transcendental que também dá nome ao objeto indeterminado de uma experiência possível na edição A. Ewing também parece ter sido bastante feliz comentando a questão: “aqui, nós precisamos escolher entre admitir uma inconsistência no uso da terminologia por parte de Kant e uma inconsistência fundamental e extraordinária nas visões expressas, eu prefiro a primeira alternativa” (1938, p.101).

Na edição A da Crítica, no Capítulo III da Analítica dos Princípios, referente à distinção dos objetos em fenômenos e númenos, Kant parece trabalhar uma espécie de transição entre os dois sentidos de objeto transcendental: como coisa em si e como unidade da regra de síntese do múltiplo das representações. Lá, o objeto transcendental, do qual nada sabemos, serve a título de correlato da unidade da percepção pura para unificar o múltiplo da intuição sensível (cf. CRP, A 250-1). É verdade que, ao se referir à incognoscibilidade do objeto transcendental como referente dos fenômenos, Kant parece nos obrigar a interpretá-lo como coisa em si. Mas eu digo que ele procede a uma transição para o conceito da Dedução A, em que o objeto transcendental não pode ser equiparado à coisa em si, pois ele alerta que “este objeto transcendental não se pode, de maneira alguma, separar dos dados sensíveis”, para então dizer que não há objeto do conhecimento em si, “mas apenas a representação dos fenômenos subordinada ao conceito de um objeto em geral, que é determinável pelo múltiplo dos fenômenos” (CRP, A 251). De forma definitiva, Kant acrescenta ainda que as categorias servem “para determinar o objeto transcendental (o conceito de algo em geral), por meio do que é dado na sensibilidade, para assim conhecer empiricamente fenômenos sob conceitos de objetos” (ibid. idem). Interessantemente, Ewing vê esta transição também na própria Dedução A, o que parece fazer muito sentido:

Eu, de minha parte, penso que Kant esteja começando com a concepção do senso comum de um objeto, ao qual as representações são referidas, e então esteja notando que, para nós, a referência a um objeto não pode significar nada além do que dizer que representações constituem um sistema. Pois, ele está dizendo, nosso conceito do objeto transcendental considerado à parte disto torna-se o conceito vazio de uma coisa em si, e, portanto, se o conceito de “objeto” deve ser útil ao nosso pensamento, precisa adquirir um significado diferente e ser entendido como uma expressão da unidade de nossa experiência, isto é, ele deliberadamente muda o significado de “objeto transcendental” para mostrar ao leitor o único sentido em que o conceito de um objeto pode ser empregue utilmente. (Ewing, 1936, p.101)

Ora, está claro até aqui, ou melhor, está dito, que o objeto transcendental é apenas um objeto em geral que assumirá diferentes determinações conforme às categorias determinem o múltiplo sensível. Por isso, não faria sentido que repetíssemos com Kemp Smith que a doutrina do objeto transcendental não pôde ser mantida na Dedução B por não deixar espaço para objetos empíricos (cf. Kemp Smith, 1918, p.206). A coisa em si, que Kemp Smith pensa ser o único sentido de objeto transcendental, pode ter papel nessa reflexão kantiana no sentido de nos ajudar a compreender que o fenômeno é uma representação de um objeto, e não ele mesmo um objeto, é assim que falo em transição de um sentido a outro, mas daí a usar a doutrina do objeto transcendental para fazer da coisa em si o objeto do conhecimento, não parece cabível. Não é então por acaso que, ao defender a interpretação que rechaçamos aqui, Kemp Smith classifica a doutrina do objeto transcendental como pré-Crítica, censurando Kant por sua presença na Crítica (cf. 1918, p.204).

É certo que as passagens da Dedução A e do Capítulo III que analisamos foram suprimidas da segunda edição da Crítica, mas isto seria evidência insuficiente para que considerássemos estes textos como pré-Críticos, especialmente se tivermos em mente que a coisa em si nada mais é do que o númeno em sentido negativo, ou seja, a coisa da qual abstraímos nosso modo de intuir e pensar (cf. CRP, A 252, B 307-8) e, no texto do Capítulo III removido da edição B, logo após expor os conceitos negativo e positivo de númeno, Kant diz que o objeto transcendental, a que reporto o fenômeno em geral, sendo o pensamento completamente indeterminado de algo em geral, não pode ser o númeno: “Não posso pensá-lo [ao númeno – AF] mediante categorias, pois estas só valem para a intuição empírica a fim de a reconduzirem a um conceito do objeto em geral” (CRP, A 253).

A passagem da Dialética contida em A 494, B 522, mantida na segunda edição da Crítica, certamente confunde Kemp Smith (cf. 1918, p.211-7). Com base nela, ele interpreta que Kant tomava o objeto transcendental no sentido de coisa em si como fundamento da objetividade dos fenômenos. Ocorre que Kant diz: “A este objeto transcendental podemos atribuir toda a extensão e encadeamento das nossas percepções possíveis” (CRP, A 494, B 522-3). Entretanto, este encadeamento das nossas percepções não devia ser lido como a unidade necessária característica do objeto da Dedução A. Como abono para esta advertência, recorro à seqüência do texto de Kant em questão: “A causa das condições empíricas deste progresso [da experiência – AF] e, portanto, que membros posso encontrar na regressão, ou mesmo até onde poderei encontrá-los, tudo isto é transcendental e, por conseguinte, necessariamente desconhecido para mim” (CRP, A 496, B 524).

Considerações Finais

Em minha leitura, portanto, tomo o objeto transcendental no sentido de coisa em si como determinando o encadeamento das percepções na medida em que ele determina as condições empíricas em que progredirei em uma experiência, isto é, um problema completamente distinto daquele da Dedução A. Conclui-se que, sim, a doutrina é de difícil interpretação e Kant a simplificou na segunda edição da Crítica reservando a expressão “objeto transcendental” apenas para o sentido de coisa em si e, que não era uma doutrina pré-Crítica sobrevivente, valendo-se de números como objetos do conhecimento, exatamente porque havia um segundo sentido, adjazente em uma doutrina do objeto crítico que foi mantida inalterada na edição B, tendo como única modificação exatamente o abandono da expressão que lhe dava nome.[7]

ABSTRACT: The present paper intends to advocate for the compatibility between the object’s conception developed in Transcendental Deduction of the categories on the Critique of Pure Reason’s first edition and critical philosophy’s demands, even though Kant uses the expression “transcendental object” in that context. I would like to point out that the use of such expression by Kant shows

a transition of object’s concept from a traditional sense to a critical one in which “transcendental object” is not the thing in itself anymore.

KEYWORDS: transcendental object, critical philosophy, rule, unit, category, sensitive data.

Referências bibliográficas

Obras de Kant:

Immanuel Kant: Werke in Zwölf Bande. Ed. W. Weischedel. Frankfurt: Surkamp, 1991.

Kant’s Gesammelte Schriften. Berlin und Leipzig: Walter de Grunter & Co., 1926.

Traduções:

Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos; Alexandre Fradique Morujão. 4.ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997.

Prolegômenos a qualquer Metafísica Futura que Possa Vir a Ser Considerada como Ciência. Tradução de Tânia Maria Bernkopf. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

Obras sobre Kant:

BIRD, G. Kant's Theory of Knowledge. An outline of one central argument in the “Critique of Pure Reason”. London: Routledge & Kegan Paul, 1962.

EWING, A. C. A Short Commentary on Kant’s Critique of Pure Reason. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1938.

KEMP SMITH, N. A Commentary to Kant’s “Critique of Pure Reason”. London: The Macmillan Press, 1918.

LOPARIC, Z. A Semântica Transcendental de Kant. Campinas: Unicamp, Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, 2000.

PATON, H. J. In Defense of Reason. London: Hutchinson’s University Library, 1951.

________. Kant’s Metaphysic of Experience: a commentary on the first half of the Kritik der Reinen Vernunft. London; New York: George Allen & Unwin LTD; Humanities Press INC., 1936.

SMITH, A. H. Kant Sudies. Oxford: Clarendon Press, 1947.

WOLFF, R. P. Kant’s Theory of Mental Activity: a commentary on the transcendental analytic of the Critique of Pure Reason. Cloucester, Mass: Peter Smith, 1973.



[1] É Doutora em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Professora Adjunta da Universidade Estadual de Maringá.

[2] “Em Kant, a teoria do objeto faz parte da teoria do significado e da verdade, e não do mundo ou das coisas elas mesmas” (Loparic, 2000, p.135). Wolff lê Kant com o mesmo fenomenalismo: “objetos são produtos da atividade da mente” (1973, p.141).

[3] Creio ser bastante evidente que este momento do texto kantiano deva ser comparado com o que Kant diz sobre o objeto do conhecimento, retomando o esclarecimento de seu sentido crítico, na Segunda Analogia: “Como somos, então, impelidos a dar um objeto a estas representações ou a atribuir-lhes não sei que realidade objetiva para além da realidade subjetiva que possuem, enquanto modificações? O valor objetivo não pode consistir na relação com outra representação (do que se quisesse chamar objeto); pois então renova-se a pergunta: como sai esta representação, por sua vez, para fora de si própria e adquire significado objetivo, para além do subjetivo, que lhe é inerente como determinação de um estado de espírito? Se investigarmos qual é a nova propriedade que a relação a um objeto confere às nossas representações e qual a dignidade que assim adquirem, encontramos que essa relação nada mais faz que tornar necessária, de determinada maneira, a ligação das representações e submetê-las a uma regra; e que, inversamente, só porque é necessária certa ordem na relação de tempo das nossas representações, elas auferem significado objetivo” (CRP, A 197, B 242-3).

[4] O sentido em que as categorias são condições para regras só pode ser entendido em uma leitura conjunta com a doutrina do Esquematismo. Na impossibilidade de levá-la a cabo aqui, atento, como Paton, para a necessidade envolvida no próprio conceito de objeto para concordar com este comentador quando ele descarta a suposta dificuldade levantada por Vaihinger e Kemp Smith de que, no texto kantiano sob análise, o filósofo não trabalharia tendo as categorias em mente, mas apenas conceitos empíricos, de modo que este seria um texto antigo arbitrariamente intercalado na Dedução Transcendental (cf. Paton, 1951, p.85). Os conceitos empíricos não subsumidos a categorias de relação dão conta do problema kantiano apenas até o ponto em que está em jogo a recognição como condição de uma representação intuitiva. Quando se passa ao problema de seu referente objetivo, Kant está atento para a necessidade de uma regra, a priori, de unidade da síntese do múltiplo em todos os seus níveis. Possivelmente, por não estar de posse do esquema da substância, por exemplo, Kant optou por usar como exemplo de regra da reprodução necessária do múltiplo empírico, um conceito empírico, no caso o conceito de corpo, exemplo por excelência da substância. Não acredito, portanto, que Kant tenha confundido a função generalizante pertencente a todo conceito, com a pretensão à universalidade necessária implicada pela noção de validade objetiva. Para a validade objetiva de uma representação, não conta apenas que ela possa ser instanciada em várias apreensões particulares do mesmo sujeito, mas que seja compartilhável, a princípio, também por outros sujeitos possíveis, o que não está contido no conceito de conceito em geral, mas sim no conceito de categoria em específico.

[5] As regras sintéticas a que Loparic se refere são os chamados “Princípios do Entendimento” (cf. 2000, p.203).

[6] É verdade que os “X” transcendentais podem ser interpretados por séries finitas de aparecimentos geradas de acordo com sua regra, mas seria uma interpretação apenas parcial (cf. Loparic, 2000, p.125), pois, para Loparic os objetos sensíveis “relacionam-se com representações intuitivas singulares do mesmo modo que as classes construtivas kantianas com seus membros” (2000, p.197).

[7] Para uma abordagem crítica, mas diferente da exposta aqui, para a interpretação de Kemp Smith, ver Paton, 1936, v. I, p.421-5. Ver Smith, 1947, p.70-9 para uma leitura, da qual discordo, em que o objeto transcendental da Dedução A é distinto das representações e também da coisa em si. Ver Bird, 1962, p.76-8 e 132-3, para um comentário, em linhas gerais, semelhante ao feito aqui.