ENTREVISTA COM BENEDITO NUNES

A revista Trans/Form/Ação retoma uma prática que  marcou seus números iniciais, de publicar entrevistas com filósofos ou intelectuais, decisivos no debate acadêmico contemporâneo. O gênero merece hoje ser retomado, pois se de um lado aponta para a tradição do diálogo filosófico, isto é, para um percurso argumentativo motivado pelo confronto e apresentação de idéias, por outro, demonstra que o formato de uma conversa, composto por desvios, associações e rememorações, possibilita um exercício intelectual dinâmico que atualiza conteúdos filosóficos.

Assim, neste número publicamos a entrevista com o professor emérito da Universidade Federal de Belém, Benedito Nunes. Nascido em Belém em 1929, formado em Direito, ele é autor de vários livros em que busca aproximar filosofia e literatura, como No tempo do niilismo e outros ensaios (1993) e Crivo de papel (1998). Aqui, o autor retraça em tom caloroso e jovial seu caminho singular até a filosofia, um itinerário que desde o início já acenava para a pesquisa de uma estreita vizinhança entre poesia e filosofia. Seja com Clarice Lispector ou João Cabral de Melo Neto, seja com Heidegger ou Merleau-Ponty, tratava-se de encontrar entre eles relações de contigüidade: modos de aproximação e de distanciamento. Do percurso dialógico, o leitor encontrará ainda a reflexão do filósofo sobre sua atuação nos suplementos culturais de vários jornais brasileiros; as referências filosóficas decisivas em sua formação e, por fim, como pensa hoje a especificidade da filosofia.

A conversa aconteceu em Belém, em janeiro de 2004, com a participação dos professores Márcio Benchimol Barros (Unesp) e Ernani Chaves (UFPA).

Ernani Chaves – Eu já li em algum lugar que o primeiro livro de filosofia que o senhor leu foi o Zaratustra de Nietzsche. Eu gostaria de saber como é que a filosofia aconteceu na sua vida.

Benedito Nunes – Eu tenho uma vaga recordação desse Zaratustra de Nietzsche, em uma edição popular de Portugal. As folhas estavam até desmanchando e os cadernos descosturados. A outra recordação da filosofia – que nessa época eu tinha descoberto por conta própria – é que havia, digamos, uma inquietação religiosa, e essa inquietação religiosa foi que me levou à filosofia. Eu tinha descoberto certos pensadores que se tornaram pra mim verdadeiros companheiros de um pensamento que começava… eu tinha necessidade de pensar... Como Unamuno, por exemplo, e de Unamuno cheguei a Pascal. Peguei Pascal na biblioteca do Colégio Moderno.

E.C. – Com quantos anos isso, professor?

BN – Eu devia ter uns 16 ou 17 anos já com Pascal. Eu tinha a vantagem, nessa época, de ler muito bem francês. Eu tinha começado a aprender francês fora do colégio. Havia uma senhora... é preciso fazer um retrato dela: morava perto da minha casa e era de uma família antiga de que hoje há poucos descendentes disseminados por aí. Mas ela tinha uma particularidade: tinha uma paixão pelo estudo de línguas. Era praticamente viúva, porque o marido dela estava no Rio de Janeiro... não sei qual era a situação familiar. Lembro que ela morava numa casa grande e bonita, linda, que foi derrubada. E ela fez questão de me ensinar francês. Então antes do Colégio Moderno, pelo método Berlitz, que ela tinha adotado, eu aprendi francês. Assim, quando cheguei às aulas da professora Lucélia eu já tinha um conhecimento da língua, e por isso eu pude facilmente ler certos autores que a biblioteca do Colégio Moderno tinha (não sei que fim levou esses livros...). Bom, tinha, por exemplo, livros que eram considerados terríveis, que para mim foram um choque emocional e intelectual, por exemplo. De família católica e tendo sido acólito, ajudando o padre na missa: às quintas-feiras, benção do santíssimo; aos domingos, missa no Rosário da Campina..., então, para mim a descoberta de certos livros foi um pouco um início de uma libertação intelectual. Por isso que eu disse que a religião foi o caminho. Num desses livros, de uma coleção portuguesa chamada Biblioteca do Espírito Moderno, que devia ser uma coleção de anarquistas e socialistas portugueses, intitulado A Igreja e a Liberdade, se enumeravam todas as atitudes da Igreja contrárias a liberdade. Indo da perseguição aos Cátaros à organização da Inquisição. E havia outro pior ainda, escrito sob pseudônimo... um tal de Timoteon..., que tinha o título Não creio em Deus. Ainda me lembro desses livros, das configurações deles, como era mais ou menos o pensamento de cada um... O Timoteon era muito ingênuo, panfletário, era um livro de época. A coleção publicava livros de anarquistas portugueses. Então foi, realmente, essa situação religiosa, que depois se tornou uma inquietação intelectual, que me levou à filosofia. Quer dizer, que fez com que eu não me fixasse também na filosofia, que oscilasse entre literatura e filosofia. Que eu acho que é outro ponto que me impregnou muito. Na verdade minhas atividades começavam sendo atividades literárias.

E.C. – Eu li a tese da professora do NPI que recolheu todos os suplementos literários da Folha do Norte. Ela fez um estudo e no final catalogou tudo. E lá o senhor publicou muitos poemas. Eu li, inclusive, vários poemas.

BN – Horrível! Horrível..., mas ali eu também publicava, dentro dessa dualidade ou dessa ambigüidade (literatura e filosofia), uns pretensiosos pensamentos em forma de adágio, que se chamavam As Confissões do Solitário, que eram reflexões sobre o que eu estava fazendo, e que mereceram uma vez, de um jornal que o Arcebispado publicava um artigo censurando esses trabalhos, no qual o autor, que era Dom Alberto Ramos,[1] se admirava muito de que uma pessoa de uma família católica pudesse escrever coisas assim. Eles sabiam a identidade do “solitário”..., para você ver como Belém era pequena naquela época...

E.C. – Uma coisa que me chamou atenção quando li sobre o suplemento literário da Folha do Norte, do qual o senhor fazia parte junto com um outro grupo de intelectuais da época, era a presença muito grande do existencialismo; uma importância muito grande do pensamento de Sartre. Gostaria que o senhor falasse uma pouco disso, na Belém do final da década de 40 e no começo dos anos 50, qual a influência e a importância do pensamento de Sartre.

BN – Isso foi canalizado pelo suplemento literário, que era dirigido pelo Haroldo Maranhão,[2] que saía aos domingos, “Letras e Artes”, ou coisa semelhante. O suplemento publicava autores do sul, como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira... eram todos colaboradores com os quais o Haroldo se relacionava. Ele fazia entrevistas com estes autores, Cecília Meireles, Manuel Bandeira... Por causa das agências de notícias européias, que antigamente funcionavam nas bases correspondentes, com a tecnologia da época que eram os telegramas, feitos por meio de uma máquina especial, “telefax”, ou algo assim..., vinham muitas coisas do sul do país, da imprensa do sul do país. Por outro lado, essa imprensa era abastecida com jornais europeus, raramente norte-americanos. Esses correspondentes sediados no Rio de Janeiro mandavam (artigos) pra cá. Então vinha muita coisa sobre o existencialismo. Na época, é claro ninguém fazia diferença entre o existencialismo e as filosofias da existência. Acho que não se sabia que existencialismo era um nome próprio cunhado pelo Sartre, etc... Voltando para a minha situação, antes de terminar o curso de direito, eu fiz uma palestra no salão da faculdade (de direito), que era ainda no Largo da Trindade. Não sei se a denominei O existencialismo, ou As filosofias da existência ou As correntes existencialistas. E o diretor da faculdade que já ocupava o cargo há muito tempo e que era muito cordial, me disse: – “olha, eu vou assistir, eu quero ver o que você vai dizer”. Ele estava pensando no existencialismo da propaganda jornalística, que era o existencialismo do tabu, de Paris, freqüentado pelo Sartre. Quando ele viu que a coisa não era pra esse lado ele ficou muito desgostoso. Também naquela época, devido às inclinações religiosas que eu tinha, eu fiz também um estudo sobre São Tomás de Aquino. Tal como o Mário Faustino, numa determinada época, eu me inclinei muito para Igreja, e dessa hesitação resultou um estudo sobre São Tomás de Aquino. O decisivo, realmente, veio com um conhecimento melhor de filosofia, do Heidegger, estudando por conta própria, lendo aqui e ali pelo meu sistema de caderninhos: tomando notas abundantemente e escrevendo. Naquela época, escrevi muito no “Jornal do Brasil”, e o carro chefe foi um estudo que fiz sobre o Mário Faustino; minha colaboração (com o Jornal do Brasil) começou com um estudo muito grande sobre Mário Faustino, sobre “O Homem e sua Hora”. E depois vieram outros e outros escritos, por exemplo, sobre Nicolai Hartmann, do qual ninguém falava no Brasil. Mas o Jornal do Brasil publicou dois ou três artigos sobre o Hartmann de minha autoria. Naquela época essa questão do espaço não era tão severa como hoje, era outra compreensão que se tinha jornalismo, era diferente. Hoje, os assuntos culturais são muito bitolados, eles entram numa certa maquinária, que é até uma maquinária publicitária: hoje o artigo se confunde muito com a resenha jornalística. Eu publiquei no Jornal do Brasil, em 1956, em cinco domingos seguidos, em página inteira, um estudo que hoje interessaria a poucas pessoas: “O pensamento de Sócrates”, uma tentativa de reconstituir desde Diógenes Laércio até outros testemunhos, como seria o pensamento de Sócrates. E também houve, por iniciativa do Mário Faustino, a proposta de organizar uma página de filosofia para o Jornal do Brasil. Então saíram quatro páginas de filosofia no Jornal do Brasil. Mas eu também não tinha esse pendor jornalístico que ele tinha, e além do mais a genialidade que ele tinha. O Mário era um sujeito de um talento imenso, que já confinava com a genialidade. Ele fez o jornalismo literário mais arguto que já se fez no Brasil, e em uma página dedicada só à poesia! Crítica (literária) limitada à poesia, isso só ele fez...

M.B. – Nessa época o senhor residia em Belém?

BN – Sim. Então nas quatro páginas organizadas saíram, por exemplo, Descartes, as Meditações cartesianas... aí eu punha um trecho das Meditações que eu traduzia; depois um artigo de Sartre sobre Descartes... e muitas coisas assim. Chegaram a sair três ou quatro páginas. Isso foi no Jornal do Brasil de 1956 a 1959. Depois essa fase áurea acabou.

Até então, apesar dos artigos de filosofia, eu ainda não tinha publicado nenhum livro. O primeiro livro que publiquei foi “O mundo de Clarice Lispector”, editado em Manaus, pelo Arthur César Reis,[3] que tinha sido meu professor aqui em Belém. Era um magnífico professor de história que nos deu a conhecer diversas civilizações, Asteca, Andinas etc, e que me deu para ler Casa Grande e Senzala. Então, ele publicou esse livro que era uma coletânea de artigos que haviam sido publicados n’O Estado de São Paulo. Quando eu estava trabalhando para o Jornal do Brasil, comecei a escrever no O Estado de São Paulo.

M.B. – Nessa época o senhor já tinha travado conhecimento pessoal com Clarice Lispector?

BN – Não, nessa época só conhecia a lenda da Clarice. Ela se tornara muito amiga de pessoas, como o prof. Mendes.[4] Em 1942 ou 1943, época da Guerra, ela veio pra cá acompanhando seu marido que era do Itamaraty e chamava-se Amaury Gurgel Amarantes. Hospedaram-se no Central Hotel, que era um hotel civilizado, não é como aquela bagunça que tem hoje. Hospedou-se lá e fez um contato com o Mendes, cuja vida doméstica se passava em grande parte no Café Central: era lá que ele recebia os amigos. E ele se deu com a Clarice, de modo que eu sempre ouvia falar na “dona Clarice”. Ela foi daqui pra Natal com o marido e seguiu com ele para Itália, por causa da guerra. Então, o Arthur Reis publicou esse livro sobre Clarice Lispector, que foi o primeiro. Ao mesmo tempo, por causa das minhas relações com O Estado de São Paulo, eu conheci o Décio de Almeida Prado, e por intermédio dele o Antonio Candido. Estavam nessa época, ele e Antonio Candido, organizando uma coleção de pequenos livros, livros de divulgação. Eles me encomendaram dois: um chamado Filosofia da Arte, que era sobre estética, e outro sobre filosofia contemporânea. Esse dois livros foram publicados e depois republicados pela (editora) Ática.

E.C. – E nesse ínterim o senhor começou a dar aula na faculdade?

BN – Sim. Nesse ínterim eu já estava começando a dar aulas na Faculdade de Filosofia, que foi o núcleo originário da Universidade (Federal do Pará), que funcionava no antigo Colégio Visconde de Souza Franco. Era uma casa muito bonita que a estupidez de um Secretário da Cultura derrubou, uma casa linda, uma das poucas que restavam da época da belle époque. Derrubaram tudo. No início, abriram cursos como o de pedagogia, de ciências sociais, de história... O primeiro professor de filosofia era da cadeira de história da filosofia, no curso de pedagogia. Quem lecionava era o Daniel Coelho da Souza. E o Daniel ficou impossibilitado de lecionar num determinado ano, e me chamou, e eu fui substituí-lo.

Então depois vieram as encomendas dos dois livros. O caso do (livro sobre) Heidegger foi muito diferente. Eu conhecia o Heidegger por leituras transversais. Eu achei que não era correto, não era uma coisa autêntica escrever alguma coisa sobre Heidegger sem conhecer alemão, sem poder ler em alemão. Então, ao mesmo tempo em que eu comecei a reler o Heidegger eu tomei uma professora de alemão. Isso foi nos anos 70. Quem tinha me encomendado isso, para uma coleção pequena que saiu durante algum tempo, alguns volumes só, foi o Silvano Santiago, que eu tinha conhecido em Paris em 60. Mas isto é uma outra história, a história das minhas viagens. Na verdade, os assuntos pra mim se tornam importantes e eu não honro muitos os prazos, aprendi a honrá-los mais pra cá. Então, eu ultrapassei todos os prazos. Até que cheguei ao momento em que o livro ficou pronto e havia um projeto da Ática... – foi ao tempo em que eu fui lecionar em Campinas e fiz muitos conhecimentos lá; fui convidado pra ensinar no Instituto de Linguagem, pelo Antonio Candido, que abriu o Instituto (IEL-Unicamp). Nessa época eu conheci muita gente e o livro foi retomado pela Ática, e é esse que vocês conhecem como Passagem para o Poético. Essa foi a coisa mais trabalhosa que já fiz, em termos de dedicação. Isso porque fiquei muito tomado pelo assunto. Como também no caso da Clarice. Porque os primeiros artigos que tinham sido coligidos nesse volume editado em Manaus foram completamente reformulados. Eu tinha dado uma versão muito existencialista para a Clarice. Eu achei que não estava certo, e aí reformulei tudo e resultou naquele livro “ O Drama da Linguagem”, que é reformulação de um primeiro que eu havia publicado em São Paulo, “Uma leitura de Clarice Lispector”, numa coleção pequena que não durou muito. Então, aí vocês podem ver uma oscilação entre a literatura e a filosofia, Clarice Lispector e ao mesmo tempo Heidegger... oscilação essa que já vinha de muito tempo, e na qual eu me encontro até hoje. Uma oscilação de pensamento... literatura e filosofia, procurando já, dentro de uma temática determinada, ligar essas duas coisas; não nivelar, mas ligar, mostrar as correlações, as oposições, os pontos de contato e de afastamento, etc..., o que gerou outros trabalhos...

M.B. – Como foi que o senhor começou a se interessar pela filosofia do Heidegger? Historicamente como é que isso apareceu na sua vida?

BN – Bem, aí entra outro personagem. Eu dependo de personagens, sempre pessoas muito mais velhas do que eu. Por exemplo, pra concretizar essa minha afirmativa: quando eu estava no Colégio Moderno, eu me liguei muito ao Augusto Serra, que era o diretor. Conversávamos durante horas e horas. Eu devia ser um menino muito presunçoso... Devia ser muito falante também. E nessa época eu publicava as tais “confissões solitárias” no jornal. O jornal era muito livre. Era o grande jornal que funcionava de manhã, e de tarde com um vespertino. O Augusto Serra era um grande amigo meu, e que me favoreceu bastante por me disponibilizar a biblioteca do Colégio Moderno. Os livros eram quase todos em inglês e francês. Mas naquela época havia gente lendo em francês e inglês. Havia alguma movimentação na biblioteca. Isso era interessante. Era a biblioteca do Grêmio Cívico do Colégio Moderno, do qual eu era presidente. Eu tinha também um primo que tinha uma grande vocação para a filosofia, mas sua vocação era carregada de uma dose grande de misticismo. Ele foi juiz federal no Amapá, era inteligentíssimo e resolveu contestar o Farias Brito, porque o Farias Brito tinha um livro chamado “A verdade como regra das ações”. Então ele escreveu um livro que eu não consegui recuperar, que se chamava “O amor como regra das ações”. Ele era um caboclo puro, com voz forte, de tenor. Quando eu saía do Moderno eu ia sempre pra casa da mãe dele. Eram três irmãos: Ribamar, Levi e Silvio. O Silvio era católico, o Levi era marxista o e Ribamar era místico. Eram três personalidades interessantíssimas, viviam fora, nas comarcas. O único que vivia aqui era o Levi. Eu passava muitas manhãs na casa da mãe deles, porque eles tinham deixado uma biblioteca. E havia uns volumes lindos lá, franceses encadernados: uma linda edição de O mundo como vontade e representação, de Schopenhauer e da Crítica da razão pura e Crítica da razão prática de Kant. O meu primeiro contato com esses autores foi lá, nessa casa. Que ficava na Quintino Bocaiúva e termina num capinzal.

E.C. – E foi esse primo que um dia lhe enviou um dia o Heidegger?

BN – Exatamente. O Ser e tempo, em tradição espanhola, da década de 1950, que precedeu em muitos anos a edição francesa. Mais tarde então é que houve a leitura que fiz do Heidegger já em alemão para escrever o livro. O pensamento dele, pra que eu use o termo certo, me apaixonou. A linguagem, o modo de envolvimento da existência, a noção mesma de existência... tudo isso que correspondeu já a uma saída do campo religioso e que me levou à filosofia, e me deu também uma compreensão antropológica de religião, que eu pude associar a outros autores como Ernst Cassirer, um autor que eu usei muito para ensinar filosofia. O Heidegger também me deu a relação, muito permanente no meu pensamento, que é a entre filosofia e poesia. O papel da poesia em relação à filosofia, questão que depois foi fecundada e realimentada pelo Merleau-Ponty.

M.B. – O senhor foi aluno dele, não é?

BN – É muito forte dizer que fui aluno. Porque era o “Collège de France” e no “Collège de France” você chega e se senta...

E.C. – E as conferências dele?

BN – Assisti às conferências de Merleau-Ponty, o que foi diferente porque nesse tempo ele era professor regular da Sorbonne. Ele estava lecionando, dando cursos. Ele nunca passou para o “Collège de France”, porque perdeu na eleição para o Michel Foucault. Bom, outro capítulo também é o Foucault. Que também interessa talvez porque foi uma outra relação muito interessante já intermediada pela Universidade (Federal do Pará).

E.C. – Mas o que é que o senhor guarda dessas aulas do MerleauPonty?

BN – Bom, o Merleau-Ponty que me interessou muito foi o Merleau-Ponty posterior, o de O Visível e O Invisível, mas começando pela Fenomenologia da Percepção. O que eu guardo é principalmente a abordagem, que naquele tempo era inédita, numa época de pleno domínio da filosofia da existência. Então vem um professor e começa a falar de novo sobre filosofia da natureza, sobre o corpo, “corpo próprio”, darwinismo, neodarwinismo, o trabalho da evolução, de adaptação... Isso tudo foi realmente uma segunda sedução para mim – em relação à primeira, ao Heidegger. Tanto que tenho feito alguns trabalhos, que estão naquele “Crivo de Papel”,[5] sobre essa grande separação entre nós e a natureza, do ponto de vista até da animalidade, separação com o mundo animal, com o mundo natural. Nós vivemos numa cultura completa. Talvez o nosso pensamento tenha se afastado muito e agora esteja se aproximando por intermédio do ecologismo e outros movimentos assim. Com os quais o Heidegger já tinha uma determinada afinidade.

E.C. – Então, já que a gente tocou em Heidegger.... Bom, grande parte do pensamento contemporâneo é uma crítica acirrada a Heidegger, considerado irracionalista, conservador. Como é que o senhor se situa diante dessas críticas. Os críticos, por exemplo, do chamado pós-modernismo, sempre terminam na mesma crítica; e ao lado do Heidegger, o Nietzsche é também criticado nos mesmos termos. Como é, por exemplo, o caso do Habermas, no Discurso filosófico da modernidade.

BN – É, há uma oposição muito grande ante ao Heidegger e eu acho que o que influiu muito foi a posição dele de adesão ao Nazismo, essa coisa da qual ele não se livrou a vida inteira. O que terá sido isso afinal de contas? Que dizer, ele aderiu plenamente, foi uma decisão intelectual, esclarecida, ou ele foi “na onda”? É possível admitir que um pensador “vá na onda”? Isso é, para mim, até hoje, uma coisa discutível. A posição, por exemplo, da Hannah Arendt... Ela foi ligada ao Heidegger; unha e carne, até no sentido verdadeiro da palavra. Quando ela voltou (para a Alemanha), – naquele tempo muito ligada ao Jaspers, orientador dela, um homem que ela admirava muito –, os ataques ao Heidegger eram grandes, acirrados por causa do processo que tinha sido aberto. Ele, afinal foi depois indultado, mas ficou aquela pergunta. E ela dizia sempre: “deixem esse homem em paz”. Ela foi visitar o Heidegger. Diz ela que tinha também queixas do porquê da atitude dele, mas foi visitar o Heidegger. Eles tiveram um encontro muito bom, segundo relato da própria Hannah Arendt. Então, era uma mulher extraordinária, sobretudo, pela carga de pensamento, com noções que ela bebeu em Heidegger, mas noções que só poderiam ter sido desenvolvidas depois do fastígio do pensamento heideggeriano. E apesar de tudo, esse pensamento é uma etapa da nossa experiência do mundo. E, por exemplo, algo que muitos herdaram de Heidegger foi a crítica à tecnologia.

M.B. – Aproveitando esse ponto, nesse ano que passou foi comemorado em diversas ocasiões o centenário de Adorno. E Adorno é uma pessoa que foi um desses críticos principais de Heidegger. Estiveram de fato dos dois lados da trincheira. E, uma coisa que de vez em quando se levanta, um tema que eu gostaria que o senhor comentasse, é que apesar disso, existiriam pontos de contato nas críticas que ambos fazem a cultura contemporânea.

BN – Heidegger se aproxima muito do Marx, em alguns pontos, por intermédio justamente disso que ele (Marx) chama de alienação, mas com outra linguagem. Se aproxima realmente bastante do Marx isso. Então, eu acho que há uma afinidade de pensamento. Principalmente no que toca a exigência da poesia, como uma espécie de frente contra a técnica. Mas o caminho do Adorno foi bem diferente. O Heidegger não tem essa noção de vanguarda que, para Adorno, era como que a salvação da arte. Quer dizer, quanto mais a arte fosse desentendida pela burguesia, melhor para a arte. Bem, isso levou a certos caminhos que, muitas vezes, não são, digamos, plenamente aceitáveis. Levou-nos a uma grande música, mas também levou a tentativa de um outro sistema, que é o dodecafonismo, que eu acho que é música para músicos. Você tem que ter a partitura na mão, conhecer a escrita, não é música para mim, é para quem conhece música. Talvez isso seja uma grande limitação. Isso é muito bem retratado por Thomas Mann, no Doutor Fausto, dizem que grande parte é o Schönberg que está retratado lá.

M.B. – O senhor poderia desenvolver um pouco mais a questão da relação entre Heidegger e Marx que o senhor fez, partindo desse conceito de alienação? Por onde seria essa aproximação?

BN – A aproximação dele com o Marx é precisamente num ponto. Vou ter que precisar melhor isso. Mais explicitamente na questão da relação social predominante. Em Heidegger é a relação entre mim e os outros que se daria por intermédio do topos que ele denomina das Man (a gente). Isso corresponde ao que se chama de alienação no marxismo. A denominação é que é diferente. No Heidegger é “solicitude (citando a partir de Passagem para o Poético) ... que realça a permanente diferença insuprimível de um em relação aos outros, a distância que os separa aumentando quanto mais se empenham em eliminá-la. Por força desse empenho os outros nos englobam subtraindonos a nós mesmos. O poder-ser próprio de cada qual se transfere aos outros, e, retornando a todos como potência estranha e anônima que os domina, coloca o Dasein ‘sob o senhorio (Botmässigkeit) dos outros’”. Esse senhorio dos outros é justamente uma forma de alienação. “O ser-em-comum” – que é uma noção heideggeriana: o ser-si-mesmo é alguma coisa que se conquista passando pelo ser em comum – “estabiliza-se nesse poder anônimo e erradio, impessoal e indefinido, através do qual se exerce o domínio subreptício dos outros, absorvendo o Dasein e determinando quem ele é em si mesmo...”. Tudo isso é noção de alienação. “Em sua preocupação com a mediania, opondo-se a toda exceção e originalidade, a gente, que exerce uma regulação niveladora, é o modo de ser público, a identidade cotidiana em que o Dasein se mantém independentemente da cultura e do momento histórico.”

A diferença é realmente em relação ao momento histórico. Para o Heidegger isso é alguma coisa inerente à condição humana, para empregar um termo da Hannah Arendt. E para Adorno ou Benjamin trata-se de uma condição histórica; a época da alienação seria a época de domínio máximo da burguesia solicitando ao mesmo tempo a atuação do proletariado, etc. Então há uma correlação, e, como em toda a correlação há uma diferença grande. Essa questão vai ser retomada depois sob o ângulo da técnica já no fim da obra, onde se vê que o extremo oposto da técnica é o que ele chama de poesia. Mas ele denomina poesia com o termo grego, póiesis, que quer dizer que é alguma coisa que atua sobre vida, não só nos textos: dos textos passa para a vida também.

M.B. – O senhor falou ainda agora que o pensamento de Heidegger é uma etapa da nossa experiência do mundo. O senhor pode explicitar melhor esse pensamento? O que o senhor quer dizer com essa afirmação?

BN – É uma etapa da nossa experiência do mundo tal como vivemos hoje... e as gerações que nos precederam. É uma experiência do homem na modernidade, quer se considere que a modernidade comece no século XVIII ou no XIX. É uma experiência do homem em novas condições de existência, com objetos fabricados, num mundo industrial... isso na linguagem de Marx seria também a ascensão do capitalismo, o seu auge. A reconstrução do mundo tecnocrático, dominado pela técnica..., é o mundo da mídia… é um mundo que nos forma e nos deforma ao mesmo tempo. Sem a mídia eu não poderia ouvir música. Muito curioso isso. Houve uma época que as pessoas (que queriam ouvir música) tinham de saber música ou de ir aos concertos, que eram dados ou nas capelas ou nas casas dos nobres, etc.... Isso aí é o lado, digamos, positivo da mídia: eu tenho meus discos em casa e ouço quando quero. Mas ao mesmo tempo existe uma série de outros aspectos, por exemplo, da ausência do instrumento, do musicista, aspectos que me colocam numa relação com o outro que é o músico. A diferença entre ouvir a música no disco e ver o vídeo é grande.

M.B. – Muito da música ocidental, toda concepção dela esteve baseada, no meu entender, na situação do concerto. O concerto é uma coisa que determinou muita coisa na própria estrutura da música e hoje o concerto desapareceu praticamente. Até o fato de a gente ouvir um disco, uma interpretação, a gente ouve sempre a mesma coisa. No concerto o mesmo músico toca a mesma coisa de modo diferente. Isso dá uma diferença grande...

BN – Uma diferença entre intérpretes também. A Guiomar Novaes toca diferente do Kempff...

M.B. – Professor, como o senhor vê a filosofia na cultura contemporânea, ou seja, que papel ela ainda desempenha, ou deveria desempenhar, e que papel ela ainda pode desempenhar?

BN – Isso é uma exigência platônica, que a filosofia desempenhe um papel. A filosofia deve ser pensada em seu próprio ponto de vista. Na verdade a filosofia nesse ponto se parece muito com a poesia. Ela sempre fica abaixo, é alguma coisa que não se integra plenamente ao pensamento comum. Tanto a poesia como a filosofa. E ainda mais quando a filosofia se aproxima da poesia. Essa aproximação não é somente tópica, determinada, é uma aproximação que vem de circunstâncias históricas. É no momento em que a metafísica perde a sua hegemonia, é nesse momento que começa a haver a valorização do corpo, da palavra, da linguagem.

M.B. – Ainda nesse mesmo tópico, ainda que a filosofia não deva ter nenhuma atuação que vá além dela mesma, de qualquer forma o momento histórico coloca certas tarefas a ela. Quer dizer, ela está em contato com o momento, pois está pensando coisas que são trazidas à tona pelo momento. Minha pergunta é a seguinte: nesse momento em que vivemos, em que aparecem tantos problemas que pensávamos que já estavam superados, como a possibilidade de uma conflagração internacional,[6] e em que aparecem problemas que nunca apareceram, como a perspectiva, em médio prazo, de uma catástrofe ecológica, ambiental, etc., o senhor reconhece algum problema que seja próprio do nosso tempo e alguma tarefa que esteja colocada ao pensamento filosófico nesse tempo?

BN – Uma tarefa própria ao pensamento filosófico é justamente defender-se desse círculo das coisas prementes da época. Defender-se da urgência das soluções imediatistas. Defender-se dos sistemas de aplicação demasiadamente funcional. Ou seja, o pensamento filosófico tem que defender o espaço de liberdade, no sentido próprio da palavra, para o homem pensar a si mesmo, pensar a sua circunstância, pensar-se independentemente das tarefas. Essa é a grande problemática também do Heidegger, que deixou aberta a questão da moral. Perguntavam “porque que o senhor nunca escreveu uma ética, onde está sua ética?” Eu acho que não era da perspectiva dele escrever uma ética. Existe um capitulo na introdução de “Ser e Tempo” que eu acho muito interessante que é o capitulo Destruição da história e da ontologia. Esta destruição da história e da ontologia atingiu muitas coisas, principalmente a formação da ética. Qual é a ontologia da ética? Não pode haver uma ontologia da ética porque se houver uma ontologia da ética existe uma forma de ser. E a ética fica nessa oscilação entre os mores romano e o éthos grego. O éthos grego é sempre a necessidade de ultrapassar os mores, e fazer algo para que o homem seja o que ele é. Mas o que o homem é, isso ele pode saber só na medida em que haja aí um problema da ação, de onde deriva Hannah Arendt. Ela foi um dos poucos pensadores que colocou, de uma maneira corajosa, o problema da ação. Essa talvez seja a grande falta do Heidegger, mas foi estimulada por essa filosofia que a Hannah Arendt chegou a esse ponto. Quais são as condições da ação num mundo como o de hoje, completamente cercado pela propaganda, pela mídia, pelas invenções tecnológicas. Um mundo que parece voltar a certas formas primitivas de conduta. Como essas agremiações religiosas, pessoas que se matam entre si, outras que se emasculam...

E.C. – Bom, mas o senhor falou do Merleau-Ponty, depois falou do Ricoeur e depois falou do Foucault. Vamos retomar um pouco como é que foi sua relação com Ricoeur e sua relação com Foucault.

BN – Veja só, eu tinha a pretensão de fazer uma tese na primeira vez que eu fui, em1960, para a Europa. Eu tinha muito pouco tempo, mas eu fiz um esforço de uma tese, e tive a ousadia de pedir uma entrevista com o Ricoeur. Ele morava num lugar muito bonito fora de Paris, e eu me lembro caminhando com ele por um bosque belíssimo. A casa dele era pequena e dava para esse bosque. É quase uma impressão paradisíaca que eu tenho desse bosque tão lindo com árvores tão grandes. E foi mais ou menos naquela época que houve aquele caso da bomba voadora espiã dos EUA que foi parar na Rússia e que foi derrubada pelos russos, e houve a partir disto uma onda de que havia a possibilidade de uma conflagração mundial, e nós conversamos sobre isso. Isso foi em 1960. E depois teve aquele incidente com ele durante os acontecimentos de maio de 1968, e ele começou a ir para os EUA, e então eu perdi completamente o contato com ele. Quando voltei à França ele já estava nesse vai e vem entre França e EUA.

E.C. – Mas o senhor leu bastante o Ricoeur.

BN – Muito. Já escrevi alguma coisa baseada nele, mas não publicada em livros, está em publicações, anais de congressos, etc., Especialmente um evento que houve na UERJ, onde apresentei um trabalho chamado “narrativa histórica e narrativa ficcional”, baseado no Ricoeur.

E.C. – E o Foucault?

BN – O Foucault... tudo começou com um conhecimento muito rápido. Ele apareceu e ficou na casa do Machado Coelho, na Praça da República. Então, Machado Coelho mandou me chamar. Fui lá e perguntei se ele não queria fazer uma palestra na Universidade (Federal do Pará). Ele me disse “agora não, estou de férias, vou para o Marajó, mas ano que vem eu posso fazer”. Bom, uma promessa..., nós brasileiros sabemos como são as nossas promessas ... No ano seguinte o agente consular da França me telefonou dizendo que o Foucault estava vindo fazer a tal palestra que ele prometeu. Ele ficou hospedado no Hotel Grão-Pará e durante uma semana e ele fez essas palestras. Naquela época era o regime militar ainda, e, justamente para que as conferências fossem proveitosas eu peguei a turma da filosofia e fiz uma série de exposições sobre o Foucault, sobre “As palavras e as Coisas”, e outros trabalhos (...) fizemos um levantamento completo, às vezes até fora da Universidade. Então, para assegurar a presença de pessoas que tinham um conhecimento de francês e que estavam manifestamente interessadas, eu fiz uma relação que contava sessenta assistentes. Aquela lista foi uma espécie de marco de fidelidade, de que as pessoas iam comparecer e etc., Foucault foi extraordinário, como sempre ele era muito brilhante. Eu fazia a intermediação, as pessoas faziam a perguntas, eu traduzia, ele dava as respostas e eu passava para a assistência. Mas o episódio final não foi aí. Ele foi embora e tal... Tivemos um jantar de despedida em um restaurante (...) Ainda havia uma moça paulista que nos acompanhava sempre, e todas as fitas gravadas das palestras do Foucault foram roubadas do carro dela. Menos de uma semana depois que Foucault foi embora, fui chamado pelo diretor, cujo nome não vou mencionar, me dizendo que o SNI estava pedindo a relação dos freqüentadores. Eu disse “eu não dou a relação”. Saí de lá e fui diretamente falar com o reitor. Ele foi muito correto, e até corajoso. Ele me disse para não dar a lista. Então foi isso. Havia uma vigilância até nesse ponto. Não era uma invenção dizer que o SNI estava infiltrado...

T – Mas também tem o passeio lá no Maraú,[7] que tem as célebres fotografias...

BN – Ah, tem as fotografias, é verdade. O Foucault no Maraú. Nadador tremendo, ele se metia nas ondas. Era atlético. Fomos num bar muito vagabundo, naquele tempo não tinha nem casa no Maraú. Tomamos banho lá e depois fomos almoçar num barzinho na praia.

E.C. – E, para finalizar a conversa sobre Foucault, o que o senhor diria ser a grande contribuição de Foucault para o pensamento contemporâneo?

BN – É justamente na parte da relação entre Les mots et les choses (entre as palavras e as coisas). Ele levou essa relação até onde ela não tinha sido levada. E a relação também com o sexo. É muito importante o fato de ele ter firmado uma noção de positividade, como marca de cada época, com seu regime de pensamento, que é ao mesmo tempo regime de linguagem. Isso me parece uma contribuição muito grande. E depois, nos últimos livros, a teoria da sexualidade, que ele começou a expor aqui. O que ele expôs aqui foi justamente a parte inicial dessa teoria da sexualidade. Não sei se chegou a concluir, mas publicou três volumes, ligando ao conhecimento de si mesmo, etc., E parece que seguiu esse ponto de vista porque MerleauPonty estava estudando a respeito do corpo. Essa noção de “corpo próprio”... que o Heidegger vai retomar num certo momento de sua vida, com esse Medard Boss.[8] Ele começa a falar muito na noção do corpo próprio, que não está muito desenvolvido em “O ser e Tempo”, é só uma pequena parcela de pensamento, que ele começa a desenvolver aqui, nos seminários de Zollikon. Então o próprio pensamento heideggeriano ficou em muitos pontos, um pensamento também em aberto.

M.B. – O senhor vê nessa ênfase dada pelo Heidegger e pelo Merleau-Ponty no corpo, ou seja, o centramento que Merleau-Ponty faz, na filosofia dele, na questão do corpo, com essa noção do ser em situação, etc... O senhor vê alguma ligação disso com Schopenhauer, com o fato de o corpo aparecer no “O mundo como vontade e representação” como porta de entrada do conhecimento do em si? Porque nesse livro o corpo desempenha um papel importante: se não fosse pelo corpo não se teria nenhum acesso ao em si, à vontade…

BN – Sim, sem duvida que há essa correlação. E não só isso em Schopenhauer, mas também o início da valorização da poesia e da arte, colocada ao mesmo nível do pensamento filosófico, ou em um diálogo com o pensamento filosófico.

M.B. – Então, nesse aspecto, pode-se traçar uma linha que vai de Schopenhauer até Merleau-Ponty....?

Sim, uma linha que passa primeiro pelo Schelling. De Schopenhauer a Merleau-Ponty e depois um salto para Hannah Arendt e depois para um outro pensador que está aparecendo agora e que está sendo muito publicado na Alemanha, Peter Sloterdijk, que é uma revisão do pensamento heideggeriano. O primeiro trabalho dele foi uma crítica a Heidegger, uma crítica muito bem feita, mas ao mesmo tempo aderindo à obra e se distanciando dela. Enfim, por isso que eu disse que o Heidegger é uma entrada ao pensamento de nossa época, com todos seus posicionamentos, com todas suas oposições e contradições.

T – Para encerrar, hoje em dia, nesse cenário filosófico mundial, o que o senhor destaca em termos de um pensamento vigoroso, de uma escola filosófica que esteja agora ainda sendo desenvolvida, alguma coisa que o senhor destacaria como sendo especialmente importante nesse momento.

BN – Um desenvolvimento mais ou menos de escola é o da hermenêutica. Depois disso os maître à penser, os chamados pensadores, eles vão rarear. Você não encontra ninguém da estatura do Foucault ou de Gadamer...

T – Como o senhor vê o Habermas nesse cenário mundial da filosofia. Em que lugar o senhor o coloca?

BN – Eu não li muito o Habermas. Eu li livro “sobre a modernidade” que é indispensável. E acho que justamente ele fica nesse mesmo rumo de Adorno, Benjamim e de outros que foram críticos da modernidade.



[1] Antigo arcebispo de Belém.

[2] Escritor e jornalista belenense.

[3] Historiador belenense.

[4] Francisco Paulo Mendes, crítico literário e intelectual belenense.

[5] Obra de Benedito Nunes (Ática Editora, 1998)

[6] O entrevistador referia-se à tensão internacional ocasionada pela guerra do Iraque, iniciada havia meses.

[7] Praia situada na ilha do Mosqueiro, região metropolitana de Belém.

[8] Psicoterapeuta suíço, amigo e seguidor de Heidegger, editor dos textos dos seminários heideggerianos de Zollikon.