A CIÊNCIA DA POLÍTICA DE DAVID HUME[1]

 

Vinícius França Freitas[2]

 

Resumo: O artigo apresenta uma interpretação que procura sistematizar a compreensão humiana dos princípios da ciência da política. Por um lado, argumenta-se que a ciência da política é uma ciência sobre formas políticas de organização (monarquia, aristocracia e democracia, por exemplo), fundada sobre axiomas cuja verdade é eterna e imutável e independe de fatores contextuais – como cultura, moral e educação. Por outro lado, a ciência da política é também uma ciência sobre a conduta dos seres humanos em sociedade (a ação de um corpo de indivíduos que resiste à tirania de um governante, por exemplo), baseada em máximas ou princípios gerais cuja verdade é contingente, mutável e dependente de fatores contextuais.

 

Palavras-chave: História da Filosofia. Política. Ciência. Princípios. David Hume.

 

Introdução

O objetivo do artigo é discutir a ciência da política de David Hume (1711-1776). Mais especificamente, meu intento é propor uma interpretação que sistematiza a compreensão humiana acerca dos campos de investigação da ciência da política e dos princípios sobre os quais o conhecimento político é fundado. Separo o pensamento político humiano em duas investigações que se distinguem, tanto pelo seu objeto quanto pela natureza dos princípios descobertos pelo cientista. Minha hipótese propõe que a investigação política humiana é, por um lado, um estudo sobre formas políticas de organização, e, por outro, um estudo das ações de seres humanos em contextos sociais.

Enquanto ciência sobre formas políticas de organização (como, por exemplo, uma monarquia, uma aristocracia e uma democracia), a política é fundada sobre axiomas, proposições, cuja verdade é eterna e imutável. O trabalho do cientista, nesse sentido, é seguir o método experimental de raciocínio no estudo dos registros históricos das sociedades humanas em busca de identificar esses axiomas. Um axioma descoberto pode ser aplicado tanto a uma sociedade A quanto a uma sociedade B, independentemente de quais sejam essas sociedades. Enquanto ciência sobre as ações humanas em contextos sociais, a política é fundada sobre máximas gerais, proposições cuja verdade é contingente e mutável. As máximas gerais são contextuais, uma vez que dependem de aspectos particulares – cultura, moral, educação – de cada sociedade. Uma máxima geral formulada sobre uma sociedade A, por essa razão, pode não ser aplicável a uma sociedade B.

Antes de me deter sobre a explicação dessa hipótese interpretativa, apresento algumas considerações introdutórias. Hume afirma, na “Introdução” do Tratado da natureza humana[3] (2001), que a política é aquele ramo particular do conhecimento que “[...] considera os homens enquanto unidos em sociedade e dependentes uns dos outros.” (HUME, 2001, p. 21). Ao se sistematizar a compreensão humiana de uma ciência da política, é possível concluir, a meu ver, que esse campo do conhecimento é tanto uma investigação das formas políticas de organização como uma investigação das ações de um grupo de indivíduos realizadas em sociedade. Esses dois campos políticos de investigação não exaurem, é claro, as possibilidades de investigação da ciência da política.

O próprio Hume se detém sobre outros estudos políticos, por exemplo, as investigações empreendidas, no Livro III do Tratado, sobre a natureza e a origem do governo e da justiça, as relações entre as sociedades humanas, o direito internacional, ou quando discorre, em outros textos, sobre práticas políticas notáveis ao longo da história.[4] Sugiro apenas que, para Hume, o cientista, ao deter-se sobre o estudo dos princípios do conhecimento político, descobre princípios sobre formas políticas de organização – axiomas – e sobre a conduta humana – máximas gerais.

A interpretação apresentada, no entanto, não pode ser defendida apenas a partir do texto do Tratado. Apesar de a ciência da política ocupar lugar de destaque no tocante ao conjunto de interesses intelectuais dos seres humanos,[5] os três volumes que compõem a obra pouco dizem acerca do que o filósofo entende por ciência da política e seus campos de investigação.[6] Acredito que essa compreensão humiana possa ser esclarecida pela leitura de algumas passagens de Uma investigação sobre o entendimento humano[7] (2004), sobretudo, da seção “Da liberdade e necessidade”. Passagens de Uma investigação sobre os princípios da moral[8] (2004) também contribuem para esse propósito. No entanto, minha interpretação apoia-se principalmente sobre a leitura dos Ensaios morais e políticos[9] (1994), especialmente o ensaio “Que a política pode ser transformada em uma ciência”. Com efeito, esse ensaio é, a meu ver, o texto mais explícito sobre como Hume concebe o conhecimento político. Em nenhuma outra parte de sua obra, o filósofo é tão sistemático na apresentação de sua visão acerca da estrutura do conhecimento político, a natureza dos axiomas dessa ciência e o método de investigação próprio ao cientista da política.

“Que a política pode ser transformada em uma ciência” revela de que modo, ao ver de Hume, os fenômenos políticos podem ser cientificamente compreendidos. Segundo Fania Oz-Salzberger (2002), Hume inaugura, com esse ensaio, a tentativa de dar tratamento científico aos fenômenos políticos pela aplicação do método experimental de raciocínio:

A famosa demanda de Hume “Que a política pode ser transformada em uma ciência” foi uma afirmação polêmica: ela sujeitou os acontecimentos políticos históricos e atuais às mãos organizadoras da filosofia, impôs modelos de investigação das ciências naturais sobre os assuntos humanos e, também, implicou que escolhas assertivas fossem feitas a partir dos idiomas políticos disponíveis. (OZ-SALZBERGER, 2002, p. 160, tradução nossa).

 

Com efeito, a ideia de uma ciência da política não é unânime entre os autores britânicos do século XVIII. Enquanto Thomas Reid (1710-1796) parece seguir os passos de Hume, ao empreender o projeto de fundamentação de uma ciência dos seres humanos em sociedade,[10] Adam Ferguson (1723-1816) surge como seu adversário a esse respeito: a política, tal como ele a entende, não deve ser tratada como ciência, mas deve ser encarada como uma prática bem-informada.[11]

No ensaio “Que a política pode ser transformada em uma ciência”, Hume apresenta a ideia de que a ciência da política possui axiomas, termo cuja significação jamais é enunciada pelo filósofo, ao longo de sua obra. Sugiro, a partir da leitura desse ensaio, que, no âmbito da ciência da política, axiomas devem ser compreendidos da seguinte forma:

 

Axiomas: são verdades sobre formas políticas de organização. Eles são verdades eternas e imutáveis e não condicionadas por fatores contextuais. Um axioma vale tanto para uma sociedade A quanto para uma sociedade B, independentemente das particularidades de cada uma;

 

A partir da leitura dos demais textos políticos de Hume, sugiro que, no âmbito da ciência da política, as máximas ou princípios gerais devem ser compreendidos da seguinte forma:

 

Máximas ou princípios gerais: são verdades sobre a conduta humana em sociedade. Eles são verdades contingentes e mutáveis, pois dependem do contexto (cultural, moral, educacional) donde são extraídas. Uma máxima geral sobre uma sociedade A pode não ser aplicável para uma sociedade B.

 

Concluo esta introdução, notando que a tensão entre um conhecimento científico sobre formas políticas de organização e sobre a conduta humana em contextos sociais não é exclusiva do pensamento humiano. A título de ilustração, observo que a mesma tensão se faz presente no modo como Reid, autor profundamente influenciado pela leitura das obras humianas, compreende a ciência da política. Por um lado, Reid entende que o objetivo da ciência da política “[...] é o conhecimento daqueles princípios pelos quais podemos julgar sobre uma constituição e os efeitos do governo.” (REID, 2015, p. 26).

Por outro lado, o filósofo acredita que os princípios dessa ciência são princípios acerca da conduta humana, sem nunca esclarecer de que modo o conhecimento desses princípios auxilia na compreensão das formas políticas de organização. A política é fundada sobre “[...] o conhecimento do temperamento e da disposição, dos princípios de ação e da tendência geral de conduta que é comum a toda uma espécie.” (REID, 2015, p. 27). Ainda que a política seja fundada sobre princípios acerca da conduta geral dos seres humanos, seu objetivo é a avaliação de formas políticas de organização humana. Na sequência, apresento minha hipótese, a qual procura separar e sistematizar a ciência humiana da política em dois campos de investigação referentes a âmbitos distintos dos fenômenos políticos. Acredito que essa interpretação tem o mérito de conciliar as mais diversas referências de Hume aos princípios da política – axiomas ou máximas – ao longo de sua obra.

 

1 Uma ciência sobre formas políticas de organização

            O cientista se detém sobre o estudo de formas políticas de organização, como, por exemplo, ao investigar as formas monárquicas, aristocráticas e democráticas de governo. Ele investiga os tipos particulares de constituição, seus sistemas de leis e os meios de alcançar o melhor governo, de acordo com o seu fim particular. A leitura do ensaio “Que a política pode ser transformada em uma ciência” fornece os pressupostos para se compreender a visão humiana sobre um campo de investigação da política, assim como seu método e os axiomas descobertos pelo cientista. Hume reconhece explicitamente três axiomas políticos, no ensaio (HUME, 1994, p. 07):

 

Axioma 1: Uma democracia sem um corpo representativo leva à anarquia;

Axioma 2: Uma classe de nobres produz um governo melhor do que um grupo de lordes com vassalos;

Axioma 3: Uma monarquia hereditária é superior a uma monarquia eletiva.[12]

 

Esses três princípios, quando aplicados efetivamente à realidade política, são causas das melhores formas possíveis de democracia, aristocracia e monarquia. Hume também sugere uma inclinação ou tendência de governo, que pode ser entendida como axioma. O filósofo afirma: “[...] embora governos livres tenham frequentemente sido os mais felizes para aqueles que partilham de sua liberdade, eles são os mais ruinosos e opressivos para suas províncias.” (HUME, 1994, p. 07). Uma proposição que expresse a ideia desse axioma talvez possa ser colocada nos seguintes termos:

 

Axioma 4: Governos que promovem a liberdade tendem a ser mais danosos e opressores para as colônias.[13]

 

Um quinto axioma político apontado por Hume é encontrado, segundo o próprio filósofo, nos escritos de Maquiavel (HUME, 1994, p. 09-10). Cito a explicação dada por James Conniff (1976) para o conteúdo desse axioma, cuja proposição Hume não enuncia:

Hume sugere que Maquiavel acredita que os conquistadores que nivelam seus novos súditos uniformemente [...] são mais seguros em seu exercício de poder do que aqueles que permitem, após as suas conquistas, a existência de classes [ranks], especialmente a existência de uma nobreza. (CONNIFF, 1976, p. 95-96, tradução nossa).

 

Essa observação talvez possa ser expressa nos seguintes termos:

 

Axioma 5: A eliminação das classes sociais em nações conquistadas torna o governo dessas mais seguro para o governante.[14]

 

1.1 Como são descobertos os axiomas da ciência da política

Para Hume, a discussão das formas políticas de organização começa pela análise histórica. O cientista segue o método experimental de raciocínio no estudo dos registros históricos, em busca de fixar os axiomas que explicam a realidade política.[15] A indução que leva o cientista à descoberta dos axiomas políticos é semelhante à indução que leva o filósofo da natureza à descoberta das leis que regem os fenômenos físicos. A aproximação entre o método de investigação do filósofo da natureza e o método de investigação do cientista é realizada mais claramente na seção “Da liberdade e necessidade”, da primeira Investigação:

Esses registros de guerras, intrigas, sedições e revoltas são coleções de experimentos pelos quais o político ou o filósofo moral fixa os princípios de sua ciência, do mesmo modo que o físico ou filósofo da natureza familiariza-se com a natureza das plantas, dos minerais ou de outros objetos externos, mediante os experimentos que realiza sobre eles. (HUME, 2004, p. 123).

 

Os fenômenos físicos do mundo externo constituem o objeto da filosofia natural; os fenômenos sociais atestados pela história, o objeto da ciência da política. A filosofia da natureza oferece conhecimento dos fenômenos naturais, a política, das organizações políticas dos seres humanos. Para que se produza a melhor sociedade democrática, é preciso, a partir do que é revelado pelo estudo da história da República de Roma, que os governados elejam seus representantes (HUME, 1994, p. 05); a fim de que se produza a melhor sociedade aristocrática possível, é preciso, em função do que é revelado pelo estudo das histórias das aristocracias veneziana e polonesa, que o poder e a autoridade sejam distribuídos igualmente entre a nobreza (HUME, 1994, p. 05-06); para que se produza a melhor sociedade monárquica possível, é preciso, com base no que é revelado pelo estudo da história – embora Hume não ofereça nenhuma evidência histórica em particular para esse axioma –, que a transferência de poder e autoridade seja hereditária e não eletiva (HUME, 1994, p. 06-07). A partir da observação de registros históricos, o cientista é capaz de descobrir os axiomas de sua ciência.

 

1.2 A verdade dos axiomas políticos independe do contexto

De acordo com Richard H. Dees (1992), a ciência da política de Hume depende, em grande medida, dos aspectos contextuais das sociedades humanas: cultura, moral e educação, por exemplo. A ciência da política é sobre sociedades que possuem suas particularidades e, como consequência, “[...] o pensamento político de Hume é mais dependente de seus juízos sobre situações particulares do que de seus pronunciamentos gerais sobre possibilidades abstratas. Em política, então, Hume é um contextualista.” (DEES, 1992, p. 220, tradução nossa). Contextualista, na medida em que, diferentemente de outras teorias políticas, o contexto teria papel central na ciência da política de Hume:

O contexto e as práticas modelam os princípios que usamos e também o resultado final. Os princípios são ainda vitais para o processo, porque eles representam os valores que são centrais para a prática da política e, mais importante, para a cultura como um todo. Mas os princípios que usamos são tanto uma parte do contexto cultural como do desenvolvimento econômico de uma sociedade ou de suas proezas tecnológicas. (DEES, 1992, p. 221, tradução nossa).

 

Segundo Dees, o contexto condiciona os princípios da política. Desse modo, um princípio político formulado a partir do estudo de uma sociedade A – determinada por certos aspectos contextuais – poderia não valer para uma sociedade B – determinada por outros aspectos contextuais.

            Argumento que a interpretação de Dees não se aplica à política, enquanto diz respeito às formas de organização social dos seres humanos. Como será visto adiante, Hume, de fato, entende que diferenças contextuais afetam o comportamento humano, dando origem a sociedades distintas. Nesse sentido, a política e seus princípios, enquanto concernem ao comportamento humano, é uma ciência contextual. Contudo, a importância do contexto não está presente na totalidade da ciência humiana da política. Para Hume, o comportamento dos governantes e governados – sua cultura, sua moral e sua educação – não tem relação com o quão adequado é uma forma de governo, como apontado no ensaio “Que a política pode ser transformada em uma ciência”:

Podemos atribuir a estabilidade e sabedoria do governo veneziano, através de muitas épocas, a algo que não seja a forma de governo? E não é fácil apontar aqueles defeitos na constituição original que produziram os governos tumultuosos de Atenas e Roma e terminaram finalmente na ruína dessas duas famosas repúblicas? Esses assuntos têm tão pouca dependência do humor e da educação particular dos homens que uma parte da mesma república pode ser sabiamente conduzida e outra fracamente, pelo mesmo homem, simplesmente por conta das diferenças nas formas e instituições pelas quais essas partes são regulamentadas. (HUME, 1994, p. 05, grifo nosso).

 

O comportamento humano, apesar de a conexão entre motivos e ações apresentar regularidade e uniformidade – a tal ponto que o cientista da política é capaz de estabelecer máximas gerais a seu respeito, como será visto adiante –, tem algum grau de instabilidade, como o filósofo anuncia já nas primeiras linhas do ensaio citado: “[...] embora um amigo da moderação, não posso deixar de condenar esse sentimento e lamentar que os assuntos humanos não admitam maior estabilidade do que aquela que recebem dos humores e caráteres de homens em particular.” (HUME, 1994, p. 04). Na primeira Investigação, no contexto da discussão acerca da uniformidade da natureza humana empreendida na seção “Da liberdade e necessidade”, Hume reitera: “[...] sabemos que os caracteres dos homens apresentam em geral um certo grau de inconsistência e irregularidade.” (HUME, 2004, p. 128).

Volto a discutir essa seção mais tarde. Importa notar aqui que, na visão do filósofo, humores casuais e particularidades de caráter afetam o comportamento humano de uma forma tal que o comportamento humano é, em algum grau, instável. Por exemplo, um indivíduo pode ou não agir virtuosamente, quando existe oportunidade para fazê-lo; um indivíduo pode ou não agir viciosamente, quando existe oportunidade para fazê-lo. Contudo, e Hume é explícito a esse respeito, os axiomas políticos não sofrem influência do comportamento humano, em contextos sociais: “[...] a política admite verdades gerais que são invariáveis pelo humor ou educação dos indivíduos ou soberanos […]” (HUME, 1994, p. 07). Parte da ciência humiana da política visa à universalidade dos fenômenos políticos para além de fatores contextuais: uma monarquia hereditária foi, é e sempre será a melhor forma de governo monárquico, independentemente da cultura, da moral e da educação dos indivíduos das sociedades em que ela existe. Por essa razão, um axioma acerca da forma monárquica de governo vale tanto para uma sociedade monárquica A quanto para uma sociedade monárquica B, sejam elas quais forem.

 

1.3 Princípios eternos e imutáveis

Doravante, passo a considerar um dos aspectos mais “intrincados” do ensaio “Que a política pode ser reduzida a uma ciência”, a saber, as afirmações de Hume acerca da natureza dos axiomas da ciência da política enquanto uma forma de saber sobre formas políticas de organização. O filósofo apresenta, com efeito, algumas afirmações sobre os axiomas, as quais, a princípio, parecem entrar em conflito com alguns princípios da epistemologia humiana exposta tanto no Tratando quanto na primeira Investigação. Por exemplo, Hume alude a em um suposto caráter “eterno e imutável” dos axiomas políticos que parecem colocar a ciência da política no âmbito do conhecimento de relações de ideias – tal como, por exemplo, a matemática. Contudo, a ciência da política é claramente uma espécie de conhecimento sobre questões de fato, como, por exemplo, a filosofia da natureza e a moral. Meu objetivo é tentar conciliar, tanto quanto possível, afirmações como aquelas com princípios epistemológicos apresentados pelo filósofo em outras partes de suas obras.

Para Hume, os axiomas da política são verdades eternas e imutáveis que permitem o conhecimento a priori sobre os efeitos de certas causas em formas políticas de organização. Encontro, no texto de “Que a política pode ser transformada em uma ciência”, ao menos três pontos que me permitem afirmar isso.

Em primeiro lugar, ao tratar dos axiomas políticos relativos às formas monárquicas de organização, o filósofo nota:

Esse magistrado-chefe [o monarca] pode ser eletivo ou hereditário, embora a instituição anterior possa, numa visão superficial, parecer a mais vantajosa. Contudo, uma inspeção mais precisa descobrirá nela maiores inconveniências do que nas segundas, e tais [conclusões] são fundadas em causas e princípios eternos e imutáveis. (HUME, 1994, p. 06).

 

Os princípios que explicam que uma forma hereditária de monarquia é melhor que uma forma eletiva são eternos e imutáveis e não contextuais. De acordo com Hume, existem “verdades políticas eternas” que “[...] nem o tempo ou acidentes podem transformar” (HUME, 1994, p. 09). Essa passagem, na interpretação proposta, é especialmente importante, por chamar a atenção para a compreensão humiana de que essas verdades axiomáticas não dependem de fatores temporais e, como interpreto do que é dito, de fatores espaciais. Por exemplo, uma monarquia hereditária é mais conveniente que uma eletiva, tanto na Inglaterra do século XVI quanto na França do século XVIII. Entendo a palavra acidentes, nessa passagem, como os possíveis eventos contingentes e excepcionais que poderiam influir no governo político, como as influências de guerras e rebeliões, por exemplo.

Em segundo lugar, para Hume, existem causas e princípios que nos permitem antecipar a superioridade de uma forma de governo sobre outra, independentemente de fatores contextuais. Ao estudar os registros históricos dos governos aristocráticos de Veneza e da Polônia, Hume sugere a possibilidade de conhecimento a priori, no âmbito da política: “[...] as diferentes operações e tendências dessas duas espécies de governo podem se tornar mais aparentes mesmo a priori. Uma nobreza veneziana é preferível a uma polonesa, sejam quais forem os humores e a educação dos homens e quão diversificados eles sejam.” (HUME, 1994, p. 06).

Mais uma vez, Hume esforça-se por afastar a verdade dos axiomas da política de fatores contextuais. A seu ver, independentemente de quais são os fatos (por exemplo, governantes virtuosos e governados viciosos, governantes viciosos e governados virtuosos), é possível saber sobre os efeitos positivos (caso o poder e a autoridade sejam distribuídos igualmente entre os nobres) ou negativos (caso o poder e a autoridade não sejam distribuídos igualmente) de uma aristocracia. O sistema aristocrático dos venezianos é preferível ao sistema aristocrático polonês, independentemente dos fatores contextuais em que essa forma particular de governo se encontra.

Em terceiro lugar, para Hume, a investigação das formas políticas de organização pode se aproximar da investigação matemática. É o próprio filósofo quem sugere essa aproximação:

Tão grande é a força das leis e das formas particulares de governo [os axiomas políticos] e tão pouca dependência elas têm dos humores e temperamentos dos homens que consequências quase tão gerais e certas podem às vezes ser deduzidas delas, como quaisquer outras que as ciências matemáticas nos proporcionam. (HUME, 1994, p. 05, grifo nosso).

 

Hume aproxima a dedução que o cientista realiza, a partir dos axiomas políticos, à dedução que o matemático realiza, a partir de seus axiomas.

Desconheço intérpretes que tenham sublinhado essas passagens, no ensaio “Que a política pode ser transformada em uma ciência”. Oz-Salzberger, tanto quanto sei, é a única a chamar a atenção para a aproximação entre o campo de investigação política e o campo de investigação matemática. A seu ver, a expressão às vezes, na passagem citada, sugere que a visão humiana “[...] era que [a política] estava ainda a alguns passos da constância matemática e da precisão astrofísica.” (OZ-SALZBERGER, 2002, p. 161, tradução nossa). Entendo que Oz-Salzberger tem razão, em sua sugestão: Hume não “identifica” o conhecimento da ciência sobre as formas políticas de organização com o conhecimento matemático. A política não dispõe do mesmo grau de exatidão da matemática, no que diz respeito aos seus raciocínios, não obstante todas as outras afirmações de Hume que parecem sugerir a eternidade e imutabilidade dos axiomas políticos e a possibilidade de conhecimento a priori, nesse âmbito. Em sua leitura do pensamento político de Hume, Oz-Salzberger não se refere a nenhuma dessas passagens.

Antes de sugerir minha interpretação sobre como conciliar essas afirmações de Hume com alguns outros princípios de sua epistemologia, sobretudo, com a distinção entre relações de ideias e questões de fato, noto que é possível compreender a dificuldade do presente problema, a partir da consideração da ausência quase completa de referências, na literatura secundária, a todas essas intrincadas passagens do ensaio “Que a política pode ser transformada em uma ciência”. Douglass Adair (1957, p. 346) cita passagens do ensaio, sem, no entanto, comentar a aproximação realizada por Hume entre os dois campos do saber.

Duncan Forbes (1985), por sua vez, chama a atenção para a compreensão humiana de que as formas políticas de organização determinam as maneiras e as ações humanas em sociedade: “[...] o que acabou de ser visto em ação no ensaio ‘Que a política pode ser transformada em uma ciência’ é um princípio cardeal da ciência da política de Hume: a importância da constituição ou forma de governo em determinar o comportamento humano na política e no caráter nacional.” (FORBES, 1985, p. 224, tradução nossa). As instituições condicionam o comportamento dos indivíduos em contextos sociais: “[...] na ciência da política de Hume, as instituições políticas e formas de governo foram as causas morais cruciais e agentes determinantes.” (FORBES, 1985, p. 226, tradução nossa). Sem se referir aos axiomas políticos, contudo, Forbes nota que o comportamento humano não influencia as formas de governo:

Mas se a constituição tem um grande efeito em determinar maneiras, maneiras não têm a mesma influência no funcionamento adequado ou diferente de uma constituição. Constituições corretamente modeladas funcionam independentemente das maneiras dos homens, e da bondade ou ruindade dos governantes, tornando-a o próprio interesse dos homens maus agir para o bem público. (FORBES, 1985, p. 227, tradução nossa).

 

Muito embora Forbes tenha observado que os axiomas sobre formas políticas de organização não são princípios contextuais, o intérprete não discute as implicações epistemológicas dessa compreensão. Forbes não menciona que a verdade dos axiomas da política não é condicionada por fatores contextuais ou que Hume pensa uma aproximação entre política e matemática. James Cornniff (1976), em um trabalho que pretende ser uma análise de “Que a política pode ser transformada em uma ciência”, negligencia completamente as referências de Hume à natureza dos axiomas da política – nem uma palavra sobre os axiomas políticos como verdades eternas e imutáveis, tampouco sobre a aproximação do conhecimento político com o conhecimento matemático. Ademais, Conniff surpreendentemente acredita que,

[n]o ensaio, Hume procura destruir suas alegações de certeza[16] em assuntos políticos para preparar o terreno para a apresentação de sua própria teoria em seus próximos ensaios. A base cética do pensamento político de Hume, desse modo, é clara. Ele mostra, parcialmente através do ridículo e parcialmente ao revelar a complexidade e a incerteza de assuntos políticos, que o conhecimento político certo, seja racional ou científico, é impossível. (CONNIFF, 1976, p. 105, tradução nossa).

 

Miriam Schleifer McCormick (2013) também interpreta, não apenas o ensaio, mas todo o pensamento político humiano, em uma perspectiva cética: “[...] argumento que as conclusões que Hume alcança em seus escritos políticos são consequências naturais de seu ceticismo – um ceticismo que recomenda uma limitação de investigação, modéstia, moderação e abertura.” (McCORMICK, 2013, p. 78, tradução nossa). A intérprete faz duas menções ao ensaio. Em ambas as ocasiões, a autora limita-se a observar que Hume acredita ser possível extrair conclusões gerais sobre sistemas políticos.[17] Tal como no texto de Conniff, não há nenhuma referência aos princípios da política como axiomas ou verdades eternas e imutáveis; nenhuma referência ao fato de que os axiomas políticos não são condicionados por tempo ou espaço; nenhuma referência à aproximação entre política e matemática realizada por Hume.

            Minha sugestão, ao interpretar o ensaio “Que a política pode ser transformada em uma ciência”, é que as afirmações humianas sejam entendidas à luz da aproximação entre a ciência da política e a matemática. Isto é, gostaria de propor uma “aproximação” mais do que uma “identificação” entre conhecimento político e conhecimento matemático. Para Hume, os axiomas da ciência da política, por independerem de fatores contextuais que particularizam as sociedades – cultura, moral e educação –, por não estarem condicionados a fatores temporais e espaciais, apresentam um grau de estabilidade que levam a ciência da política a se aproximar do grau de certeza da geometria. Eternidade e imutabilidade seriam, nesse sentido, estabilidade e independência de fatores espaciais e temporais. Essa estabilidade decorrente da independência do contexto permite supor uma forma de a priori, a partir desses axiomas. De um modo “quase” tão seguro quanto o matemático pode fazê-lo, em função de seus axiomas, o cientista da política não precisa investigar o contexto para poder concluir que, em uma determinada sociedade, certa forma política de organização é preferível à outra.

“Às vezes” – para fazer referência direta à expressão utilizada por Hume –, os raciocínios políticos podem alcançar aquele grau de certeza próprio do conhecimento matemático, porém, de modo algum a política alcançaria o estatuto de um conhecimento sobre relações de ideias. Nesse âmbito do conhecimento, o contrário é contraditório e, por isso, impossível. O conhecimento é abstrato, demonstrativo, e independe da existência de seus objetos no universo.[18] O conhecimento político, obviamente, não partilha dessas características, pois seu objeto é empírico, não abstrato. No âmbito do conhecimento político, é sempre possível pensar o contrário sem nenhuma contradição.

Por isso, os objetos da ciência política nunca podem oferecer um conhecimento demonstrativo, apesar do seu alto grau de exatidão – a ponto de Hume aproximá-lo do conhecimento matemático: só o contrário de uma verdade qualquer das ciências demonstrativas é impossível (porque contraditório). Embora esses axiomas dependam da existência de seus objetos, isto é, das formas políticas de organização, os efeitos que são produzidos a partir desses axiomas serão “muito provavelmente” os mesmos independentemente de todos os fatores temporais e espaciais que particularizam as sociedades humanas.

            Seria preciso explicar, do mesmo modo, a razão de Hume se referir à política com afirmações tão fortes que, aparentemente, entrariam em conflito com outros princípios de sua filosofia. Não vejo outra razão, senão que o filósofo teria um propósito apologético nesse escrito. Isto é, em “Que a política pode ser transformada em uma ciência”, Hume de fato pretende defender a possibilidade de uma ciência segura sobre os fenômenos políticos. Ainda que a política não possa alcançar o estatuto de um saber do tipo demonstrativo, o cientista, sustenta Hume, é capaz de descobrir axiomas políticos capazes de permitir o conhecimento certo acerca de formas políticas de organização.

Por conseguinte, considero que, para ser defendida, a interpretação de Conniff, apresentada acima, precisaria desconsiderar não apenas as referências à natureza das verdades sobre as formas política de organização como o próprio título do ensaio precisaria ser explicado. O que explicaria “Que a política pode ser transformada em uma ciência”? Hume estaria apenas ridicularizando escritores que pretendem estabelecer uma ciência dos fenômenos políticos ao afirmar que existem verdades políticas eternas e imutáveis? A discussão da interpretação de McCormick extrapolaria as pretensões deste artigo, o qual não aborda a relação entre a compreensão humiana do estatuto epistêmico do conhecimento político e o caráter cético dos escritos do filósofo.

Gostaria de sugerir apenas que qualquer proposta que pretenda explicar a relação entre ceticismo e conhecimento político, no pensamento humiano, precisa lidar com as afirmações de Hume sobre o caráter dos axiomas do conhecimento político a respeito de formas políticas de organização. Para Hume, há conhecimento sobre os fenômenos políticos. A política pode, de fato, ser transformada em uma ciência.

 

2 Uma ciência sobre a conduta dos seres humanos em sociedade

Além de um saber sobre formas políticas de organização, a política é uma ciência sobre a conduta dos seres humanos reunidos em sociedade. O cientista da política interessa-se, por exemplo, por ações que estão ou não de acordo com as regras da justiça que permitem a convivência em sociedade[19] e as ações de obediência e desobediência aos ditames do governante.[20]

Cumpre aqui notar, como o faz Alix Cohen (2000), que a investigação política das ações em contextos sociais não se confunde com a investigação moral da conduta humana. As tarefas do cientista da política e do filósofo moral são distintas: na política, o cientista interessa-se “[...] pelo equilíbrio de interesses separados e a hábil divisão de poder para melhor garantir o interesse público” (COHEN, 2000. p. 124, tradução nossa). No ensaio “Da independência do parlamento” (1741), Hume observa sobre a natureza humana:

Escritores políticos estabeleceram como uma máxima que, ao planejar qualquer sistema de governo e fixar as diversas restrições e controles da constituição, deve-se supor que todo homem é um patife e que ele não tem nenhum outro fim, em suas ações, senão o interesse privado. (HUME, 1994, p. 24).

 

Em uma perspectiva política, as ações autointeressadas de indivíduos em sociedade são relevantes, na medida em que sua realização tem efeitos sociais que ameaçam a existência da sociedade. Por isso, ao estudá-las, o cientista é capaz de formular um princípio de sua ciência: “[...] portanto, é uma máxima política exata que se deve supor todo homem como um patife.” (HUME, 1994, p. 24). A ciência da política tem por objetivo descrever como agem os seres humanos em sociedade, independentemente do julgamento sobre o acordo dessas ações com princípios morais, tarefa do filósofo moral, que investiga como os seres humanos deveriam agir.

Claudia Schmidt (2003) entende que a ciência humiana da política é principalmente um saber sobre as ações realizadas em sociedade:

Em uma afirmação mais cuidadosa de sua visão, a ciência política tenta explicar os fatos gerais da ação humana, ou as causas e efeitos de muitas ações humanas como toda uma espécie de objetos,[21] ao invés de ações únicas de indivíduos. Em outras palavras, a ciência da política tenta traçar circunstâncias similares e motivos para ações que são realizadas por um número de indivíduos. (SCHMIDT, 2003, p. 271, tradução nossa).

 

O cientista não está interessado em uma ação realizada isoladamente, em um contexto social. Nesse ponto, Schmidt parece ter razão. Uma ação de desobediência civil de um único indivíduo, por exemplo, é um fato que, do ponto de vista da política, não interessa ao cientista. Contudo, várias ações de desobediência civil, concretizadas por um grupo de indivíduos e os motivos que os levam a realizá-las, são fatos que o cientista não desconsidera. Ele procura formular máximas gerais acerca de quando é ou não legítimo desobedecer ao governo.[22] Contudo, observo que a leitura de Schmidt negligencia, ao pretender que a política é principalmente uma ciência sobre as ações humanas em sociedade, aquela investigação que descrevi na seção anterior deste artigo, o estudo das formas de organização política. Schmidt desconsidera a teoria política de Hume apresentada em “Que a política pode ser transformada em uma ciência”. O cientista descobre axiomas sobre formas políticas de organização e, do mesmo modo, estabelece máximas gerais sobre o comportamento humano em sociedade.

 

2.1 Como são formuladas as máximas gerais da política

O método de investigação do cientista para se chegar às máximas gerais sobre a conduta humana em sociedade é experimental. Cabe aqui um paralelo com o modo como o cientista moral descobre os princípios gerais da moralidade. Hume nota, em uma passagem da segunda Investigação: “[...] dado que essa é uma questão factual [a questão da moralidade] e não um assunto de ciência abstrata, só podemos esperar obter sucesso seguindo o método experimental e deduzindo máximas gerais a partir de uma comparação de casos particulares.” (HUME, 2004, p. 231). Pensando a partir desse paralelo, como na investigação moral, focada nas ações de indivíduos particulares segundo a obrigação moral, o cientista lança sua atenção sobre as ações efetivadas por grupos de indivíduos em sociedade. Comparando-as, ele é capaz de formular máximas acerca de ações em sociedade, como, por exemplo, um corpo de indivíduos que age contrariamente ao governo. O estudo político das sociedades humanas revela, para Hume, que a segurança e a proteção para desfrutar a sociedade política correspondem ao interesse imediato que constitui a obrigação de obedecer a um governante. A obrigação à obediência está condicionada à garantia da segurança e proteção do governado. Pode-se formular uma proposição política a esse respeito:

 

Máxima geral política: os governados estão obrigados à obediência, desde que o governante lhes garanta segurança e proteção.

 

O corpo de indivíduos em sociedade não está legitimado a agir contra os propósitos do governante, se não há violação da garantia de segurança e proteção. O estudo político, no entanto, revela a possibilidade de governantes desconsiderarem esse interesse, motivados, por exemplo, por paixões, ambições, ganâncias e interesses que vão de encontro à segurança e proteção dos governados. Essas considerações servem de ponto de apoio para um cientista argumentar em favor da legitimidade da resistência civil, em alguns casos:

Nosso conhecimento geral da natureza humana, nossa observação da história passada da humanidade, nossa experiência dos tempos presentes – todas essas causas devem nos levar a abrir espaço para exceções, e devem nos fazer concluir que podemos resitir aos exemplos mais violentos do poder supremo, sem cometer por isso nenhum crime ou injustiça. (HUME, 2001, p. 591-592).

 

O cientista é capaz de formular uma máxima geral acerca da legitimidade da desobediência civil:

 

Máxima geral política: os governados não estão obrigados à obediência, quando o governante não lhes garante segurança e proteção.

 

Observo que, embora dispondo de uma máxima ou princípio geral, é possível que o cientista não saiba quando aplicá-la, em uma situação particular. Esse é o caso da máxima geral sobre o direito à resistência. Hume nota que, nos diversos casos particulares nos quais o governante aparentemente deixa de garantir a segurança e a proteção dos governados, nem sempre é possível saber se o direito de resistir é legítimo.[23]

A passagem citada acima (HUME, 2001, p. 591-592) é valiosa para a compreensão de alguns pressupostos metodológicos da investigação política da conduta humana em sociedade, segundo Hume. A formulação de máximas gerais sobre a ação humana apoia-se sobre a experiência de vida em sociedade, o estudo da natureza humana – uma psicologia dos motivos da ação humana – e o estudo dos registros históricos das sociedades humanas. Inicialmente, a vivência humana auxilia do mesmo modo na compreensão desses motivos de ação. A vivência oferece a chave para se conhecer a natureza humana, através de sua complexidade, como Hume sublinha, na primeira Investigação:

Daí igualmente o valor da experiência adquirida por uma vida longa e uma variedade de ocupações e convivências para instruir-nos sobre os princípios da natureza humana e regular nossa conduta futura tanto quanto regula nossa especulação. Com o auxílio desse guia, ascendemos ao conhecimento dos motivos e inclinações dos homens a partir de suas ações, expressões e mesmo gestos; e, em seguida, descendemos à explicação de suas ações a partir do conhecimento que temos de seus motivos e inclinações. As observações gerais amealhadas no curso da experiência dão-nos a chave da natureza humana e ensinam-nos a deslindar todas as suas complexidades. (HUME, 2004, p. 124).

 

Conhecer os seres humanos em contextos sociais depende da vida em uma sociedade humana. É preciso viver nas mais diversas ocupações e com os mais diversos indivíduos, para conhecer a natureza humana na sociedade. Mediante a vivência em meio aos seres humanos, descobre-se, por exemplo, o que Hume nota em “Da independência do parlamento”:

Que os homens são geralmente mais honestos em suas vidas privadas do que em suas capacidades públicas, indo mais longe para servir um partido do que quando se considera apenas seu interesse privado. A honra é uma grande restrição sobre a humanidade, contudo, onde um corpo considerável de homens age conjuntamente, essa restrição é em grande medida removida. Desde que um homem está certo de ser aprovado pelo seu próprio partido, para o que promove o interesse comum; e ele logo aprende a desprezar os clamores dos adversários. (HUME, 1994, p. 24).

 

Ao formular máximas políticas sobre a conduta humana em contextos sociais, o cientista deve ter em vista que a honra não tem tanta influência sobre o comportamento de muitos, como a que tem sobre o comportamento de uma única pessoa.

Hume reconhece que é preciso ir além da vivência em sociedade. O cientista dos fenômenos políticos é também um filósofo da mente. A investigação psicológica das operações mentais e seus princípios permite ao cientista identificar os motivos que levam os seres humanos a agir. Orgulho, humildade, amor, ódio, inveja, piedade, malícia e generosidade são exemplos de causas que levam os seres humanos a agir. A compreensão humiana da relação entre motivos e ações é apresentada principalmente nas seções “Da liberdade e da necessidade” do Tratado e da primeira Investigação. O estudo dessa relação revela semelhanças com o estudo das relações causais no mundo físico:

Ao julgar as ações humanas, devemos proceder com base nas mesmas máximas que quando raciocinamos acerca de objetos externos. Quando dois fenômenos se apresentam em uma conjunção constante e invariável, adquirem uma tal conexão na imaginação que essa passa de um ao outro sem qualquer dúvida ou hesitação. (HUME, 2001, p. 439).

 

A imaginação conecta ações e motivos – efeitos e causas – de sorte a possibilitar que se julgue sobre esses a partir daquelas. Mediante a observação de uma ação, o cientista é capaz de descobrir os motivos que possivelmente a produziram. Conforme Hume, a conexão entre motivos e ações na natureza humana apresenta regularidade e uniformidade suficiente para que o cientista seja capaz de supor, com algum grau de segurança, que certos motivos poderão produzir certas ações: “[...] nenhuma união pode ser mais constante e certa que a de algumas ações com determinados motivos e caracteres; [...]” (HUME, 2001, p. 440). O cientista que investiga o comportamento humano, portanto, precisa realizar um trabalho mais rigoroso de descoberta e classificação dos motivos de ação do que a vivência em sociedade lhe permitiria.

Por fim, a análise histórica, tal como no caso da descoberta dos axiomas da política, tem papel relevante para o estudo do comportamento humano coletivo e as máximas gerais a seu respeito. Os registros históricos são uma fonte a partir da qual o cientista pode extrair suas máximas gerais. Contudo, é preciso ter certa precaução nessa tarefa. Como Hume sugere, em “Da liberdade civil” (1741), existe um grande obstáculo para a ciência da política do seu século:

Estou apto a cogitar uma suspeita de que o mundo é ainda muito jovem para fixar verdades gerais em política que permanecerão verdadeiras para a mais tardia posteridade. Não tivemos ainda uma experiência de três mil anos, de modo que não apenas a arte de raciocínio é ainda imperfeita nessa ciência, como em todas as outras, mas até mesmo carecemos de materiais suficientes sobre os quais possamos raciocinar. (HUME, 1994, p. 51).

 

A história das sociedades humanas não é suficientemente extensa para que o cientista seja capaz de extrair, com base em sua consideração, máximas gerais que continuarão verdadeiras, ao longo do tempo. Hume continua o texto no sentido que me leva a supor que ele está se referindo a máximas políticas sobre o comportamento humano em contextos sociais e não a axiomas sobre formas políticas de organização:

Não é totalmente conhecido que grau de refinamento, seja em virtude ou vício, de que a natureza humana é suscetível; nem o que podemos esperar da humanidade de qualquer grande revolução em sua educação, costumes ou princípios. (HUME, 1994, p. 51).

 

De acordo com Hume, é possível supor que uma grande revolução na educação, costumes ou princípios da humanidade poderia transformar suas máximas gerais sobre o comportamento humano. A posteridade, afirma o filósofo, rejeitará muitas máximas políticas estabelecidas em seu tempo, pois “[...] revoluções poderosas aconteceram em assuntos humanos, e tantos eventos surgiram ao contrário da expectativa dos antigos, que eles são suficientes para gerar a suspeita de ainda mais mudanças.” (HUME, 1994, p. 52).

Esse tipo de instabilidade em relação às máximas gerais não está presente, como visto na seção anterior, na ciência sobre formas políticas de organização. Os axiomas políticos são mais estáveis do que as máximas gerais formuladas pelo cientista, a partir de sua vivência em sociedade, do conhecimento da mente humana e das análises históricas. Considero isso um fator adicional para se pensar a separação entre dois tipos de princípios, no âmbito da ciência da política: axiomas, eternos e imutáveis – no sentido de independentes de fatores contextuais –, e máximas gerais, completamente passíveis de transformação, haja vista a dependência de fatores contextuais.

 

2.2 A verdade das máximas gerais depende do contexto

Diferentemente dos axiomas, os princípios ou máximas gerais da política concernem à ação de indivíduos em sociedade e, por essa razão, podem ser ditos contextuais. Muito embora o comportamento humano não seja estável e regular, a ponto de tornar possível a descoberta de axiomas a seu respeito, a uniformidade da natureza humana produz uma regularidade nas ações suficiente para que o cientista possa formular máximas sobre a conduta humana. Tanto na seção “Da liberdade e da necessidade” do Tratado quanto na seção de mesmo nome da primeira Investigação, Hume estuda essa uniformidade e, consequentemente, faz notar a regularidade das ações humanas:

Admite-se universalmente que há uma grande uniformidade nas ações dos homens em todas as épocas e nações, e que a natureza humana permanece a mesma em seus princípios e operações. Os mesmos motivos produzem sempre as mesmas ações; os mesmos acontecimentos seguem-se das mesmas causas. (HUME, 2004, p. 123).

 

Hume reconhece mesmo que, sem essa uniformidade da natureza humana, não haveria meios para que os princípios políticos agissem uniformemente sobre os seres humanos: “[...] como poderia a ‘política’ ser uma ciência se as leis e as formas de governo não exercessem uma influência uniforme sobre a sociedade?” (HUME, 2004, p. 130). Ainda que influenciados pelas mais diversas particularidades culturais, morais ou educacionais, seres humanos partilham de uma natureza em comum. Essa natureza uniforme os torna capazes de se reunirem sob o poder e a autoridade de um monarca ou que, por eleição, escolham um corpo de indivíduos que represente seus interesses. Há estabilidade e regularidade suficientes para que o cientista possa formular princípios gerais a seu respeito:

Se não houvesse uniformidade nas ações humanas, e se todo experimento realizado nesse campo fornecesse resultados irregulares e anômalos, seria impossível coletar quaisquer observações gerais referentes à humanidade, e nenhuma experiência, por mais adequadamente digerida pela reflexão, poderia servir a qualquer propósito. (HUME, 2004, p. 125).

 

Hume reconhece a influência de fatores contextuais no comportamento humano e, consequentemente, nas máximas formuladas a seu respeito:

Não devemos esperar, contudo, que essa uniformidade das ações humanas chegue a ponto de que todos os homens, nas mesmas circunstâncias, venham sempre a agir precisamente da mesma maneira, sem levar minimamente em consideração a diversidade dos caracteres, das predisposições e das opiniões. Uma tal uniformidade em todos os detalhes não se encontra em parte alguma da natureza. Ao contrário, a observação da diversidade de condutas em diferentes homens capacita-nos a extrair uma maior variedade de máximas, que continuam pressupondo um certo grau de uniformidade e regularidade. (HUME, 2004, p. 125).

 

O cientista extrai diferentes máximas gerais de diferentes sociedades. Princípios formulados sobre Atenas podem não ser aplicados, sem a devida precaução, a Roma, tampouco à realidade política dos tempos de Hume. O contexto influencia não apenas as ações humanas como também as máximas gerais sobre a conduta dos indivíduos em sociedade. Sociedades diferentes são formadas por seres humanos diferentes, influenciados por fatores contextuais distintos: cultura, moral e educação, por exemplo. Uma máxima ou princípio sobre uma sociedade A pode não valer para uma sociedade B.

 

2.3 Princípios contingentes e mutáveis

Esse campo de investigação da ciência da política é baseado, de acordo com o que foi discutido acima, sobre o pressuposto de que é possível prever em alguma medida e a partir das circunstâncias – a cultura, a moral e a educação, por exemplo – o comportamento do corpo de indivíduos em sociedade. Como visto, os axiomas sobre formas políticas de organização são verdades que não são condicionadas por fatores contextuais: a melhor forma de governo monárquico é hereditária, não eletiva, não importa em qual sociedade esse tipo particular de constituição seja instituído. Diferentemente desses axiomas, os princípios ou máximas dependem do contexto donde são extraídos e, portanto, não podem explicar toda e qualquer realidade política. Eles são princípios contingentes e mutáveis cuja verdade depende do contexto, eles são condicionados por fatores contextuais. Como nota Hume, as máximas sobre o comportamento humano que os seres humanos formam, em função de sua vivência em sociedade são válidas, até que “[...] o tempo e experiências adicionais venham a expandir essas máximas e ensinar-lhe seu adequado uso e aplicação.” (HUME, 2004, p. 77).

O mesmo pode ser afirmado sobre as máximas gerais formuladas pelo cientista da política. Os princípios gerais da política são corrigíveis de um modo que os axiomas não o podem ser. Diante das tiranias de um governante, é possível que uma determinada sociedade de indivíduos aja de modo a resistir, no entanto, isso é apenas provável – em um grau menor, se estou certo em minha interpretação, do que os axiomas sobre formas políticas de organização –, dependente dos indivíduos que nela se reúnem, da cultura, da moral, da educação etc. Apesar da regularidade e uniformidade da conexão entre motivos e ações, quando colocados nas mesmas circunstâncias, seres humanos podem agir de maneiras diferentes, porque nas ações humanas, as paixões, às vezes prevalecem sobre a razão, a razão às vezes prevalece sobre as paixões. Da mesma maneira, às vezes se prefere um bem futuro a um bem presente, outras vezes, opta-se por um bem presente em detrimento de um bem futuro.

 

Considerações finais

Este artigo apresentou uma hipótese que procura sistematizar a compreensão dos campos de investigação dos princípios da ciência da política no pensamento de Hume. Argumento que a política é fundada sobre axiomas e máximas ou princípios gerais. Axiomas são princípios que dizem respeito às formas políticas de organização e, para Hume, são verdades eternas e imutáveis – não dependentes de fatores contextuais. Um axioma vale tanto para uma sociedade A quanto para uma sociedade B, independentemente das particularidades temporais e espaciais de cada uma. As máximas gerais concernem às ações dos seres humanos reunidos em sociedade e, aos olhos do filósofo, são verdades contingentes e mutáveis condicionadas por tempo e espaço. Uma máxima geral sobre uma sociedade A pode não ser aplicável para uma sociedade B.

Acredito que essa distinção de campos de investigação tem o mérito de mostrar as dificuldades de certas interpretações do pensamento político de Hume – como as intepretações de Conniff, Dees, Schmidt e Mccormick, citadas ao longo do trabalho. Nenhuma interpretação que não considere essa distinção entre axiomas e máximas gerais poderá apresentar uma visão adequada de como Hume pensa a ciência dos fenômenos políticos. Ao negar a importância do contexto, uma interpretação acaba por negligenciar o campo dessa ciência que investiga a conduta humana – contextual, condicionada por tempo e espaço. Ao valorizar sobremaneira os fatores contextuais, uma interpretação não consegue lidar com o que Hume assevera sobre os axiomas políticos – não contextualizáveis – em “Que a política pode ser transformada em uma ciência”.

É verdade que esse é apenas um ensaio no interior de uma obra extensa, como a humiana. Todavia, em nenhum outro escrito, Hume é tão sistemático acerca do modo como a ciência da política se estrutura e sobre a natureza dos princípios do conhecimento político. A proposta deste artigo é, portanto, conciliar esses dois aspectos da investigação política, segundo Hume, conectando, eu acredito, os textos do Tratado, da primeira Investigação e dos “Ensaios” sobre a ciência da política.

 

David Hume’s Science of Politics

Abstract: The paper presents an interpretation that systematizes Hume’s understanding of the principles of the science of politics. On the one hand, it is argued that the science of politics is a science about political forms of organization (for instance, monarchy, aristocracy, and democracy) founded upon axioms whose truth is eternal and unchangeable and independent of contextual factors – such as, for instance, culture, morals and education. On the other hand, the science of politics is also a science about the actions of human beings in society (for instance, the actions of a body of individuals that resists the tyranny of a governor) founded upon general maxims or principles whose truth is contingent and changeable and dependent of contextual factors.

 

Keywords: History of Philosophy. Politics. Science. Principles. David Hume.

 

Referências

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ZAHREDDINE, S. David Hume e o Problema da Justificação da Resistência ao Governo. 2018. Tese (Doutorado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.

 

Recebido: 03/5/2019

Aceito: 14/8/2020


 

 



[1] Agradeço a Carlota Salgadinho Ferreira e a Stephanie Zahreddine pelas valiosas sugestões feitas à primeira versão deste texto. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

[2] Residente pós-doutoral (PNPD/CAPES) na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG – Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8304-4732. E-mail. ffvinicius@yahoo.com.br.

[3] Publicado originalmente em 1739 (Livros I e II) e 1740 (Livro III). Doravante, Tratado.

[4] No ensaio “De alguns costumes notáveis” (1752), por exemplo, Hume discute três costumes políticos peculiares ao longo da história.

[5] A política, junto da lógica, moral e crítica, compreende quase a totalidade do conjunto de assuntos que o ser humano pode ter interesse em conhecer (HUME, 2001, p. 21).

[6] É possível que esse silêncio se deva ao fato de que Hume tinha em mente o projeto de escrever e publicar um quarto volume da obra, inicialmente concebido para discutir assuntos políticos (IMMERWAHR, 1991, p. 02).

[7] Publicada originalmente em 1748. Doravante, primeira Investigação.

[8] Publicada originalmente em 1751. Doravante, segunda Investigação.

[9] Publicados originalmente em 1741. Todas as referências aos ensaios políticos de Hume são da obra organizada por Knud Haakonssen, intitulada David Hume: ensaios políticos (1994). Todas as passagens citadas foram por mim traduzidas.

[10] Thomas Reid sobre sociedade e política (2015), coleção dos manuscritos das aulas sobre política ministradas por Reid, na Universidade de Glasgow, entre os anos de 1764 e 1780.

[11] Ensaio sobre a história da sociedade civil, publicado originalmente em 1767 (FERGUSON, 2001, p. 34). Oz-Salzberger também discorre a esse respeito (OZ-SALZBERGER, 2002, p. 162-163).

[12] James Conniff discorre sobre a exatidão das análises históricas de Hume para a descoberta desses axiomas (CONNIFF, 1976, p. 91-94).

[13] Conniff discorre sobre a exatidão das análises históricas de Hume para a descoberta desse axioma (CONNIFF, 1976, p. 94-95).

[14] Conniff (1976, p. 95-97) discorre sobre a exatidão sobre a exatidão das análises históricas de Hume e a descoberta desse axioma.

[15] Knud Haakonssen (2009, p. 356-357) discorre sobre o lugar da história no pensamento político de Hume.

[16] Segundo o intérprete, as alegações de certezas políticas de John Locke (1632-1704), James Harrington (1611-1677) e Henry St. John Bolingbroke (1678-1751).

[17] Na primeira menção, a autora afirma: “[...] assim como Hume pensa que a maneira de encontrar princípios gerais da natureza humana é através de uma observação cautelosa da vida humana, ele acredita que uma abordagem semelhante pode ajudar a formular princípios gerais sobre sistemas políticos. Em seu ensaio ‘Que a política pode ser transformada em uma ciência’, Hume tenta mostrar que, a partir de uma leitura atenta de diferentes sistemas, tanto atuais quanto históricos, pode-se tirar conclusões gerais confiáveis sobre o que contribui para a saúde política.” (MCCORMICK, 2013, p. 84, tradução nossa). Na segunda menção, ressalta: “[...] em ‘Que a política pode ser transformada em uma ciência’, o ponto principal de Hume é mostrar que é possível fazer certas generalizações sobre a natureza e consequências dos tipos de governos, independentemente do caráter e temperamento dos governantes.” (MCCORMICK, 2013, p. 90, tradução nossa).

[18] Na primeira Investigação, Hume declara: “[...] todos os objetos da razão ou investigação humanas podem ser naturalmente divididos em dois tipos, a saber, relações de ideias e questões de fato. Do primeiro tipo são as ciências da geometria, álgebra e aritmética, e, em suma, toda afirmação que é intuitiva ou demonstrativamente certa. [....] Proposições desse tipo podem ser descobertas pela simples operação do pensamento, independentemente do que possa existir em qualquer parte do universo. Mesmo que jamais houvesse existido um círculo ou triângulo na natureza, as verdades demonstradas por Euclides conservariam para sempre sua certeza e evidência.” (HUME, 2004, p. 53). E continua: “[...] questões de fato, que são o segundo tipo de objetos da razão humana, e tampouco nossa evidência de sua verdade, por grande que seja, é da mesma natureza que a precedente. O contrário de toda questão de fato permanece sendo possível, porque não pode jamais implicar contradição, e a mente o concebe com a mesma facilidade e clareza, como algo perfeitamente ajustável à realidade.” (HUME, 2004, p. 53-54).

[19] Por exemplo, quando Hume discute a origem do governo, no Livro III do Tratado (HUME, 2001, p. 573-578).

[20] Por exemplo, quando Hume discute as origens da obediência civil e suas regras, no Livro III do Tratado (HUME, 2001, p. 589-606).

[21] Ao mencionar “toda uma espécie de objetos”, Schmidt refere-se a uma passagem específica da primeira Investigação, na qual Hume afirma: “[...] as ciências que tratam dos fatos gerais são a política, a filosofia natural, a medicina, a química etc., nas quais se indaga sobre as qualidades, causas e efeitos de toda uma espécie de objetos.” (HUME, 2004, p. 221-22).

[22] Sobre as diversas interpretações a propósito da visão de Hume sobre o direito à resistência – Hume admite ou não a desobediência civil? –, sugiro a leitura da tese doutoral de Stephanie Zahreddine (ZAHREDDINE, 2018, p. 18-66).

[23] “Mas, embora esse princípio geral [resitência a tiranias] seja sancionado pelo senso comum e pela prática de todos os tempos, é certamente impossível que as leis, ou sequer a filosofia, estabeleçam regras particulares que nos permitam saber quando a resistência é legítima e resolver todas as controvérsias que possam surgir a respeito.” (HUME, 2001, p. 602-603).