UMA ABORDAGEM NATURALISTS DA CONSCIENCIA HUMANA



Alfredo PEREIRA JUNIOR1



RESUMO: Abordo neste tiabalho alguns dos principais problemas filosoficos concernentes a uma conceppño naturalista da consciéncia humana, assim como algumas evidéncias disponiveis na neuropsicologia e neurofisiologia, sobre a iela9ao entre atividade cerebral e experiéncia consciente. Inicialmente fa9o uma revisao sobre a defini9ao de “consciéncia" seu estatuto filosofico e rela9ño com os processos emocionais, e proponho trés condi9ñes para sua atribuipño a um sistema tisico. Em seguida, identifico diferentes modalidades de consciéncia e seus correlatos ceiebrais em diferentes escalas espaciais e temporais. Finalmente, discuto possiveis mecanismos biofisicos subjacentes aos piocessos conscientes.

PALAVRAS-CHAVE: Consciéncia: neuropsicologia; neurotisiologia; epistemologia; mente.



Introdupño


As tentativas de se entender a consciéncia humana como sendo um fenomeno integrante da natureza tém, ao longo da historic do pensamento, conduzido a uma série de dificuldades. A maior delas possivelmente serta a dificuldade de se oferecer uma explica9ño causal, explicitando as condi9ñes necessarias e suficientes para que um sistema fisico apresente o fenñmeno consciéncia tal como este se apresenta para o ser humano.


Uma dificuldade simetricamente oposta ñ o risco de trivializa9ño do conceito de consciéncia, decorrente da ado9ño de uma suposi9ño panpsiquista (ou seja, que todo processo natural teria uma dimensño consciente). Paia se evitar o panpsiquismo, é preciso estabelecer recortes na natureza fisica, limitando a atribui9ño de consciéncia aos sistemas vivos, ou a sistemas vivos que satisfa9am certas condi9ñes (por exemplo, dominio de uma linguagem simbolica). Os critérios para se estabelecer tal recorte sño muitas vezes obscuros, ou mesmo preconceituosos, como quando se supñe a priori que apenas os seres capazes de se manifestar explicitamente sobre seus processos conscientes seriam conscientes.

Uma outra dificuldade consiste em delirnitar as semelhan9as e diferen9as entre a consciéncia animal e a humana. Enquanto os mecanismos neurobiologicos que suportam as atividades conscientes parecem ser muito semelhantes em vñrias espécies, especialmente entre os mamiferos, o modo como estes mecanismos se arranjam e interagem com o ambience, no ser humano, parece ter caracieristicas unicas, decorentes de uma miorespeialzaqâo dos mecanismos dedicados ao processamento de aspectos perceptuais, emocionais e motores, e da combina9fio dmñmica entre tars mecanisrnos.

A emergéncia da linguagem como meio de comunica9ño interindividual, em sua forma tipica da espécie humana, serta entño um elemento diferenciador importante. Nesta perspectiva, embora mo se considere a existéncia de consciéncia como um privilégio da espécie humana, pode-se atribuir â consciéncia humana uma novC[ modalidade de existéncia, que nño seria encontrada em outras espécies, a “consciéncia de ser consciente" ou autoconsciéncia. Ao mesmo tempo, considera-se que outras espécies compartilhem com a humana outras modalidades de processamento, o que torna o estudo do cérebro e da cogni9fio nestes animais, em areas como a psicobiologia, neurobiologia cognitive e etologia, de grande utilidade para se entender aspectos homologos da consciéncia humana.



A Definipño da Consciéncia e seu Estatuto Filoséfico


A defini9ao da consciencia constitui um problema classico. Libet (1987) nota que


(...) o teimo "consciéncia" tern sido livromonto oiiitJto(JtLlo |4ntn clollinltot v6tl os significados diferentes, ou diferentes aspoctos ‹In funpn‹i tit!f0litt11 HIS fltllllh nos e animals. O termo é aplicado frequentemento u o:ii,ti‹1uii dii iuutlv mimic cii ambiente estai consciente ou em coma, desper to on urluIiiiucldu„ , fifltfls estados podem set descritos em teimos comportamontais, ‹ib!ioivnu‹lu nu o humano ou animal.


Tentativas de se prover uma delini9ño comportamental da consciéncia originaram o concerto de awareness (sem tradu9ño no portugués). O processo que conduz ñ awareness come9a com um ato ou atos de aten9fio do organismo, recebendo sinais do ambiente, processando os mesmos de um modo coerente, e usando os resultados para informal a9ñes futures no mesmo ambiente. Todos estes passos podem ser identificados, e os diversos fatores envolvidos podem ser medidos em experiéncias cientificas. Nas anñlises desses resultados, rela9oes funcionais diversds entre percep9ño, aten9ño, memoria e alto Goram propostas.

Contudo, a partir do trabalho de Chalmers {1996), muitos pes-

quisadores atuais vieram a assumir uma distin9ño entre awareness e consciéncia, pots a consciéncia incluiria, além do processo que gera a awareness, também a expeiiéncia de um mundo fenomenaJ (um concerto bem discutido na tradi9ao filosñfica, p. ex. em Kant e Husserl) ou um “como é sentir-se em tal situa9ao”, que caracteiiza a chamada “perspective da primeira pessoa”, ou o “aspecto subjetivo” da experiéncia consciente (Chalmers, 1996).

Tanto o conceito de "mundo fenomenal”, quanto os de “perspective de primeira pessoa”, e de "aspecto subjetivo” da consciéncia tern em comum a suposi9ño relative ñ existcncia de estudos quaJitativos tipicos da consciéncia, os tamosos quanta. No contexto da tiadi ño dualista cartesiana, os quanta sño “qualidades secundârias”, que nño teriam existencia objetiva (ao menos, nas categories conceituais da fisica clñssica, como na categoria da extensâo especial). Contudo, de uma perspective nño dualista, os estados qualitativos da consciéncia podem ser rela cionados a estados fisicos do cérebro a serem empiricamente identificados, definindo-se assim uma zona de intersec9ño entre fenñmenos subjetivos e objetivos (Pereira Jr., 2001b).

Serra adequado para o estudo neurobiologico da consciéncia que a mesma mo fosse definida em termos dualistas, que jfi pressupñem de antemño a impossibilidade de seu estudo cientifico. Sem duvida, devemos concordar com Chalmers e outros filñsofos da mente sobre a reaJidade dos estudos qualitativos que caracterizam o mundo fenoménico, porém sem fechar prematuramente as portas para o estudo dos mecanismos fisico-biolñgicos que os suportam.

As filosofias materialistas e reducionistas, que postulam a ldertidade cérebro mente, a eJiminapño do vocabulfirio psicolñgico ou a dedu9âo da psicologia a partir da fisica, tém sistematicamente fracassado no projeto de se estudar a experiéncia consciente, ou de corielaciona-la com mecanismos neuiobiologicos. Nño insiio o piesente trabalho nesta tradipño, mas sim em uma visño naruraJista naoreducionista (Pereira Jr., 2001b), que procura trabalhar com os resultados empiricos das diversas ciéncias da natureza que se aplicam ao estudo do cérebro/mente, sem propor uma redu9ño conceitual, ontologica ou metodologica da psicologia ñ biologia, ou da biologia ñ fisica.

Para isso é imprescindivel reconhecer que o cérebro trabalha simultaneamente em multiplas escalas espaciais e temporais, e que cada disciplina que o estuda tern uma ferramenta adequada para o acesso empirico e descri9ño conceitual de um determinado nivel de organizaWho e atividade (Pereira Jr., 2001a). Os diversos niveis seriam portanto complementares e nño contraditorios entre si, o que vem a demandar uma coopera9fio inter, multi ou transdisciplinar, para se realizar sinteses teñricas que permitam uma melhor compreensño da fun9ño cerebral como um todo.

Dadas as limita90es tanto das teorias dualistas (seja as que concebem cérebro e mente como dnas substñncias distintas duaJismo de sobstâncio seja as que os concebem como uma unica substancia com propriedades opostas duaJismo de propriedades), quanto das teorias da identidade cérebro-mente, é preciso que se conceba em novas bases a rela9ño entre cérebro e consciéncia, ou melhor, é preciso que se desenvolva uma abordagem diaJétlca do cérebro/mente, que evite a camisa de forma das teorias dualistas e da identidade. Estas abordagens, apesar de opostas entre si, tém em comum uma concepWho mo-diaJética do cérebro/mente, que sño concebidos como idénticos ou como irredutivelmente opostos. Na perspectiva dialética, ao contrñrio do que ocorre no dualismo e no reducionismo, os aspectos subjetivo e objetivo, de primeira e terceira pessoa, da experiéncia fenomenal e do mundo fisico, nao sño vistos como contraditorios, mas como opostos que se complementam. 0 mesmo se aplica ñ rela9ao entre as diversas disciplillds que se especializam no enfoque de cada aspecto.

O que torna possivel nño so coiielocionm: (cmpiricuinontc) cntnt também extender (racionalmente) a rela9ño entre atividado corchinl n experiéncia consciente é a ocorréncia de semelhen qcs rna forint (homeomorfismos, ou correspondéncias estruturais) entre ambas, on seja, entre relatos feitos por sujeitos humanos sobre seus conteudos do consciéncia durante uma atividade cognitiva, e a concomitante observa9ao da atividade cerebral Serta pelos neuiocientistas cognitivos com o recurso das tecnologias apropriadas. Nño se trata, decerto, de um isomoilismo (igualdade de forma) devido ñ razño (discutida mais adiante) de que os correlatos cerebrais da experiéncia consciente se encontram distribuidos em diversas escalas espaciais e temporais, que seriam parcialmente descontinuas diante da observapño de terceiros, ao passo que a experiéncia consciente se apresenta, para os sujeitos normais, como um fluxo unitario e continuo.


Introspecpño e o Problema da Consciencia Animal


Diversos filosofos da mente tém arguido, com razño, que os processor conscientes sño diretamente acessiveis para o proprio sujeito da experiéncia. Contudo, ao contrñrio do que alguns deles argumentam, este nño serta um obstñculo intransponivel para o seu estudo no contexto das ciéncias empiricas. Para contornar esta dificuldade, uma solisticada metodologia tern sido desenvolvida pela neurociéncia cognitiva (ver Frith, Perry & Lumer, 1999). Tal estudo cientifico requer, além de medidas da atividade cerebral durante processos conscientes, também os relatos dos sujeitos sobre seus conteudos de consciencia. Como dispomos de relatos feitos por humanos, no estudo da consciéncia animal precisamos de uma suposi9fio adicional, permitindo inferir que os tipos de expeiiencie consciente restes onimeis se coiielacionam corn os mesmos tipos de atividade cerebral com as quais eyes se correJacionam em humanos.

Neste sentido, a consciéncia animal é uma entidade inobservavel para o cientista, na mesma medida em que as particulas subatñmicas o sño na fisica. Contudo, existe no estudo da consciéncia animal a vantagem de que o cientista pode comparar os estados de consciéncia presumidos para um animal com seus proprios estados de consciéncia, e deste modo imayinar como seriam os processos conscientes desses animais. No caso dos inobservaveis da fisica a situa9ño é mais dificil, requerendo o recurso ñ abstiaqâo em Sugar da imagina9ño, mas nem por isso o carater cientifico destes estudos é questionado. A postula9âo de entidades inobservaveis se tornou uma rotina na flsica das particulas e na astrofisica, o que tern gerado um grande debate entre os filosofos realistas e empiristas sobre a natureza destas entidades. Por outro lado, na psicologia e neurociencia, devido a preconceitos filosoficos e metodologicos (hoje injustificñveis perante as novas tecnologias), e também ñ dificuldade intrinseca de estudo, for comum negar um estatuto cientifico ao tema da consciéncia.

Na primeira metade do século XX, os filosofos e neurofisiologistas costumavam contornar os problemas do estudo da consciencia através de uma distin9ño conceitual entre sensd Rao e peicepqâo. A sensa9fio era concebida meramente como uma sensibilidade ante os estimolos, medida em termos da resposta comportamental observñvel e das medidas de atividade neuronal disponiveis. A percep9ño, por sua vez, era concebida como um processo de nivel superior, nño sendo objeto de estudo da ciéncia, mas sim da filosofia fenomenologica. Os psicologos gestaltistas e Teuber (1960) estño entre os primeiros que questionaram a separa9ño conceitual estanque entre sensa9ño e percep9ño. Mesmo na atualidade, embora muitos neurocientistas explicitamente neguem a separa9âo estanque entre funqñes cognitivas elementares e fun9ñes “superiores”, nño é raro que a antiga distin9fio seja eventualmente revivida na interpreta9ño de resultados experimenters.

A aparente inconsisténcia é possivelmente resultado de uma falta de compreensño da contiruidade entre os processos fisiolñgicos desencadeados pela estimula9ño fisica no cérebro e os resultados finais, consciences, do processo de percep9ño. Embora nem toda informa9ao processada no cérebro se torne consciente, a parte que se torna consciente mo é processada independentemente dos processos senso.riais, mas de alguma maneira se sobrep0e aos processor sensoriais nas mesmas pdrtes do cérebro onde estes processos ocorrem

Griffin (1976, 1984) apresentou vfirios argumentos em prol da realidade da consciéncia animaL Uma justificativa para isso seria a seguinte: se para nñs a experiéncia sensorial implica experiéncias conscientes, por que nño assumir o mesmo para outros individuos humanos, e para espécies que tém um sistema perceptual semelhante? Uma vez que a barreira entre sensaqño e percep9ao conscience tenha sido derrubada para nos mesmos, manter isto para outros individuos e espécies parece ser injustificado.

Mesmo considerando a forma de argumentos como os de Griffin, a metodologia do estudo cientifico da consciéncia animal ainda é uma questño controvertida. Os adversarios deste projeto, se nño puderem argumentar pela inexisténcia de consciéncia em outras espécies, muitas vezes passam a drgumentar de uma perspectiva cética, dizendo que mesmo que eta exista nño pode ser provada. Mas nño parece haver razño pertinente para se exigir tal prova, pois neste caso todas as ciencias que lidam com entidades inobservaveis também deveriam ser intimadas a fornecer provas irrefutñveis da existéncia das mesmas.

Sendo assim, é perfeitamente vfilido que a metodologia utilizada pela neurociéncia cognitive, no estudo da consciéncia, fa9a uma soposi9âo da semelhan qa entre estudos acessiveis do sujeito da experiéncia e estudos experienciados por terceiros. Uma vez aceita esta suposiqño, o trabalho cientifico se faz de modo equivalence a todas as outrds ciéncias empiricas, realizando-se uma série de medidas, busca de correla9ñes significativas, discussño dos resultados e inferéncia de conclusñes. A partir deste momento, a avalia9fio destas pesquisas deve ser feita em termos de sua proficuidade e relevñncia teñrico/ prfitica, que com cer teza rever tern em favor das suposi9ñes metodologicas que as tornam possiveis.



Emopoes e Consciéncia


A possibilidade de existéncia de processos emocionais inconscientes implies em uma desvincula9ño relative entre teoria da consciéncia e teoria das emoqñes: enquanto os processos conscientes, como quer Damasio (1996), sempre seriam acompdnhados de emo9ñes, seria possivel haver emo9ñes nfio acompanhadas de consciéncia.

A parte inconsciente da atividade cerebral tern sido abordada em estudos neurocognitivos através do paradigma da emopño inconscreate, proposto por LeDoux e seu grupo (LeDoux, 1996). Os sistemas neuronais que apñiam processos consciences estño amplamente conectados com os sisiemas que apoiam processos emocionais, po-

rém os estudos de LeDoux (que neste aspecto se op0em ñ propostd de

Damasio) tém mostrado que em determinados casos consciéncia e emo9ao podem ser dissociadas. Segundo a proposto de LeDoux, exis tern dois caminhos de processamento das emo9ñes: um pnmeiro, pelo qual a informa9ao aferente é transmitida diretamente do tñlamo/hipotalamo para a amigdala, geraria as emo ñes inconscientes, corno no caso de condicionamento por mensagem subliminal; e um segundo, onde a informaqño aferente é processada por sistemas neocorticais e pelo hipocampo antes de atingir a amigdala, gerando entâo uma emo9ño com conteudo consciente. Para outros autoresPanksepp, 1999; Brandño et aJ., 1999), o processamento emotional envolveria ainda um circuito subcortical, incluindo a substancia periaquiductal cinza e o coliculo inferior, que atuariam em conjunto com a amigdala.

A rela ao entre pensamento consciente e emo90es pode ser vista como de complementaridade, e tambem de modula9âo do fluxo de pensamento pelas rea9oes emocionais desencadeadas (e vice-versa) Muitas vezes, ao se pensar conscientemente a respeito de um determinado assunto sño deflagradas rea9ñes corporais e emocionais, que servem como uma roalimenta9ño do proprio processo de pensamento. As vezes tal realimenta9ao é negativa, levando ñ inibiqao do processo (por exemplo, quando uma pessoa em estado depressivo tenta execu satisfatoria requer modelos teoricos amplos, enpar,os In ar‹iinodrii o miriade de resultados particulates sobre tunp0os ospeelfionn rail tlflnfi missores, moduladores e receptores que abarrotam us rovtotns cltintlll cas da area. Uma proposta promissora de um modolo tciñrtco ñ‹iotu tipo parece ser a de Changeux (ver Changeux and Dahon8, 200(1, Changeux and Edelstein, 2001), que incorpora ñ neurociéncla o conhecimento sobre mecanismos de reyuJapao alosteiica entre protefnas (resumidamente, intera9fies entre trés ou mais compostos moleculares,

p. ex., a, b e c, em que a regula c através da ativaqño de b), estudados por ele desde a década de 1960.

A possibilidade de se obter conclus0es mais interessantes sobre a rela9ño entre consciéncia e emo9ño depende de um melhor entendimento dos mecanismos cerebrais subjacentes a cada um dos dois fenñmenos. Na hipotese apresentada ao final deste artigo, admite-se que os fenomenos sejam mediados por diferentes grupos de receptores de membrana, vindo a mobilizar diferentes caminhos de transdu9ño de sinais dentro das células neuronais. Para os processos de percep9ño refor9ar a linha de pensamento (por exemplo, quando uma pessoa consciente, adoto como modelo a fisiologia do receptor ionotropico esta “caminhando e cantando e seguindo a can9ño”, corno e dito na famosa can9ño de Geraldo Vandré). Também os processor de pensamento sem a9ao extorna tendem a ser acompanhados de rea9ñes emocionais, que fornecem ao organismo um avalia9ao previa das possiveis consequencias de se colocar em prñtica tars pensamentos.

O estudo de emoqoes na neurociencia cognitiva tern se desenvolvido principalmente pela identifica9ao dos mecanismos bioquimicos {transmissores e receptores de membrana, neuromoduladores) envolvidos nos diversos tipos de rea9ñes emocionais. Contudo, uma limitaRao do estudo das emo9ñes a tars mecanismos constitui uma posture ieducionista, que so vem a beneficial segmentos da industria de medicamentos, que pretender vender drogas de atua9ao bastante especifica como se as mesmas fossem por si so solu9ñes para problemas emocionais complexos.

Ernbora uma se9ño sobre emo9ao estivesse presente em muitas coletñneas de estudos neurocientificos desde os anos setenta, sua abordagem quase sempre se resumia ñ identifica9ño das Areas cerebrais e mecanismos bioquimicos envolvidos. Uma adequada conceptualiza9ño dos fenñmenos emotivos e tarefa dificil, e a compreensfio da correlaRao entre a base neuronal de emo9ño e sua fenomenologia ainda é uma area incipiente na neurociencia afetiva e areas afins (como a neuropsicofarmacologia e a psiquiatria biologica). Uma abordagem mais NMDA, enquanto para os processos emocionais adoto como modelo a intera9ño alostérica entre receptores metabotropicos, neuromoduladores e G-proteinas. Para processos em que percep9ño e rea9ao emotiva ocorrem conjuntamente, proponho a hipotese de uma confluéncia de processos intracelulares deflagrados por ambos os mecanismos acima citados.



Trés Critérios para a Consciéncia


Como uma grande parte da atividade cerebral é inconsciente, qualquer teoria neurobioloqica da consciéncia precisa apresentar critérios para distinguir os mecanismos que sño cruciais para os processos conscientes, daqueles cuja ativa9ño produz apenas processos inconscientes. Tars mecanismos nfio dizem respeito ñ estrutura cerebral (isto é, nño se trata de critérios anatñmicos), mas sim a tipos de funqâes cerebrais que suportam processos conscientes. Apresento aqui trés critérios que me parecem bñsicos para distinguir estas fun9ñes.

Uma primeira condi9fio geral para a existéncia de consciéncia deriva do trabalho do etologo pioneiro von Uexkull (t934), que usou o termo “ciclo funcional” para caracterizar a rela9ño sistematica entre percep9oes e a9ñes de organismos, em um determinfido ambience. O sistema nervoso dos animals das células nervosas primitives distribuidas ao redor do tubo digestivo até a massa cinzenta protegida por um crñnio execute duas fun90es bñsicas, a de apreender sinais do corpo e do ambiente do animal, e controlar a9ñes adaptativas do corpo no ambiente.

Em sistemas nervosos primitivos, as conexñes entre células perceptivas e motoras sño diretas, de acordo com o modelo do "arco reflexo” Nestes sistemas, parece nao existir a possibilidade de ocorréncia de fun9ñes que déem suporte a processos consciences Na medida em que o sistema nervoso se torna mais complexo, ao longo da evolu9ño das espécies, areas especializadas emergem, inclusive mediando as células perceptuais e motoras. Dois tipos de processos references vélTl fi Oco«e : a percep9ño das consequéncias exteiros das a9ñes, e por meio de sinais inteinos que vño do sistema motor para o sistema perceptual (mais tarde chamados de "descarga corolñria”), constituindo o ciclo ioncional {von Ue kull, 1934).

Em ciclos funcionais recorrentes, os organismos tém percep90es que informam snas proximas a9ñes, que influenciam suas proximas percep9ñes, e assim por diante. Em conseqiiéncia, se constroi um "mundo inter no” {“umwelt”), tornando possivel a existéncia de consciéncia. Nesta perspectiva, que identifica a possibilidade de conscienera com a recorréncia dos ciclos funcionais de um organismo biologico dotado de um sistema nervoso diferenciado, os estados e processos conscientes seriam iepiesentoqâes piegmaticas {ver Pereira Jr., 1999) da situa9ño de um organismo ativo, com um determinado corpo, vivendo e se comportando end um determinado Ambiente. Assim, a primeira condi9fio geral de possibilidade da consciéncia serta a oco iénera de ciclos /unc1onais.

O ciclo funcional define estudos presentes de consciéncia, porem o processo consciente a julgar pela modalidade de consciéncia humana envolve uma dura9ño temporal, que inclui as dimens0es do passado e do futuro. De fato, o feedback entre alto e percep9ao permite que se estabele9a um processo coerente de apiendizagem, segundo o principio (Let de Hebb) de que as conexñes que foram uteis para comportamentos adequados sño refor9adas. Para suportar esse processo do aprendizagem, novas especializa9ñes surgem entre a percep9ño e a alto, tornando possivel um sistema de memsria e também a elebora9ño sistemñtica de ontecipa qkes das a9ñes.

James (1890} concebeu a dinarnica espfiqo-temporal do mundo fenoménico como um "fluxo de consciéncia”, no qual a posi9fio singular do "sujeito” das experiéncias é caracterizado corno um aqui e agora” O fluxo é constituido pela sucessño de eventos, constituindo as noqñes de passado, presente e futuro. Os mecanismos cerebrais

subjacentes ao fluxo da consciéncia sño razoavelmente conhecidos nos mamiferos em especial nos primatas —, mas é possivel que em outras espécies tal fenñmeno cognitivo seja suportado por outras estruturas e fun90es relativarnente mais simples.

No sistema perceptual de mamiferos ha caminhos de realimenta9io, referidos por Edelman (1989) como “sinaliza9ño reentrante freer tiant signaling) entre areas sensoriais. Presumivelmente, tal sinaliza9ño teria o papel de deflagrar, através do mecanismo da aten9ño, o processo de consciencia perceptual, correspondendo ao momento do presente. Também comporia o momento presente uma ietenqâo de tra9os do passado, através dos rnecanismos de memñria distribuidos ao longo do neocortex e sistema limbico (Squire, 1992), e uma profensâo voltada para o futuro (ver o esquema proposto por Edmund Husserl em Pereira 3r., 1990), relacionada com os mecanismos de "prospec9ño", os quais se localizariam em uma rede que inclui Areas corticais parietais e pré-frontais (Rainer, Rao and Miller, 1999; Burgess, Ouayle dnd Frith, 2001).

A consolida9âo de tra9os da experiencia passada depende diretamente da fumbo hipocarnpal, em suas conexños com o cortex entorhinal. Tambem foram identificadas conex0es do sistema limbico para Areas associativas temporais e parietais, e destas para Areas frontais (ver Goldman-Rakic, 1987, para o caminfio frontal-parietal). Essa rede de conex0es possivelmente suporta, a partir de redes de osciladores temporais presented nos neurñnios, a experiencia de dura9ño temporal, que faz parte da consciencia. Portanto, considero como um segundo critério para a consciéncia a existencia de mecanismos que deem suporte a experiencia de um Euro de eventos, que constitui o esps qotempo :fenornénico.

Como consequencia da especializa9ño de areas cerebrais durante a evolu9ño das espécies, o funcionamento cerebral veto a ocorrer de forma distribuida, em que cada subsistema executa parte da fun9ño global, entrando em relapoes de cooperapño e conflito com os demais. Portanto, em um sistema deste tipo é inutil procurar por uma unica estrutura do cérebro que serta a "sede” da consciéncia. Uma abordagem adequada dos mecanismos cerebrais que suportam o processo consciente deve necessariamente considerar a complexidade estrutural e funcional do cérebro. Os principals aspectos dessa complexidade sño o processamento distribuido entre subsistemas espacialmente distintos, e a existéncia de atividade em multiplas escalas espaciais (do nivel dos ions até o nivel do cérebro como um todo) e temporais (dilerentes dinñmicas temporais, combinando processos na escala dos milisegundos com processos na escala da vida do individuo).

O processo consciente seria, portanto, fruto da atividade cerebral em multiplos subsistemas, e multiplas escalas espaciais e temporais. Constitui erro metodolñgico procurar correlatos ceiebrais da consciéncia restritos a uma determinada regiño, ou a uma unica escala espacial e/ou temporal, ou a um determinado tipo de processo fisico A multiplicidade dos correlatos cerebrais certamente estñ estreitamente relacionada com a multiplicidade das experiéncias conscientes que nñs temos. Usando uma conhecida metafora, o “teatro da consciéncia” (Baars, 1997) teria entño muitos palcos em que muitos atores desempenham seus papéis simultaneamente, sucessivamente e concorrentemente. Nesta visño, aspectos diierentes da consciéncia seriam apoiados por diferentes subsistemas e niveis de atividade cerebrais inter-relacionados (como sugerido por Roy John, Easton e Isenhart, 1997: Smythies, 1997) . Oualquer estr utura do cérebro que presumivelmente tenha um papel para a consciéncia deve ser de acordo com os critérios anteriores uma estrutura que participe em um ou mais ciclos funcionais, e que permita a composi9ño de um espa9o-tempo fenoménico. Como se faz entao a integra9ño destas multiplas estruturas e respectivas fun9ñes, para se gerar um fluxo unitario de consciéncia?

Dennett (1991) se referiu a um processo de montagem em série, a partir de um processamento distribuido. Varios neurocientistas, na ultima década, lan9aram a idéia de uma “liga9ao” (binding) neuronal que suportaria o processo consciente (Crick, 1984, a partir das evidéncias obtidas por Gray and Singer, 1989; Hardcastle, 1994). Essas idéias sño interessantes, mas nao seriam suficientes para se resolved a questao, uma vez que em todos sistemas distribuidos surgem conlhtos/uncionals que podem leva-los ñ imobilidade e perda de adaptabilidade ao ambiente. A rela9ño entre conflito sistémico e consciéncia é muito importance: toda tarefa que possa ser executada de modo automñtico ou algoritmico isto é, toda tarefa que nño envolva conflito sistemico pode ser realizada de modo inconsciente pelo cerebro (Young 1993).

Portanto, existe aparentemente uma rela9ao intima entre o processo consciente e a resolu9fio, pelo cérebro, de tarefas cognitivas que envolvem conflito sistemico. Dada a complexidade cerebral, onde cada um dos bilhñes de neurñnios funciona como um processador de informa9ño, toda tareia perceptual e comportamental, durante o periodo em que estamos acordados, envolve tais conflitos. Com vista a este fato, é necessñrio acrescentar, como o ultimo critério para a consciéncia, a existéncia de mecanismos capazes de resolved os conllitos sistémicos, integrando a atividade distribuida em um fluxo espa9otemporal unita mo (esta hipotese for formulada e estñ exposta detalhadamente em Rocha, Pereira Jr. e Coutinho, 2001).



Multiplas Modalidades de Consciéncia


A consciéncia acontece em diferentes graus e tipos (ver Pereira Jr., 1998; Shanon, 1997). Assim, no ciclo circadiano, o estado de vigilia e o sonho presumivelmente se comp0em de diferentes estados on modalidades de consciéncia (ver Llinas & Ribary, 1994; Hobson, 1994). Outra evidéncia neste sentido é encontrada no desenvolvimento humano: as crian9as nño nascem com o grau de autoconsciéncia tipico de adultos, mas o alcan9am progressivamente. Na anñlise comparative do comportamento animal, tern sido discutido (Griffin, 1976, 1984) que alguns tipos de comportamento implicariam na existencia de processos conscientes que os suportam, processos estes que seriam diferentes da consciéncia humana. O mecanismo de ecoloca9ao em morcegos envolve um ciclo funcional no qual um som é emitido pelo animal, se reflete em objetos do ambiente, e entao é percebido. Aparentemente esse processamento de informa9fio ligado a uma a9ao inteligente no ambience deve gerar um tipo de consciéncia que nao encontra anñlogo nas for mas de consciéncia perceptual humana.

Diferentes graus e modalidades de consciéncia presumivelmente coexistem, do mesmo modo como ocorieria uma justaposi9ño de estruturas e (unifies cerebrais ao longo do processo evoliitivo, como foi proposto ao final do séc. XIX por Hughlings-Jackson. Aparentemente a consciéncia humana abrangeria boa parte deste espectro, com a provfivel exce9ño de algumas modalidades perceptuais, como a referida ecoloca9ño enquanto a consciéncia em outras espécies animals provavelmente apresentaria limita90es relativamente ñ consciéncia humana, por lhes faltar dterminados niveis de processamento abstrato e de auto-reconhecimento individual e social, derivados do dominio da lingudgem simbolica.

Sugiro que as modalidades de consciéncia possam ser classifiesdas em cinco grandes categories (originalmente discutidas em Pereira Jr, 1998)


  1. Consciéncia Perceptual


Este primeiro nivel for chamado pelos neurocientistas de “consciéncia bfisica” (Edelman, 1989) e awareness (p.ex., visual awareness, Crick, 1994). A consciéncia perceptual é dirigida a um objeto ou processo no ambience do animal, o qual é tanto foco da percep9fio q r ito da alto. Deste modo, processos cerebrais basicos de consciéncia jñ executam integra90es sensñrio-motoras complexes; alimentar-se, por exemplo, é muito mais que somente ingerir, digerir e eliminar resIduos do alimento. E um comportamento que envolve (entre outras coisas) distinguir entre o que é comida e o que nño deve ser ingerido. Para se realizar tal distin9âo é preciso obter informa ño sobre seres existentes no ambiente, e comparar tal informa9ño com padroes infernos (inatos e aprendidos). Estas opera9ñes se dño em sua maior parte de modo inconsciente, porém a julgar pela experiéncia humana o unico padrao de referéncia que possuimos para avaliar os processos conscientes —, em um determinado momento do processamento os resultados do julgamento emerges a consciencia na Korma de sensadoes de apetite ou aversao.

Esta além das possibilidades do método cientifico, neste momento, identificar um ponto na escala filogenética em que a consciénera perceptual emerge. Por exemplo, os peixes tém estruturas cerebrais que integram processos de percep9ño e alto (o tectum optico, uma estrutura homñloga ao coliculo superior dos mamiferos). Eles podem distinguii claramente entre aquilo que lhes serve de comida e o que nño lhes serve, mas permanece uma questao aberta saber se eles estño conscien tes sobre o que é comida e o que nao é.

Os subsistemas do cérebro envolvidos na gera9ao de consciéncia perceptual seriam as areas sensñrias corticais primârias, como originalmente sugerido por Lashley (1951), Areas associativas nos animals que as possuem, e estruturas subcorticais que executam integra9ño intermodal e influenciam no controle de alto Por exemplo, for sugerido que o coliculo superior estaria relacionado ñ consciéncia (Strehler, 1991). Em humanos, tal hipñtese estñ limitada pelo pequeno tamanho e limita9fio de fun9fio de tal estrutura. Porém, a indica9ao de um possivel papel do coliculo superior para a consciéncia perceptual em outras espécies se deriva de estudos sobre hindsight em humanos. Pacientes com lesño unilateral da Area cortical visual primñria (chdIIlfida de cortex estate do on VI) perdem a consciéncia visual de estimulos localizados no campo visual contralateral, na Area correspondente ao carnpo receptivo da popula9ño de neurñnios perdida. Contudo, quando este estimulo se move a uma determinada velocidade, alguns pactentes reportam uma vaga percep9ño visual do mesmo (ver Weiskrantz, 1997). Entretanto, quando o estimulo nfio estfi se movendo, os pacientes podem permaneceu dtentos ao mesmo (capazes de fornecer informa9âo sobre o estimulo), mas nño sfio conscientes do estimulo (por isso o fenomeno for denominado “visao cega”). Relatos dos pacientes indicam que a intensidade e a qualidade da percep9âo do estimulo em movimento sño bem mais enfraquecidas que em situa9ñes normais. No hemisfério lesionado de tars pacientes, o unico caminho visual para o controle da a9ao que permaneceu foi o coliculo superior, e sendo assim pode ser levantada a hipotese de que a integra9ño percep9ño-alto mediada pelo coliculo superior pode produzir algum grau de consciéncia em outros animals

Outra estrutura subcortical que for implicada em uma forma bñsica de consciéncia é o talamo. Wilber Penfield, realizando pesquisa em pacientes submetidos a ciriirgias no cñrebro, nos anos 50 do sécuto passado, descobriu que a consciencia é bloqueada (i.e., pacientes entram em estado de coma ou semelhante ao coma) quando é aplicada uma leve pressño ao sulco médio do tñlamo esquerdo, e retorna quando a pressño é removida. Por outro lado, determinados conteudos sensoriais seriam produzidos (alguns bastante elaborados) por meio de uma pequena excita9ño elétrica no sistema tñlamo-cortical, de acor do com um trabalho por ele publicado anteriormente (Penfield and Boldrey, 1937).

Na “hipotese de holofote” de Crick (searcbJlpfit L othesis, 1984), a ativa9ño talñmica induziria uma sincronia oscilatoria em assembléias do cortex sensorial que teria, segundo o autor, o papel de “liga9âo” (binding) de componentes do processo perceptual, gerando uma consciéncia perceptual unitaria. Esta hipotese é consistente com a descoberta de sincronias oscilatñrias em potenciais evocados no cortex visual do gato, em frequéncias na faixa dos 40 Hz {Gray e Singer, 1989), e mudan9as de fase ao longo do cortex (ver Llinas & Ribary, 1994).

O modelo intitulado ERTAS (em alusño ao sistema reticular), que é uma versfio neurobiologica da teoria do Global Workspace de Baars (Baars, 1987; Newman e Baars, t993), é mais detalhado e consistente que a hipotese de Crick. E proposto que o sistema reticular de ativaRao (do qual o tñlamo faz parte) controle a atividade cortical e defina um estudo geial de consciéncia. Os corteudos da consciéncia seriam selecionados pela totalidade do sistema, em especial pelas regiñes especializadas do neocortex, segundo um principio computational que seria o da capacidade Jimitada de processamento. Contudo, os dados disponiveis nño parecem ser conclusivos sobre o papel de conexñes tñlamo-corticais na gera9âo da consciéncia: etas podem apenas apoiar os mecanismos corticais necessarios para as diversas for mas de consciencia, ou também prover um mecanismo seletivo que fa9a parte da determina9ao dos conteudos, como querem Newman e Baars. Em ambos os casos, o tñlamo é certamente um dos sistemas cuja atividade integrativa é necessaria para a consciéncia perceptual.

Em primatas a consciéncia perceptual também esta relacionada as areas associativas corticais, sendo a area infero-temporal {Logothetis e Schall, 1989) crucial para a consciéncia visual de forma, e a area parietal posterior (Schacter, 1989; Goodale and Milner, 1992) critica para os movimentos visualmente guiados. Ouando uma destas areas é lesionada em humanos, ocorre a deteriora9ño de aspectos especificos da consciéncia perceptual. No caso da consciéncia visual, tars fenñmenos sño chamados de neglect (ver uma revisao de tipos de deterioraRao em Young, 1992; Kohler & Moscovitch, 1997).


  1. Consciéncia Corporal


Esta modalidade de consciéncia estfi voltada para a percep9ao de estados do proprio corpo. Ela compartilha os mecanismos neurais da consciéncia perceptual, porém também envolvendo novos tipos de feedback que suportam a forma9ao da no9ño de um “eu corporal” autñnomo e distinto dos demais seres presentes ñ percep9ao. Os mecanismos de feedback envolvem ciclos de reaferéncia corporal, ligados ñ gera9ño de sensa90es corporeas, sentimentos e emoqñes, os quais, em mamiferos,se elacionam âatvdadedositemalimbico mai precisamente o coTex inglado anteior (Posner, 1994) e amigdaa (LeDoux, 1994). Gray(1995)proposque conieudos da conscénciaseriam gerados por uma fun9ño de compara9ño centrada no sistema hipocampal.

O ciclo reaferente que pioduz consciéncia corporal for descrito por Damasio (1996) em sua hipotese do “marcador somñtico” “no caso do dano de um tecido, o cérebro representa a mudan9a ocorrida no corpo, e dispara mudan9as de estado corporals adicionais... E das mudan as de estados corporais subseqiientes que se (or mara o sentimento desagradavel de sofrimento” Assim interpretada, a consciéncia corporal é mais do que uma representa9fio de estados do corpo no cérebro; ainda de acordo com Damasio (1996), a experiéncia de uma erno9âo implies a existencia de um ciclo no qual cérebro e corpo afetarn um ao outro continuamente: “eu conceptualizo a essencia do sentir meetings APJ) como algo que voce e eu podemos ver através de uma janela que se abre diretamente sobre uma imagem continuamente atualizada da estrutura e estado de nosso corpo”

Na medida em que uma ativa9ao do sistema limbico é envolvida neste tipo de ciclo funcional, entao a emergencia da consciencia corporal na escala filogenetica se reportaria ao surgimento dos répteis, quando o sistema llmbico adquiriu configura9ño semelhante ñ atual (MacLean 1990) Emmamiferos aespeciaizaqâo do neocortex conduziu ñ atribui9ño ao cñrtex somatosensorial de boa parte dos processos de ieconhecimento dos estados corporals.

Os mecanismos de consciéncia corporal possivelmente evoluiram desde sua emergencia reptilinea, até o ponto em que as alteradoes corporais envolvidas se tornaram bastante sutis, como por exemplo as expressñes factors que acompanham os estados emocionais, e sensa9ñes como o frio na espinha e o arrepiar dos cabelos.


  1. Consciencia Voluntñria


Este grau de consciéncia diz respeito ñ capacidade de decidir conscientemente sobre a execu9ño de a9ñes. Em muitas espécies antmais, as decisñes sobre a9ñes sño fortemente dependences de fatores de origem genética e da aprendizagem prévia, o que nao conta necessariamente contra a atribui9ao de uma decisfio consciente a eles. A existéncia de consciéncia voluntaria nao se identifica com a existénciaShape2 de uma complete liberdade de escolha (free wiJJ), mas pode ocorrer nos quadros de um comportamento previamente condicionado.

Um exemplo familiar pode ajudar d esclarecer este ponto. Consideremos um cachorro que foi treinado para nfio entrar dentro de casa O cachorro ve a porta aberta e percebe os odores atraentes de comida que vém IN de dentro. Estes estimulos impelem o cachorro para entrar na casa; porém, ao mesmo tempo sua memoria de experiéncias anteriores (entrou dentro de casa e foi punido) contribui para inibir aquele comportamento A a9ao resultante dependerfi do conflito entre estas for9as opostas, que possivelmente mobilizam diferentes subsistemas cerebrais do animal. Considero que, neste exemplo, a decisño de nao entrar na casa envolva uma modalidade de consciéncia, que serta a consciéncia voluntñria.

A capacidade de tomar decisñes que vño contra a tendéncia dos estimulos imediatos depende de processos de inibi9ño de atividade neuronal nas areas perceptuais, e também da existéncia de mecanismos de controle da alto relativamente independentes do processamento perceptivo. Nos mamiferos, a distin9ño entre areas perceptuais e Areas motoras, em particular o papel funcional do sistema formado pelo giro cingulado, cortex prernotor e motor, dño suporte ñ consciéncia voluntâria. O aparecimento destas Areas, aO lado de mecanismos inibitorios do cortex prefrontal (correspondendo ao mecanismo de aten9fio seletiva ver Posner, 1995) tornam Possivel que, mesmo se os estmulos sensoriais favorecerem um determinado comportamento, o animal podera (conscientemente) decider mo executa-lo. Em animals que nño tém estas especializa9ñes, as a9ñes sfio mediadas através de estruturas subcorticais diretamente controladas por combina9ñes de estimulos sensoriais: uma vez que os estimulos atinjam determinados limiares, os respectivos padrñes motores que definem o comportamento diante de tal situa9ao sño deflagrados automaticamente. Estes ammars, consequentemente, nño possuiriam a modalidade de consciénera aqui discutida.


  1. Consciéncia Abstrata


Esta modalidade corresponds ao concerto de consciencia como “representa9fio de segundo-ordem”, proposto pelos filosofos Rosenthal (1986) e Lycan (1987, 1995), ou ñ teoria da “consciéncia como um comentñrio”, proposto pelo neurocientista Weiskrantz (1997). Trata-se de uma modalidade de consciéncia que opera com sinais que se referee a outros sinais pré-processados pelo cérebro. Esta segunda classe de sinais diz respeito a giopos de sinais, constituindo categories abstratas que nño correspondem diretamente a quaisquer grupos de objetos dados empiricamente. Por exemplo, em nivel da consciéncia abstrata podemos nos reporter ñ classe das coisas que tém cor amarela, ou ñ categoria dos pares de coisas que mantém rela90es de causa e efeito.

As categories da consciéncia abstrata nño devem ser necessariamente identificadas com as representa90es linguisticamente formuladas, tipicas da consciéncia humana; elas devem ser entendidas como representa9ñes de classes de objetos de acordo com caracteristicas perceptuais e pragmñticas, podendo adquirir a Korma de imagens ou signos nao-linguisticos. Isto implica que a consciéncia abstrata teria uma estrutura proposicional, mas nño necessariamente linguistics.

Na perspectiva de Weiskrantz, esta modalidade de consciéncia constitui um “comentñrio” que as ñreas associativas do cortex produzem sobre a informa9ño sensorial processada nas Areas primñrias. O desenvolvimento do cñrtex prefrontal em primatas e cetñceos tornou possivel a forma9ño de dois ciclos de processamento entre as Areas associativas do neocortex; o primeiro é constituido por sinais que caminham no sentido forward, das Areas parietais e temporais para o cortex prefrontal, e o segundo ciclo caminha backward, das areas frontars para as areas posteriores. Estes ciclos se relacionam com as fundoes executivas (Stuss, Eskes & Foster, 1994; D'Esposito & Grossman, 1996), como a manipulapño consciente da informa9ño na memoria de trabalho (Schacter, 1989; Jonides, 1995; Jonides & Smith, 1997; Smith and Jonides, 1997), persegui9fio de metas e controle dos processos perceptuais por meio de mecanisrnos da aten9ño.

Um exemplo importante de estudo cientifico de uma forma de consciéncia abstrata em primatas nao-humanos é o experimento de auto-reconhecimento no espelho (ver Gallup, 1970). Contrariamente ñ interpreta9ño initial dada ao experimento, tenho argumentado (Pereira Jr., 2000) que os resultados nfio implicam a existéncia de uma modalidade de autoconsciéncia nesses animals, mas decerto implicam o concurso da consciéncia abstrata para a resolu9ao do problema. O fato de que um animal possa classificar a imagem distal no espelho na mesma categoria dos sinais reaferentes proximais, e, por conseguinte, inferir que a imagem diz respeito aos seus proprios corpos, implica a capacidade de torma9ño de classes abstratas de sinais e de uso das mesmas em um raciocinio voltado para a resolu9ño de problemas.

  1. Consciéncia de Si, ou Autoconsciéncia


Esta modalidade é caracterizada pela consciéncia de set consciente, ou pela consciéncia do “eu” (sell, aqui concebido como uma constru9ao historico-cultural, linguisticamente formulada, que expressa a unidade de um organismo individual. A forma9ño de um conceito de sell implica uma integra9ño de uma multiplicidade de experiéncias distintas em uma unidade, o que requer trés opera90es cognitivas: auto-referéncia simbolica: referir-se univocamente a esta unidade, e comunica9ño em primeira pessoa com outros seres semelhantes. Estas capacidades sao satisfeitas pelos seres humanos, sendo discutivel se organismos de outras espécies ou se maquinas seriam capazes de realizar estas opera9ñes cognitivas.

O concerto de sett é suportado por uma ampla rede neuronal, envolvendo o sistema limbico e subsistemas corticais, incluindo as Areas clñssicas da linguagem (areas de Broca e Wernicke). Estes subsistemas cerebrais apoiam e sao implicados na media9ño do pensamento lingiiisticamente formulado, em especial a forma de pensamento linguistico sem vocaliza9ño chamado de “fala interna” (inner speech; um termo originalmente usado por Luria (ver Luria, 1973) e discutido em Stuss & Benson (1990), que desempenha papel central na vida mental do sell. As areas de linguagem tém conexñes corticais diversas, recebendo informa9ño aferente (o que permite que se fa9am declara9ñes sobre estados do corpo e o mundo), e também iniorma9ño sobre comportamentos planejados, o que permite a formula9ño das inten9oes. A parte critics do sistema que suporta o conceito de sell é provavelmente o cortex prefrontal, que esta envolvido na coordena9ño de inten9ñes e metas que guiam o uso da linguagem e outras for mas de comportamento (ver Goldberg, 1990). Evidéncias neste sentido advém principalmente de estudos dos correlatos neurolñgicos de disturbios graves que afetem o sentido de sell, como a esquizofrenia.

Até onde temos uma compreensño do desenvolvimento da linguagem humana, sabemos que é preciso intera9ño social para que o organismo individual realize seu potential genético. A forma9fio do concerto de sett parece ser uma parte deste processo, e deste modo a natureza e extensño de seu desenvolvimento dependeriam crucialmente do reconhecimento social do individuo biologico como um sujeito étlco. Tal reconhecimento envolveria a simboliza9ño do nome do individuo, a exibi9ño de coeréncia de personalidade entre diversas experiéncias na sociedade, e a atribui9ao de direitos e responsabilidades para com os outros indivlduos. Assim sendo, o sell seria uma uridade composta neurobiolñgica, psicolñgica e sociocultural. Os indivlduos podem pensar sobre si mesmos como uma entidade independente como ocorre no famoso 'cogito' cartesiano, proposto como base para o conhecimento filosñfico mas esta independéncia seria fruto de um mal-entendido, como foi argumentado no debate filosofico classico entre o cartesianismo e correntes divergentes, como a dialética de Hegel e a fenomenologia de Husserl.



Possivel Mecanismo que Suporta a Experiéncia Consciente


O progresso recente das neurociéncids tern mostrado que os processos cognitivos no cérebro ocorrem simultaneamente em multiples escalas espaciais e temporais, envolvendo diferentes tipos de sinais fisico-quimicos. Os trés neurobiñlogos que receberam o Prémio Nobel de Medicina em 2000, Paul Greengard, Arvid Carlsson e Eric Kandel, estudaram os niveis moleculares e bioquimicos de articula9ño das fun9ñes cognitivos no cérebro Estas pesquisas levaram a um melhor en-

tendimento dos mecanismos sinfipticos, de membrane e dos processos intracelulares de transdu9âo de sinais que suportam a cogni9fio, contrariando os clamores daqueles que acreditavam que o entendimento da fun9ño cognitiva do cérebro deveria se reportar principal-

mente ao nlvel macroscopico de atividade. As duas ultimas décadas

de pesquisa nas neurociencias tern conduzido a uma mudan9a de paradigms, na qual os processor cognitivos sao mais e mais correlacionados com processos que ocorrem em nivel microscopico, na escala temporal de milisegundos, rompendo assim com pressupostos ingenuos de que tars mecanismos ocorreriam no mesmo nlvel de organiza9ao da experiencia consciente humana (isto é, nivel macroscopico e escala temporal acima de 100 ms). Entretanto tars descobertas, por exemplo a descoberta do papel dos transmissores dopamina e serotonina nos processor de aprendizagem e memoria, nño nos conduzem a conclusño de que os mecanismos subjacentes aos processos cognitivos sejam apenas quimicos e moleculares; pelo contrñrio, nos defrontamos com um panorama de complexidade, sugerindo que um entendimento adequado das fun9oes cognitivas no cérebro deve cobrir simultaneamente diversos niveis de organiza9âo e suas inteia9ñes.

Tomando como exemplo o sistema visual dos mamiferos, nota-

mos que diversos tipos de processos, distribuldos em diferentes escalas espaciais e temporais, contribuem para que tenhamos experiencias visuals. A retina possui células especializadas para detector padrñes de iniorma9ño nos fluxos de lotons, oiiundos do ambiente, que a atingem. Tal infoirna ao é transduzida para padrñes de atividade elétrica, que sño conduzidos através do feixe de axñnios daquelas células (isto é, pelo nervo optico) até o talamo. O talamo estñ conectado com outras estruturas subcorticais, como a forma9ño reticular, que induzem a produpño de transmissores e moduladores cdpazes de con trolar a atividade do sistema limbico e do neocortex, estruturas cruciais para a geraqño dos conteudos da consciéncia. Portanto, o talamo e as outras estruturas subcorticais alimentam o sisterna limbico e o neocortex de uma variedade de padrñes elétricos oriundos da interface com o ambiente, e de substñncias reguladoras; aqueles sistemas, por sua vez, realizam diversos processos a partir desses sinais, vindo a cons truir o mundo da expeIiencia consciente

Com certez£l, arte da opera9ño do sistema limbico e neocortex se manifesto no novel macroscñpico, em termos de padrñes de ativida de eletromagnética, que correspondem a padrñes de fluxo sanguineo para suas diferentes partes. Diversos tipos de eletrodos, infernos e externos ao ciñnio, assim como bobinas que registiam vaiia5ñes de campo magnético, tém sido utilizados para se estudar tais padrñes macroscopicos de atividade, os quais muitos neurocientistas ainda acreditam constituir os correlatos ultimos da experiéncia consciente.

Contudo, as correspondéncias entre atividade neuronal e atividade consciente assim obtidas sño até o presence muito pouco piecisas; elas abrangem apenas os diferentes estados de consciéncia (por exemplo, a distin9ño entre estado de vigilia, sono profundo e sono REM), e os tipos de coqnipño (modalidades perceptuais, mecanismos de aten9fio, fun9ñes executivas e motoras), mas mo dizem respeito aos comteudos da consc1éncja listo é, ta1 tecnologia nño per mite “ter o pensdmento”, inferir o que se passa na consciéncia de urns pessoa através de dados sobre sua atividade cerebral).

Nos ultimos anos, for também desenvolvida a técnica de imagem por ressonñncia magnética, a qual, em uma de suas versoes (BOLD fMRI que mede o nivel de oxigena9ao do sangue circulante no cérebro) permite identificar padrñes macroscñpicos de distribui9ño espaciat do fluxo de sangue arterial. Também aqui se encontram inumeras correla9ñes entre tipos de processos cognitivos (reñizados simultaneamente a medida da atividade cerebral) e a ativa9ao de regions especificas do cérebro; porérn, assim como no caso das técnicas de mediWho eletromagnética, tars correla9ñes sfio excessivamente imprecisas para constituirem explica9ñes satisfatorias da cogni9ño a partir dos processos cerebrais.

Uma caractenstica central dos padrñes de atividade macroscopicos relacionados com os processos cognitivos consciences é a existéncia de coeiencia (ver Tononi, Edelman e Sporns, 1999). Isto significa que a distribui9ño especial da excita9ño neuronal, ao longo do sistema nervoso central (SNC), apesar de ser extremamente dinñmica e variada ao longo do tempo, nño tern caIñter aleatorio. A coopera9ño entre regi0es relativamente distances do SNF parece constitute requisiio necessario, mo para a ocorréncia dos processos consciences, como tarnbém para a capacidade mais geral de resolu9ño de problernas com base no raciocinio inteligente. Os modelos reducionistas, que pretendem explicar a atividade do cérebro a partir de um novel privilegiado de descri9ño (seja ele macroscopico on microscñpico), tém encontrado dificuldades ante as evidéncias de que o cérebro simultaneamente atua em diferentes niveis organizacionais

Dadas as raz0es acima, um novo tipo de explica9ño da atividade cerebral so faz necessñrio, enfatizando a existéncia de complexes intera9ñes entre os diferentes niveis de processamento. Possivelmente tars intera90es apresentam caracteristicas observadas em outios sistemas dinñmicos, como a existéncid de valores criticos para a interferéncia da atividade de um nivel de organiza9âo sobre outros. Os processor mentors corresponderiam ñ auto-organiza9ño do sistema cerebral, em suas intera90es com o corpo e o ambiente, sendo que no tocante ao cérebro os diversos niveis de orqaniza5âo e iespectivos modos de processamento da informa9ño seriam relevantes para se entender os diversos aspectos da cogni9âo.

Retornando ao exemplo do sistema visual, sabe-se que seu funcionamento no SNC dos primates requer a cooperapâo de ao meios quatro subsistemas:

  1. as Freds visuals primñrias, que recebem os sinais eletricos oriun dos do tñlamo, levando a ativa9ño de suas Bedes neuionais na forma de um “mapa”, que reproduz as relap0es espaciais entre os itens informacionais ta1 como estes atingem a retina (ou seja, existe um isomorfismo espacial entre tal mapa chamado de mapa retinotopico e o campo visual da retina);

  2. as Areas visuals secundarias, caracterizadas por neurñnios

especializados em detectar aspectos especificos, e relativamente simples, da informa9ño oriunda dos sensores periféricos, como cor, dire9ño de movimento, aspectos da forma, etc.:

) as areas associativas parietal e temporal: a primeira é especializada em se identificar onde estao os objetos percebidos (e por isto é Chd1Tlada de wfiere patLvray), e a segunda especializada em se identificar for mas complexas, como for mas de rostos de pessoas (e por isto é chdmada de what pathway,’ veja-se Ungerleider and Haxby, 1994);

areas especificas do cortex prefrontal, como a area dorsolateral, que codilica conteudos da memoria de tiabalho (working memory), e a area de controle do movimento ocular {frontal eye field), que este envolvida com o processo de aten9ño visual.

Grande numero de estudos recentes tern mostrado que a cogni9âo visual envolve a coopera9ño desses quatro subsistemas (e ainda outras estruturas subcorticais, como o coliculo superior), em termos de um processamento distribuido da infoima9ño, o qual, a partir da soluRao dos conflitos sistemicos que sucessivamente ocorrem, vem a gerar uma experiencia visual unitaria, na qual os diversos aspectos processados em diferentes partes do SNC surgem integrados uns aos outros. Para se entender como ta1 integra9ao ocorre, é necessario mudar a escala de observa9ño, enfocando-se a fun9ao dos neurñnios participantes dessas redes, e questionando-se por que a coopera9ao referida acima serta necessaria para que determinados eventos venham a ocorrer nesses neurñnios.

Um dos modelos existentes para se explicar a rela9ao entre os padr0es de atividade macroscopica (eletroquimica e sanguinea) e a atividade celular microscopica dos neurñnios é o proposto pot Rocha, Pereira Jr. e Coutinho (2001). O modelo se baseia na fisiologia do canal de ion controlado pelo receptor NMDA, que tern sido bastante estudado por seu possivel envolvimento nos mecanismos de aprendizagem e memoria. Ouando o canal controlado pelo receptor NMDA se abre, per mite a passages de ions de câlcio, que controlam diversas fun9oes no interior do neurñnio. Assumimos que algumas dessas fun9ñes se relacionam com o processo de consciéncia perceptual. Contudo, para que o canal NMDA se abra, é preciso que o neurñnio receba sinais excitatorios sucessivos, em um curto intervalo de tempo. Por essa iazao, o canal NMDA é considerado um “detectoI de coincidén era”, que seria de especial valor para os processos de aprendizagem associativa. Tars sinais seriam providos por meio da atividade cooperativa entre neurñnios, o que demonstra a possivel rela9ao desse mecanismo com os padrñes de coeréncia mencionados acima.

Os ions de calcio, como se sabe, tém outras fun9ñes importantes nos neurñnios (e também desempenhando outras fun9ñes em outros tipos de células, como a célula muscular). Ouando um sinal elétrico é enviado pelo axñnio de um neurñnio e atinge a fenda sinaptica, faz com que ions de cñlcio ali presentes rompam vesiculos contendo substñncias transmissoras, as quais se ligam aos receptores de membrane do neurñnio pos-sinaptico. Neste momento ocoire um novo tipo de processamento de inlorma9ño, baseado em mecanismos moleculares (isto é, na configura fio de efetores e receptores, expressa na metafora da “chave e fechadura”). Como se pode facilmente constatar, devido ñ existéncia de dezenas de diferentes tipos de transmissores, moduladores e receptores nas sinapses, o “codigo” que opera nesse nivel do processamento é bem mais rico que o cñdigo utilizado na transmissâo dos sinais elétricos entre os neurñnios. Portanto, seria correto afirmar que as sinapses nño “refletem” ou “representam”, mas antes ieconstioem os sinais oriundos do mundo externo.

O trabalho de E. Kandel, entre muitos outros estudos contemporñneos, tern mostrado que os mecanismos sinñpticos ainda estño lon ge de constitute o “fim da linha” do processamento de informa9ño ceIebral. Logo em seguida ñ opera9ño das sinapses, existem outros niveis de organiza9ño nos quais ocorrem outros tipos de processamento, que terminam por se entrela9ar de modo circular, envolvendo até a desinibi9ño e expressao de genes contidos no nucleo dos neurñnios. Os receptores chamados ionotiâpicos, que se situam na membrana do neurñnio pos-sinñptico (em uma estrutura chamada de densidade possinâptica), controlam o fluxo de ions de sñdio, potfissio e cloro através da membrana, constituindo assim um mecanismo que determine a atividade eletromagnética da membrana, que é difusamente medida no nlvel macroscopico.

Além do receptor NMDA (ionotrñpico que controla a entrada do Ca+), existem outros receptores cuja a9ao se dirige para o interior do neurñnio, controlando os circuitos de processamento de iniorma9ño chamados de “caminhos de transdu9ño de sinais” (do inglés signal transduction pathwo/s, ou STPs). Estes receptores sfio chamaaos de metebotiopicos, e muitos deles tém a capacidade de se ligar (consistindo em um caso de alosterismo) tanto com neuromoduladores presentes em nivel da membrana, quanto com G-proteinas internas aos neurñnios, que controlam STPs.

O conhecimento sobre STPs é bastante recente, e ainda limitado a partes desses processos. Algumas simula90es computacionais tém sido feitas, a partir do conhecimento partial existence, para se tentar entender o que ocorre nesse nivel de organiza9ño. Sdbe-se que o processamento de informa9ño nos STPs envolve, além dos ions de cñlcio que entram pelo canal NMDA e a atividade dos receptores metabotropicos, também elementos compartilhados com o sistema endocrino, e fatores de crescimento celular (chamados de “fatores trñficos"). De acordo com o modelo proposto por A. Rocha, A. Pereira Jr. e F. Coutinho (2001), os STPs também seriam responsñveis pelo disparo de processos quñnticos envolvendo elétrons (on prñtons) das proteinas envolvidas, como as proteinas kinases (que desempenham papel central nos STPs). A computa9fio quñntica constituiria um novo nivel de processamento be informa9ño, que permitiria uma comunicaWho nño-local entre neurñnios de diversas partes do cérebro, permitindo a solu9ño de coRI IitoB sistémicos, e dando supor te aos estados conscientes e emocionais.

Nos sistemas cerebrais relacionados com a gera9ño das "emodoes” (mais precisamente, as sensa90es de dor e prazer, medo e ansiedade, tristeza ou felicidade, etc ), como a amigdala e o hipotñlamo, podemos conjecturar que os receptores metabotropicos que atuam em mrna escala temporal mais dilatada que o NMDA, e inadequada para suportar os processos de percep9ño visual participariam de agregados alostéricos com neuromoduladores de alto especifica e Gproteinas, ativando STPs que conduzem a outras niodalidades de computa9ño quñntica, as quais sem duvida se entrela9ariam corn aquelas dedicadas ñ consciencia perceptive, gerando estados unitñrios nos quais as eino;ñes se ligam a determinados objetos (p. ex , quando sentimos medo de ser assaltado por uma pessoa que estarnos vendo ñ nossa frente, diferentew.ente da situapfio em que se tern meio sem um objeto definido).

Outros niveis de processamento possivelmente existentes, envolvidos na co-produ9ño das fun9ñes cognitivos do cérebro e na interapño cñrebro (restante do) corpo seriam:

    1. componentes dos STPs atingem o reticulo endoplasmatico e nucleo dos neurñnios, levando ñ ativa9âo de genes que possivelmente reporiam as proteinas necessfirias para a manuten9ño dos proprios processos (em nivel de sinapse, membrana e STPs) que conduziram ñ ativa9ño desses genes. Criam-se assim ciclos de intera9ño proteinasgenes, que podem durar por muito tempo na vida de um organismo individual, e que seriam, segundo Kandel, a base da memñria de longo termo (p.ex., as lembran9as que temos de fatos que ocorreram durante nossa infñncia). Sobre este aspecto, ver Guimarñes (1997);

    2. no processo de produ9ño de proteinas ocorre, como nas demais células do corpo, o “dobramento” das cadeias lineares de aminoñcidos para for mar as protelnas. No cérebro, este processo serta controlado por um complexo processamento de informa9ño, onde atuam nao sñ a informa9ño genética como outros fatores do Ambiente celular (no caso, do ambiente neuronal e glial);

    3. em alguns STPs, ou mesmo em nlvel do reticulo ou do nucleo, seriam ativados processos de produ9âo de neuropeptideos que atuam nao so como moduladores da atividade das sinapses, como tdlTtbém rompem a barreira cérebro-corpo, difundindo-se via circula9ño para outras partes do corpo (p.ex., ja foram encontrados no sistema digestivo de ratos), possivelmente controlando um novo nivel de processamento responsñvel por readoes psicossomfiticas.



Duas Conclusoes Provisérias


A Neurociencid Cognitiva tern propiciado o estabelecimento de uma série de correla9oes entre medidas da atividade cerebral, medidds comportamentais e processos cognitivos descritos através de modelos teoricos de natureza biologica e/ou informacional. A existencia dessas correla9ñes desautoriza visñes filosoficas dualistas, em que cérebio e mente sao concebidos como entidades distintas, ou como Aspectos incompativeis de uma mesma entidade. Por outro lado, tais correla9ñes nño autorizam visñes epistemologicas reducionistas, ou propostas ontological de identidade cérebro/mente, pois nao revelam mecanismos causais suficientes para se determinar conteudos mentars a partir do conhecimento da atividade cerebral e do comportamento. Portanto, minha primeira conclusño provisoria e que a abordaShape3 gem naturalista da consciencia, aqui proposta, seria ao mesmo tempo mo-dua!ist6 e nâo-ieducionJsta.

A possibilidade de uma abordagem da consciéncia em termos da informa9ño e computa9ao quñnticas, por sua vez, sugere uma outra conclusño mais ousada, a respeito da natureza do fenñmeno mental. Devemos considerar seriamente modelos em que os processos mentais estariam estreitamente relacionados com fenñmenos microscopicos, como o movimento coerente de ions através de canais de membrana neuronal. Este tipo de modelo aponta questñes epistemologicas bastante densas, que nao terei condi9ñes de discutir neste artigo, como por exemplo: nño serta adequado representar os processos mentais em um espa9o de estados de muitas dimensñes, como na fisica quñntica, em vez do espaqo-tempo quadridimensional da mecñnica classica/relativistica? Portanto, podemos evidenciar o valor heuristico da abordagem naturalists da consciéncia, ao levantar uma nova concep9ño da mente e dos instrumentos a serem utilizados em seu estudo.



Agradecimentos


Stephan L. Chorover {MIT), que supervisionou meu estagio de pñs-doutorado, quando foi realizada a primeira versao deste trabalho; FAPESP, pela bolsa para o estñgio, e CNPq, pela atual bolsa de produtividade em pesquisd.


PEREIRA JUNIOR, A. A naturalistic approach to human consciousness. Trans/

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ABSTRACT: This essay discusses some central philosophical problems concerning the naturalistic concept of consciousness, as well as evidence from neuropsychology and neurophysioloqy regarding the relation of brain activity and conscious experience. Initially I review the problem of defining “consciousness", the philosophical approach to the phenomenon and its relation to emotional processes. The next step is a proposal of three conditions for the attribution of consciousness to physical systems In the following section, I identify different modalities of consciousness and their respective neural correlates in different spatial and temporal scales. Finally, I discuss possible biophysical mechanisms underlying conscious processing.

KEYWORD S: Consciousness; neural cor relates ; neuropsychology; neuiophysiology; emotion.



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1 Professor adjunto Instituto de Biociéneias/UNESP Botucatu apjBibb.unesp.br