NOTAS SOBRE A PASSIVIDADE EM MERLEAU-PONTY1

Marcus Scarini Ferraz2




Apresent apao sumaria do problema em Husserl


E sabido que Husserl estabeleceu dois métodos complementares para a investiga9ao fenomenologica. Z m Ideios 1, ele apresenta a rna- ftse estatico, cujo ponto de partida é o objeto constituido e cuja meta é explicitar a dependñncia deste objeto em rela9ño aos atos constitutivos do eyo transcendental. O problems geral tratado pela analise estatlC£t é o da constitui9ño da objetividade transcendente pelo eyo, descre- vendo-se, para ta1, os modos de doapño do objeto e os atos subjetivos pelos quais este pode aparecer. Essa anñlise busca a validade geral de uma corrola9ño noetico-noematica, exprimida pela intui9ño de uma esséncia.

Ao considerar o tema da passividade, Husserl reconhece clue o ego cogito nño é a origem ultima da constitui9ño. Esta so é possivel sobre o fundo do labtum inconstituivel e ininteligivel, que desperta a mñnada e sem o qudl nño ha objeto e nem mesmo fluxo temporal articulado (Husserl, 1966, p.164). O sujeito deve, em primeiro lugar, responder ao apelo do mundo, ñ aiec9ño sensivel para entño agir. Dat podemos concluir que a ñyJé factual partlcipa da constitui9ño, pots é necessñrio que o eyo traDalhe sobre eta para realizar a Slrnyehuny (tomar essa h/1é como representante de algo). Torna-se entño impos- sivel separar o transcendental constituinte do empirico, pots este nao é meramente constituido pelo primeiro, mas fornece a base para d atua9ño racional do eyo. Porém, Husserl nño admite explicitamente essa conclusño. Na verdade, ele prefere estender o dominio da subje- tividade até esse ñmbito originñrio, reduzindo a pré-doa9ño da LyJé mundana ao fenñmeno subjetivo do presente vivo (Husserl apud Montavont, 1999, p.216), tornado como “solo absoluto ultimo de todas as minhas validates” (Husserl apud Montavont, 1999, p.217). Em Ex- peiiencio e 7u/Zo, por exemplo, o solo universal de toda atividade do conhecimento era o mundo pré-dado (§7). Como entender essa mu dan9a de posi9ño? Como diz Montavont, “Jazendo do presente vivo o lugar originfirio de toda explicita9fio, Husserl tenta recuperar o mundo sempre constituido, esta pré-doa9âo passive que amea9ava reldtlvizar os poderes do sujeito constituinte” (Montavont, 1999, p. 218). A fenomenologia nño estudarâ o pré-dado fñctico inerente ñ passivida- de, mas somente a estrutura invariante subjetiva do presente vivo pelo qual ele pode ser dado (Husserl sped Montavont, 1999, p.217) Devemos considerar incompleta a anfilise do tema beta fenomenologia?

A considera pño do problema por Merleau-Ponty


Merleau-Ponty assume uma posi9ao que resolve algumas ten- s0es internas ao pensamento de Husserl, estendendo o campo de inves- tiga9ño por ele aberto. O passo jamais ousado pelo fenomenologo ale- mño, seu apego ao ego puro, é dado: Merleau-Ponty localiza a sin- tese passiva na intencionalidade corporaJ. Para ele, o sujeito da sintese passiva nao e um eyo nño atuante, uma "consciéncia passive", como por vezes considera Husserl, mas o corpo em suas atividades anñni- mas, que demarcam, ao estabelecerem a rela9ño humana com o meio, o verdadeiro transcendental.

Finalmente a faCticidade entra no dominio do transcendental sem o subterfugio de estender os dominios do eu até a camada pré-objeti- va, mas como um territorio autñnomo do quad o eu sempre parte ao receber as afec9ñes ali originadas. Oual serf o peso da passividade nesse novo quadro conceitual?

Na Estiutuia do Compoitamento e na Fenomenologia da Peicep- Who fica patente o duplo papel do corpo proprio: abertura is generali- dades pré-objetivas e sistema instituinte de um mundo humano. E no exercicio de seu primeiro papel que aparece a importñncia do tema da passividade. Merleau-Ponty desmonta a opera9ño de ato que, segun- do as primeiras obras de Husserl, tomava um conteudo material como significando algo, definindo-ltte, assim, um sentido. Nño devemos mais dizer que ha uma doa9ño de sentido a um conjunto de sensa90es, uma considera9ño ativa de que tal conjunto iepiesenta algo, mas SilTl que os fenñmenos se apiesentam segundo uma linguagem propria, compreendida por nosso corpo. Ha uma liga9ao do corpo com a paisa- gem mundana que nño passa pelo trabalho das categorias subjetivas. “Em torno do mundo humano que cada um de nos se faz, aparece um mundo em geral ao qual é preciso pertencer em primeiro lugar para poder nos encerrar no ambito particular de um amor ou de uma ambi- Rao” (Merleau-Ponty, 1945, p.99), lembra-nos o fenomenñlogo. Essa perten9a ao mundo geral, essa organiza 9ao espontñnea dos fenñme- nos nao é regulada pelo sujeito, mas pelo corpo, de modo passivo.

O corpo nño é inerte como uma coisa. Segundo Merleau-Ponty, a existéncia anñnima "nao se esgotd em um certo numero de fun9ñes biologicas ou sensoriais. Eta anexa a st objetos naturais desviando-os de seu sentido imediato, eta constroi-se utensilios, instrumentos, ela se projeta no ambiente em objetos culturais” (idem, p.406-7). O corpo humano nao é determinado por suas fun90es biologicas. Ele transfigu- ra seus poderes naturals em atividades que excedem a pura manuten- Who da vida. Isto se da pelo fenñmeno da expiessâo, do qual o corpo é sede e origem (ele nfio é somente "um espa9o expressivo”, mas "o proprio movimento de expressao” (idem, p.71)). No “mundo da lin- guagem” (idem, p.187), esse fenomeno se explicita quando, por uma produtividade inerente aos signos, uma inten9ao presente se utiliza de um vocabulario sedimentado para apresentar um novo significa- do linguistico. Trata-se de uma retomada da base semñntica adquiri- da e de um salto até uma nova significa9ao. Ha aqui uma dependén- cia mutua entre os termos: a base de sentido sedimentada pela qual se realiza a opera9ño expressiva pode confirmar sua eficacia pelo que for expresso, e este nao poderia passar a existir sem o primeiro. Assim ocorre com o corpo sob o aspecto de substrato biologico: mo se trata apenas de um fator de determina9fio, mas de um motivo expres- sivo para que se consolide uma atitude germ de enforma9ao da expe- riéncia do mundo.

Passividade e inconsciente


A organiza9ño da experiencia num campo feriomenal continuo o coerente excede a consciencia de ato. O corpo promove espontanea- mente a equivalencia entre um repertorio de disposip0es perceptivo- motoras e a situa9ño mundana. Um esquema global e pré-consciente de atitudes corporals em rela9ao ao meio estabelece um meio univer- sal para toda experiéncia possivel. A constitui9ño da transcendéncia nño é uma tarefa que a consciéncia realiza ativamente: era, na verdade, a recebe pronta do corpo proprio

No entanto, aqui é preciso atentar para o seguinte ponto: nño e porque a consciencia reflexive nño estabelece ativamente o sentido do campo fenomenal que ela dele nño saiba. Em outras palavras, nao devemos identificar a passividade e o inconsciente. Vimos que o cor po funciona no modo do “Se” ao organizer o campo perceptivo sobre o qual o sujeito exerce sua liberdade. E verdade que, como sua tarefa n'do e criada pela consciencia de st, o trabalho impessoal do corpo nño é imediatamente a ela transparente, como serta no caso de algo por ela produzido. HP uma “resisténcia da passividade” (idem, p.75) com a qual a consciencia reflexiva deve lidar; uma opacidade do sentido vivido pelo corpo an tes de sua objetiva9ño rational que antecede a consciencia de st, sempre posterior ñ organizapño antepredicativa do cainpo fenomenal. Nesse sentido, “posso viver mais coisas do que me represento, meu ser mo se reduz ñquilo que, de mim mesmo, expres- somente me aparece” (idem, p.343). A rela9ño entre o sujeito encarna- do e o mundo é mais Rica que aquela estabelecida entre a consciencia cognitive e seu objeto, jâ que hñ, por exemplo, inumeras fun9ñes cor- porais que se ajustam espontaneamen te ao meio, sem que o eu note. Assim, como excesso ante a rela9ño cognitive, é possivel apontar para uma vida inconsciente. No onfanto, quase toda a vida corporal e perceptiva, mesmo aquela posteriormente vivida explicitamente pelo sujeito se organize passivamente. Tudo o que é inconsciente atua de mode involuntñrio, mas nem tudo que se organize passivamente é inconsciente. Isto quer dizer que, ao menos na Fenomenologia da Peicepqâ o, o dominio da passividade e mais amplo que aquele do incons saber explicitamente que isso ocorre ao tocar o meu peito. E até mes- mo possivel que a consciéncia de st intervenha em processos vitais que normalmente seguem passivos e inconscientes, como a respira- Rao. Além de poder ser alterada por fatores fisicos e emocionais, eta sofre influéncia direta da vontade. A interferéncia do sujeito recobre aqui perfeitamente os processos inspiratorios e expiratorios mantidos passivamente. Posso variar o tempo de inspira9fio, de expira9ao, sus- pender a respira9ño com ou sem ar nos pulmñes. Por th interferéncia, esse processo comumente passivo torna-se parte do dominio da cons- ciéncia de st. Tño logo eu cesse meu dominio voluntfirio da fun9ño respiratoria, sS me limitando a observñ-la ou dela me osquecendo, tornado por devaneios, o ciclo passivo da respira9âo recome9a imedi- atamente'.



Passividade e temporalidade


Esclarecida sua dimensño em rela9ño ao inconsciente, retome- mos a importñncia da passividade. E sob sua égide que a experiencia se desenrola. “Abaixo de mim como sujeito pensante, que posso me situar ao meu beI prazer em Sirius ou na superficie da terra, hñ (...) como que um eu natural que nño dbandona sua situa9ño terrestre e que esbo9a sem cessar valoriza9fies absolutas” (idem, p.502), ou seja, uma organiza9ño fenomenica do meio que nño é decisoria, oferecendo o solo motivador sobre o qual a liberdade subjetiva pode ser exercida. Reaparece aqui o duplo papel do corpo, abertura passive as generali- dades pré-objetivas e sistema instituinte da atividade livre humana. Como se articulam essas dimensoes ativa e passive? Merleau-Ponty afirma que “nos nño somos, de uma maneira incompreensivel, uma atividade unida a uma passividade, um automatismo dominado por uma vontade, uma percep9ño dominada por um juizo, mas inteiros ativos e inteiros passivos, porque nos somos o surgimento do tempo” (idem, p.489). E entño pelo tempo que devemos compreender a jumbo entre o para-si, a consciéncia reflexiva, e o ser no mundo, o corpo ciente. Men cora9ño bornbeia sanyue para todo o meu corpo dia e noite, incessantemente, embora eu, distraido com os afazeres cotidianos, mat o perceba. Mas é possivel, ainda que por alguris instantes, anñnimo que, como vimos sumariamente, estabelecem uma rela9ño de expressao entre si. Ha uma dialética entre tempo constituinte (o impeto continuo presente) e tempo constituido (os instantes fixados pela passagem do fluxo) responsñvel pelo surgimento da expressño, tetomeda de uma base adquirida e avanpo até um novo sentido. Veja- mos como ela ocorre.

O corpo aparece como uma “existéncia imobilizada ou generalizada”, base sobre a qual a existéncia subjetiva, uma “encarna9ao per- pétua” (idem, p.194) pode se manifestar. A existéncia pessoal se con- funde com a forma permanente da consciéncia presente, impeto indiviso que percorre diferentes instantes cristalizados na carne do corpo. HP um fluxo permanente de temporaliza9ao com o qual o en se identifica: porém, esse fluxo sempre se refere aos instantes definidos, diferentes etapas da ontogénese corporal, para manter-se. A rela9ño de expres- sño entre a existéncia subjetiva e o corpo passivo também mantém a dependéncia entre os termos, tal como se da no ñmbito lingiustico, de maneira que nño se pode identificar um original ao qual o outro vem exprimir. A jumao entre a “alma” e o corpo poderia ser compreendida de um modo reducionista, segundo o qual o mundo humano serta condicionado pela infra-estrutura fisiologica. Mas nño se trata disso, e sim da uniao expressiva entre ambas as esferas. Segundo Merleau- Ponty, a interpenetra9ño entre corporeidade e existencia é tal que nño ha como distinguir a presen9a de duas ordens separadas. Toda con- duta humana deve algo ao ser biologico e toda vida biologica apre- senta algum tra9o humano.

O homem é inteiro atividade e passividade, toda a sua liberdade se exprime pelo corpo, e este se investe de humanidade mesmo em seus reflexos. A expressño esclarece como o anonimato passivo corpo- ral e a vida decisoria pessoal se relacionam, HP uma ta1 dependéncia e reciprocidade entre os termos que nfio se pode afirmar uma distinqño substantial entre o psiquico e o fisiologico, e sim a sua unifio vital. No entanto, ainda que intimamente misturados numa solupao, o solvente e o soluto tém diferentes origens. Tal analogia nos instiga a perguntar se a compreensño da ielaqâo entre vida pessoal e anonima esclarece acerca da gér ese de ambas. Admitimos que, durante a vida, as di- mensñes fisiologica e pslquica estejam irremediavelmente imiscuidas. Mas essa tese nada nos assegura contra um possivel dualismo subs- tancial sub-repticio. Afinal, se apenas citamos o milagre da expressño, fica a impressño de que a vida pessoal decisñria circunscreve um principio diferente que se eciescenta de alguma forma a existéncia corpo- ral, sendo expressa por esta sem dela surgir. Para evitar esta interpre- ta9ao, Merleau-Ponty deveiia esclarecer como a ordem humana é um novo nivel sistemico que surge por reorganiza9ño do nivel biolñgico, anterior. Se a consciéncia de si se identifica com o fluxo permanente do presente vivo, seria preciso demonstrar como o tempo nño é senño uma dimensño do corpo, para que nño fosse reintroduzida uma distin- Rao de principio entre a ordem biologica e a ordem humana, tornando incompreensivel a rela9ao entre etas. Na Fenomenologia da Peicepqâo, somente numa curta passagem, no capitulo “O Sentir”, Merleau-Ponty explicita essa liga9ño entre tempo e corpo. Diz ele: “meu corpo toma posse do tempo, ele /az o tempo em vez de sofré-to” (idem, p.277, qiilo nosso). Isso quer dizer que a temporalidade deve ser compreendida como mais uma dimensño por meio da qual o ser no mundo organiza significativamente o campo fenomenal. Assim, compreende-se a gé- nese da consciéncia de st em rela9ño ao corpo sem alimentar a suspei- ta de que eta é um principio essencialmente diferente deste. Para que essa compreensño seja possivel, o tempo deve ser tornado como um “tempo pré-pessoal que repousa sobre st prñprio” (idem, p.517), uma poténcia de diferencia9ño dos instantes no seio do qual brota a subje- tividade. Como diz Merleau-Ponty,


(...) é essencial ao tempo nño ser apenas tempo efetivo ou tempo que se escor- re, mas tempo que se sabe, pois a explosño ou deiscéncia do presente para um porvir é um arquétipo da rela9ño de si para si e desenha uma interioridade e uma ipseidade (idem, p.487, grifo do autor).


Porque a temporalidade é afec9ño de st por st, a passages in- terna de um momento a outro apiesenta-se como o primeiro esbo9o da subjetividade. A atividade subjetiva se contunde com o campo presente pelo qual os instantes fluem e se cristalizam, mas ela nao é senao essa prñpria passagem, que jorra, por sua vez, passivomente. E como se o poder volitivo individual se confundisse com a forma pre- sente do fluxo do tempo, assim como por vezes se mistura ao ñmbito da respira9ao, como vimos. A diferen9a é que essa forma do presente é seu “lugar natural”, e enquanto o corpo sustentar a passages tem- poral, pelo proprio movimento de descentramento entre os instantes, escavar-se-ñ uma interioridade subjetiva, expressao do fluxo espontâ- neo do tempo.


Passividade e linguagem


Teremos jñ atingido a verdadeira dimensfio da passividade na obra de Merleau-Ponty? Ela é responsñvel pela organiza9fio do campo de experiéncias e fornece a base sobre a qual a consciéncia de si pode erigir-se como ipseidade. Havera mais, entretanto. Afinal, poderiamos pensar que uma vez constituida a dimensño reflexiva humana, pelo fluxo do tempo, eta atuasse plenamente. Mas nfio é bem o que ocorre.

A consciéncia de si mo é um foco continuo de reconhecimento de fenomenos e acesso direto aos fatos vividos. Nño hfi pensamentos claros e distintos autñnomos, independentes de uma Jlnyuapem que os exprima, como o exemplo das conclusñes inesperadas obtidas pelo orador em sua fala confirms. A rede conceitual pela qual o sujeito se reconhece nfio é o substrato da fala e da linguagem, mas produto delas. A palavra nfio é a vestirnenta de um pensamento ja explicita- mente formulado antecipadamente, mas é “a presenqa desse pensa- mento no mundo sensivel” {idem, p.212). O ato de pensamento mo é anterior ñ linguagem, ele se faz por ela, em suma. A concep9ño da consciéncia de st como um foco de puro pensamento que se relaciona imediatamente a st mesma é uma interpreta9fio intelectualista, torna- do possivel pelo fenñmeno da sedimenta9ño do sentido. Pelo uso, al- guns significados tornam-se tño conhecidos que parecem indepen- dentes das opera9ñes expressivas da fala pelas quais passaram a exis- tir, sendo entâo tornados como anteriores is proprias palavras que os veiculam, como que constituindo um quadro puramente mental que determinaria seu sentido. Essa “fala falada” oculta a constitui9ño imanente do significado junto ñ expressño lingiiistica.

E preciso retomar o momento de institui9ño do significado, a “fala falante”, para percebermos o vinculo entre o signo e o significa- do. Aqui uma intenqño expressiva se serve de uma base de significa- dos sedimentados para erigir novas significa9ñes. A consciéncia pre- sence utilize-se dos sedimentos de sentido para exprimir-se em novos pensamentos. Por consequéncia, mo ha um foco oriyinñrio de ativida- de egoica que se antecipa ñ experiéncia por dela possuir a estrutura inteligivel. Nño se pode dizer que d consciéncia seja condi9fio da lin- guagem ao instaurar um foco de media9ño das coisas aos significados, garantindo a unidade destes ultimos. Na verdade, eta depende da expressividado da linguagem para se manifestar.

Essas afirma9ñes, que parecem decorrer de trechos da Fenome- no?oyia da Peicepqâo, acabam, surpreendentemente, por contradizer algumas passagens da mesma obra. Segundo o prefficio, pela “experi- éncia da consciéncia medern-se todas as significa9ñes da linguagem e é eta que justamente faz com que a linguagem queira dizer algo para nos” (idem, p.X). Isto quer dizer que “no siléncio da consciencia origi- nñria, ve-se aparecer nño somente o que as palavras querem dizer, mas também o que as coisas querem dizer, o nucleo de significa9ño primñria em torno do qual se organizam os atos de denomina9ño e expressño” (idem). Parece haver, segundo tal afirma9ño, um foco de consciéncia pelo qual se atinge imediatamente os fatos. Esse foco au- tñnomo parece indiferente ds modalidades expressivas corporals, le- vando ñquela impressfio de dualismo por nos citada. Ora, a rela9âo de expressfio revela que a consciéncia se constitui Junto ñ linguagem antes de ser um territorio no qual os signos esclarecem seu sentido. Mesmo se nos referimos ñ consciéncia pré-reflexive, ao coyJto tñcito, so podemos atingi-la pelo discurso articulado, o que acaba por fazer girar em falso uma fenomenologia que toma o acesso ao fato puro da consciéncia como modelo para a descri9ño dos vividos: se levamos a sério o capitulo “O corpo como expressño e a fala”, entño nño pode- mos admitir a independéncia da consciéncia em rela9ño ñ linguagem, e a idéia de umiq interioridade transparente a si é reduzida ao descolamento dos significados constituidos da sua base expressiva, parecendo entfio se sustentarem independentes dos signos. Mesmo a consciéncia muda perceptiva so pode ser delimitada pelas signifier- gies linguisticas, e nfio o contrñrio.

Antes de extrairmos as conse@encias dessa conclusño para nosso

tema, vale a pena refletir brevemente sobre as contradi9ñes presences na FenomenoIogje de Peicepqâo. E sabido que n'O VislveJ e o Invisivel Merleau-Ponty tece critical âquela obra. Numa delas, ele nota que “meu capitulo sobre o cogito nño for ligado ao capitulo sobre a pala- vra” (1964, p.227). Como conseqiiéncia, faltou compreender “o proble- ma da passagem do sentido perceptivo ao sentido linguageiro, do com- portamento ñ tematiza9ño” (idem). Por que essa limita9ño, provavel- mente a origem da impressño de dualismo notada por nos, ocorreu? No texto enviado por Merleau-Ponty para oficializar sua candidature ao Collége de France, Merleau-Ponty reconhece que o ser humano, diferentemente dos animais, realiza um “movimento espontñneo de conhecimento” (Merleau-Ponty, 2000, p.22), que em muito excede a mera manuten9ño biologica da sua vida corporal, instituindo a cultura. Como se essa passages da “ineréncia individual” do funciona- mento do corpo ao estabelecimento de um mundo de relapñes intersubjetivas? Ela deve ser compreendida pela linguagem. E ela que per mite ao sujeito exceder os “limites de nosso ponto de vista tal como ele é definido pelo corpo ‘natural"' (idem, p.24). Porém, Merleau-Ponty admite que foi


(...) por uma abstrapño metodica que nos fingimos, ao come9ar, nos encontrar no mundo da percep9ao. De fato, o sujeito que verdadeiiamente percebe nño se imobiliza no espetaculo. Ele retoina sobre relapoes as quais a percep9ao o iniciou, etc se esfor9a para fixa-las, para totalizñ-las, para tornñ-las para ele disponiveis, ele pensa, ele fala” (idem, p.22-3).


Neo como separar a experiencia perceptiva de sua apreensño e compreensño linguistica, e foi apenas por uma op9ao metodologica que a Fenomenologio da Peicepqâo centrou-se na atividade perceptiva, sem considerar, desde o inicio, a linguagem. Op9ño cara, é verdade, pois por vezes Merleau-Ponty pareceu seduzido por aquilo mesmo que a vida linqiiistica o impediria de aceitar: a circunscriqâo de um foco de pura consciencia pelo qual se tern acesso direto aos fatos do mundo. Tivesse considerado a circularidade entre consciéncia pré-re- flexiva e linguagem e evitado a abstra9ao de principio da Fenomeno- logic do Peicepqâo, Merleau-Ponty ja teria concluido naquela obra que nño ha acesso as coisas mesmas fora da expressño.



A passividade lingiiistica


O mundo propriamente humano institui-se pela linguagem. O dominio do conhecimento, da arte, em suma, de uma teia intersubjetiva, demarca-se por meio da expressividade linguistica. Essa tese implica muitas consequéncias relevantes para o tema da passividade que aqui estudamos. A principal delas é que talvez nao haja um dominio de pura atividade e que a extensño da passividade é maior do que conce- bemos fi primeira vista. Para explicitar esse tema, é preciso descrever mais detalhadamente como funciona a linguagem, segundo Merleau- Ponty.

A linguagem viva, “fala falante” nño é um “codigo para o pensa- mento” (Merleau-Ponty, 1998, p.25), mas a sua realiza9ño. Os signos nfio sao meros veiculos para significa9ñes definidas anteriormente ñ sua expressao, mas o seu prñprio estabelecimento. “Exprimir, para o sujeito falante, é tomar consciéncia; ele nfio exprime apenas para os outros, ele exprime para saber ele mesmo o que ele visa” (idem, p.113), diz-nos Merleau-Ponty no artigo “Sobre a Fenomenologia da Lingua- gem”. Uma inten9ño significativa vazia rearranja as significa9ñes dis- ponlveis para preencher-se e definir-se como um sentido inédito. “Eu exprimo quando, utilizando todos esses instrumentos ja falantes, eu os fa9o dizer algo que eles jamais disseram” (idem). O sentido nño é antecipado por um foco de consciéncia de st, mas é instaurado pela opera9ao expressiva. “Nos mesmos que falamos nao sabemos neces- sariamente o que nñs exprimimos melhor que aqueles que nos ou- vem” (idem, p.114). O ato de consciéncia que forja uma idéia é na verdade a lenta organiza9ao de um discurso que a molda como um pensamento acessivel para si e para os outros. Mas o que é essa orga- niza9ño?

Na FenomenoJopia da Peicepqâo, “a fala é o excesso de nossa existéncia por sobre o ser natural” (1945, p.229), um momento de pro- dutividade humana que instaura sobre os dispositivos naturals um novo tipo de significa9ño. Essa considera9ao, por st so, poderia nos levar a pensar que é o sujeito quem controls, de alguma forma, o processo expressivo. Haveria entño uma reinterpreta9ao da interioridade subjetiva e da intencionalidade de ato. Elas nño mais seriam o territo- rio da decisfio de tomar os data como “representante de algo”, mas sim iq coordena9fio do movimento expressivo pelo qual um fenñmeno revela seu sentido. Estaria resguardada assim a dimensño da ativida- de em meio ao funcionamento passivo da vida corporal. Porém, essa interpreta9ño nño se sustenta se lidamos com outros textos de Merleau- Ponty. Na FenomenoJoy‹a, como o sujeito falante nño é considerado desde o inicio, tendo apenas uma curta apari9ño em um capitulo es- pecifico e em parte do capitulo sobre o cogito, fica a impressño de que ele é uma modula9ño de uma consciéncia autñnoma, pura atividade que excede a vida corporal. Porém, ao dcompanharmos O brotamento da linguagem, essa impressño desaparece.

Na Piosa do Mundo, Merleau-Ponty afirma que certamente “um interior da linguagem, uma inten9fio de significar que anima os acidentes linguisticos, e fun da lingua, a cada momento, um sistema capaz de se recortar e de se confirmar a st proprio” (1997, p.51). Po- rém, essa interioridade lingiiistica nño sera do tipo espiritual, uma instñncia subjetiva desde sempre estabelecida e reconhecida por seus Shape1 “efeitos” expressivos. No resumo do curso “O problema da fala”, mi- nistrado em 1952, mesma época em que escrevia A Piosa do Mundo, Merleau-Ponty nos conta que a mobiliza9ño dos instrumentos da lin- guagom para a elocuqao “mo é um ato do espirito puro” (1968, p.38), jfi que este é sempre dependente do “organismo de linguagem” que age “como se fosse dotado de vida propria” (idem). Nño ha, portanto, para Merleau-Ponty, um espiiito independente da sua expressño lin- guistica. HP "como que um espirito da linguagem e o espirito é sem- pre canegado de lnguagem" (dem, p37).

A linguagem falante funciona como que sozinha, sua organiza- Who é semelhante ñquela do organismo. O que essas afirma9oes impli- cam? Retomemos rapidamente o que Merleau-Ponty entende por or- ganismo para que se esclare9a o sentido da analogia com a lingua- gem, Na anñlise das ordens do universo proposta no terceiro capitulo da Estrutura do Compoi tax ento, a ordern vital surge como uma integra9ño dos arranjos fisicos do universo num nivel irredutivel ñque- les. O surgimento dos organismos replica a cristaliza9ño de estruturas eficazes no comércio com o meio. Cada espécie terfi um conjunto de comportamentos privilegiados com base nos quais um ambiente sig- nificativo é delimitado pelos individuos. Ha a “proje9ño fora do orga- nismo de uma possibilidade que the é interior” (1967, p.136), ou seja, a organiza9ño dos estimulos numa situa9âo significativa depende da estrutura comportamental do individuo. “A forma do excitante é cria- da pelo proprio organismo, por sua maneira proprid de se oferecer is rea9ñes de fora” {idem, p.11). Analisado em seus comportamentos, o organismo é aquele que pñe em forma o meio, determinando os prñ- prios limites do que pode ser experienciado. E importante frisar, en- tretanto, que se o organismo se dirige ao mundo e enforma os estimu- los, ele nao redllza tal tarefa voluntaria e conscientemente. O sentido manifestado peld experiéncia nño é o resultado de uma opera9ño sub- jetiva que toma os estimulos como representantes de algo e sim resul- tado do equilibrio esponteneamente atingido pelo sistema entre oiqu- nismo e mundo.

O organismo projeta espontanedmente uma forma pela qual os estimulos podem ser apreendidos significativamente. Em que essa tese pode nos ajudar a compreender a linguagem? Segundo Merleau- Ponty, “ha uma C!estalt da lingua” (1997, p.53), seu poder de expres- sño results da organiza9ño de um campo significativo, assim como a percep9ño organize um campo fenomenal no qual se desenrolam as experiencias do organismo. Por conta dessa organizaqño gestaltica da linguagem, pode-se dizer que “a significa9âo e o signo sño da ordem do perceptivo, nño da ordem do Espirito absoluto” (idem). Assim como a percep9ao apresenta os fenñmenos segundo uma logica prñpria que exprime a estrutura comportamental do organismo, a lingua vivida forja signilicados nño por atos de um ego puro, e sum por uma logica espontñnea da fala.

No artigo “Sobre a Fenomenologia da Linguagem”, Merleau-Ponty esclarece um pouco mais essa organiza9ao autñnoma do sentido linguistico. Minha fala me surpreende e me ensina a respeito do pen- samento inarticulado que esbocei; pela expressño, tenho a chance de saber sobre mim mesmo, jfi vimos. Os vocfibulos seguem “um certo estilo da f£tla do quad eles dependem e segundo o quad eles se organi- zam sem que eu tenha a necessidade de represents-los” (1998, p.111) Esse poder expressivo de autodesdobramento do sentido é, segundo Merleau-Ponty, “um caso eminente da intencionalidade corporal” (idem): eye nño depende do “eu penso”, mas do “eu posso” Os pode- res perceptivo-motores do meu corpo me permitem estabelecer rela- 9ñes imediatas com o meio sem que eu me represente expressamente os objetos que eu viso ou o meio de atingi-los. HP um tal sistema de equivaléncias entre os orgños corporals e as situa90es de fato que “a consciéncia que eu tenho do meu corpo é imediatamente significativa de uma certa paisagem que eu tenho ao meu redor” (idem) Assim a palavra signifier: o signilicado almejado nao é explicitamente tematizado mas é levado em conta como “uma surda presen9a que desperta minhas inten9ñes sem se desdobrar diante delas” (idem, p.112). E assim como nenhum objeto on paisagem se esgota e se desvela completamente para um gesto do corpo, mas solicits uma exploraqño interminavel do mundo perceptivo, “as significa90es da palavra sao sempre idéias no sentido kantiano, polos de um certo nu- mero de atos de expressfio convergences que imantam o discurso sem ser propriamente dados” {idem). Como a percep9ño, a expressño nun- ca é total, e, sob a pressño continua da temporaliza9ao abre-se em horizontes que, com base no que ja foi adquirido, sempre podem ser estendidos.

Ora, essa remissño da expressño lingñistica ñ intencionalidade corporal, ao modo como o organismo molda o meio, nada faz sendo retomar as melhores pñginas da FenomenoloqJa da Percepqâo sobre o tema. Nesta obra, aprendemos que o corpo, por meio de um sistema de equivaléncias entre gestos e meio, estabelece um campo de a9ao limitador da zona de experiéncias significativas. Essa ”atitude de con- junto” veiculada pelo corpo é forjada na “periferia” da vida humana, por “orgños estñveis e circuitos preestabelecidos“ (1945, p.103), que constituem no anonimato da vida corporal uma resposta geral ñ pre- sents do mundo. A articula9ao de um campo siqnificativo excede a atividade subjetiva e, nesse sentido, o corpo pode ser chamado de “espirito natural” (idem, p.294), pois é para ele que a significatividade prñpria ao sensivel se manifesta. A linguagem funciona como um caso da pioje9ño de sentido ao meio;" ela é, na FenomeroJopia da Peicep- qâ o, “uma certa modula9ño do meu corpo enquanto ser no mundo” (idem, p.461). Ela faz parte do aparato existential que organize o cam- po significativo de experiéncias possiveis. A organiza9ño do sentido dafaa, como vimos, segue o padrâo de organizaqâo da percepqâo e do gesto, sem decorrer de um esquema puramente mental.

Poder-se-ia objetar que


(...) parece impossivel dar as palavras, como aos gestos, uma significapño imanente, porque o gesto se limita a indicar uma certa relapao entre o homem e o mundo sensivel, que este mundo é dado ao espectadoi pela peiceppño natural, e que assim o objeto intensional é oterecido ao testemunho ao mesmo tempo em que o proprio gesto” (idem, p.217).


O gesto apenas revelaria uma rela9ño estabelecida naturalmente entre o corpo e o meio; ja a linguagern utilizar-se-ia de meios arbitra- rios e convencionais, os vocabulos, para exprimir. Nño serta possivel, portanto, aproximar atividades de campos tño distintos como o biolo- gico e cultural.

Merleau-Ponty rejeita a concep9ño conventional da linguagem, ja que ela implica uma insoluvel circularidade: a institui9ño dos vocábulos por conven ño pressupñe uma linguagem, convencionalmente estabelecida, utilizada para tal. Por consequéncia, nao se pode afastar linguagem e gesticula9ño corporal com base na distin9ño entre natu- ral e conventional, ja que este ultimo nño explica adequadamente o sentido linguageiro. Isto significa naturalizar a linguagem, tornando-a uma fun9fio biologica? Nño, pois na verdade os gestos do corpo nño sño exatamente naturals. Tomemos a manifesta9ño das emo90es pela gesticula9fio. “De fato, a mimica da colera ou a do amor nño sño as mesmas para um japonés e para um ocidental. Mais precisamente, a diferenpa das mimicas esconde a diferen9a das proprias emo9ñes” (idem). Para Merleau-Ponty, nño haverñ um campo de manifesta9ñes puramente naturals no homem, ao qual se pudesse acrescentar ele- mentos convencionais. “Gritar na colera e abra9ar no amor nao é mais natural ou menos convencional do que chamar uma mesa de mesa”

{idem). Essas conclusñes sao extraidas pela considera9ño da expies- sâo no nivel corporal. “O mesmo poder de colocar em Korma os estimu- los e as situa9ñes que esta no auge no plano da linguagem" (idem) também trabalha no nivel corporal, de modo que o uso do corpo sempre excede a determina9ao biologica, assim como um significado inédito supera o sentido sedimentado do qual partiu. Em suma, a existéncia humana nño comporta uma abordagem dualista porque todos os seus ñmbitos trabalham segundo o mesmo modelo: a manifesta9ño expressi- va de um sentido excedente aos termos relacionados e o funcionamento automatico sobre significa90es dadas. Ha uma fala falada e uma fala falante, mas também um corpo virtual e um corpo habitual e mesmo uma percepqâo expressiva e uma percepqâo segunda(idem, p.53-4)



Considerapoes finais


Serra pela teoria da expressfio que Merleau-Ponty teria conse- guido na Feromeno!ogia do Peicepqâo superar qualquer resquicio dualista e propor uma abordagem una da existéncia humana. No en- tanto, o proprio autor julgou insuficiente a conexfio entre as virtudes da expressño e o coplto tacito, que ainda permaneceu excessivamen- te autñnomo naquela obra. E ao tentar tra9ar a realiza9ño dessa tarefa nos outros trabalhos de Merleau-Ponty, o que encontramos? Principal- mente, que o cogito, longe de constituir-se como um foco de certeza imediata de st, também é fruto da opera9ño expressive. Isto signifier, por finn, que nem na instñncia em que naturalmente localizariamos a atividade da consciéncia encontramos um ato puro do espirito." Ha, como vimos, uma passividade inerente ñ auto-organiza9ao expressiva da linguagem que se assemelha aquela da percepqño: é independen- te do ego cogito, e como que por uma vida prñpria que ambas se organizam. Assim, mesmo no desenrolar do pensamento o âmbito da atividade é muito restrito, limitando-se ñ emissâo de uma cambalean- te inten9fio vazia, que por si so nada veicula em sua inarticulaqño originfiria, necessitando deixar-se imantar pelas significa9ñes sedimentadas a finn de explicitar algum sentido inédito por um rearranjo destas.

Como suspeitñvamos, a passividade parece ter um papel ainda maior do que poderiamos perceber ñ primeira vista na filosofia de Merleau-Ponty. E se os prñprios atos de pensamento realizam-se se- gundo a passividade inerente ñ expressño lingiiistica, fica-nos a ques- tfio de saber qual espa9o resta para a atividade. Merleau-Ponty nfio corre o risco de esvaziar excessivamente a esfera subjetiva, tornando inviñvel a propria liberdade? Se ‘as coisas se encontram ditas e se encontiam pensodos como que por uma Fala e por um Pensar que nos mo temos, que nos tém" (1998, p.27), resta algo ao sujeito a mo ser se submeter a esse discurso que nele se articula espontaneamente?

Talvez realmente devamos dar adeus ñ no9ño de sujeito como ego cogito, foco de atos pontuais e autñnomos. Mas isto nño significa que devamos abandonar completamente a no9ño de subjetividade. Se nño mais espa9o na fenomenologia para um sujeito constituinte, é justamente porque agora so se admite um “sujeito instituinte”, que nño é “instantñneo”, e para o qual outrem nño é um enigma impene- trñvel (Merleau-Ponty, 1968, p.60). Um sujeito instituinte “nño é o re- flexo imediato de seus atos proprios” (idem), mas uma dimensño durivet cuja sedimentapño de experiéncias sempre fornece a base para novas vivéncias a se desenvolverem no fluxo temporal.

Sera pelo tema da institui9ño que Merleau-Ponty tentarñ reconstituir o territorio da subjetividade uma vez desvelado o amplo espectro da passividade na organiza9fio dos vividos, inviabilizando a no9ño de sujeito constituinte. Como o tema da institui9ño envolve diferentes ordens de fenñmenos (a historic pessoal, intersubjetiva e publics), mantém-se a perspective de superar quaisquer resqulcios dualistas, que nño haverfi justaposiqño de principios as ordens primñ- rias e sim reorganizaqfio destas, tal qual a fstrutura do Gomportamento jñ indicava como método adequado para compreender o universo.

Acompanhar a anfilise merleau-pontyana do sujeito instituinte, compreendendo suas relaqñes com a passividade, sera o tema de um prñximo texto.


FERRAZ, M. S. A. Notes about passivity in Morleau-Ponty. Tions/Foim/AQUO, (Rao Paulo), v.26 (2), p.65-83, 2003.


ABSTRACT: This paper intends to evaluate the dimension of passivity in some of Merloau-Ponty’s works. Beginning with the Hussorl's analysis, the text follows the Merleau-Pontyan reflexion about the spontaneous organization of meaning in the life of the body and in the exercise of speech.

KEYWORDS: phenomenology; passivity; language; subjectivity; body.



Referéncias bibliogralicas


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MONTAVONT, A. De la Passlvité dans la Phenol enologie de HusserJ. Paris: PUF, 1999

1 Texto apresentado no I.° Eneontro de Filosofia Franeesa Contemporñnea.

2 Doutorando pelo Departamento de Filosofia da USP.