HannaH arendt e o problema da secularização na fundação de novos corpos políticos

Daiane Eccel[1]

resumo: A questão da secularização também tem espaço no pensamento de Hannah Arendt. A autora sempre procurou um conceito puro de política (reinen Begriff des Politischen), que fosse independente de qualquer raiz religiosa ou que estivesse desvinculado de toda fonte metafísica e transcendente. No entanto, desde Platão, a tradição do pensamento político ocidental não encontra tal autonomia e esse problema se repete nos tempos modernos, sobretudo no momento da fundação de corpos políticos, como é o caso das revoluções, por exemplo. Além disso, Arendt também esclarece como o vácuo de autoridade contribui para a permanência do problema e reforça a necessidade daquilo que ela entende como “o incômodo problema do absoluto”. Este artigo privilegia a investigação de tais questões através dos textos Sobre a revolução, Religião e política e O que é autoridade? e sustenta a necessidade da separação das esferas política e religiosa, visando à boa manutenção de ambas. palavras-cHave: Hannah Arendt. Secularização. Política. Religião. Sacralização.

O fim das metanarrativas indicado por Lyotard (1989), em sua A condição pós-moderna, pareceu realmente fazer parte do cenário ocidental do século passado, bem como do início deste novo século. Incluem-se nessa crise o fim daquelas metanarrativas não só de cunho filosófico (Hegel) ou científico (Comte), mas também aquelas que envolvem conteúdos religiosos. Isso parece ficar claro, quando notamos o avanço do progresso da laicidade ou secularização que avança nos países do Ocidente. Em tese, religião e política, em função do Zeitgeist da modernidade, deveriam estar cada vez mais afastadas, porque a dimensão religiosa permaneceria restrita ao âmbito privado ou pessoal. No entanto, as palavras de Esposito, em um recente periódico italiano, mostram-se certeiras enquanto diagnóstico de época:

Após longa pausa de relativa autonomia, política e religião voltam a cruzar as próprias trajetórias com efeitos inquietantes, de que os trágicos acontecimentos de Paris e Tunísia[2] constituem os últimos episódios. A condenação mais intransigente dos atentadores e a reivindicação da liberdade de expressão em todas as suas formas é a única resposta adequada. Mas isso está bem distante de esgotar uma questão que é mais profunda, e que diz respeito ao nó que há algum tempo se vai apertando entre teologia e política. A tese tradicional do progressivo fim das religiões no mundo moderno, promovida pelos sociólogos da secularização, choca-se com dados de fato, cada vez mais evidentes. (ESPOSITO, 2015).

Contudo, apesar de atentarmos para tal fenômeno e percebermos a alarmante situação, não nos importa aqui defender uma espécie de cultura antirreligiosa que combata a religião em seus fins últimos. Diferentemente disso, colocamo-nos também na perspectiva daqueles que têm suas expectativas e posições religiosas postas em suspenso, justamente em função do avanço das questões religiosas para o âmbito da política e, não menos raro, da invasão de questões políticas também no âmbito da religião.

A partir desse diagnóstico, propomo-nos pensar a problemática da religião e da política nos seguintes termos: é preciso proteger a política dos fundamentos religiosos, por um lado, e, por outro, é preciso garantir aos religiosos a liberdade de cultivar suas crenças, protegendo-as igualmente dos discursos políticos que tentam legitimar as crenças religiosas, mas apenas as expõem ao risco de permanecer à deriva de uma situação política.

No framework da filosofia política, há vários pensadores que se dispuseram a pensar tal questão, de forma direta ou não. Jürgen Habermas o fez, quando alargou seus pressupostos da teoria da ação comunicativa e levou em conta as reivindicações de pessoas religiosas que buscavam ser ouvidas na esfera pública, embora não tenha resolvido o problema em definitivo (HABERMAS, 2005). Por outro lado, mas ainda de viés kantiano, John Rawls tentou salvaguardar as liberdades individuais, na medida em que retomou a discussão acerca da teoria da justiça já proposta por Platão e lhe deu novas roupagens. A estratégia teórica de Rawls foi o apelo à razão pública a la Kant, bem como a reivindicação da prioridade do justo sobre o bom. Para além de Rawls e Habermas, há ainda um rol de pensadores preocupados em pensar o tema da secularização, como é o caso de Talal Asad, Monod, Char les Taylor[3], entre outros.

A despeito de haver tantas possibilidades de articular a relação entre política e religião, almejamos pensar tal problemática sob a ótica de outra pensadora, cujo cerne de pensamento nunca foi essa questão. No entanto, é também uma pensadora para quem tal questão nunca foi completamente indiferente: Hannah Arendt. A aproximação ou o distanciamento entre a religião e a política não representaram o marco teórico do pensamento arendtiano, mas isso nos parece verdadeiro somente parcialmente, já que também é possível ler a obra de Arendt sob essa perspectiva. Apesar de essa autora tratar da relação entre religião e política diretamente somente em um texto, justamente intitulado Religião e política[4], esse tema perpassa indiretamente boa parte de sua obra. A cada vez que Arendt aborda a religião, ela o faz por meio do seu contexto ocidental judaico-cristão, e parece fazê-lo mais em função das suas preocupações com a política e com a esfera pública do que com a religião em si. Ou seja, Arendt pensa a religião somente quando esta mostra algum grau de influência sobre a política. Ainda em outras palavras, mais do que a preocupação com uma instituição religiosa, ela parece revelar algumas preocupações com a influência do fenômeno do religioso – em sentido lato e não exatamente institucional – sobre a política. Por outro lado, o fato de haver em Arendt uma espécie de apelo à secularização, com fins de salvaguardar a política, há claramente, por outro, uma ideia de sacralidade que acompanha o mundo e é puramente mundana.

A categoria de secularização está intrínseca nos postulados arendtianos, não somente de forma normativa, mas, sobretudo, como diagnóstico de tempo. Está evidente para Arendt que, em função do questionamento levantado desde Descartes, vive-se em estado de dúvida e não de certezas de fé.[5] Além disso, parece igualmente estar claro que Arendt não parecia temer por uma reapropriação da religião e da política, em termos institucionais, ou seja, uma retomada do poder político por parte da Igreja, por exemplo. No entanto, há uma crítica arendtiana evidente, quando a esfera religiosa expande seus domínios até a política. Tanto em seu Denktagebuch quanto em seu Sobre a revolução, Arendt refere-se àquilo que ela chama de “absoluto” ou “o incômodo problema do absoluto”. A propósito de absoluto Arendt (2008, p. 43) explicita:

No momento da ação, para nosso desconforto, revela-se, primeiramente, que o “absoluto”, aquilo que está “acima” dos sentidos – o verdadeiro, o bom, o belo, não é apreensível, porque ninguém sabe concretamente o que ele é. Não há dúvida de que todo mundo tem dele uma concepção, mas cada um o imagina concretamente como algo inteiramente diferente. Na medida em que a ação depende da pluralidade dos homens, a primeira catástrofe da filosofia ocidental, que em seus últimos pensadores pretende, em última instância, assumir o controle da ação é a exigência de uma unidade que por princípio se revela como impossível, salvo sob a tirania. Segundo, que para servir aos fins da ação qualquer coisa serve como absoluto – a raça, por exemplo, ou a sociedade sem classes e assim por diante. Tudo é igualmente conveniente, “qualquer coisa serve”. (ARENDT, 2008, p. 43).[6]

Traçar uma imediata identificação entre aquilo que Arendt denomina como “absoluto” e o fenômeno religioso pode parecer apressado, todavia, é a própria abrangência que a autora confere ao absoluto que nos permite incluir o religioso nos limites dele, já que faz parte do religioso “estar acima”, ter relações com o belo, com o bem e com a verdade. Ao escrever tal passagem, certamente Arendt tem em mente a filosofia de Platão – raiz da filosofia política ocidental – contra a qual a autora apresenta contundentes objeções. É em função do absoluto, fundado por Platão e pelo seu mundo das ideias, que a tradição de pensamento político nunca encontrou aquilo que Arendt chama de “conceito puro” de política (reinen Begriff des Politischen), ou seja, um conceito de política depurado de qualquer resquício metafísico.[7] A partir desse ponto de vista, portanto, (i) se o absoluto é, desde Platão, um proble ma para a política, (ii) se o religioso e o absoluto podem ser identificados em algum grau, então (iii) o problema religião e política permeia a obra de Hannah Arendt, ao menos de forma indireta, sempre que ela se remete à sua antiga querela com Platão. Sob esse ponto de vista, propomo-nos abordar o problema da religião e da política, na obra de Arendt, bem como a questão da secularização, tendo como motivação inicial os problemas do fundamentalismo religioso8 que permeiam nosso próprio tempo. Para tanto, nós nos valeremos das considerações arendtianas acerca da autoridade que foi perdida nos tempos modernos e que nos faz retomar sua querela com Platão; do problema da fundação dos novos corpos políticos, que traz junto de si aquilo que Arendt entende como “o incômodo problema do absoluto”, o qual, por sua vez, está associado com a ideia de secularização posta em algumas de suas obras. Com base nessas considerações, será averiguado como é possível tratar de um Estado secular, para Hannah Arendt, e em que medida isso protegeria a política de possíveis regimes totalitários.

1 o espaço da questão da secularização no pensamento de HannaH arendt De início, importa notar que a secularização não parece ser uma questão completamente indiferente aos olhos de Arendt. Ela a entende de forma bastante ortodoxa, isto é, como a tradição ocidental cunhou o termo. Isso fica claro, quando ela assinala:

Secularização significa, antes de mais nada, simplesmente a separação entre a religião e a política, e isso afetou ambos os lados de maneira tão fundamental que é extremamente improvável que haja ocorrido a gradual transformação de categorias religiosas em conceitos seculares que os defensores da continuidade ininterrupta procuram estabelecer. (ARENDT, 2005, p. 102).

Nessa citação, fica evidente a tentativa de Arendt de enfatizar o espaço cavado por aquilo que é secular, que é mundano, frente à sua antiga e estreita ligação com o religioso. Quando Arendt cita os “defensores da continuidade

não poderia ter tal conceito, porque sempre falou do homem e tratou de forma marginal da pluralidade humana.” (ARENDT, 2003, p. 126-127). Cf. ARENDT, H. Wahrheit gib es nur zu zweien: Briefe an die Freunde. Munique: Piper, 2013.8 A respeito da ideia de fundamentalismo religioso, recomendamos verificar os escritos de Daniel Riesebrodt. Ele se esforça por pensar o fundamentalismo como um problema sociológico e tentar situar a questão para além do âmbito do Oriente e do Islã.

ininterrupta”, ela está provavelmente se remetendo a um grupo de autores, como Carl Schmitt, Karl Löwith e Eric Voegelin, os quais sustentam que os tempos modernos não trazem consigo nenhuma novidade, mas, ao invés disso, constituem apenas um tempo que herda categorias de pensamento do passado. Isso significa afirmar que, para alguns desses autores, a modernidade é uma espécie continuidade de tempos antigos e que os grandes acontecimentos modernos são derivados ou herdados de algo que já estava presente no passado. Para Carl Schmitt, por exemplo, todo o vocabulário político e jurídico moderno é uma herança do vocabulário religioso do medievo. A diferença é que tal vocabulário foi “secularizado.” (SCHMITT, 2006). O mesmo acontece com as teses de Eric Voegelin acerca da ascensão do totalitarismo: os regimes estalinista e nazista seriam resultados de dogmas de seitas gnósticas medievais que se imanentizaram radicalmente, na modernidade. Isso vai completamente de encontro à tese arendtiana, para quem as raízes do totalitarismo estão elas mesmas dentro da modernidade.[8]

Nesse sentido, Arendt realmente percebe que se vive em uma sociedade secular, dado o fato de a separação entre religião e política ter-se dado de forma clara, mas isso não significa que a modernidade seja apenas uma continuação ininterrupta da Idade Média. Ainda nessa linha, é importante atentar para mais um texto escrito em 1953, na Partisan Review[9], que está diretamente conectado com esse tema. Um ano antes de Arendt publicar Religião e política, naquela revista, ela havia travado um pequeno debate com Eric Voegelin – outro professor alemão que deixou a Europa, em função do nacional-socialismo. O debate entre ambos os autores teve início a partir de uma resenha crítica escrita por Voegelin sobre Origens do totalitarismo. Nesse texto – resultado de uma troca epistolar – Voegelin elogia Arendt em função do resgate histórico sobre o antissemitismo, porém, ele a critica, por ela não ter percebido um fenômeno crucial para a ascensão dos regimes: as correntes gnósticas ou aquilo que ele chamou de religiões políticas. Conforme Voegelin, todos os “ismos” haviam sido imanentizados e degenerados em ideologias. Depois de debater com esse autor e tratar sobre o problema das ideologias, Arendt redige esse texto que é fruto de um debate levantado pela revista Confluence sobre o fim das ideologias.[10]

Em Religião e política, Hannah Arendt critica, logo nas primeiras li nhas, o entendimento do comunismo como uma “religião secular” e, a partir de então, se preocupa em distinguir a secularidade política da religiosa. Da mesma forma que a tradição de pensamento político não comporta o binômio “filosofia política”, uma “religião secular” também não parece ser possível, porque o termo é contraditório em si mesmo. A autora não concorda que as ideologias possam ser explicadas pelo simples fato de que os “sagrados” foram imanentizados ou secularizados e, por isso, o termo “religião secular” não é aceito pela autora. Ela se ocupa apenas da secularização em seu sentido mais estrito, ou seja, secularidade[11] enquanto separação entre a Igreja e o Estado. Essa definição-padrão de secularização aparece mais vezes em seu trabalho, como é o caso de Sobre a revolução, todavia, a clareza com que Arendt define esse termo nos conduz à falsa ideia de que essa questão é bem delineada em sua obra. Há uma miríade de problemas envolvendo a secularização, os quais precisam ser bem analisados e, para tanto, é necessário que nos reportemos a dois outros textos da autora: Sobre a revolução e O que é a autoridade?

2 o brilHo das iniciativas revolucionárias e a constatação arendtiana: o problema do absoluto na fundação

Hannah Arendt é reconhecida por louvar as iniciativas revolucionárias, e isso se torna claro, desde que lemos suas considerações tanto acerca das revoluções francesa e americana quanto da Primavera de Praga. Ela insiste na ideia de que as revoluções diferem dos ciclos de governo e da alteração das formas de governo experienciadas na Antiguidade. São nas fagulhas iniciais da revolução e na posterior formação de conselhos que reside o novo, a arché, o início e suas consequências imprevisíveis. Está na revolução, portanto, um dos cernes da ideia de ação arendtiana, já que, no ato de fundação de um novo corpo político proporcionado pelas revoluções, está guardado aquilo que é característico da ação: a imprevisibilidade do novo, a força da promessa e a irreversibilidade da ação. Há, porém, um elemento fundacional (ou pós-fundacional) nas revoluções que desperta críticas de Arendt: aqui está o que ela chama de “o incômodo problema do absoluto.” (ARENDT, 2011, p. 251).

É o próprio ato de fundação que traz junto de si um problema: enquanto tal ato carrega consigo um grande sinal de estabilidade, na medida em que inaugura uma constituição (como nos Estados Unidos), o espírito revolucionário adquire um caráter efêmero e está sujeito ao desaparecimento. Isso é ocasionado em parte pela irrupção do novo e, sobretudo, pela abertura de um vácuo de autoridade. É exatamente nesse momento que surge, como afirma Arendt (2011, p. 251, o “incômodo problema do absoluto”, ou seja, a necessidade de algo que seja externo à política, que tenha caráter transcendente e que lhe confira legitimidade. Essa é, sem dúvida, uma constatação de Arendt e o problema que ela tenta enfrentar em alguns dos seus escritos. É curioso perceber que isso, considerado por Arendt um problema relativamente grave para a política, surge justamente na modernidade secular e, ao mesmo tempo em que ela é causa, é também consequência do processo de secularização. Ao analisar a monarquia absoluta na França, Arendt observa que tal regime contribuiu fortemente para a formação do Estado nacional e também para o “surgimento da esfera secular com brilho e dignidade próprios.” (ARENDT, 2011, p. 209). O monarca absoluto já tinha alcançado sua independência com relação à Igreja e, por isso, é considerado um precursor de uma era secular. Importa notar, porém, que era ele mesmo a fonte da lei e o sinal da autoridade suprema. Disso se segue que, quando a monarquia caiu, forjou-se um vácuo de poder e a questão passou a ser: o que devemos colocar no lugar do monarca, o qual é a fonte da lei e a origem do poder? O problema aqui está no fato de que nem o poder e nem a lei surgem ex nihilo e tampouco não surgem per se. Se, antes, a vontade do monarca era a fonte da lei, como fundamentá-la quando a Revolução Francesa decapitou o rei? Nasce, pois, o problema ilustrado por Arendt: “A profunda instabilidade decorrente de uma falta elementar de autoridade.” (ARENDT, 2011, p. 189).

Segundo o diagnóstico arendtiano, a tendência da Revolução Francesa foi novamente recorrer a esse absoluto e transferir o poder de um só para muitos, para o povo, ocorrendo, como salienta Arendt (2011, p. 205), uma espécie de “endeusamento” do povo. Os revolucionários, no entanto, teriam percebido a necessidade de instauração de um absoluto, a fim de legitimar a “criação humana das leis e a petitio principii”, que eram elementos sempre presentes nas revoluções e, por isso, foram forçados a apelar também, como Robespierre sugeriu, a um absoluto, um Ser Supremo. No caso dele e de todos os demais


revolucionários, a ideia do Ser Supremo surgiu em função das crenças deístas da época. O fato é que, se antes da Revolução Francesa o monarca reinava absoluto, depois da Revolução, a crença foi novamente deslocada para um ser supremo – digno de culto, de novo calendário e do qual também dependia a legitimidade das leis. Arendt especula se o que ela chama de “incômodo problema do absoluto” é fato somente nas revoluções do Velho Mundo, onde tais revoluções teriam justamente combatido os regimes absolutistas e, por irônica consequência, sentiam falta de alguma forma de absoluto para legitimação das leis humanas. Não obstante, ao voltar suas atenções para o novo mundo e para a Revolução Americana, ela constatou que esse problema rondava também os pais fundadores e John Adams. Era novamente a política que não conseguia se autojustificar e que exigia uma fundamentação externa. Por esse motivo, a Revolução Americana padecia do mesmo problema: a necessidade de algo transcendente que preenchesse o vácuo da autoridade e a fundamentação das leis, já que a criação humana das leis não parecia suficiente.

Parece dispensável explicitar o motivo pelo qual o absoluto, na política, é tido como um problema de grandes proporções, ou seja, parece-nos óbvio que legitimar as leis – e eis aqui o cerne do problema – com a fundamentação em um elemento absoluto é altamente problemático, por se tratar de algo que está no plano do além-político. Igualmente problemático, porém, é tentar transformar o absoluto metafísico em um absoluto terreno, isto é, a transferência de uma figura suprassensível para uma que está no nosso meio, mas que mantém o status do absoluto, do metafísico, do divino, justamente como é o caso de tipos de regimes políticos como o absolutismo, por exemplo. De saída, temos aqui dois problemas quase opostos, contudo, que guardam os mesmos fundamentos: um baseado na manutenção do divino como algo suprassensível e outro na tentativa de encontrar um representante para o divino na terra e inseri-lo na política.

Nos capítulos IV e V de Sobre a revolução, Arendt trata de ambos (que não são exatamente a mesma coisa, mas, em princípio, têm o mesmo fundamento) e censura a necessidade do absoluto na política. A base da crítica de Arendt está no posicionamento que ela toma, em outras obras: nem a política, nem leis e nem bases morais devem estar enraizadas em um fundamento divino ou em qualquer absoluto. No final das contas, em termos de responsabilidade moral, trata-se da morte de Deus teorizada por Nietzsche e da conhecida questão levantada por Dostoiévski: se Deus não existe, então tudo é permitido? Arendt já havia feito anteriormente essa observação, quando tratou de filosofia moral: “Moralmente as únicas pessoas confiáveis nos momentos de crise e exceção, ‘quando as cartas estão sobre a mesa’, são aquelas que dizem ‘não posso’.” (ARENDT, 2004, p. 143). Essa regra não vale somente para o pensamento e para considerações morais, mas, ao que parece, deve também valer para a política. A quebra dessa regra na política pode resultar em acontecimentos desastrosos, como é o caso do totalitarismo, por exemplo. Os regimes totalitários eram baseados em grande parte em um sistema de leis e, por vezes, regras morais, as quais, por sua vez, tinham seu fundamento em crenças que estavam além do âmbito do político. Como afirma Arendt, em seu texto sobre responsabilidade moral, em situações-limite – quando “as cartas estão sobre a mesa” – os sistemas morais se modificam e é por isso que a estabilidade requerida por uma fundação (pós-revolucionária ou não) não deveria apelar para o absoluto. Esse parece ser o motivo óbvio pelo qual Arendt e boa parte dos seus contemporâneos preferem separar a metafísica da política, como é o caso de John Rawls (1992), por exemplo, que, por meio do “método da esquiva” (method of avoidance), evita adentrar em problemas de cunho metafísico, por serem desnecessários ao âmbito da política.

Não parece ser esse o mesmo problema sofrido pela política, desde os tempos de Platão? Não era a filosofia que, na Antiguidade, deveria dar uma espécie de sustentação para a política? Se não era assim na polis ateniense, era nos escritos de Platão ou mesmo antes. Eram os mitos, por conseguinte, que faziam esse papel. Embora os mitos de Troia e Roma não fizessem a função de um absoluto transcendente, havia a necessidade de justificar a criação de um corpo político e suas leis e de preencher o vazio de autoridade, por meio da memória. Segundo Vorländer (2013), os mitos faziam o papel da ligação entre um acontecimento passado e um futuro que ainda não havia chegado, preenchendo o espaço aberto pelo “não ainda”, típico do momento da fundação de corpos políticos. Hannah Arendt, porém, não tende a interpretar o mito como algo absoluto, justamente pelo fato de ele não ser transcendente. Ela enfatiza o contrário: se a necessidade do absoluto é elemento presente na modernidade, era desnecessário na Grécia pré-filosófica e em Roma, para as quais o mito de fundação era político e retrato das ações engendradas no espaço público. No entanto, o fato de o problema do absoluto estar presente nas duas Revoluções e, de alguma forma, parecer ser algo que está sempre à espreita – em função da própria tradição ocidental –, há elementos no interior da obra de Arendt que apontam para possíveis soluções dessa questão. Historicamente, a autora indica a função relevante dos mitos para superar o incômodo problema do absoluto – mas há de se verificar quais são os mitos específicos, tarefa que haveremos de fazer, nas linhas que se seguem. Entretanto, de antemão é possível afirmar que não são aqueles mitos perpetuados por Platão e tampouco os que foram adaptados ao cristianismo. Os mitos, em última instância, secularizam o absoluto e retiram seu caráter transcendente.

2.1 o problema do absoluto e dos mitos de coação em platão

Independente de o mito ser ou não algo transcendente ou terreno e de Arendt considerar o absoluto como transcendente ou não, o problema permanece o mesmo: os elementos políticos presentes no momento da fundação, não se autojustificam, e o velho e crônico problema inaugurado com Platão e objeto de crítica recorrente de Arendt perdura, i.e., algo que se encontra no “mundo das formas” deve reger a política. Daí não importa se é a filosofia em si ou se é qualquer manifestação de deus, deuses, ser supremo que o faça. O problema parece ter suas raízes na autoridade, a qual, segundo Arendt, teria desaparecido do mundo moderno. A busca pelo absoluto resulta de uma “autoridade absoluta que pudesse funcionar como fonte original da justiça, da qual as leis do novo pudessem derivar sua legitimidade” (ARENDT, 2011, p. 240), entre outras coisas, para fugir do ciclo interminável problematizado por Sieyès: a questão do poder constituinte e do poder constituído, ou seja, o fato de o primeiro não ter autoridade para formular as leis do poder constituído, e o poder constituído não poder se constituir, porque não tem fonte legítima. A autoridade, desejada por Platão (mas não o poder), “assentando-se sobre o alicerce no passado como sua inabalada pedra angular, deu ao mundo a permanência e a durabilidade de que os seres humanos necessitam, precisamente por serem mortais – os mais instáveis e fúteis seres de que temos conhecimento.” (ARENDT, 2005, p. 131). A questão da autoridade em Platão fica evidente, quando ele coloca o rei-filósofo no topo da pirâmide hierárquica e muda a forma de relação entre os cidadãos atenienses, os quais desconheciam a diferença e se convenciam mutuamente por meio da persuasão. Nesse sentido, os ensaios Religião e política e O que é autoridade? caminham para a mesma argumentação final: no primeiro texto, depois de combater a tese da religião secular e, mais especificamente, do comunismo como religião secular, Arendt novamente volta suas atenções para Platão e para seus mitos além-morte. O mesmo acontece no segundo texto, quando ela analisa a perda da autoridade no mundo moderno e, para isso, dirige suas reflexões tanto para Platão quanto para os romanos. A ideia central é que Platão, diante da morte do seu mestre frente aos juízes, passou a desacreditar na persuasão; por outro lado, como filósofo, não acreditava que a violência era a melhor forma de convencimento. A solução para esse impasse parece ter sido a utilização de mitos além-morte presentes em vários de seus diálogos, quer dizer, o convencimento por meio do medo do Hades. Para além da interpretação heterodoxa de Arendt sobre Platão, o que importa notar é como a adoção dos mitos foi apropriada pela Igreja, justamente no momento em que ela passou a exercer alguma função política: o medo do Hades foi transformado em medo do Inferno, e essa foi a forma de convencimento usada pela Igreja, enquanto esta exerceu seu papel político. O processo de secularização, porém, abalou tal crença – já que provavelmente nenhuma fé ou respeito à autoridade é mantida em função do temor ao Inferno.

conclusão: a necessidade da autonomia e de um conceito puro de política Não basta identificar nos textos de Arendt apenas um caráter que normativamente combate o absoluto, quando o assunto é a vida pública, pois se trata de algo que ainda é mais enfático do que a própria rejeição a ele. É, como sugere Moyn, a predominância do secular: “Arendt tem como objetivo identificar uma alternativa para a teologia política e um modelo de coexistência humana genuinamente independente de premissas religiosas: aquilo que ela chama de ‘puramente secular’, de esfera mundana.” (MOYN, 2008, p. 91). É por isso que ela usa o termo secularização como referência a eventos históricos, como a revolução, por exemplo, a qual poderia ser interpretada como a tentativa de substituir o elemento religioso pelo puramente secular. No entanto, através de suas constatações, Arendt nota que essa tentativa enfrenta frequentemente o problema do absoluto. Esse problema surge em função da necessidade de fundação de um corpo de leis que precisa estar baseado em algo extramundano – herança comum ao Ocidente inteiro, que tem presente a concepção judaico-cristã de lei, inaugurada com a Tábua dos Dez Mandamentos, por meio de uma revelação. Nossa autora coloca-se na posição contrária: não há absolutamente nenhuma abertura para o transcendente, em sua obra, admitindo apenas os elementos fenomenológicos da política, a saber, aquilo que nos aparece enquanto mundo e celebração da esfera pública.

Nesse sentido, se Arendt exalta os feitos da Revolução Americana, preterindo a Revolução Francesa em quase todos os seus aspectos, o mesmo não acontece com relação ao problema do absoluto e de uma fundação que se dê despida de algo transcendente. Além disso, apesar de não restar dúvidas de que os impulsos revolucionários são sopros de esperança para a política na modernidade, as últimas páginas de Sobre a revolução deixam claro que é do modelo de república romana que Arendt extrai as forças para pensar as revoluções modernas. Da mesma maneira como Roma precisou ser refundada, tendo parte de seus fundamentos em Troia, os Estados Unidos precisaram fundar seu Estado como se fosse também uma nova Roma. A diferença, porém, é a natureza da política especificamente nesse aspecto fundacional: enquanto Roma estabeleceu sua fundação por intermédio de mitos, como acontecia também na Grécia, as revoluções modernas não conseguiram fazê-lo, pois se abriu um vácuo no poder e a necessidade do absoluto tornou-se iminente. Nem a França e tampouco os Estados Unidos dispensaram a necessidade de um “legislador imortal”, para lembrar as palavras do próprio Jefferson, já citadas por Hannah Arendt. Tal necessidade traz junto de si um problema que nos parece bastante óbvio: a figura de um legislador imortal pode tomar proporções negativas no curso dos acontecimentos políticos e eventualmente poderia inclusive favorecer o surgimento de líderes totalitários.

O fato de haver uma constante necessidade de um absoluto na política é, sem dúvida, problemático. Entretanto, não significa que haja uma relação direta entre tal absoluto e a origem de um Estado não secular. A própria França – território de um Estado laico e tradição republicana consolidada – e Estados Unidos parecem ser a prova real. Isso acontece porque, a despeito de o problema estar presente no momento das fundações, sua superação não é impossível. De todo modo, a falta de autonomia da política frente a qualquer absoluto ou fonte de transcendência resulta em consequências negativas para a política, impedindo ou prejudicando a formação de um Estado secular. Embora este não seja papel somente da secularização, ela faz parte do conjunto de fatores responsável por garantir as liberdades – tanto negativa (de não impedimento) quanto positiva (de participação efetiva nos negócios públicos). É ela que libera a religião do fardo de estar atrelada à política deste mundo, herdando o mesmo desejo de Platão, ou seja, de que a filosofia estivesse livre da política de uma vez por todas. A diferença é que, no lugar na filosofia, estava agora a religião, como observa Arendt, em Religião e política. Mas sem necessitar recorrer a Arendt, podemos encontrar também essa ideia no tão conhecido preceito cristão escrito em Mateus, 22:21: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” Por outro lado, é um Estado secular que, juntamente com a garantia de liberdade, libera o espaço para que ações se realizem, no espaço que é público.

Nessa perspectiva, é válido retomarmos a admiração bastante justificada que Arendt mantinha por Maquiavel, para quem a salvação de sua alma importava menos do que sua república e para quem sabia o quanto elementos religiosos poderiam interferir negativamente, nos assuntos da res publica.[12] Mesmo que nosso mote inicial de pensamento tenha sido o fundamentalismo religioso, o qual assume sua forma política e pressupõe um absoluto como fundamento, não significa que um Estado secular garanta todas as liberdades, pois não é enganoso pensar que tal Estado possa assumir também feições tirânicas ou totalitárias. Contudo, esse nosso raciocínio, ao contrário do que possa parecer, não enfraquece o argumento de Arendt, a saber, de que todo e qualquer absoluto deveria, por norma, estar afastado da esfera pública. Se isso se dá na esfera normativa, Arendt constatou tristemente que, em termos descritivos, o problema permanece. Sua permanência se deve à própria tradição, que, desde Platão, apela para elementos metafísicos que justificam a política, tendo-se intensificado com a tradição judaico-cristã, a qual invoca reiteradamente um Absoluto. O problema do absoluto é, no final das contas, inerente à nossa própria tradição ocidental.  É em função disso que ela se envereda em breves observações acerca dos mitos fundadores. Eles seriam, de alguma forma, uma espécie de tentativa de superação do problema. Arendt percebeu que são os mitos que fazem a ponte entre o passado que já chegou e o futuro que ainda não veio. Não se trata daqueles mitos temerosos contados por Platão e retomados pela Igreja, como forma de coerção, mas os mitos políticos fundadores, que são puramente políticos, voltados para a ação, como os de Troia e Roma. O próprio Maquiavel parece tê-lo feito, quando, em meio ao seu tão inquestionável “realismo político”, cita fontes mitológicas como Teseu, por exemplo. Parecem ser realmente eles os responsáveis por fazer o papel que antes cabia à religião, isto é, ligar o passado e o futuro no presente, e a vantagem é que eles poderiam fazê-lo de modo secular, sem apelo para um supremo absoluto, embora mantivessem seu caráter de “magia e encantamento”. Os mitos fundadores, porém, pareciam fazer muito mais sentido para os romanos do que para os gregos, já que a ideia de uma única fundação que nunca se repete e que se perpetua pela história é romana. Segundo Myrian Revault d’Allonnes (2008, p. 58), a expressão abe urbita condita ilustra exatamente o fato de que os romanos datam toda a história, tendo como base a fundação da cidade, enquanto os gregos o fazem por meio das Olimpíadas.

Os comentários que Hannah Arendt tece sobre os mitos, em Sobre a revolução, no entanto, não aparecem por acaso, porque, além do caráter de uma única fundação narrado pelos mitos (que é sempre baseado em acontecimentos fantásticos), parece haver um sentido narrativo, contado entre todos os homens. Importa lembrar, nesse sentido, a importância da narração, da fala e do discurso, na velha polis. As narrativas, a persuasão e a fala que são engendradas dentro da própria esfera política parecem também compor os mitos. Em parte, eles parecem ser constituídos por aquilo que era elementar na polis (a fala e a narrativa) e por aquilo que era essencial em Roma (a fundação da cidade). É sob esse ponto de vista que talvez os mitos possam fundar, sem apelar para qualquer absoluto.  Nem o diagnóstico arendtiano da falta de autoridade e nem o apelo à questão da fundação e da narrativa fazem de Hannah Arendt uma nostálgica em termos de política, e não há uma necessidade premente de volta à Grécia ou Roma constantemente, em seu pensamento. Ao invés disso, como observa Revault d’Allonnes (2008, p. 44), “Arendt se propõe de alguma maneira devolver o político a si mesmo, a sua significação de ‘antes’ do feito, de ‘antes’ do governo e de ‘antes’ do Estado’” e, para isso, faz uso de uma espécie de validez exemplar. Tal exemplo se estende ao longo da história e é capaz de nos ajudar a pensar a questão da fundação sem a presença de um absoluto – esse absoluto que põe o mundo político sempre em suspenso, a cada vez que é reivindicado como fonte para compor novas constituições.

abstract: One can argue that secularization is an important issue in Hannah Arendt’s thought. This thinker always sought a pure concept of politics (reinen Begriff des Politischen), one that is independent of any religious roots or transcendent and metaphysical sources. Nevertheless, the tradition of Western political thought since Plato has not found such independence. This problem remains in modernity, especially at the moment of the foundation of new political bodies, as in the case of revolutions. Furthermore, Arendt also explains how the absence of authority reinforces what she calls the “problem of the absolute”. This article focuses on the investigation of these issues through texts that include On Revolution and What is Authority?, and defends the separation of the religious and political spheres in order to ensure their existence.

Keywords: Hannah Arendt. Secularization. Politics. Religion. Sacralization.

referências

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Recebido: 25/03/2016

Aprovado: 15/10/2016  

 



[1] Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC – Brasil. E-mail: daianeeccel@hotmail.com

Doutora em Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina. Ocupa-se com temas relacionados aos aspectos políticos e estéticos da obra de Hannah Arendt e desenvolve pesquisas na área de Filosofia da Educação.

[2] O autor se refere aos ataques à sede do jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, em janeiro de 2015, bem como  ao atentado em uma das praias da Tunísia, em junho do mesmo ano. Ambos os atentados tiveram sua autoria reivindicada pelo Estado Islâmico.

[3] Sobre as diversas obras desses autores, recomenda-se conferir ASAD, T. Formations of the secular: Christianity, Islam, modernity. Stanford: Stanford University Press, 2003. MONOD, J-C. La querelle de la sécularisation – de Hegel a Blumenberg. Paris: J. Vrin, 2002. TAYLOR, C. Uma era secular. São Leopoldo: Unisinos, 2010.

[4] ARENDT, Hannah. Religião e política. In: A dignidade da política. Tradução de Helena Martins. 3. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 55-72.

[5] Com exceção das considerações de Kierkegaard, um dos pensadores que, junto de Marx e Nietzsche, está no limiar da quebra da tradição. Kierkegaard supera a dúvida cartesiana, por meio do salto para a fé.

[6] Essa citação foi retirada de A promessa da política, mas foi escrita originalmente em seu Denktagebuch.

[7] Aqui importa esclarecer ao leitor que a pureza do conceito não implica afirmar que o conceito puro de política indica a intenção da autora de separar, desvincular o conceito de política da realidade e, assim, torná-lo “puro” no sentido de conferir a ele algum atributo abstrato. Diferentemente disso, significa dar “pureza” à política, depurando o conceito de política de todo e qualquer resquício metafísico, como é típico da tradição desde Platão, segundo Arendt. Retiramos a ideia de “conceito puro de política” da expressão em alemão reinen Begriff des Politischen, proveniente de uma carta de Arendt a Jaspers, a respeito do totalitarismo, conforme nossa tradução: “Eu tenho a suspeita de que a filosofia não está inteiramente livre de culpa nisso tudo. Não, é claro, no sentido de que Hitler tivesse algo a ver com Platão [...] mas no sentido de que a filosofia ocidental nunca teve um conceito puro de política e

[8] Sobre o tema do gnosticismo em Voegelin, conferir Voegelin (2009).

[9] ARENDT, H.; VOEGELIN, E. Debate sobre los orígenes del totalitarismo. Claves de razón práctica, n. 124, 2002.

[10] Verificar a nota número um do texto Religião e política.

[11] Aqui é preciso notar uma especificidade: secularização é o nome mais lato que os especialistas costumam utilizar, para se referir tanto ao fenômeno da separação entre Estado e Igreja quanto aos aspectos culturais desse processo. No entanto, há aquilo que entendemos por “secularidades”. Hannah Arendt emprega o termo “secularidade”, ao invés de secularização, no texto Religião e política, e o faz justamente para marcar dois tipos de secularidade e evitar as generalizações que o conceito de “secularização” sugere. Nesse sentido, Arendt distingue a secularidade espiritual da secularidade política, advertindo que vai se ocupar somente do primeiro.

[12] Malgrado a grande admiração que Arendt revela pela figura de Sócrates, ela parece manter algum grau de desconfiança com ele, em função ele estar mais preocupado com a sua própria alma do que com a polis. Nesse sentido, Arendt é uma grande admiradora de Maquiavel, para quem, segundo ela, a salvação da própria alma importava pouco ou quase nada, quando comparada à manutenção da república.