Processo de trabalho como processo de valorização: Determinação categorial particular em O Capital

 

Antônio José Lopes Alves[1]

 

Resumo: Neste trabalho, pretende-se explicitar e discutir os principais elementos categoriais que integram a análise marxiana da atividade produtiva, em O Capital, intentando analisar o caráter da contradição imanente ao processo de trabalho levado a efeito como processo de valorização. Para tanto, tomar-se-á para exame a integralidade do Capítulo 5 – O processo de trabalho e o processo de valorização, buscando-se delinear as conexões internas da criação do valor valorizado como forma social historicamente determinada de produção da vida humana. A tensão interna da produção dos valores de uso como portadores do valor/mais-valor, existente como mercadoria, deverá ser esclarecida em sua tessitura própria, tendo em vista inclusive as implicações disto para as demais dimensões da interatividade social. A presente reflexão categorial objetiva também esclarecer as linhas fundamentais do modo de produzir e ser da vida social dos indivíduos que participam do processo, subsumidos nas suas diferentes funções. Este trabalho explicita os resultados de projeto de pesquisa Força de Trabalho, Capital e Individualidade, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMG.

 

Palavras-chave: O Capital. Processo de Trabalho. Processo de Valorização. Valor. Alienação.

 

Introdução

            No presente trabalho, pretende-se explicitar e discutir os principais elementos categoriais que integram a análise marxiana da atividade produtiva, em O Capital, intentando analisar o caráter da contradição imanente ao processo de trabalho levado a efeito como processo de valorização. Com esse objetivo, tomar-se-á para exame a integralidade do Capítulo 5 – O processo de trabalho e o processo de valorização. Busca-se delinear as conexões internas da criação do valor valorizado como forma social historicamente determinada de produção da vida humana. A tensão interna da produção dos valores de uso como portadores do valor/mais-valor, existente como mercadoria, deverá ser esclarecida em sua tessitura própria, tendo em vista inclusive as implicações disto para as demais dimensões da interatividade social.

            Marxianamente, a produção da vida é o momento preponderante da interatividade societária. Assim, as categorias que perfazem a totalidade do trabalho produtivo apresentam, em seus lineamentos, igualmente a forma preponderante das relações sociais nos seus diversos âmbitos e modalidades. Nesse sentido, a reflexão categorial aqui proposta pretende também esclarecer as linhas fundamentais do modo de produzir e ser da vida social dos indivíduos, uma vez que estes participam subsumidos em diferentes funções, no processo produtivo.

            As análises aqui expostas consubstanciam um dos primeiros resultados de desenvolvimento do projeto de pesquisa Força de Trabalho, Capital e Individualidade. Esta iniciativa de pesquisa é realizada por meio da atuação do autor em programa de Pós-Graduação em Educação da UFMG, na linha de pesquisa Política, Trabalho e Formação Humana. A esta proposta de investigação estão vinculadas pesquisas de mestrado da referida linha, assim como trabalhos de iniciação científica, todos orientados pelo seu autor.[2]

            É importante assinalar que o projeto possui uma temática cuja natureza é eminentemente transdisciplinar. Logo, as questões de investigação conceitual e empírica que ele pressupõe e implica abrangem algumas subáreas, tanto das ciências humanas, como filosofia, educação, direito, quanto das ciências sociais aplicadas, como estudos organizacionais, economia, entre outras. Desse modo, os temas discutidos neste artigo têm caráter subsidiário às reflexões críticas acerca da educação, considerada como processo de formação humana dos sujeitos.

            O projeto de pesquisa, de cujas primeiras incursões uma pequena parte aqui se expõe, é dirigido simultaneamente a dois focos principais que se complementam e se articulam, de maneira recíproca e necessária. Por um lado, o entendimento pertinente do pensamento de Marx, em independência relativa à tradição marxista. De outro, a compreensão possibilitada, a partir da elaboração marxiana, dos dilemas de nosso tempo. De uma parte, capturando a natureza contemporânea das contradições que envolvem o trabalho. De outra, explicitando os elementos virtualmente postos para uma solução efetivamente positiva e humana do processo histórico.

            Assim, é também pertinente ressaltar que, até pelos limites de extensão discursiva e tratamento conceitual intensivo das categorias, não se terá o todo de O Capital por objeto da analítica e da sua explicitação. O objetivo aqui é mais modesto. Trata-se de, partindo do que Marx consigna no capítulo 5 do Livro I, encontrar elementos categoriais, lineamentos conceituais, os quais possam facultar um novo entendimento crítico da realidade atual das transformações morfológicas do trabalho. Na medida em que tais alterações não abolem, nem ao menos relativizam, as assimetrias necessárias fixadas aos termos da relação capital e trabalho, o discurso marxiano fornece ainda o entendimento da determinação da forma de ser dessa relação. É uma forma social que se expressa como conexão contraditória entre capital constante e força de trabalho, dadas nas relações entre suas personæ.

            Muito embora se reconheçam certos riscos em não se abordar a integralidade da elaboração marxiana, de destacar um dado momento e, com base nele, delinear uma discussão, a compreensão de sua totalidade, científica e discursiva permanece como pressuposição da análise. Por esse motivo, em certos momentos, pontos que não se encontram na parte tratada serão também mencionados, sendo o tema específico, aqui contemplado, referido aos mesmos, quando for pertinente.

            Tanto os textos de Marx quanto os escritos de outros autores, os quais porventura sejam abordados, foram faceados a partir da leitura imanente. Tal posição metodológica busca, antes de tudo, o esclarecimento da elaboração objetivamente configurada como texto, como um conjunto de argumentos e elementos conceituais frente aos quais cabe a compreensão e o entendimento de sua estrutura e desenvolvimento. Dessa maneira, a interpretação ou a inquirição acerca de sua possível atualidade pressupõem esse posicionamento, que procura respeitar o caráter objetivo em sentido translato do objeto ideal (CHASIN, 1999, p. 5 a 7).

            Nesse sentido, da evidência de que, independentemente de suas perfeições e lacunas, completudes e incompletudes, êxitos e malogros teóricos, o texto permanece como um “ente” de sentidos por assim dizer “posto” ao leitor. Somente a partir desse exercício de abordagem assim comprometido se podem recolher com dignidade e pertinência, ou seja, sem denegar o próprio texto, elementos que possibilitem, seja fazer perguntas a ele, seja encaminhar a reflexão de outras, que a ele são exteriores e pertencem à realidade do leitor e do estudioso.

 

1 O Capital, nosso tempo e algumas aproximações...

Aproveitando-se a recém-passada efeméride dos 150 anos da publicação do Livro I de O Capital, bem como a dos 200 anos de nascimento do pensador alemão, uma das demandas, tanto acadêmicas quanto ideológicas, que necessariamente podem vir a pautar as discussões acerca da principal obra da fase madura da crítica marxiana da economia política é exatamente aquela de sua “atualidade”. Ou seja, em que O Capital poderia ainda auxiliar na compreensão das formas de produção e reprodução – da acumulação – capitalistas da riqueza, nos tempos atuais?

Por certo, diversas circunstâncias e determinidades imediatas observadas na realidade da produção se alteraram, desde então. Apenas para referir o complexo categorial pressuposto na discussão que ora se apresenta, é possível – e mesmo necessário – advertir para a transmutação histórica das morfologias verificadas na mobilização da atividade produtiva concreta, dentro da totalidade do circuito de produção do capital. Algo que aparentemente poderia redundar na virtual denegação da validade analítica da argumentação marxiana. Certamente, poderia...

Não obstante, objetiva-se aqui reunir um apanhado, ainda sumariamente articulado, de elementos categoriais que, uma vez cotejados com as formas diversificadas da produção, possuem um caráter definidor da interatividade moderna. Nessa perspectiva, pretende-se apontar para o fato de que as categorias pelas quais Marx enceta sua análise do processo de produção como processo de capitalização – na unidade diferenciada e contraditória entre trabalho e valorização – descrevem a fisionomia da forma social capital da produção da vida humana.

Em suma, tem-se como alvo delinear, a partir da analítica marxiana da unidade entre processo de trabalho e processo de valorização, a determinação formal que vige na produção de riqueza. E isso, mesmo no seu descompasso ocasional ou permanente com as novas morfologias de organização da produção, como, por exemplo, aquelas trazidas pela virtualização de rotinas e mediações organizativas da cadeia produtiva. Em que pese a efetividade de tais alterações, de monta em termos da “racionalização” de custos operacionais essenciais e inerentes ao capital, flagra-se, contudo, uma permanência dotada de talhe irreversível dos padrões pelos quais Marx definia a differentia specifica da produção capitalista (Alves, 2013a, p. 30-63), de um modo tal que se evidencia como, na melhor das hipóteses, “apressado” (e na pior, puramente apologético mesmo) falar-se de pós-capitalismo como uma descrição adequada à fisionomia da produção contemporânea e das tendências de desenvolvimento em curso, as quais são passíveis de serem indicadas.

A alteração de dadas organizações morfológicas novas – ou supostamente novas, pense-se no trabalho remoto, que, em vários aspectos, repisa certas delimitações da produção doméstica pré-fabril (Marx, 2013, p. 537-541) – evidentemente não faz passar incólume o caráter contraditório típico da articulação das categorias capitalistas. Doutra parte, é importante notar que não se raciocina aqui platonicamente, entendendo Formen e Weisen como entidades universais autoengendradas e/ou autônomas com relação à finitude das relações sociais concretas (Alves, 2013b, p.125-130). Ao contrário, formas e modos somente o são como determinações elementares e de articulação categorial da realidade efetivamente existente, do atualmente existente, finito, diferenciado. Dessa maneira, não é da forma, a produção em geral, que a finitude capitalista advém, ou qualquer outra morfologia operatória, mas é aquela uma dada articulação real de categorias historicamente mutável e mutante que se delineia em sua reprodução no tempo, na reiteração operativa real de suas determinações – e, no caso capitalista, uma reprodução ampliada do valor das condições objetivas, sua capitalização –, a qual se fixa como norma relacional de um tipo de interatividade social.

Em outros termos, não é a forma que antecede como a efetividade de articulação que anteceda o finito, como universalidade infinita autônoma, mas, de fato, a concretude finita que existe de uma forma determinada. Essa forma, como toda forma de vida, no caso humano, de comportamento social ativo, é produzida e transformada pelo seu próprio existir concreto, que é a totalidade concatenada de suas morfologias. O capital como relação social, determinada forma de ser da produção da vida, é a vigência de um modo de controle societário da produção, tendo em vista a reprodução cada vez mais ampliada do valor das condições objetivas de produção, por meio da própria produção.

Antes de adentrar propriamente na discussão dos temas e problemas aqui propostos, julga-se pertinente consignar algumas observações acerca do material bibliográfico primário que servirá de referencial ao exame do pensamento marxiano e à apresentação dos argumentos: a mais recente tradução do Livro I de O Capital, publicado em sua integralidade, em português do Brasil, pela Boitempo Editorial, em 2013. É importante assinalar, antecipadamente, que não serão feitas, no presente trabalho, considerações sobre todo o volume, mas tão somente aquelas atinentes ao capítulo 5 da sessão III da obra.

A esse respeito, cabe reconhecer também que, a despeito das críticas que serão expressas a seguir, se indique que, em vários outros momentos, a tradução em tela conseguiu lograr êxito nas soluções encontradas para momentos-chave da argumentação marxiana, cujas versões em português brasileiro padeciam, ora de obscuridade, ora de crasso epistemologismo.[3] Em particular, as indicações críticas versarão sobre uma parte tão famosa quanto interpretativamente sensível do referido capítulo, no qual Marx descreve o que constituiria um dos elementos distintivos da atividade humana em relação à dos animais: a presença ativa da consciência, ou o caráter consciente da própria atividade produtiva.

Muito embora se considere essa tradução de O Capital uma das melhores, dela se discorda tanto para ser fiel à letra do idioma original quanto, e principalmente, por razões conceituais, com particular ênfase do seguinte trecho:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e uma abelha envergonha muitos arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Porém, o que desde o início distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia em sua mente antes de construí-la com a cera. (MARX, 2013, p. 255-256, grifos nossos).

 

A expressão que consta no texto em alemão, traduzida pela palavra “arquitetos” (assim como no singular, “arquiteto”) é menschlichen Baumeister, literalmente construtores humanos. Marx compara aqui a construção dos animais, ordenada e controlada pelas determinações instintivas que padronizam as formas de viver biologicamente configuradas das espécies, com a produção, ou construção, especificamente humana. Traduzir a expressão em questão por “arquiteto(s)”, em primeiro lugar, apõe uma dificuldade técnica dispensável àquelas que o texto como tal já apresenta ao entendimento, dada a densidade conceitual nele observada. Juntar a “arquitetos”, outra palavra, “humanos”, causaria uma flagrante tautologia, uma vez que somente seres humanos fazem projetos arquitetônicos. Já a construção também se verifica entre os animais, entretanto, a maneira é assaz diversa da humana. Neles, o construir é uma consequência ou resultado da história natural-evolutiva que fixou parâmetros de eficiência adaptativa e se acha reposto a cada nova geração, a não ser na eventualidade de vir a ocorrer novos processos de “seleção” natural, os quais podem desembocar até na especiação. Entre os seres humanos, ao reverso, a produção é um ato consciente e não um mero efeito da disposição inicial da estrutura morfofuncional de ossos, nervos, musculatura e sistema nervoso central.

Daí que designar de construtores humanos tem toda procedência categorial. Mais que um equívoco ou escolha estilística pitoresca (que, aliás, não é nova, confira-se que o mesmo ocorria na tradução da coleção Os Economistas, da Abril), traduzir menschlichen Baumeister por arquitetos parece expressar também, em segundo lugar – e aí sim um fato grave –, o não entendimento de que, para Marx, o papel ativo da consciência que planeja, ao menos nesse passo da análise, somente tem lugar como momento da atividade produtiva. A atividade é consciente. “A” consciência, seja na figuração da antecipação, seja da avaliação, como representação ideal, participa ao modo duma determinação essencial. Todavia, isso não reduz a atividade concreta a uma mera consequência “da” consciência substancializada ou tomada como “causa” eficiente primeira.

A “consciência” é, em verdade, expressão/apropriação operativo-cognitiva do atuar consciente. Por conseguinte, é determinada como tal pelo contexto geral do ato e somente pode ser entendida como força de objetivação no seu remetimento à realização da atuação como um todo. A emergência do produto não é um resultado imediato “da” consciência, porém, da atuação consciente do sujeito, nos quadros da qual todo o processo, assim como cada um dos gestos e ações, transcorre. É uma elaboração onde se reconfigura a forma de existência da coisa exterior natural para aquela da coisa exterior humana (mesmo que esta seja um “mero” fonema). Constitui o “estar consciente de... o norteamento da movimentação dos nervos, músculos, sistema ósseo e das conexões neurais. Ou seja, não se trata aqui somente do projetar, mas de qualquer forma de prévia ideação (da mais simples e rudimentar àquela mais sofisticada e mediada), presente em quaisquer atividades produtivas. Afora isso, ressoa um eco bastante explícito de epistemologismo de extração idealista, no qual “a” consciência é concebida como um princípio eficiente autônomo em relação ao mundo material, seja no tocante ao fazer, seja ao conhecer.

Ao contrário, em Marx, a finalidade prática existe, e somente assim esta pode ser algo de real, na forma dum lineamento atuante, observável no conjunto de operações de produção de artigo ou efeito útil. O processo de produção é a mediação prática de efetivação da finalidade, sem a qual esta última seria, na melhor das hipóteses, pura veleidade ou lacuna desiderativa. Igualmente, assinale-se também o que parece ser a tentativa de tornar o pensamento marxiano mais “atual” ou nosso contemporâneo com a opção de verter Kopf, literalmente, cabeça, por “mente”, parindo assim, s.m.j., quase um puro anacronismo. Mas não somente, pode ensejar uma interpretação da determinação marxiana a partir de pressupostos subjetivistas ou de uma filosofia da mente, nos quadros dos quais a corporeidade humana nunca participa, senão negativa e/ou passivamente, do conhecimento da realidade, coisa que iria de encontro ao caráter propriamente materialista do pensamento marxiano.

Por tudo isso, talvez o texto ficasse mais adequado ao vernáculo na seguinte forma:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e uma abelha envergonha muitos construtores humanos com a estrutura de sua colmeia. Porém, o que desde o início distingue o pior construtor da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia em sua cabeça antes de construí-la com a cera. No final do processo de trabalho, chega-se a um resultado que já estava presente na representação do trabalhador no início do processo, portanto, um resultado que já existia idealmente. (MARX, 1998, p. 193, tradução nossa.).[4]

 

2 PROCESSO DE TRABALHO, PRODUÇÃO E VALOR

O trabalho é assim, como se vê acima, a forma atuante da apropriação da natureza em que, ato contínuo, se dá a transformação de mundo em mundo humano. Outro não é, portanto, o sentido marxiano de tomar-se o processo de produção dos valores de uso em geral, o processo de trabalho, para a análise no interior da crítica da economia política em sua fase madura, senão o revisitar a determinação social concreta de uma figuração cuja existência aparece denegada. Não, porém, tomando “o” trabalho como dístico epistemológico, uma “categoria fundante” de seu discurso, um princípio conceitual com base no qual todas as demais figuras se deduziriam, ou a ela seriam remetidas “em última instância”. Diferentemente, o que parece possível de se observar, na analítica marxiana, é o reconhecimento da preponderância da produção como momento categorial dentro da totalidade da produção do valor/mais-valor.

Aliás, o reconhecimento da esfera da produção como determinante em relação à da circulação já é um mérito que o próprio Marx reconhece aos primeiros expoentes franceses da moderna economia política. Muito mais os censura, juntamente com os britânicos, o fato de não terem conseguido determinar a forma específica da relação de capitalização. Tanto num caso como no outro, o trabalho (particular ou geral) aparecia como categoria ela mesma indistinta em sua morfologia essencial, idêntica como categoria em relação ao capital com as suas formas empíricas e aparentes, de tal modo que se supunha ser o ato de trabalho, ou seu resultado, o “objeto” real da transação. Disso resultava a aporia de a principal relação social de produção não seguir a regra de equivalência objetiva e necessariamente pressuposta à sociabilidade na qual as mercadorias são criadas e circulam.

Essa aporia se reveste de importância dramática, uma vez que a circulação se torna, na interatividade social capitalista, um momento social integrante, integrador e necessário à efetivação da capitalização. É uma circulação que se faz presente desde o momento da aquisição de usufruto da força de trabalho e “encerra” sua participação, fazendo aparecer como mais-dinheiro o mais-valor produzido no, e pelo, processo real da produção de valores. Nota bene, a produção como tal do mais-valor, do excedente em tempo de trabalho social, não transcorre pela circulação, embora sua grandeza se estabeleça como factum social no interior dela, mas, antes, na produção, como processo de valorização. Tal delimitação fundamental explica o essencial da forma determinada e historicamente situada da mercadoria, em sua fisionomia moderna:

Esse ciclo inteiro, a transformação de seu dinheiro [do capitalista] em capital, ocorre no interior da esfera da circulação e, ao mesmo tempo, fora dela. Ele é mediado pela circulação, porque é determinado pela compra da força de trabalho no mercado. Mas ocorre fora da circulação, pois esta apenas dá início ao processo de valorização, que tem lugar na esfera da produção. E assim está “tout pour le mieux dans le meilleur des mondes possibles” [Tudo ocorre da melhor maneira ao melhor dos mundos possíveis]. (MARX, 2013, p. 263).

 

 De pouco ou nada adiantaria ao capitalista adquirir o usufruto da força de trabalho, sem que esta fosse concretamente empregada numa produção de valores. Mesmo o caso determinado por uma ocasional “competição” por forças de trabalho, cuja qualificação fosse escassa, ou segundo uma estratégia de destruição da concorrência, continua dependendo da mobilização de alguma força de trabalho num dado processo de produção real/valorização.

Nesse particular, a revolução científica marxiana, sustentada no entendimento das categorias como Daseinsformen, efetiva-se exatamente na diferenciação categorial entre trabalho e força de trabalho, bem como na determinação desta última como assunto do intercâmbio aparentemente livre e simétrico entre capital e trabalho – diferença entre trabalho, o ato de objetivação, de produção dos valores de uso, da transformação da matéria em artigos/efeitos objetivamente úteis à satisfação de carecimentos humanos, por um lado. E força de trabalho, o conjunto de capacidades dos indivíduos humanos mobilizado na produção dos valores de uso/valores, por outro. O objeto da alienação não é, primariamente, a atividade, mas a potência individual de operação produtiva. Marx resolve a aporia aparente, na qual a análise do excedente feita por Smith redunda, ao estabelecer a diferença de grandezas do valor da força de trabalho, como trabalho pretérito, e o valor que a força de trabalho produz numa dada jornada de trabalho paga. Assim,

[a] circunstância na qual a manutenção diária da força de trabalho custa apenas meia jornada de trabalho, embora a força de trabalho possa atuar por uma jornada inteira, e, consequentemente, o valor que ela cria durante uma jornada seja o dobro de seu próprio valor diário – tal circunstância é, certamente, uma grande vantagem para o comprador, mas de modo algum uma injustiça para com o vendedor. (MARX, 2013, p. 270).

 

A incongruência não resulta de um logro, e menos ainda de uma “injustiça” social, mas da forma social da relação por meio da qual a atividade do trabalho é incorporada ao processo de valorização, do modo como o trabalhador pode ter acesso às condições objetivas de sua própria atividade vital. Em contrapartida, o dinheiro apenas é capital efetivo, nessa forma se converte, quando aparece aumentado, incrementado, na ponta “final” do processo, na sua realização como mais-dinheiro, em comparação com sua grandeza “inicial”: “O valor do produto aumentou 1/9 sobre o valor adiantado em sua produção. Desse modo, 27 xelins transformaram-se em 30 xelins, criando um mais-valor de 3 xelins. No final das contas, o truque deu certo. O dinheiro converteu-se em capital.” (MARX, 2013, p. 271).

A relação de equivalência que preside, como princípio o intercâmbio das mercadorias, é preservada, não obstante, e até mesmo porque, resulte na emergência de um excedente em valor. Por conseguinte,

[t]odas as condições do problema foram satisfeitas, sem que tenha ocorrido qualquer violação das leis da troca de mercadorias. Trocou-se equivalente por equivalente. Como comprador, o capitalista pagou o devido valor por cada mercadoria: algodão, fusos, força de trabalho. (MARX, 2013, p. 271).

 

Nesse contexto, o processo de valorização pressupõe-se a si mesmo como um processo efetivo de trabalho, como transformação de determinados elementos reunidos em torno de uma finalidade prática concreta em valores de uso.

A relação de valor, embora seja o momento preponderante da forma mercadoria dos produtos do trabalho humano, não simplesmente denega o valor de uso. Ao contrário, somente há processo de valorização, de criação de valor, na medida em que seja simultaneamente produção de valor de uso de alguma modalidade. Logo, “[...] o que o capitalista faz o trabalhador produzir é um valor de uso particular, um artigo determinado. A produção de valores de uso ou de bens não sofre nenhuma alteração em sua natureza pelo fato de ocorrer para o capitalista e sob seu controle [...]” (MARX, 2013, p. 255). Essa produção humana transubstancia o movimento operativo de destruição criativa da forma imediata do objeto de trabalho num produto efetivo que objetiva um tempo determinado de consumo da força de trabalho. Toda produção, inclusive e principalmente a do capital, é direta e necessariamente produção social, socialmente condicionada e determinada: “A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O comprador da força de trabalho a consome fazendo com que seu vendedor trabalhe.” (MARX, 2013, p. 255) – delimitação cuja concretude pressupõe a relação social sob a forma na qual transcorre a própria produção.

Por conta dessa determinação, a natureza social particular que assume sua atividade, os indivíduos apenas se tornam trabalhadores, força de trabalho efetivamente produtora, sob a condição da alienação de suas capacidades como mercadoria, da sua sujeição ao controle do capitalista, que adquire um direito de uso, em dadas condições sociais. Dessa maneira, somente “[d]esse modo, este se torna actu [em ato] aquilo que antes ele era apenas potentia [em potência], a saber, força de trabalho em ação, trabalhador.” (MARX, 2013, p. 255).

Em outros termos, a relação de produção aparece como possível, nos marcos das relações capitalistas, a partir da mediação alienante. Frise-se o fato de que a atuação concreta dos indivíduos, a mobilização de suas capacidades e potencialidades, tão somente pode dar-se pela mediação do despossuir individual daquele conjunto. Os indivíduos não aparecem imediatamente como produtores, mas sob a determinidade do cambista, contratante que negocia um momento integrante de sua pessoalidade, valendo como uma mercadoria qualquer, desfazendo-se de um algo frente ao qual eles podem ter um comportamento puramente exterior, mensurável em termos de valor expresso em dinheiro. Este é o caráter objetivo das relações efetivas de produção. Não obstante, e por isso mesmo, a produção humana é imediatamente social – não importando, nesse momento, o quantum de contraditoriedade ou de negatividade pode estar implicada pela forma histórica particular das relações sociais de produção.

Mesmo a exposição abstrata das relações de valor tem como pressuposto real o caráter social da produção, a interdependência dos indivíduos (em famílias, clãs, grupos, estamentos, classes etc.), um conjunto de relações de interatividade, de produção em comum e recíproca. Pontue-se aqui, no entanto, que o caráter social do trabalho, o qual constitui pressuposto e resultado tanto da configuração da forma humana do produto quanto da reutilização deste em outros processos, é uma determinação essencial material da produção da vida como tal. Nesse sentido, não é uma característica apenas da forma social econômica particular de uma dada totalidade societária dada. A sociabilidade é uma delimitação relacional, uma determinação que se imiscui na destinação concreta dos produtos, sob a regência da função que estes cumpram na interatividade societária.

Essa delimitação ontológica da atividade humana aparece imediatamente na sua configuração operacional de processo de transformação, como dação social de forma humana[5] ao natural. Assim, não se trata de uma relação ativa determinada exclusivamente pela objetividade naturalmente dada, tanto por aquela encontrada diretamente nos objetos de trabalho quanto no sujeito, como conjunto de disposições puramente biológicas. Conquanto seja condicionada pelo estado de coisas de sujeitos e objetos concretos em seu momento inicial, o processo de trabalho não é um resultado ou efeito de uma disposição instintiva. É uma relação prática que transcorre na processualidade de um ato, de ações, movimentos e interações cuja matriz se delineia pela própria atividade. A troca energética material – metabolismo – dos indivíduos com a natureza é procedida mediante essa atividade de apropriação real do material natural numa conformação, ou dação de forma propriamente humana: “O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza.” (MARX, 2013, p. 255).

O processo de trabalho é um confronto do sujeito que trabalha com a naturalidade externa a ele, com objetos reais, possuidores de certas qualidades imanentes. Ele mesmo assim também se apresenta no processo de produção frente às coisas de que vai se apropriar. Esse processo de apropriação se desvela imediatamente como dúplice: de um lado, o ato de tomar para si a natureza ou partes dela; de outro lado, esse apropriar-se é uma dação de forma humana às coisas, tornando-as apropriadas à satisfação dos carecimentos humanos. Como unidade corporal, a totalidade de potências mobilizadas na forma da objetivação formal sobre a matéria, as forças humanas agem no contexto de uma integralidade, na qual a mobilização efetiva daquelas se dá parametrizada pela finalidade que preenche e percorre cada momento da ação (MARX, 2013, p. 255).

O acionamento da força de trabalho viva não é, por esse motivo, consequência de algum padrão da espécie biologicamente formatado, mas, ao reverso, é uma atuação consciente. A participação da consciência, entendida antes de tudo como estar consciente de..., dá-se no contexto da atividade e na forma ela mesma de uma atividade, simultaneamente, específica e articulada ao todo do ato de trabalho. Assim, no processo, “[...] ele [o homem] põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos.” (MARX, 2013, p. 255). Movimentos e operações, mesmo nas versões das atividades aborrecidamente repetitivas, não constituem um mero encadeamento sequencial ou operativo delimitado por mecanismos biológicos. Ao contrário, carrega cada um dos atos o delineamento decisivo da finalidade de formatação que define a atividade produtiva humana.

Ato contínuo à dupla apropriação, os indivíduos no processo de transformação da natureza também se apropriam de si. Articulam de modo – bem ou mal – estruturado a série de forças facultadas pelo arranjo objetivo de suas propriedades corpóreas, com base nos sentidos delimitados pelos modos de sua atuação. Submetem a si mesmos sua corporeidade real, atualizando no terreno prático objetivo definido pela produção concreta as virtualidades contidas nos órgãos e funções de sua figura viva, seu corpo: “Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças a seu próprio domínio.” (MARX, 2013, p. 256). Somente uma vez postas na forma da atuação objetiva, na produção de artigos/efeitos concretos, podem as capacidades aparecer como potências objetivas ao próprio sujeito que trabalha.

Nesse sentido, a força de trabalho como tal é constantemente reelaborada pela atuação produtiva dos indivíduos, quer no sentido de incrementá-las e aperfeiçoá-las, de devirem habilidades e competências, quer no sentido de sua atrofia relativa em função dos contextos mais restritos e limitantes nas quais os indivíduos venham a atuar. É assim possível delimitar, no texto marxiano, a existência de um terceiro sentido para o apropriar-se objetivamente da objetividade: a apropriação concretamente determinada da objetividade de suas forças subjetivas pelo próprio agente da produção. Logo, os indivíduos se apropriam de si mesmos, na medida em que põem em movimento os diversos elementos reais componentes de sua materialidade corpórea humana. Por esse motivo, apropriar-se do mundo é também um ato de autoapropriação de si dos indivíduos, a qual é igualmente multilateral, por isso, plena de ambivalências e, dependendo da forma da interatividade social, prenhe de determinações contraditórias.

Este é, pois, um dos lados desse autoapropriar-se concreto, a transformação de propriedades corpóreas (musculares, nervosas, ósseas, ser senciente, neurais etc.) em habilidades e competências específicas e variadas. Outro lado da autoapropriação de seus atributos corpóreos na forma da atuação produtora e autoprodutora é o desenvolvimento do autocontrole. É uma forma de desenvolvimento que emerge sinteticamente como pressuposição posta e exigida pelo ato de produção e sua reprodução no tempo como um esquema de operações e, depois, na figura duma techné disciplinada de modo procedimental. A forma da atuação que modela em forma humana a realidade natural igualmente formata seu sujeito no que respeita à relação que ele tenha para com as condições objetivas e subjetivas de sua produção. Nesse contexto, observa Marx:

Além do esforço dos órgãos que trabalham, a atividade laboral exige a vontade orientada a um fim, que se manifesta como atenção do trabalhador durante a realização de sua tarefa, e isso tanto mais quanto menos esse trabalho, pelo seu próprio conteúdo e pelo modo de sua execução, atrai o trabalhador, portanto, quanto menos este último usufrui dele como jogo de suas próprias forças físicas e mentais. (MARX, 2013, p. 256).

 

A atenção concentrada requerida pela atualização técnica de virtudes objetivas – da coisa e do corpo – é o ponto de partida para a conexão disciplinada – autônoma ou heterônoma – com a própria atividade. Daí que as atividades menos atraentes demandem do agente uma gradação de autocontrole tanto mais desenvolvida e apurada quanto menos este possa entabular para com a produção uma relação de proximidade e realização individual. Ainda a respeito desse ponto, vale já assinalar o caráter específico da relação social capitalista de produção, segundo o qual o controle do conjunto das mobilizações operatórias do processo de produção pode, e deve adquirir, uma figuração heterônoma. Trata-se de um modo de administração, em sentido bem lato, da processualidade produtiva que se perfaz, direta e prioritariamente, pelas personæ do capital, mas igualmente pela forma de existência capital dos meios de produção. Isso faculta e exige, em seu funcionamento social, o disciplinamento dos sujeitos operantes no sentido do mais-valor.

Logo, nada mais natural e esperado que o desenvolvimento da vigília constante do uso, e abuso, do tempo se transmute em principal assunto das modernas rotinas de administração da produção. O tempo pretérito, no sentido de sua valorização, ou seja, de seu desgaste como supply de criação do valor, constitui igualmente um dos elementos centrais do processo. Não mais como simples insumo ao processo de trabalho. Antes, na figura imediata do capital, de propriedade privada a ser valorizada, é ele meio de controle sobre a atividade do trabalhador. O trabalho morto será o metro de ajuizamento dos procedimentos e rotinas da produção. Aparecem, por isso, como divisa máxima da operação diária do trabalho a circunscrição dos movimentos de transformação da matéria, de consumo dos elementos constantes do processo, a limitação estrita da utilização do tempo e um domínio cada vez mais totalizante e brutal sobre a atividade. Dessa maneira,

[...] é vedado qualquer consumo desnecessário de matéria-prima e meios de trabalho, pois material e meios de trabalho desperdiçados representam o dispêndio desnecessário de certa quantidade de trabalho objetivado, portanto, trabalho que não conta e não toma parte no produto do processo de formação de valor. (MARX, 2013, p. 272).

 

A transferência progressiva do controle do processo de produção do corpo do trabalhador para o “corpo” do capital, para as condições objetivas existentes como capital, constituirá um roteiro necessário do desenvolvimento social moderno. A maquinaria, em que pese a circunstancialidade histórico-empírica de seu surgimento e a presença de diversas variáveis contingentes, encontrará no modo de produção capitalista um espaço formal para seu florescimento como desenvolvimento “natural” da produção de riqueza como mais-valor.

E isto é fascinante: o centro determinativo do processo de produção da riqueza é, antes de tudo, o consumo produtivo da força de trabalho que altera, destrói, utiliza a forma dada das condições objetivas da produção, ainda que, e mesmo, no processo de trabalho como processo de valorização. Produção e consumo não mais se apresentam na forma de uma distinção abstrata e absoluta, como termos externos e antitéticos, os quais seriam intercambiáveis somente por meio de um silogismo lógico-esquemático, abstrato. Ao reverso, são momentos que se interpenetram e reciprocamente se demandam na dação de forma humana à natureza. Segundo a differentia specifica formal da produção capitalista da riqueza, o processo é originado pelo consumo concreto formalmente definido pelo mais-valor produzido por uma dada força de trabalho in actu. Desse modo, “[o capitalista] fez o mesmo que costuma fazer todo comprador de mercadorias: consumiu seu valor de uso. Do processo de consumo da força de trabalho, que é ao mesmo tempo processo de produção da mercadoria, resultou um produto [...]” (MARX, 2013, p. 271). A incongruência fundamental entre os valores contido e produzido pela força de trabalho é a viga mestra categorial do processo de valorização. Este último depende daquela, bem como de sua reprodução no tempo, no qual vigore a assimilação do trabalho vivo pelo capital.

Esta é precipuamente a função social do proprietário: cuidar com a máxima diligência para que a condição material, sua propriedade, prospere, sofra, na destruição da sua forma inicial, uma ampliação em seu valor. Assim, a utilização produtiva da força de trabalho equivale à maximização de sua potência de valorização. O controle sobre o exercício temporalmente realizado das capacidades do trabalhador, determinado pelo telos da produção do valor/mais-valor, é a função social da persona do capitalista:

[...] aqui supomos que nosso capitalista comprou força de trabalho de qualidade normal. Tal força tem de ser aplicada com a quantidade média de esforço e com o grau de intensidade socialmente usual, e o capitalista controla o trabalhador para que este não desperdice nenhum segundo de trabalho. Ele comprou a força de trabalho por um período determinado, e insiste em obter o que é seu. (MARX, 2013, p. 272).

 

Daí que Mészáros também defina, com razão, o capital como um determinado modo de controle social da vida e da produção da vida, um modo societário assaz problemático:

[...] em razão da subordinação necessária do “valor de uso” – ou seja, a produção para as necessidades humanas – às exigências de autoexpansão e acumulação, o capital em todas as suas formas tinha de superar também a abominação de ser considerado, por muito tempo, a forma mais “antinatural” de controlar a produção de riquezas. (MÉSZÁROS, 2002, p. 100).

 

O controle sobre os tempos concretos, no sentido de transformá-los e expressá-los como tempo abstrato, social, igual, quantificável e equiparável, é no fundo a principal meta do proprietário. O tempo se transforma na variável decisiva, como o veremos à frente, na mais importante, no cômputo da produção do capital. Modo de circunscrever a produção, de regrar seus movimentos, que se mostra, em seu desenvolvimento mesmo, um paradigma prático em crise virtual permanente:

O capital como produtor potencial de valor historicamente específico só pode ser consumado e “realizado” (e, por meio de sua “realização”, simultaneamente também reproduzido numa forma estendida) se penetrar no domínio da circulação. O relacionamento entre produção e consumo é assim radicalmente redefinido em sua estrutura de maneira tal que a necessária unidade de ambos se torna insuperavelmente problemática, trazendo, com o passar do tempo, também a necessidade de alguma espécie de crise. (MÉSZÁROS, 2002, p. 102).

 

A esse respeito aparece como tarefa imperiosa destacar a seguir o que se poderia chamar, com certa dose de liberalidade vernacular e imprecisão, de dialética global entre valor e valor de uso. Tal conexão é altamente complexa, pois, por um lado, pareceria “extravasar” da articulação determinativa da forma mercadoria para a produção social, mas, por outro, revela o cerne tenso da própria forma de ser da atividade produtiva capitalista; um verdadeiro confronto ôntico entre trabalho concreto e trabalho abstrato, existindo na unidade finita e determinada de processo de trabalho e processo de valorização.

 

3 Mészáros e o valor de uso em contradição ou a produção destrutiva?

Não obstante sob regência concreta e formal do capital e do princípio de sua produção – a valorização ampliada do valor –, para Marx, a produção do valor de uso conserva, a princípio, suas determinações mais comuns e essenciais. É de certo modo pecado original da existência concreta da interatividade social real, que não pode ser expurgado da produção da vida, conquanto produção de riqueza social privada, nem mesmo daquela do valor.

O capitalista, ao adquirir usufruto da força de trabalho viva e pô-la a trabalhar, se obriga a realizar aquela regência no sentido da produção efetiva. Essa constatação enseja uma pontuação crítica a uma das formulações de interpretação dos desenvolvimentos do capital mais argutas e ácidas feitas por Mészáros, em Para além do Capital. O estudioso húngaro parece, senão denegar, ao menos diagnosticar a limitação de validade dessa tese marxiana, ao tratar da produção capitalista em larga escala baseada em incremento tecnológico ampliado e uso intensivo da ciência:

[...] a tendência da taxa decrescente de utilização atinge seu pleno escopo apenas com a realização das potencialidades produtivas do capital, que prometem a supressão das contradições associadas ao caráter até então limitado da tendência. Contudo, a dinâmica do desenvolvimento capitalista não pode simplesmente remover as limitações anteriores à trajetória da taxa de utilização decrescente. Ela, simultaneamente, deve também tornar algumas das novas manifestações da taxa de utilização decrescente muito problemáticas desde o primeiro momento e crescentemente problemáticas com o passar do tempo. Como resultado da absurda reversão dos avanços produtivos em favor dos produtos de “consumo” rápido e da destrutiva dissipação de recursos, o “capitalismo avançado” impõe à humanidade o mais perverso tipo de existência que produz para o consumo imediato (hand to mouth economy): absolutamente injustificada com base nas limitações das forças produtivas e nas potencialidades da humanidade acumuladas no curso da história. (MÉSZÁROS, 2002, p. 642).

 

Sua noção de taxa decrescente do valor de uso medida pela durabilidade progressivamente depauperada dos produtos parece indicar que o processo de trabalho, em sua dimensão de processualidade técnica geral, teria se alterado ontologicamente. E isso a tal ponto que a categoria valor de uso é imediatamente e de maneira quase unidimensional idêntica à sua figuração de capital. Ao assim proceder, entretanto, o estudioso húngaro parece igualmente não mais considerar a relação social capital como uma forma contraditória de desenvolvimento da produção da vida humana, na qual virtualmente se destroem patamares de força produtiva em nome da reprodução ampliada e acelerada do capital, e sim uma forma destrutiva de produzir a própria força produtiva:

[...] a complementaridade da contínua extorsão de mais-valia absoluta com grandes ou pequenos avanços produtivos assegura que, ao se tornar necessário ampliar o círculo de consumo nos países capitalistas ocidentais, o capital seja bem compensado por isso e não tenha que se defrontar com as consequências potencialmente mais destrutivas da taxa decrescente de lucro, já que elas são eficazmente deslocadas não apenas por práticas monopolistas, mas também pela operação da taxa de utilização decrescente combinada com o mecanismo brutal da exploração de mais-valia absoluta. (MÉSZÁROS, 2002, p. 684).

 

Não se trata de determinações idênticas. A contraditoriedade é, por definição, um dado “aspecto” essencial, um caráter, de processos que em seu desenvolvimento acabam por articular categorias as quais entram em negação recíproca, no caso da produção, trabalho em forma abstrata e concreta, produção de valor/mais-valor e produção de valores de uso, respectivamente. De uma parte, a produção da riqueza humana efetiva, e, de outra parte, simultaneamente, um dado quantum de tempo social a mais que é produzido e apropriado, na forma da propriedade privada. O conteúdo da riqueza, marxianamente, tende a extravasar a forma da relação social tornada canhestra e restritiva para o conteúdo. Algo deveras distinto é a afirmação da própria produção, ato de trabalho, como imediata e materialmente capital. O capita,l nesse approach, parece conseguir pela maestria, política ou administrativa de suas personæ, a resolução de sua tensão interna constitutiva:

O capitalismo como tal é construído sobre a contradição insolúvel entre valor de uso e valor de troca, estipulando a necessária e, em última análise, destrutiva subordinação do primeiro ao segundo. Tal contradição se manifesta desde o início também como um intratável problema de legitimação, para o qual os apologetas do iníquo sistema do “individualismo possessivo” do capital só podem oferecer soluções na forma de sofismas e mistificações. Isso acontece desde as cerebrais dedução e racionalizaçãodo uso explorador do dinheiro e o “consentimento tácito” pelo fundador do liberalismo, John Locke, até a fictícia “soberania do consumidor” da assim denominada “teoria da utilidade marginal”. (MÉSZÁROS, 2002, p. 688).

 

Como, então, escapar do círculo de ferro da produção estranhada, na medida em que esta não seja mais contraditória, mas se apresente de modo praticamente unívoco, portando o signo imediato da destruição? Talvez, como declarado pelo autor, em um opúsculo mais recente, na retomada de um movimento de massas..., mas, epigrafado por qual mote? A partir de que locus social? Sob a vigência de qual mandato social, porquanto a forma contraditória do processo de produção, no interior do qual se poderia encontrar a “personificação da relação essencial – “o” trabalho – se encontre anulada, virtualmente transformada em processo unidimensional, distensionado em seu caráter social? De um lado, se Mészáros tem razão em definir o capital em termos de uma forma de controle social, de outro, no entanto, aborda-o em tal padrão unívoco que o torna virtualmente incontrastável, menos ainda algo que se possa superar e ultrapassar.

Ultrapassável somente por um ato da vontade política? Não por mera coincidência, o capítulo no qual a categoria capital aparece em sua feição de forma de controle (apropriação) social da produção acaba por propugnar uma recuperação da esfera da atuação política como terreno de embate de forças que não representam mais a manutenção da reprodução da riqueza, em sua lógica social atual, envelhecida e esclerosada, e as virtualidades de produção autenticamente humana consubstanciadas num complexo de forças produtivas canhestramente desenvolvidas e unilateralmente apropriadas. Diversamente, trata-se, para Mészáros – ao menos assim aparenta –, de uma pugna “final” entre um padrão de produção/reprodução da riqueza social tornado puramente destrutivo, representado nas personæ dos capitalistas, e um sujeito social difuso, sem arrimo certo ou forma de remetimento à produção de riqueza, sem um rosto sequer potencial. Dessa maneira, a crise do valor de uso se torna um óbice interno ao revolucionamento social por um empuxo interno à produção da vida como tal.

Assinale-se ainda, a esse respeito, que mesmo em momentos ulteriores do Livro I, quando Marx flagrará na máquina, em seu arranjo morfológico-funcional, a vigência da subsunção do trabalho vivo ao morto e a regência do capital como força produtiva objetiva e desta como capital, a maquinaria não se torna equivalente a capital (Marx, 2013, p. 445-452, 457-459). A maquinaria existe na forma social do capital, o que não invalida sua existência como dispositivo de economia de tempo. A economia de tempo proporcionada pela máquina, conquanto seja apenas e tão somente do tempo socialmente necessário e não de tempo dos indivíduos que trabalham, não simplesmente se esfuma ou se torna uma ilusão. A figura estranhada da tecnologia que confronta o trabalhador individual, e os trabalhadores como classe, ao menos para Marx, não faz da tecnologia em devir puro estranhamento.

Como aporte à afirmação de que, não obstante as alterações morfológicas de monta sofridas pela relação entre as categorias de valor e valor de uso, permanece a vigência de uma contradição interna entre estas, vejam-se as recentes emergências de problemas que devem tensionar a utilização crescente das tecnociências como insumos do capital. Por exemplo, os conflitos entre o conteúdo científico-operacional de novas tecnologias, as quais exigem uma crescente cooperação societária em seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, por um lado, e a continuidade de vigência das formas sociais de propriedade típicas do capital (como as patentes), por outro lado[6].

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma vez conferidos os aspectos mais determinativos do processo de trabalho como processo de valorização, em sua rede de conexões contraditórias pelas quais as categorias se concatenam, evidencia-se claramente a complementaridade dos dois fenômenos característicos da produção capitalista. O controle do processo está efetivamente nas mãos do proprietário privado das condições objetivas da produção. Daí que a atividade e, consequentemente, o produto do trabalho não possam pertencer ao trabalhador concreto que o produziu. É resultante necessária que remete, cum granu salis, à analítica marxiana do Die entfremdete Arbeit de 1844. O produto não lhe pertence, porque não estão sob seu controle nem as condições de produção, nem o uso – em seus modos e limites – de suas capacidades operativas, uma vez que estas últimas existam na forma social particular da força de trabalho, a qual tem de “comportar-se” como uma outra mercadoria qualquer:

O capitalista cuida para que o trabalho seja realizado corretamente e que os meios de produção sejam utilizados de modo apropriado, a fim de que a matéria-prima não seja desperdiçada e o meio de trabalho seja conservado, isto é, destruído apenas na medida necessária à consecução do trabalho. (MARX, 2013, p. 262).

 

Daí redunda que a propriedade privada, do ponto de vista categorial, origina-se do trabalho alienado, aqui determinado como força de trabalho viva adquirida pelo capital em sua forma variável. Assim, “[o] capitalista paga, por exemplo, o valor da força de trabalho por um dia. [...] sua utilização, como a de qualquer outra mercadoria – por exemplo, um cavalo – que ele aluga por um dia, pertence-lhe por esse dia.” (MARX, 2013, p. 262). Constitui um valor de uso real de produção, por certo, mas que existe sempre subsumido efetivamente sob sua determinação puramente formal de criar valor/mais-valor: “Ao comprador da mercadoria pertence o uso da mercadoria, e o possuidor da força de trabalho, ao ceder seu trabalho, cede, na verdade, apenas o valor de uso por ele vendido.” (MARX, 2013, p. 262).

Do Standpunkt do capitalista, de sua posição social, o valor de uso da força de trabalho é de seu domínio. O consumo produtivo das capacidades do trabalhador na forma da força de trabalho pertence ao comprador, o capitalista, o que origina uma assimetria real, a qual nega de maneira determinada a aparência de igualdade contratual, da mesma maneira que o controle efetivo sobre a atuação da força de trabalho desmascara a aparente liberdade do trabalhador.

            Decorre que, para ele, “[...] o processo de trabalho não é mais do que o consumo da mercadoria por ele comprada, a força de trabalho, que, no entanto, ele só pode consumir desde que lhe acrescente os meios de produção.” (MARX, 2013, p. 262). Tal consumo deve ser entendido precipuamente em seu sentido produtivo, como dispêndio de condições reais que resulta na objetivação dum dado valor. Por esse motivo, a relação que o proprietário capitalista tem com as condições objetivas e subjetivas da produção não é uma conexão de posse individual, porém, de representante dos interesses da capitalização, na função social particular de capitalista.

Tal forma de conexão engendra uma série de posicionamentos práticos bastante peculiares, pela via da qual pode mesmo chegar-se a um domínio da propriedade sobre o proprietário. Não em virtude de alguma fantasmagoria sortílega da coisa-capital, mas em decorrência da forma social objetiva de relação do proprietário à propriedade – a propriedade capitalista que somente continua sendo como tal “sua”, na medida em que o sujeito proprietário consiga efetivar ao máximo possível o princípio da valorização.

De todo esse quadro de determinações, no nível da vida cotidiana, pode-se derivar até mesmo uma eticidade típica centrada nos ditames da reprodução ampliada da valorização, da transformação via produção de dinheiro que se faz mais dinheiro, dinheiro capitalizado:

E dinheiro ele [o capitalista] não pode comer. Prega, então, um sermão. Diz que é preciso levar em conta sua abstinência. Ele poderia ter desbaratado seus 15 xelins. Em vez disso, consumiu-os produtivamente e transformou-os em fio, e justamente por isso ele possui agora o fio, e não a consciência pesada. Ele não precisa se rebaixar ao papel do entesourador, que já nos mostrou a que fim leva tal ascetismo. (MARX, 2013, p. 268).

 

Todas as demais relações devem se subsumir àquela pela qual a riqueza privada capitalista se produz, os liames todos devem assumir o talhe, forma e conteúdo, do valor que se valoriza. Essa acumulação não mais se confunde com a mesquinha sordidez da pobreza de espírito do avarento, que a tudo toma e esconde, em seu cubículo secreto. Acumular é reproduzir o valor. Aqui a carne se transubstancia em verbo que comanda o mais-trabalho alheio ad infinitum. Sem dúvida, uma forma ética de postar-se frente à atividade produtiva que exibe também, com suas peculiaridades e idiossincrasias maníacas, uma face particular do estranhamento como determinação de existência imediata das categorias da produção, agora do lado do proprietário.

Por esse motivo, o canibalismo da força de trabalho viva não se dá por intermédio da dentição variegada do capitalista como indivíduo, mas por meio da boca desdentada dos meios de produção, na forma do capital fixo. As categorias da produção não alteram suas propriedades efetivas, concretas e específicas, por fazerem parte do processo de valorização, todavia, elas se encontram reduzidas a simples formas materiais do trabalho abstrato: Assim como o próprio trabalho, também a matéria-prima e o produto aparecem, aqui, de um modo totalmente distinto daquele em que se apresentam, no processo de trabalho propriamente dito. A matéria-prima é considerada, aqui, apenas como matéria que absorve uma quantidade determinada de trabalho (MARX, 2013, p. 266).

Disso resulta que, preservando sua natureza objetiva de valor de uso produzido, o produto do processo, como processo de valorização, converte-se socialmente em alíquota abstrata, unitária, do trabalho social. A existência do valor de uso real assume a figura de um ente posto pelo trabalho em sua forma abstrata, como gasto social geral de tempo de trabalho, o trabalho abstrato, como universalidade humana do trabalho na forma valor dos produtos. As mercadorias representam alíquotas temporais de trabalho social, de dispêndio de trabalho produtivo, o qual é concreto em sua execução, mas vale como forma puramente abstrata de gasto de tempo social: “Que o trabalho seja a fiação, seu material o algodão e seu produto o fio é aqui tão indiferente quanto o fato de o material do trabalho ser ele próprio um produto e, portanto, matéria-prima.” (MARX, 2013, p. 266). Por conseguinte, o processo de produção como processo imediato de trabalho não é, em termos propriamente capitalistas, trabalho produtivo para o proprietário das condições, que adquire direito de usufruto sobre a força de trabalho.

Por isso, não basta que o valor da coisa criada recubra o valor total: é preciso que emerja, ao cabo do circuito um mais-dinheiro, um dinheiro que não é então mais simples dinheiro, mas, de fato, capital. A diferença entre dinheiro e capital, em sentido efetivo, categorial, determinado. Trabalho que existe no ato de pôr valor: “Vê-se que a diferença, anteriormente obtida com a análise da mercadoria, entre o trabalho como valor de uso e o mesmo trabalho como criador de valor, apresenta-se, agora, como distinção dos diferentes aspectos do processo de produção.” (MARX, 2013, p. 273). Consequentemente, trata-se da análise de duas gesellschaftliche Daseinsformen que o processo de trabalho assume na produção do valor/mais-valor. O processo como tal, ao transcorrer sob o comando do capital, por meio de sua persona, assume esse duplo aspecto complementar e contraditório: criador de “coisas” que satisfazem carecimentos, atividade concreta e, ao mesmo tempo, e num mesmo ato, criador de valores cuja distinção é da alçada puramente quantitativa, abstratamente dada.

 

Work process as valuation process: Categorical determination in The Capital

 

Abstract: This work aims to explain and discuss the main categorical elements that integrate the Marxian analysis of the productive activity in O Capital, intending to analyze the character of the immanent contradiction to the work process carried out as a process of valorization. For this purpose, the completeness of Chapter 5 - The work process and the valuation process will be taken for examination, seeking to delineate how the internal connections of the creation of the valued value as a historically determined social form of production of human life. The internal tension of the production of use-values as bearers of the value / plus-value, existing as a commodity should be clarified in its own structure, bearing in mind even the implications of this for the other dimensions of social interactivity. The present categorical reflection also aims to clarify the fundamental lines of the way of producing and being of the social life of the individuals who participate in the process, subsumed in their different functions. This work explains the results of a research project - Workforce, Capital and Individuality - which is linked to the Post-Graduate Program in Education at UFMG.

 

Key words: The Capital. Work process. Valuation Process. Value. Alienation.

 

REFERÊNCIAS

ALVES, A. J. L. Marx e analítica do capital: uma teoria das Daseinsformen. Saarbrücken: Novas Edições Acadêmicas, 2013a.

ALVES, A. J. L. Modos e formas: dimensões filosóficas da crítica marxiana da economia política. Kriterion: Revista de Filosofia, v. 54, n. 127, p. 125-140, 2013b.

CHASIN, J. Marx – estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.

MARX, K. Ökonomisch-philosophische Manuskripte aus dem Jahre 1844. In: Marx-Engels Werke, Band 40. Berlin: Dietz, 1968.

MARX, K. Das Kapital – erster Buch. In: Marx-Engels Werke, Band 23. Berlin: Dietz, 1998.

MARX, K. O capital – Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002.

MÉSZÁROS, I. Século XXI: socialismo ou barbárie? São Paulo: Boitempo, 2003.

 

 

Recebido: 24/5/2018

Aceito: 28/5/2020


 

 



[1] Professor Titular na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Belo Horizonte, MG – Brasil. Docente no Colégio Técnico e nos dois programas de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG: Programa de Pós-Graduação em Educação - Conhecimento e Inclusão Social - e no Mestrado Profissional em Educação e Docência. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6365-3514. E-mail: ajlopesalves@gmail.com.

[2] Ao mesmo tempo, as atividades do projeto acima referido são desenvolvidas em consonância com os objetivos das linhas “Gênese e Lineamentos do Estatuto Ontológico e da Cientificidade da Obra Marxiana” e “Trabalho e Forças Produtivas: Formas Históricas e Analítica Categorial”, ambas constantes do Grupo de Pesquisa Marxologia: Filosofia e Estudos Confluentes, assim como com os do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos em Trabalho e Educação.

[3]Exempli gratia, acerca dos acertos da tradução do Boitempo, tem-se na solução apresentada para verter “Man muß sie umstülpen” por “Ela deve ser desvirada” (ao invés da comum “invertida”, pois, para Marx, é em Hegel que a dialética se encontraria invertida ou revirada – assentada na cabeça ou de ponta-cabeça) (MARX, 2013, p. 91).

[4] Eine Spinne verrichtet Operationen, die denen des Webers ähneln, und eine Biene beschämt durch den Bau ihrer Wachszellen manchen menschlichen Baumeister. Was aber von vornherein den schlechtesten Baumeister vor der besten Biene auszeichnet, ist, daß er die Zelle in seinem Kopf gebaut hat, bevor er sie in Wachs baut. Am Ende des Arbeitsprozesses kommt ein Resultat heraus, das beim Beginn desselben schon in der Vorstellung des Arbeiters, also schon ideell vorhanden war.

[5] Não obstante o termo “dação” tenha uma denotação originária de caráter jurídico, querendo assinalar a atribuição ou restituição de um bem ou direito, neste artigo, ele possui um sentido derivado, mas diverso dele. Aqui, no contexto da abordagem do teor ontologicamente diferenciado que a atividade produtiva humana engendra, diz respeito ao caráter do pôr (Setzen), pelo e do trabalho, conforme o entende Lukács. A dação, ligada a de forma humana, indica antes o engendramento de uma forma concreta de existir, a social, que os produtos do trabalho humano possuem.

[6] Confira-se, por exemplo, a entrevista do biólogo belga André Goffeau, em Ciência Hoje, nº 202, p. 8, na qual ele declara que, uma vez continuada a política de patenteamento, podemos chegar a uma situação na qual se tornaria inviável não só o desenvolvimento como mesmo a produção de novas descobertas. Afora isso, pense-se no já clássico embate em torno da modalidade open source, não apenas para software, mas também para hardware.