Gabriel Ferreira da Silva[1]
RESUMO: O curso proferido por Heidegger, no semestre de verão de 1923, e publicado posteriormente, sob o título de Ontologia: a hermenêutica da facticidade, é um dos importantes loci nos quais Heidegger deixa entrever tanto a influência e importância de Kierkegaard quanto algumas de suas avaliações acerca do pensamento do filósofo dinamarquês. Uma delas, em especial, não obstante formule um interessante juízo sobre a relação entre Kierkegaard e Hegel – a partir da figura de F. A. Trendelenburg –, um dos temas mais revisitados da literatura interpretativa sobre Kierkegaard, não tem sido objeto frequente de avaliação por aqueles intérpretes. Assim, o objetivo deste artigo é expor, analisar e avaliar as teses de Heidegger sobre a relação Kierkegaard-Hegel, a fim de sopesá-las em sua correção. Por fim, o artigo apresenta algumas reflexões metafilosóficas, avaliando o juízo de Heidegger sobre Kierkegaard, quanto a não ter se “desprendido de Hegel”.
PALAVRAS-CHAVE: Kierkegaard. Heidegger. Hegel. Trendelenburg. Ontologia.
INTRODUÇÃO
No curso do semestre de verão de 1923, intitulado Ontologia: a hermenêutica da facticidade, ao tratar de expor a visão geral da filosofia presente em sua verve totalizante do ser (e em sua tendência mais atual, lotziana-platônica), Heidegger chega à dialética. Segundo ele mesmo, a dialética pressupõe que o ser possa ser apreendido em sua totalidade em um sistema ordenado.
Nesse ponto, Heidegger expõe explicitamente algumas ideias a respeito do pensamento de Kierkegaard, articulando ao menos três teses dignas de uma análise mais detida (OHF, § 8). Explicitar tais teses, bem como avaliá-las a fim de sopesar a leitura heideggeriana sobre Kierkegaard, é o principal objetivo deste trabalho, que, por fim, nos conduzirá a algumas reflexões metafilosóficas acerca do que significa aferir as relações de dependência ou ruptura entre dois filósofos.
Comecemos pelo trecho em questão:
A pertinácia da dialética, que deriva sua motivação de uma fonte muito definitiva, está documentada muito claramente em Kierkegaard. No aspecto propriamente filosófico do seu pensamento, ele não se liberta de Hegel. Sua virada posterior para Trendelenburg é só documentação a mais de quão pouco radical ele era em filosofia. Ele não se deu conta de que Trendelenburg via Aristóteles pelas lentes de Hegel. Sua leitura do paradoxo para dentro do Novo Testamento e das coisas cristãs eram simplesmente hegelianismo negativo. (GA 63, §8, p. 41-42. OHF, §8, p. 33).[2]
Nessa passagem, Heidegger articula ao menos três teses:
1) A persistência da dialética torna-se manifesta de modo mais nítido no caso de Kierkegaard;
2) Num sentido filosófico, Kierkegaard não chegou a desprender-se de Hegel. Sinal disso é seu uso de Trendelenburg, que, por sua vez, via Aristóteles através de Hegel;
3) A leitura de Kierkegaard sobre o paradoxo no Cristianismo não passa de hegelianismo negativo.
A fim de aferir o valor de verdade da primeira tese, seria necessário um exame mais aprofundado sobre a distinção entre os conceitos hegeliano e kierkegaardiano de dialética, o que extrapolaria os objetivos deste trabalho. Ainda assim, é possível avaliar, mesmo indiretamente, que a tese 1, a qual pressupõe certa univocidade no sentido do termo “dialética” em Hegel e Kierkegaard, não se sustenta a partir do exame da segunda tese, que articula mais explicitamente o que aqui nos serve de objeto, ou seja, (2.1) que Kierkegaard não se afastou ou se desprendeu de Hegel, o que ficaria evidente (2.2) pela apropriação e uso que Kierkegaard teria feito de Trendelenburg[3].
Isso é particularmente interessante porque, para além da tese principal, é possível, de certo modo, compreender a leitura que o próprio Heidegger fizera de Trendelenburg. Para que se possa entender esse ponto, é preciso compreender ao menos duas coisas as quais se interconectam de maneira absolutamente não-acidental, a saber, (a) o panorama histórico da logische Frage (Questão Lógica) e, portanto, da relação Hegel-Trendelenburg e (b) como a leitura e a recepção de Kierkegaard de tal panorama são incorporadas em sua própria avaliação (crítica) da dialética hegeliana. Antecipando já a conclusão, uma das principais razões pelas quais dificilmente Kierkegaard pode ser visto como um paroxismo da dialética hegeliana é que Kierkegaard importa integralmente a crítica de Trendelenburg a tal modalidade de dialética. Assim, aparece também já aqui quão questionável é a leitura de Heidegger especificamente sobre Trendelenburg não ter se afastado de Hegel, inclusive em sua leitura de Aristóteles. Tal ponto será tratado mais adiante.
1 TRENDELENBURG, O REVIVAL DE ARISTÓTELES NO XIX E A LOGISCHE FRAGE
Voltemos à segunda tese. Heidegger afirma explicitamente que Kierkegaard não teria se soltado ou desprendido (nicht losgekommen) de Hegel. Heidegger faz ainda sua afirmação repousar sobre um argumento indireto, ou seja, via o uso que Kierkegaard teria feito de Trendelenburg. Logo, ainda sem avançar muito na análise do valor de face da tese de Heidegger sobre Kierkegaard, mas ficando apenas em seu aspecto formal, para que a tese (2) esteja correta, é preciso, ao menos em parte, que a avaliação de Heidegger sobre Trendelenburg esteja correta, o que parece igualmente pouco defensável. Vejamos esse aspecto mais detalhadamente.
De uma maneira geral, é importante ter em mente que, seguindo Beiser (2013), não é errado dizer que, desde Schleiermacher, Trendelenburg foi último grande aristotélico e um dos pais do revival de Aristóteles, no século XIX. Para além da importância cabal daquilo que podemos chamar de sua filosofia própria, Trendelenburg dedicou-se ao estudo de Aristóteles desde sua tese de doutorado, publicada em 1826 e intitulada Platonis de ideis et numeris doctrina ex Aristotele illustrata. É relevante retomar aqui a tese de doutorado de Trendelenburg, por um motivo particularmente interessante para a nossa apreciação do juízo de Heidegger. Trendelenburg temia especialmente a avaliação de um dos membros da banca justamente devido ao fato de que o trabalho criticara a interpretação dialética da história da filosofia. Tal examinador era o próprio Hegel (cf. BEISER, 2013, p. 20-21). No entanto, tal discordância era apenas um vislumbre do que viria a acontecer depois. Ainda em 1826, convidado a contribuir para o Jahrbücher für wissenschaftliche Kritik, um periódico inaugurado por hegelianos naquele mesmo ano, Trendelenburg submetera uma resenha indiscutivelmente crítica de um livro de Karl Michelet sobre a ética de Aristóteles. Em tal resenha, Trendelenburg criticara frontalmente o “rígido esquematismo” de Karl Ludwig Michelet[4], o que constituía um ataque bem pouco velado ao modelo hegeliano do autor em lidar com o Estagirita. Tal crítica foi, de fato, tão pouco sutil que, por fim, o próprio Hegel, incomodado com o conteúdo da resenha, pediu aos editores que ela não fosse publicada, no que foi prontamente atendido.[5]
Trendelenburg continuaria ainda a dedicar-se ao estudo de Aristóteles de forma particularmente profunda e produtiva, por mais de duas décadas. De fato, se levarmos em conta a seminal tese de doutorado de Franz Brentano, defendida em 1862 – cuja leitura é apontada pelo mesmo Heidegger como decisiva em sua jornada filosófica (2003, p. 70) – intitulada Sobre os múltiplos sentidos de ser em Aristóteles e orientada por Trendelenburg, tal estudo se estende praticamente durante toda a sua vida. No entanto, de modo mais relevante para o nosso propósito aqui, é importante notar que, nos dez anos que se seguiram à tese sobre Platão e Aristóteles, Trendelenburg publicaria, em 1833, não obstante a então recente publicação da tradução de Bekker para a edição da Academia de Berlim (1831) – que aquele julgara fraca –, uma tradução comentada do livro três do De Anima, em 1836, uma coletânea de traduções e comentários de partes do Órganon (Elementa Logices Aristotelicae) e, por fim, em 1846, uma monumental Geschichte der Kategorienlehre, em dois volumes, sendo o primeiro inteiramente dedicado à teoria das categorias de Aristóteles.
A breve reconstrução histórica acima já bastaria para objetar um dos momentos fundamentais do argumento de Heidegger – a afirmação de que Trendelenburg interpretava Aristóteles “com as lentes de Hegel” (durch die Brille Hegels sah). Ainda que o sentido dessa afirmação seja um tanto vago – afinal, o que poderia significar mais precisamente interpretar com as “lentes de Hegel” –, parece pouco defensável que esse tenha sido o caso, dado o que foi dito acima, de um modo relevante para o argumento de Heidegger contra a autonomia de Trendelenburg e, consequentemente, de Kierkegaard. Ainda assim, há um segundo aspecto muito mais interessante da relação Trendelenburg-Hegel (e Kierkegaard) que deve ser analisado.
Para além da questão interpretativa de Aristóteles, se se deseja compreender mais profundamente a relação Trendelenburg-Hegel (e Kierkegaard), é imperativo olhar para o contexto mais geral da filosofia da segunda metade do século XIX ou, mais precisamente, a partir de 1840.[6] Talvez o elemento mais determinante para o surgimento dos diversos movimentos, linhas e controvérsias que se mostrariam seminais naquele período é o que poderíamos chamar de virada anti-Hegel. Se é verdade que tal reação já pode ser vista em certa tradição idealista esquecida, composta por Fries, Herbart e Beneke, a qual antecipou a zurück zu Kant! proposta por Liebmann, e que compartilhava, entre outras coisas, uma forte antipatia ao idealismo e à metafísica especulativa de Fichte, Schelling e Hegel, é a partir de 1840 que se pode localizar mais propriamente aquela virada. Mesmo em querelas aparentemente desconectadas de uma oposição direta a Hegel, como poderia parecer ser o caso do Materialismusstreit ou do Pessimismusstreit, é possível localizar em suas raízes ao menos uma rejeição programática ao idealismo especulativo. Veja-se, por exemplo, o juízo feito por Büchner, autor da assim chamada “Bíblia do materialismo” – Kraft und Stoff –, publicado pela primeira vez em 1855, o mesmo ano do falecimento de Kierkegaard, sobre os idealistas especulativos:
Esses senhores filósofos são pessoas estranhas. Eles falam da criação do mundo como se a tivessem assistido; definem o absoluto como se tivessem comido à mesa com ele durante anos; tagarelam sobre o nada e sobre coisa alguma, o eu e o não-eu, o por-si e o em-si, sobre a universalidade e a singularidade, o efêmero e o absoluto, o X desconhecido etc. etc. e o fazem com tal segurança, como se um códex celeste lhes tivesse fornecido a informação mais exata sobre essas coisas e esses conceitos e diluem e maculam os conceitos e opiniões mais simples com uma selva de palavras e frases sonoras, mas sem sentido ou incompreensíveis que esgotam a paciência de um homem sensato. (BÜCHNER, 1872, p, 126).
O veredito de Otto Liebmann (1865, p. 5), uma das figuras centrais do neokantismo, feito dez anos depois, não seria muito diferente:
[Não se poderia negar que] as dificuldades das abstrações que se exigem nesses sistemas, e a estranheza de seus últimos resultados devessem ter um efeito dissuasivo sobre o não iniciado; ademais, seus hábitos, sua terminologia flutuante, em parte exageradamente imagética, em parte lapidar, incitavam mais à zombaria do que ao estudo aprofundado.
Ora, é impossível não compararmos as duas avaliações acima com certas imagens e juízos de Climacus, no Pós-escrito, ou mesmo de Haufniensis, em O conceito de angústia. O fato é que a inclinação em sentido contrário à filosofia de matriz idealista especulativa foi determinante para os rumos e os debates que moldaram a filosofia, desde a década de 40 do século XIX. No entanto, duas dessas controvérsias conectam diretamente as figuras que aqui nos interessam e, especialmente, uma delas nos ajuda a avaliar o juízo de Heidegger.
A primeira diz respeito àquilo que Schnädelbach (1984) e depois Freuler (1997) nomearam apropriadamente como a crise de identidade da filosofia no século XIX. Ao menos desde a morte de Hegel, em 1831, diversos relatos já dão conta de apontar um processo que só cresceria nas próximas décadas, a saber, a incapacidade de manutenção de um programa idealista especulativo frente a diversos eventos, sendo o principal deles o inegável avanço das Naturwissenschaften. O que inquietaria os filósofos dos anos 1840, 50, 60 e 70 é o fato de que, se a filosofia toda ela deve ser identificada ao projeto idealista especulativo, então não apenas Schelling, Hegel e seus autodeclarados sucessores estariam em apuros, mas também o próprio estatuto de validade e o direito da filosofia em ocupar um lugar no edifício dos saberes estava ameaçado pelo enfrentamento brutal da nascente neurofisiologia, da ciência histórica e da renovada ênfase na empiria. Assim, mesmo pensadores tão díspares, como Franz Brentano, Ludwig Büchner, Wilhelm Windelband, Wilhelm Wundt, Wilhelm Dilthey, Hermann Lotze e F. A. Trendelenburg podem ser reunidos sob a circunstância de que todos eles se sentiram constrangidos a se posicionar sobre qual deveria ser o estatuto, o valor e a tarefa da filosofia, numa era secular e científica.
Ora, em face de tal crise de identidade que se abateu sobre a filosofia, com o simultâneo avanço das ciências históricas e empíricas, incluindo a psicofísica, um dos objetivos de Trendelenburg e de todo o revival de Aristóteles (lembre-se aqui da edição de Bekker para a Academia de Berlim) era justamente fornecer um conceito ou, antes, um modelo de filosofia, o qual, ao mesmo tempo, não voltasse as costas às ciências, como fizera o idealismo absoluto, agora em massivo descrédito, e assegurasse um papel relevante para a filosofia, tanto no edifício das ciências quanto na própria universidade.[7] Esse ponto nos é particularmente interessante, porque parte do empenho de Trendelenburg no estudo, na tradução e na interpretação de Aristóteles se justifica precisamente pela tentativa de oferecer um caminho alternativo para a filosofia que fosse no sentido oposto ao do hegeliano.
Ainda mais, se deixássemos um pouco de lado o papel de intérprete de Aristóteles e olhássemos seu projeto filosófico como um todo, veríamos também como sua metafísica e sua filosofia da natureza – centradas no conceito de movimento – exibem um uso de Aristóteles (e sua aceitação da empiria) como verdadeiro antídoto à filosofia especulativa.[8] Já no ponto de partida de suas Logische Untersuchungen (1840), Trendelenburg se afasta daquela perspectiva, ao afirmar peremptoriamente a autonomia das ciências específicas e rejeitar completamente o programa fundacionalista do idealismo especulativo; a filosofia não apenas não é capaz de fornecer a fundamentação para a ciência, como deve reconhecer o faktum bruto da autonomia das ciências naturais. Mesmo sua metafísica, defensora de uma philosophia perennis, está longe de ser compreendida como cumprindo as funções ontológicas ou utilizando a metodologia da metafísica de Hegel; antes, a metafísica deveria ser uma (re)construção a posteriori da estrutura da realidade, a partir dos resultados das ciências específicas, muito mais próxima a uma “lógica das ciências”, tal como elaborada pelo neokantismo[9] – também legatário da virada anti-Hegel – do que da concepção idealista hegeliana. Assim, não apenas o percurso intelectual pessoal de Trendelenburg deita sérias dúvidas sobre a correção da leitura de Heidegger, como também o pano de fundo mais amplo dos problemas e correntes filosóficas do XIX.
No entanto, há ainda outro aspecto, mais específico, que parece comprometer cabalmente o juízo de Heidegger no que tange à relação Kierkegaard – Trendelenburg – Hegel: a assim chamada Questão Lógica – logische Frage – e sua recepção por Kierkegaard.[10] De fato, o contexto de maior vínculo ou proximidade entre Kierkegaard e Trendelenburg é a apropriação que aquele faz deste, justamente quanto ao tratamento da lógica e da dialética hegeliana.
Como sintetiza Vilkko (2009, p. 204-205):
Após a morte de Hegel em 1831, surgiu nos círculos acadêmicos da Alemanha uma vívida discussão acerca dos resultados da lógica tanto como disciplina filosófica quanto como uma teoria formal e fundamental da ciência que poderia clarificar não apenas as fundações lógicas, mas também metafísicas da ciência. De fato, esse foi talvez o tema mais popular das discussões na Alemanha durante meados do século XIX. [...] Em outras palavras, a questão lógica surgiu de uma dúvida genuína sobre a justificação dos fundamentos da lógica como fundamentação normativa de toda atividade científica. Por um lado, muitos dos participantes do debate se opunham à tentativa de Hegel de unir lógica e metafísica e, por outro, buscava-se certa reforma que superasse a velha lógica formal escolástico-aristotélica. A discussão pode ser então caracterizada como uma batalha em dois fronts. De qualquer modo, a necessidade de reforma foi estimulada por desenvolvimentos decisivos na filosofia.
Trendelenburg foi talvez a principal figura dessa reação, sendo o próprio nome da querela retirado de uma de suas obras (Die Logische Frage in Hegels System (1843)). Sua posição quanto à Lógica pretende ser, portanto, uma crítica à lógica hegeliana, uma vez que discute uma nova concepção de Filosofia e de Ciência pautada, em grande parte, por uma nova recepção e interpretação da filosofia aristotélica e, em certa medida, pela influência de Kant. Em suma, a Questão Lógica levantada por Trendelenburg, em seu ensaio, é se o empreendimento de Hegel é "científico" ou, em sua própria explicitação, "tudo, como foi mostrado no artigo anterior, reduz-se à questão se o método dialético do pensamento puro é correto. Se ele é falso, então não surge dele nenhum conhecimento, e nenhum novo modo de apreensão do Absoluto." (TRENDELENBURG, 1993, p. 215).
Ora, a história de que Kierkegaard posteriormente se arrependera de não ter aproveitado para ter contato com Trendelenburg, quando de sua visita de estudos a Berlim, em 1841, é conhecida e está registrada vivamente em seus Papirer (Pap. VIII.1 A 18, 1847). O que costuma ser um ponto cego ou pouco explorado é a extensão e a profundidade da apropriação de Kierkegaard dos argumentos de Trendelenburg precisamente contra a lógica e a ontologia de Hegel, não obstante o próprio Kierkegaard afirme: “O quanto eu lucrei da leitura de Trendelenburg é inacreditável; agora eu tenho o aparato para o que eu havia pensado há anos.” (Pap. VIII.2 C 1) e, ainda, “Não há nenhum filósofo moderno do qual eu tenha aproveitado mais do que Trendelenburg.” (Pap. VIII.1 A 18).
Não há espaço ou tempo para perseguir aqui tal recepção. Todavia, para meu propósito, é suficiente assinalar um ponto fundamental. Não obstante, como o próprio Kierkegaard o indica, ao menos desde 1843, as obras de Trendelenburg tenham sido objeto de cuidadoso e apaixonado estudo e Kierkegaard possuísse em sua biblioteca praticamente toda a obra publicada de Trendelenburg, registrando inclusive a leitura com afinco, em seus diários[11], a relação entre Kierkegaard e Trendelenburg mencionada por Heidegger deixa-se ver por traços dispersos e mais ou menos explícitos nos Papirer e, mesmo, em o Conceito de Angústia. Onde ela fica mais evidente é justamente no Pós-escrito e, mais precisamente, no contexto da exposição das condições para um sistema lógico, no capítulo 2 da primeira seção da segunda parte. É ali que se vê a indicação explícita das Logische Untersuchungen, de Trendelenburg. E por que isso pode se apresentar como sendo tão relevante? Para o nosso intento aqui, por duas razões:
Em primeiro lugar, porque a apropriação de Trendelenburg por Kierkegaard se dá, sobretudo, como instrumental para a crítica ao intento e aos fundamentos da lógica hegeliana. Se olharmos mais de perto a exposição que Trendelenburg faz dos problemas centrais do projeto hegeliano, é possível ver que duas das três condições a serem satisfeitas por um sistema lógico, tal como Kierkegaard o concebe, são importações praticamente inalteradas do tratamento trendelenburguiano da lógica de Hegel. No opúsculo de 1843, Trendelenburg expõe sete problemas fundamentais da lógica/ontologia, conforme empreendidas por Hegel:
1º O começo sem pressuposição;
2º A interconexão imanente;
3º O significado da negação;
4º O poder da identidade;
5º A aplicação do progressus ad infinitum;
6º O hysteron-proteron do desenvolvimento da dialética;
7º O caráter ilusório do silogismo hegeliano. (TRENDELENBURG, 1993, p. 215-216).
Ora, os argumentos de Kierkegaard, em o Conceito de Angústia e no Pós-escrito, orbitam quase todos ao redor dos problemas 1, 3, 5, 6 e 7 de Trendelenburg. Quando vemos o contexto de uma das principais referências de Kierkegaard a Trendelenburg, o que destacamos fica bastante evidente:
α. Se, entretanto, há de se construir um sistema lógico, deve-se aí prestar atenção especialmente a que nada se admita do que está submetido à dialética da existência, portanto, algo que só é ao existir [vœre til] ou por ter existido [have været til], e que não é por ser [ikke er ved at være]. Disso se segue muito simplesmente que a incomparável e incomparavelmente admirada invenção de Hegel – de trazer o movimento para dentro da lógica (para não mencionar o fato de que em toda e qualquer passagem se sente falta até mesmo do esforço mesmo de fazer alguém acreditar que ele está lá) – está justamente em confundir a lógica. É de fato curioso fazer do movimento a base, numa esfera onde o movimento é inconcebível, ou deixar o movimento explicar a lógica, enquanto que a lógica não pode explicar o movimento. No tocante a este ponto, de qualquer modo, estou entretanto muito feliz por poder me referir a um homem que pensa de modo saudável e, afortunadamente, foi formado pelos gregos (qualidade rara em nossa época!); um homem que soube como desembaraçar a si mesmo e a seu pensamento de toda relação rastejante e humilhante, para com Hegel, de cuja celebridade, de resto, todos procuram se aproveitar, se não de outro modo, então por irem mais adiante, ou seja, por terem absorvido Hegel em si; um homem que antes preferiu se contentar com Aristóteles e consigo mesmo – estou falando de Trendelenburg (Logische Untersuchungen). Seu mérito consiste, entre outros, em ter compreendido o movimento como a pressuposição inexplicável, como o [denominador] comum em que ser e pensar estão unidos, e como sua constante reciprocidade. (CUP1, p. 110 / SKS 7, p. 107).
Conforme já ressaltado, muito mais pode ser exposto quanto a tal relação. Mas, para o que nos importa aqui, a avaliação da correção do juízo de Heidegger sobre a relação Kierkegaard-Hegel, através de Trendelenburg, já é possível afirmarmos duas conclusões parciais:
1. No que concerne especificamente à interpretação de Trendelenburg por Heidegger, não obstante Heidegger tivesse condições histórico-filosóficas para um conhecimento mais aprofundado sobre Trendelenburg – sua relação com Rickert e o Neokantismo da escola de Baden, bem como o papel central que ele mesmo dá à tese de Brentano, orientada por Trendelenburg, em sua formação –, fica razoavelmente claro que seu conhecimento é episódico e superficial. Como mostrado acima, a afirmação de que Trendelenburg leu Aristóteles “pelas lentes de Hegel” não é nem biográfica nem filosoficamente sustentável;
2. Como aponta Thonhauser (2016), parece não haver sinais do contato de Heidegger com o texto do Pós-escrito, antes de 1941 – ou seja, 18 anos após o curso de 1923 –, assim como de partes dos Papirer. Ora, tal desconhecimento parece afetar seriamente a compreensão de Heidegger sobre o papel e a influência de Trendelenburg sobre Kierkegaard, no contexto específico da Questão Lógica.
Assim, se o juízo de Heidegger sobre Kierkegaard for lido apenas à luz do argumento indireto – ou seja, via o uso que Kierkegaard faz de Trendelenburg –, o diagnóstico sobre Kierkegaard não ter se afastado ou desprendido de Hegel simplesmente não se sustenta, uma vez que repousa sobre uma avaliação, ela mesma dificilmente defensável, da relação Trendelenburg-Hegel.
Ainda assim, analisar (2) não deixa de ser filosoficamente instigante: teria a famigerada crítica de Kierkegaard a Hegel sido "estéril", por mover-se, no fim das contas, no mesmo paradigma de Hegel? A pergunta pode ser estendida inclusive a outros filósofos, a partir de 1840: teriam Nietzsche, os Neokantianos, Schopenhauer e mesmo Husserl se "desprendido" de Hegel?
O que pretendo fazer, na sequência, é, então, nos limites deste artigo, analisar se esse aspecto da observação de Heidegger se sustenta agora, em função de um confronto que se pode dizer mais direto – e não através da figura de Trendelenburg – em um ponto central das filosofias de Kierkegaard e Hegel. Se eu estiver correto, esse ponto não apenas ilumina a totalidade do que se poderia chamar de projetos filosóficos dos dois autores, mas exibe ao menos um elemento crucial de discordância e afastamento; tanto de teses contrárias – o que poderia ocorrer mesmo no interior de um mesmo paradigma filosófico (o que, por sua vez, não seria suficiente para mostrar que a avaliação de Heidegger está errada) –, quanto de uma ruptura mesma.
2 O ESQUECIMENTO DO SER QUA ATUAL: ALGUNS ASPECTOS FILOSÓFICOS NEGLIGENCIADOS NO KIERKEGAARD DE HEIDEGGER
Não há dúvida de que existe uma série de elementos através dos quais é possível visitar e revisitar a relação entre Kierkegaard e Hegel. De fato, a literatura sobre Kierkegaard está recheada de tentativas de explicitar essa relação – ou, como aponta uma dessas tentativas, relações – sob diversos aspectos. Contudo, não parece ser incorreto afirmar que há perspectivas mais próximas ou diretas e abordagens mais periféricas ou exteriores. O que quero dizer merece uma breve explicitação.
O tema, lugar conceitual ou perspectiva a ser adotada não apenas é fundamental para avaliarmos a precisão daquele juízo de Heidegger que aqui nos serve de mote, como pode oferecer bons elementos para pensarmos as relações de Kierkegaard com Hegel em geral. Como se sabe, o estado atual da questão encontra-se exposto na obra de Jon Stewart (2003), cuja tese central é a de que Kierkegaard não apenas não ofereceria nenhuma oposição real ou argumentação consistente contra Hegel, senão que mesmo na maior parte de suas alusões, embora explícitas, a Hegel, os objetos visados seriam não a filosofia hegeliana, porém, a de seus epígonos dinamarqueses. Pode ser interessante dizer algumas palavras sobre a tese de Stewart ou, dito de outro modo, é importante perceber que a tese de Stewart deve ser compreendida como cobrindo só uma parcela da questão pelas relações entre Kierkegaard e Hegel.
Sem dúvida, Stewart tem o mérito – contra Thulstrup (1980) – de matizar as referências de Kierkegaard a Hegel, apontando duas chaves hermenêuticas fundamentais, quando se trata de lidar com a relação entre os filósofos de Jena e de Copenhague: (1) a relevância do contexto intelectual dinamarquês, o qual tem como objetivo colocar em primeiro plano as controvérsias intelectuais naquele contexto e, por conseguinte, deslocar o centro gravitacional de Hegel para os hegelianos dinamarqueses e (2) a verificação das incongruências e enganos, quando das referências feitas a Hegel por Kierkegaard, o que significa sustentar que, mesmo do ponto de vista material, argumentativo, as críticas e comentários de Kierkegaard, caso fossem endereçadas a Hegel mesmo e a sua obra, estariam completamente fora de foco e escopo, o que não acontece quando se localizam os verdadeiros alvos.[12] Como já frisado, tais dois elementos alteraram sensivelmente o estado da questão, no tocante às relações entre Kierkegaard e Hegel. No entanto, é absolutamente questionável se aquelas duas chaves esgotam o universo de relações entre os dois e, o que aqui mais nos importa, se a posição instanciada pela obra de Stewart encerra definitivamente as discussões sobre o tema.
Nossa resposta é, pois, que há dois aspectos analisados aqui com base na leitura de Heidegger que constituem dois pontos cegos da análise de Stewart, ficando surpreendente e injustificadamente de fora de suas considerações, além de, se eu estiver correto, deverem ser vistos como casos – cujo conteúdo filosófico material é incontornável – que colocam em dúvida ao menos uma das teses as quais fazem parte do corolário da obra de Stewart, a saber, que Kierkegaard não ofereceria nenhuma oposição filosoficamente relevante a Hegel.
O primeiro dos aspectos está relacionado ao contexto histórico de oposição geral ao idealismo especulativo a partir de, ao menos, 1840 – se seguirmos a tese de Beiser –, contudo, que pode ser reconduzido a ainda mais cedo, com os trabalhos de Fries, Beneke e Herbart e, mais precisamente, à logische Frage. Muito mais poderia ser escrito sobre isso, mas, para o nosso propósito, que é de iluminar alguns pontos, o que foi destacado acima é suficiente.
O segundo ponto, o qual julgo mais central, não apenas não é indireto ou histórico, mas diz respeito a um conceito absolutamente central nas obras dos dois filósofos e que, não obstante, tem sido surpreendentemente negligenciado pela scholarship kierkegaardiana, ou seja, o tratamento dado ao conceito de Virkelighed/Wirklichkeit.[13] Como espero demonstrar – e aqui já adianto parte das minhas conclusões – é possível ver que Kierkegaard oferece um tratamento radicalmente distinto daquele de Hegel sobre o tema, o que tem, como consequência, uma série de “comprometimentos ontológicos”, para usar a expressão de Quine, parecendo ser outro ponto cego no juízo de Heidegger sobre o filósofo de Copenhague.
Comecemos por Hegel. É virtualmente impossível dar conta da totalidade do conceito de Wirklichkeit para Hegel, no espaço de um artigo. Contudo, para o propósito comparativo, é suficiente traçar algumas linhas fundamentais. Nesse sentido, o §6 da Lógica enciclopédica fornece um bom caminho de entrada:
Por outro lado, é igualmente importante que a filosofia esteja bem consciente de que seu conteúdo não é outro que o conteúdo originariamente produzido – e produzindo-se – no âmbito do espírito vivo, e constituído em mundo, exterior e interior da consciência; [e entenda] que o conteúdo da filosofia é a atualidade [dab ihr Inhalt die Wirklichkeit ist]. Chamamos experiência a consciência mais próxima desse conteúdo. Uma consideração sensata do mundo já distingue [unterscheidet] o que, no vasto reino do ser-aí exterior e interior, é só fenômeno [Erscheinung], é transitório e insignificante – e o que em si verdadeiramente merece o nome de atualidade [und was in sich wahrhaft den Namen der Wirklichkeit]. (HEGEL, 1995, §6).
Há dois aspectos especialmente interessantes nesse parágrafo. O primeiro deles é a declaração ineludível da importância e da centralidade da Atualidade para a filosofia. De fato, ela não é dita um objeto entre outros, mas é o conteúdo fundamental, central da filosofia. Tal declaração ecoa por toda a obra de Hegel, mas também em sua avaliação da filosofia precedente. Um olhar para uma dessas avaliações pode nos ajudar a compreender o segundo ponto. Na apresentação crítica que Hegel faz da filosofia moderna, em suas Lições sobre a História da Filosofia, o sentido mais profundo de seu entendimento sobre o conceito começa a ficar mais evidente.
Segundo Hegel, a filosofia moderna – iniciada especialmente por Descartes – tem como marca fundamental a noetização do ser. Isso significa que, desde Descartes, “ser e pensar estão inseparavelmente ligados” (HEGEL, 1985, p. 1414), em prejuízo do ser e em prol do pensamento. E o que significa “ser”, nesse contexto? Hegel esclarece (1985, p. 1401-1402):
O que é o ser? [...] Não é preciso representar o ser com um conteúdo concreto. O ser não é nada mais que o simples imediato, a pura relação consigo mesmo, a pura identidade em si; é assim a imediatidade que é também o pensar. O pensar é essa mesma imediatidade [... E se] no pensar está também o ser, o ser é uma pobre determinação, é a abstração do concreto do pensar.
Ora, o que Hegel critica no movimento que ele vê inaugurado por Descartes é a compreensão, chamada por ele mesmo de “ingênua”, de ser como imediatidade quase que fenomênica recepcionada pelo pensamento igualmente imediato. É interessante verificar, portanto, que o próprio Hegel vê em Wolff e Kant tão somente a radicalização dessa tendência. Com efeito, ao fazer do princípio de não-contradição o fundamento da metafísica, Wolff, o maior sistematizador da metafísica moderna, transformou a metafísica, nas palavras de Hegel, em ontologia, ou seja, na “doutrina das determinações abstratas da essência.” (HEGEL, 1995, §33). Com isso, Hegel deseja apontar aquilo que vê como principal defeito da filosofia moderna, isto é, que a progressiva noetização do ser teve duas consequências desastrosas: ou confinou o ser ao aparecer fenomênico imediato ou às determinações abstratas da essência. Nos dois casos, o ser wirklich tal qual entendido pelos filósofos modernos é apenas uma fração do que ele, na verdade, é. É curioso notar que o que Hegel critica em Wolff, por exemplo, é a falta de atualidade, de existência fática, em seu tratamento do ser. Não meramente fenômeno – como já frisado na citação do §6 da Enciclopédia – nem mero conteúdo abstrato de notas conceituais de essências que não incorrem em contradições a serem pensadas, tendo a existência apenas como complementum possibilitatis, na célebre expressão de Wolff (1962, §174), mas sim, voltando à expressão do §6, “conteúdo originariamente produzido – e produzindo-se – no âmbito do espírito vivo, e constituído em mundo, exterior e interior da consciência.”
Assim, compreende-se melhor a definição de Wirklichkeit que poderíamos chamar de definitiva, fornecida na terceira seção da Doutrina da Essência, a qual tem como título exatamente o mesmo conceito. A Wirklichkeit, que é o ponto de virada fundamental da Ciência da Lógica, é “[...] a unidade de essência e existência; nela a essência desprovida de figura e o fenômeno inconsistente, ou o subsistir desprovido de determinação e a variedade desprovida de consistência têm sua verdade.” (HEGEL, 1978, p. 369).
É evidente que perseguir exaustivamente os rumos e desdobramentos da Wirklichkeit na obra de Hegel demandaria uma exposição muito maior do que aqui fizemos. Justamente por ser “o conteúdo da filosofia” por excelência, ela nos levaria da Ciência da Lógica de volta à Fenomenologia do Espírito e daí ao menos à Filosofia da História e à terceira parte da Enciclopédia. Contudo, do que foi destacado já é possível extrair elementos suficientes para a análise que me proponho aqui, a saber:
a. A Wirklichkeit é o conteúdo próprio da filosofia;
b. A Wirklichkeit é o conteúdo próprio da filosofia, porque é a realidade plena à qual não falta a atualização de nenhuma de suas determinações essenciais, isto é;
c. A Wirklichkeit não é meramente a atualidade do ser, mas o ser, todo inteiro, em suas determinações, qua atual.
É importante observar, igualmente, que com isso Hegel está respondendo, ou melhor, resolvendo todas as dicotomias deixadas por Kant. Do ponto de vista de Hegel, na realidade do ser qua atual – Wirklichkeit – corretamente entendida, não há espaço para distinção entre fenômeno e coisa-em-si, tampouco para a diferenciação entre as categorias, enquanto determinações necessárias do pensar e a realidade extramental. Com isso, os limites entre o entendimento finito e a razão, conforme traçados por Kant, se mostrariam totalmente arbitrários e fruto de, no mínimo, uma falta de radicalidade filosófica por parte do filósofo de Königsberg. Ter em mente também a perspectiva de que Hegel está tentando oferecer soluções às dicotomias metafísicas legadas por Kant pode, veja-se, auxiliar na compreensão do conceito de Wirklichkeit – Virkelighed, em dinamarquês – em Kierkegaard.
Quanto a este e à importância dada ao conceito de Virkelighed, um trecho dos mais memoráveis de Kierkegaard sobre o tema exibe bem sua relevância:
Estou tão feliz por ter ouvido a segunda preleção de Schelling – indescritível. Tenho procurado tanto e os pensamentos dentro de mim têm gemido por muito tempo. Quando ele mencionou a palavra “atualidade” (Virkelighed) a respeito da relação da filosofia com o [ser] atual, a criança do pensamento saltou de alegria dentro de mim... Depois disso eu lembro de quase cada uma das palavras que ele disse. Talvez aqui possa haver clareza. Essa única palavra lembrou-me de todas as minhas dores e agonias filosóficas. (Pap. III A 179).
Uma citação do Pós-escrito, a qual, embora extensa, merece ser vista na íntegra, explicita um dos pontos principais da concepção kierkegaardiana:
Em vez de dar razão ao idealismo – mas, é bom notar, de tal modo que se descartasse toda a questão da atualidade [Virkelighed] (de um an sich [em si] que se subtrai) em relação ao pensamento, como sendo uma tentação, que, como toda outra tentação, é impossível de anular cedendo-se a ela; em vez de estancar o desvio de Kant, que colocava a atualidade [Virkelighed] em relação com o pensamento, ao invés de relacionar a atualidade [Virkelighed] ao ético, Hegel certamente foi mais longe, pois se tornou fantástico e venceu o ceticismo do idealismo com o auxílio do puro pensar, que é uma hipótese e, quando ela não se reconhece como tal, é fantástica; e deste triunfo do puro pensar (que, nele, pensar e ser são o mesmo) tanto dá para rir quanto para chorar, pois no puro pensar não se pode, absolutamente, perguntar efetivamente sobre a diferença. – Que o pensamento tem realidade [Realitet], isso a filosofia grega assumiu sem mais. Ao refletir sobre aquela, ter-se-ia de chegar ao mesmo resultado, mas por que se confundia a realidade pensada [Tanke-Realitet] com atualidade [Virkelighed]? Realidade pensada é possibilidade, e o pensamento tem de rejeitar pura e simplesmente qualquer outra questão sobre ele ser ou não real.
Já na relação de Hegel com Kant mostra-se o equívoco do “método”. Um ceticismo que embarga o próprio pensamento não pode ser detido ao ser pensado até o fim, pois isso deve, afinal, ocorrer graças ao pensamento, que está do lado do rebelde. Ele tem de ser rompido. Contestar Kant permanecendo dentro do fantástico Schattenspiel do puro pensar é, justamente, não contestá-lo. – O único an sich que não se deixa pensar é o existir [existere], com o qual o pensamento não tem pura e simplesmente nada a ver. (CUP1, p. 328 / SKS 7, p. 299-300).
A citação acima avança diversas teses que nos interessam aqui:
a. Kierkegaard articula um juízo sobre Kant e outro sobre Hegel.
b. Acerca de Kant, Kierkegaard afirma que o filósofo de Königsberg promoveu um “desvio” [Misviisning], ou seja, ao colocar a Virkelighed em relação ao pensamento. Ora, o que Kierkegaard está apontando como desvio é afirmação de Existência atual [Dasein] como uma das categorias modais. O problema é que, como notariam diversos críticos de Kant – incluindo Hegel –, no sistema crítico de Kant, as categorias são conceitos puros do entendimento que conformam os dados da experiência. Assim, tais categorias ficam reduzidas – e, dentre elas, a categoria de Existência atual – a condições a priori do conhecimento e não características da realidade extramental. Mas, se Kierkegaard assevera que é verdade que Kant iniciou um desvio, também o é que ele não chegou tão longe no “mau caminho”, como Hegel. E qual teria sido esse mau percurso?
c. Se Kant iniciou um desvio, ao colocar a Existência qua atual como dependente do pensamento, Hegel avançou nessa senda ainda mais. Se, por um lado, Hegel concorda com Kant na necessidade de se empreender uma dedução ou derivação das categorias independente da experiência, ao invés da elaboração de uma lista "rapsódica", como teria feito Aristóteles de acordo com o filósofo de Königsberg (cf. KANT, 2001, A 81), por outro, segundo Hegel, Kant não teria levado a tarefa ao exigido grau de radicalidade, visto que não se trata apenas de exibir uma dedução mais sistemática das categorias, senão de fazer com que elas emerjam necessariamente do pensamento, não apenas como conceitos dos objetos em geral (cf. KANT, 2001, B 128), mas como formas autogeradas pela razão que, simultaneamente, se mostram como as estruturas (materiais) últimas do real apresentadas como tais, na medida em que ser e pensar avançam na tarefa de mútua determinação dialética. Para Hegel, Kant estava certo em perceber o Eu como fonte e origem das categorias. Estava errado, contudo, em ao menos dois outros pontos. Primeiramente, assumir acriticamente as formas dos juízos como caminho para a derivação das categorias fez com que Kant não tenha se afastado da "lógica tradicional", porém, o manteve numa compreensão meramente formal das categorias, na qual elas são tão somente as formas possíveis dos objetos da experiência e não guardam relação necessária para com seu conteúdo. Como resultado último daquela supracitada falta de radicalidade, sob a perspectiva de Hegel, Kant preocupou-se somente com o caráter epistemológico-formal das categorias, não atentando para a necessária dimensão ontológico-material. De fato, para Kant, as categorias são derivadas das quatro "funções do pensamento" que encontramos justamente "se abstrairmos de todo o conteúdo de um juízo em geral e atendemos apenas à simples forma do entendimento." (KANT, 2001, B 95). Aqui, por conseguinte, podemos ver a diferença que o próprio Kierkegaard via entre os dois e, sobretudo, a diferença de graus no “erro” dos dois filósofos alemães;
d. Para Kant, o conteúdo material das categorias não poderia vir de outro lugar que não da sensibilidade. Assim, ainda que a existência atual tivesse sido reduzida a uma categoria formal, ela ao menos guardava uma relação com a sensibilidade e, como fica claro da análise que Kant faz do argumento ontológico, a existência atual de um dado conceito não pode jamais ser deduzida das notas conceituais daquele mesmo conceito. Todavia, tanto quanto fica evidente por sua crítica a Kant, como por sua concepção de Wirklichkeit, a sensibilidade não é um requisito absolutamente fundamental para o conhecimento do ser atual.
Perseguir mais profundamente as distinções entre Kant e Hegel nos levaria longe demais. Contudo, para o nosso propósito de comparar o entendimento de Kierkegaard e Hegel sobre o ser qua atual, o que foi explicitado acima já lança as bases fundamentais, a saber, para Kierkegaard, o ser atual “é o único an sich que não se deixa ser pensado.”[14]
Essa tese é fundamental, porque é a pedra angular das considerações ontológicas de Kierkegaard expostas sobretudo no Pós-Escrito, mas que encontram eco em diversas notas dos Papirer.
Em uma entrada de 1850, quatro anos após a publicação do Pós-escrito, intitulada “Ciência – O existencial”, Kierkegaard volta a reafirmar sua tese central sobre o ser atual:
A Atualidade [Virkeligheden] não pode ser conceitualizada. Johannes Climacus já mostrou isso de maneira correta e muito simples. Conceitualizá-la é dissolver a atualidade em possibilidade – mas então é impossível conceitualizá-la, porque conceitualizá-la é transformá-la em possibilidade e, portanto, não apreendê-la como atualidade. Na medida em que se trata da atualidade, conceitualização é um retrocesso, um passo atrás, não um passo à frente. Não é como se a atualidade fosse vazia de conceitos, de modo algum; não, o conceito que é encontrado dissolvendo a atualidade em possibilidade é também atual, mas há ainda algo mais – que é a atualidade. Ir da possibilidade à atualidade é um passo à frente (a não ser em relação ao mal); ir da atualidade à possibilidade é um passo atrás. Mas nos tempos modernos a perniciosa confusão é que atualidade foi incluída na lógica e, então, distraidamente, esquece-se que atualidade em lógica é, no entanto, apenas uma “atualidade pensada”, isto é, possibilidade. (Pap. X 2 A 439, 1850).
Ora, assim, fica claro que, para Kierkegaard, o ser qua atual é o aspecto-chave de qualquer tratamento da Existência e, desse modo, ele concordaria totalmente com Hegel quanto à premência e o lugar central da Virkelighed, na filosofia. Entretanto, Kierkegaard não poderia de forma alguma concordar que a Virkelighed possa ser reduzida a uma categoria passível de ser de algum modo – ainda que dialeticamente – deduzida pela razão, uma vez que a marca fundamental do ser qua atual é que ele é extramental e, como apontado na citação anterior, é radicalmente heterogêneo em relação ao pensamento. Por essa razão, diferentes expressões dessa posição podem ser encontradas, quer no Pós-escrito, quer em notas nos Papirer. Nesses últimos, a série de entradas intitulada pelo próprio Kierkegaard de Philosophica, reafirma: “Ser [Væren] não pertence de modo algum à lógica” pois “toda qualificação para a qual ser [Væren] é uma qualificação essencial está fora do pensamento imanente e, consequentemente, fora da lógica.” (Pap. IV C 79).
Há, portanto, três traços fundamentais para a compreensão kierkegaardiana do ser enquanto atual:
a. O ser qua atual é o aspecto fundamental da existência enquanto espaço-temporalmente determinada. Por isso, ela não é uma determinação, predicado ou atributo – no que Kierkegaard concorda com Kant;
b. Por conta disso, a Virkelighed não pode ser captada qua Virkelighed pelo pensamento, uma vez que, como representação ou conceito, qualquer atributo enquanto pensado é apenas um ser enquanto possível, o que, por definição, abstrai precisamente da marca distintiva do ser atual e, como Climacus afirma, no “Interlúdio” das Migalhas, “possibilidade e atualidade são diferentes não em essência, mas em ser.” (PF, p. 74). Por conseguinte, a Virkelighed é, enquanto tal, sempre um resíduo heterogêneo para o pensamento e que permanece sendo sempre um an sich que não pode ser pensado;
c. Assim, o espaço próprio da Virkelighed é o espaço da ação – da ética, como Kierkegaard afirmara, na citação trazida mais acima – e da interioridade, e não da reflexão ou do sistema.
Se nos voltarmos aos diversos juízos e avaliações que Kierkegaard profere sobre a filosofia de seu tempo, veremos que um dos traços mais recorrentes em tais julgamentos é a má compreensão sobre as categorias modais – e, em especial, a Virkelighed –, e a visão no mínimo deflacionária do ser atual. Assim, “muito provavelmente o que nosso tempo [vor Tid] mais precisa para iluminar [belyse] a relação entre lógica e ontologia é de um exame dos conceitos: possibilidade [Mulighed], atualidade [Virkelighed] e necessidade [Nødvendighed]” (Pap. VI B 54:21), justamente porque “nos tempos modernos a perniciosa confusão é que atualidade foi incluída na lógica e, então, distraidamente, esquece-se que atualidade em lógica é, no entanto, apenas uma ‘atualidade pensada’, isto é, possibilidade.” (Pap. X 2 A 439, 1850). Nesse sentido, é curioso retomar até uma nota de O conceito de angústia, na qual Kierkegaard chega mesmo a mencionar Johann Friedrich Herbart, que, junto com Jakob Fries – que, assim como Trendelenburg, foi profissionalmente prejudicado por Hegel – e Friedrich Eduard Beneke inaugurou uma das mais fortes oposições ao hegelianismo, prefigurando o posterior Neokantismo (cf. BEISER, 2014a).
Precisamente nisso está o erro fundamental da filosofia recente, a saber, que ela quer começar com o negativo ao invés do positivo, que sempre é o primeiro [...]. A questão se o positivo ou o negativo vem primeiro é extremamente importante e o único filósofo moderno que declarou-se a favor do positivo foi, presumivelmente, Herbart. (CA, 145n).[15]
Ora, aquilo que Kierkegaard louva em Herbart é precisamente o fato de que este ter como um dos objetivos de sua Allgemeine Metaphysik sustentar e justificar a realidade da experiência contra diversas formas e graus de idealismo.
E é por isso que, voltando à primeira citação do Pós-escrito, para Kierkegaard, a solução de Hegel a Kant é uma “não-solução”. O ultrapassamento dos limites do entendimento pelo puro pensar é um mero Schattenspiel.
Ora, por fim, uma das coisas mais interessantes a serem notadas é que o mesmo tipo de crítica que Hegel endereça a Descartes e Wolff (e, de certo modo, até a Newton (cf. POSCH, 2004)), Kierkegaard agora dirige a Hegel, quer dizer, que uma progressiva noetização do ser, bem como sua identificação coextensiva com o pensamento, termina por deixar de fora aquilo que começara por tentar incluir, ou seja, o ser qua atual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: ALGUMAS REFLEXÕES METAFILOSÓFICAS
Após todo esse percurso, qual a avaliação que podemos fazer do juízo de Heidegger sobre Kierkegaard, quanto a não ter se “desprendido de Hegel”?
Em primeiro lugar, o juízo de Heidegger propõe ao menos um exercício interessante de reflexão metafilosófica da qual, infelizmente, só podemos tratar muito brevemente: o que significa dizer de um filósofo (ou de uma filosofia) que ele está sob o domínio de outro ou que não se desprendeu de outro ou, ainda, que é pouco radical? Ora, haveria vários aspectos a serem analisados. Não se desprender de um filósofo ou de uma filosofia é manter-se utilizando o mesmo léxico ou, ainda, ter em conta os mesmos problemas? Ao que parece, qualquer tipo de resposta nos levaria a nos comprometermos com o fato, o qual pode até ser verdadeiro, mas é pouco ou quase nada informativo, de que todo e qualquer filósofo, ao menos no Ocidente, não se desprendeu dos pré-socráticos ou, ao menos, de Platão ou Aristóteles. Isso continua sendo o caso inclusive de filósofos que são considerados como momentos de ruptura ou inflexão na história da filosofia, como Descartes, Kant, Hegel, Nietzsche, Wittgenstein e o próprio Heidegger, embora alguns deles, como é o caso de Hegel e Heidegger, reinterpretem a história da filosofia, a fim de se mostrarem ou como ponto final ou como ponto fora dela. Não estão todos eles na esteira dos mesmos problemas, no interior do mesmo léxico e dialogando, em maior ou menor grau, com o mesmo desenrolar histórico da filosofia? Dessa forma, uma vez mais, a questão pelo famigerado “desprendimento”, entendido no marco do que apontei acima, ajuda muito pouco a compreendermos as diversas relações entre os filósofos, ao longo da história.
Contudo, há um sentido em que a questão pelo “desprendimento” pode ser interessante, isto é, se com isso queremos desvelar ao menos uma das seguintes possibilidades:
a. a fixação de um novo problema (ou conjunto de problemas);
b. a demonstração de que um problema (ou conjunto de problemas) é um pseudoproblema;
c. a demonstração de que uma resposta ou perspectiva oferecida a problemas fixados é uma resposta ou perspectiva falsa ou insuficiente;
d. o oferecimento de novas respostas ou perspectivas a problemas anteriormente fixados.
Os quatro sentidos acima podem oferecer interessantes possibilidades para analisarmos mais fecundamente a ideia de “desprendimento”. Na verdade, se analisássemos aqueles filósofos tidos como pontos de ruptura na história da filosofia, veríamos que eles sem dúvida se encaixariam em ao menos um deles. Voltando agora aos resultados da minha análise sobre Kierkegaard e Hegel, parece-me não ser possível negar que, em relação a Hegel, e ao menos no que diz respeito ao tratamento do ser atual, Kierkegaard satisfaz as condições a., c., e d. Se somarmos a isso o não tão acurado tratamento de Trendelenburg e de parte do contexto histórico da filosofia do XIX por Heidegger, a conclusão é de que o juízo que aqui nos serve de mote é, simplesmente, falso ou insustentável.
Ademais, outros traços extremamente importantes podem, por fim, ser retomados. O fato de que, como demonstra Thonhauser (2016), Heidegger parece não ter tido um contato relevante com as Migalhas e o Pós-escrito, até por volta de 1941, é um aspecto relevante para aferirmos a qualidade dos juízos de Heidegger sobre aspectos mais propriamente filosóficos de Kierkegaard. Se levarmos em conta as teses metafísicas com as quais Kierkegaard se compromete, nas referidas obras, tais como seu entendimento das categorias modais no “Interlúdio” das Migalhas ou mesmo o tratamento filosoficamente mais detido sobre o conceito de existência no Pós-escrito, há um gap que afeta – a meu ver, peremptoriamente – a avaliação que Heidegger faz da envergadura filosófica e da especificidade do pensamento de Kierkegaard. Se tivesse considerado mais detidamente as obras acima, bem como certas partes do Nachlass kierkegaardiano, Heidegger veria até certas semelhanças em aspectos centrais, como a concordância quanto à tese central de que “ser” não pode ser absoluta e totalmente coextensivo com o pensamento e que, quanto àquele, há sempre certo “resíduo” inapreensível que resiste a qualquer redução onto-teo-lógica, o que é um dos marcos essenciais da ontologia kierkegaardiana, cuja análise deve ficar para outro momento.
“Kierkegaard did not break free from Hegel”: remarks on Heidegger’s evaluation of Kierkegaard in The Hermeneutics of Facticity
ABSTRACT: The course delivered by Heidegger during the Summer semester of 1923, and published later under the title of Ontology – The hermeneutics of facticity, is one of the most important loci in which we can have a glimpse of Kierkegaard’s influence on and importance to Heidegger, as well as of some of his interpretations about the thought of the Dane philosopher. One of them, notwithstanding puts forward a very interesting assessment of the relation between Kierkegaard and Hegel – through F. A. Trendelenburg –, one of hottest topics in the Kierkegaardian scholarship, is not usually analyzed by that scholarship. Hence, this paper aims to show and analyze Heidegger’s theses on the relation between Kierkegaard-Hegel in that work in order to evaluate their correctness. As final remarks, this paper presents some metaphilosophical reflections on the very notions of relation and dependence between philosophers.
KEYWORDS: Kierkegaard. Heidegger. Hegel. Trendelenburg. Ontology.
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[1] Professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), RS – Brasil. https://orcid.org/0000-0003-2255-5173. E-mail: gabrielferreira@unisinos.br
[2] “Die ganz bestimmt motivierte Hartnäckigkeit der Dialektik dokumentiert sich am schärfsten an Kierkegaard. In der eigentlich philosophischen Hinsicht ist er von Hegel nicht losgekommen. Sein späterer Anschluss an Trendelenburg is nur das verschärfte Dokument dafür, wie wenig radikal er philosophisch war. Er merkte nicht dass Trendelenburg Aristoeles durch die Brille Hegels sah. Das Hineinlegen des Paradoxen in das Neue Testament und das Christiliche ist einfach negative Hegelianismus.” (GA, 63, p. 41-42). Salvo quando indicado, todas as traduções são de responsabilidade do autor.
[3] A tese 3 também não parece ser defensável. Embora seja pouco claro o que aqui Heidegger entende por "hegelianismo negativo" (negative Hegelianismus), ao menos do ponto de vista do que Kierkegaard deriva de sua compreensão do "crístico" e do paradoxo, parece difícil sustentar que seja possível defini-lo de maneira satisfatória apenas com referência (ainda que negativa) a Hegel.
[4] Karl Michelet se engajaria, posteriormente, na edição das obras completas de Hegel.
[5] Veja-se Beiser (2013, p. 21).
[6] Veja-se Beiser (2014b).
[7] Cf. Beiser (2013).
[8] Para uma visão mais aprofundada do projeto filosófico de Trendelenburg, veja-se Fugalo (2007).
[9] Sobre o neokantismo, veja-se Porta (2011) e Beiser (2014b)
[10] A respeito da apropriação de Trendelenburg por Kierkegaard, veja-se também Ferreira (2014).
[11] O catálogo de obras, na biblioteca de Kierkegaard, quando de sua morte, registrava os seguintes livros de Trendelenburg: Platonis de ideis et numeris doctrina ex Aristotele illustrata, 1826 (ASKB, 842), Logische Untersuchungen, 1840 (ASKB, 843, comprada em 15 jan. 1844), Elementa logices Aristotelicae, 1842 (ASKB, 844, comprada em 13 fev. 1843), Erläuterungen zu den Elementen der aristotelischen Logik, 1842 (ASKB, 845, comprada em 13 fev. 1843), Die logische Frage in Hegel’s System, 1843 (ASKB, 846, comprada em 7 maio 1843), Niobe, 1846 (ASKB, 847), Geschichte der Kategorienlehre, 1846 (ASKB, 848) e Aristoteles de anima libri tres, 1833 (ASKB, 1079, comprada em 18 dez. 1844).
[12] Como apontam Stewart, Adler, Mynster, Martensen etc.
[13] Se é verdade que o mesmo Jon Stewart é autor de um artigo especificamente sobre o tema (STEWART, 2011), o foco do texto está na relação Kierkegaard-Schelling e não chega a expandir o tratamento do tema em comparação direta com Hegel.
[14] Sobre as relações entre ser e pensar em Kierkegaard, veja Ferreira (2015).
[15] Kierkegaard faz menção às teses de Herbart, expostas em sua Allgemeine metaphysik. Kierkegaard não possuía a obra de Herbart, mas tomou conhecimento dos traços fundamentais de seu pensamento, através de Geschichte der letzten Systeme der Philosophie in Deutschland von Kant bis Hegel, escrita pelo mesmo Karl Ludwig Michelet, cujo trabalho sobre Aristóteles fora criticado por Trendelenburg.