A críticA dA religião como críticA dA reAlidAde sociAl no pensAmento de KArl mArx
Eduardo Ferreira Chagas[1]
RESUMO: Não há, no pensamento de Marx, uma elaboração sistemática acerca da religião, embora haja uma crítica a ela enquanto crítica social das condições materiais de existência, que é o fundamento dela. Para Marx, a religião, entendida especificamente como superstição, idolatria, “ópio”, a qual conforma o homem e embaraça a sua consciência, deve ser negada, mas não se trata pura e simplesmente de um desprezo, de uma proibição ou perseguição à religião, nem tampouco de uma negação em geral a ela, uma vez que ela é uma questão privada e deve ser respeitada, mas de desvelar o véu religioso presente na sociedade e no seu ordenamento político, no Estado, que oculta a exploração e a opressão humana. A crítica à religião como crítica da realidade social, da qual ela nasce e é expressão ideal, contribui, de certa forma, para a emancipação social do homem.
PALAVRAS-CHAVE: Crítica à religião em Marx. Crítica à religião como crítica social em Marx. Marx e a religião.
Marx não desenvolveu de maneira detida e sistemática sua crítica à religião, considerando até um problema já amplamente trabalhado por Feuerbach[2], embora tenha dado diversos destaques à relação entre a religião e o capitalismo, tal como fê-lo, meio século depois, Max Weber, na associação do protestantismo com o capitalismo, em sua obra Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.[3] No entanto, pode-se dizer que Marx esboçou diferentes concepções acerca da religião, tratando dela, tal como da ética, da filosofia, da família, da política, do direito, do Estado etc., como um produto das ideias, das representações teóricas, da consciência utópica, como produção espiritual de um povo, como uma forma social de consciência, pertencente à esfera da superestrutura ideológica4 (como ideologia religiosa), condicionada, pois, pela produção material, pela estrutura econômica, a base da sociedade, e pelas relações sociais correspondentes. Como Marx assinala, no Prefácio (Vorwort) a Para a Crítica da Economia Política (Zur Kritik der politischen Ökonomie) (1859):
A totalidade das relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona em geral o processo da vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência. [...] Com a transformação da base econômica altera-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. Na consideração de tais transformações é necessário sempre distinguir entre a transformação material – que se pode comprovar de maneira cientificamente rigorosa – das condições econômicas de produção e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas. (MARX, 1983, p. 8-9).
Contudo, para Marx, como materialista e ateu convicto, a religião ocupa uma posição especial na superestrutura, diferentemente das demais formas ideológicas, a saber, a política, a social e a cultural, na medida em que ela, não na sua dimensão privada, exercida por um indivíduo particular, que só a ele diz respeito, mas na sua dimensão social e política enquanto expressão de alheamento do homem de seu mundo real e de conformação social com esse mundo, colaborando para a “perpetuação” de uma dada sociedade, deve
um fenômeno essencialmente religioso. Walter Benjamin aponta quatro traços que podem ser identificados na estrutura religiosa do capitalismo: 1) primeiro, o culto, ou seja, o capitalismo como uma religião cultual, pois ele se expressa nos ornamentos das células bancárias; no capitalismo, as coisas só adquirem significado na relação imediata com o culto, com os ornamentos do papel-moeda, com a adoração às coisas, ao dinheiro etc.; 2) segundo, a duração permanente do culto; o capitalismo é a celebração sem trégua de um culto constante à ostentação; 3) terceiro, a culpabilidade; o capitalismo como uma condição sem saída que tem que ser aguentado pelo homem até o fim, levando-o ao estado de esfacelamento, de desespero, de angústia; e 4) quarto, o ocultamento; nessa religião capitalista, Deus é ocultado, para ser invocada a culpa como destino do homem, culpa essa que é martelada constantemente em sua consciência. Sobre isso, cf. Benjamin (2013, p.21-51).
4 Sobre a religião como superestrutura em Marx, cf. Hecktheuer (1993, p. 70-106).
ser suprimida positivamente. Suprimir positivamente a religião significa, de acordo com o meu parecer, negar a religião, não na esfera privada, enquanto prática individual, porém, na esfera pública, a função social dela. O foco de Marx é a crítica ao revestimento religioso, ou seja, a presença da religião, por exemplo, na sociedade civil (como na religião, na qual há uma cisão entre a esfera terrena e a esfera celeste, a sociedade civil, enquanto esfera do aquém, privada, profana, está em oposição à esfera do além, do “sagrado”, do Estado), no Estado (como um universal sagrado, eterno, uma totalidade, um guardião protetor), no capital (a fé no capital, visto como um grande deus, o deus-capital, o verdadeiro deus, o único deus real e vivo, o deus implacável, o deus sinistro, que faz e desfaz, que cria e destrói, que pode ser conhecido, visto, tocado, cheirado, provado, um deus todo-poderoso, ilimitado, eterno, internacional, universal, presente em todos os locais, manifestado sob diferentes formas), no “milagre” das tecnologias, na mercadoria (as transformações, as encarnações de uma mercadoria em outras), no reino do dinheiro, do ouro (o dinheiro como objeto adorado, venerado, como “a alma” do capitalismo, que move o universo e é mercadoria milagrosa, a qual contém em si outras mercadorias), nos “princípios sagrados, eternos” do trabalho (o trabalho como atividade sagrada, à qual deus compensa) (LAFARGUE, s/d, p. 16, 18, 33, 68-69), como objetos de adoração, que, embora profanos, laicos, se revestem de religiosidade, se apresentam de forma religiosa, ocultando seus conteúdos.
Qual o significado, todavia, da religião em geral para Marx? Penso que, do ponto de vista de Marx, a religião se expressa de cinco maneiras: 1. como uma expressão às avessas, como um reflexo invertido da totalidade das condições inumanas em que se encontra o homem, na sociedade capitalista e, por isso, 2. como uma contestação, uma recusa ou como um protesto indireto contra a dor, o sofrimento, o desamparo real, contra uma condição insatisfatória imposta ao homem; 3. no entanto, como um protesto impotente, como uma impotência para combater essa condição insatisfatória, como uma barreira, um obstáculo que impede ao homem a tomada de consciência de sua situação inumana, para conduzir, na prática, uma transformação da sociedade, marcada pela propriedade privada à custa da exploração do homem pelo homem; 4. como uma esperança na salvação, não neste mundo, mas no paraíso, no além, como uma ilusão de um outro mundo, de uma felicidade ilusória, de um mundo imaginário, celestial, oposto ao mundo real, de privações, de miséria, ou seja, de um mundo melhor, perfeito, como o céu, o paraíso, no qual o homem se vê livre de uma vida insuportável, de sua situação inumana, miserável, quer dizer, uma ilusão necessária para suportar as dores reais advindas do mundo do capital de exploração e desumanização, fornecendo, pois, ao homem a religião 5. como uma explicação não verdadeira, mas fantasiosa, mistificada da realidade, levando-o à passividade, à consolação, com a esperança da recompensa celeste, ao conformismo e à resignação, que colabora com o status quo e legitima as condições inumanas existentes.
A crítica à religião é, para Marx, a premissa, a condição preliminar, “[...] o pressuposto de toda a crítica” (MARX, 1983, p. 378), pois, ao criticarmo-la, estamos, na verdade, também criticando a realidade, da qual ela nasce e que é o fundamento dela, a raiz social, a fonte do entontecimento religioso. A religião não é autônoma, existente para si, mas reflexo fantástico das potências exteriores, terrestres, que adquirem formas “supraterrestres” e passam a dominar o homem; ela é, pois, reflexo deformado, expressão distorcida, consciência invertida (Deus fez o homem, e não o homem quem fez Deus) de um mundo distorcido, invertido (o Estado como fundador da sociedade civil, e não a sociedade civil como formadora do Estado), do mundo invertido do capital, no qual o sujeito trabalhador aparece, não como sujeito, mas como dependente do capital, e o capital, que é dependente do trabalho, aparece como sujeito). A religião não é a base, mas expressão do mundo estranhado; e, se o homem está dividido na religião entre seu ser genérico, seu ser universal (Deus) e seu ser singular, individual (o homem concreto), é porque o mesmo homem já está, no mundo real, fragmentado, mutilado entre sua vida universal, abstrata, no Estado, e sua vida real, individual, na sociedade civil-burguesa.
A religião é um fenômeno social, como uma imagem do mundo invertido, das reais contradições da sociedade, por exemplo, das contradições da realidade do capital, e não é enfrentando diretamente a religião que a desvelaremos, como fê-lo Feuerbach, porém, é desvelando as suas raízes sociais, as contradições do real, que revelaremos o seu segredo. Por isso, Marx critica, precisamente, Feuerbach, porque este inverteu a ordem da crítica, tomando como tarefa fundamental revelar o segredo da religião, sem revelar a sua base material, o seu fundamento, que é a sociedade concreta, que engendra a religião. Para compreender a religião, Marx não passa do “reino de Deus” para o “reino dos homens”, não desce do céu à terra, mas parte da terra, das coisas terrestres, reais, para compreender o céu, as coisas celestes. Marx frisa, na IV Tese sobre Feuerbach (Thesen über Feuerbach) (1845-1846):
Feuerbach parte do fato do auto-estranhamento religioso, da duplicação do mundo num mundo religioso imaginário e num mundo real. Seu trabalho consiste em dissolver o mundo religioso em seu fundamento terreno. Ele não vê que, depois de completado esse trabalho, o principal ainda resta por fazer. Mas o fato de que este fundamento se eleve de si mesmo e se fixe nas nuvens como um reino autônomo, só pode ser explicado pelo autodilaceramento e pela auto-contradição desse fundamento terreno. Este deve, pois, ser primeiramente compreendido em sua contradição e depois revolucionário praticamente, pela eliminação da contradição. Assim, por exemplo, uma vez descoberto que a família terrestre é o segredo da sagrada família, é a primeira que deve ser criticada na teoria e revolucionada na prática. (MARX, 1058, p. 534).
Precisamente, em A Ideologia Alemã (Die deutsche Ideologie) (184546), Marx, e também Engels, mantém, de modo explícito, uma postura antiespeculativa, opondo-se às ideias tomadas como abstratas, autônomas, pelos neo-hegelianos (Feuerbach, Bauer e Stirner). Marx, e também Engels, enfatiza que as ideias pertencem a uma época, e não uma época a uma ideia determinada, ou seja, que não se explica a práxis a partir das ideias, mas se explicam as formações ideológicas a partir da práxis material. Ao contrário do pensamento sem pressuposto, eles partem de pressupostos reais e inelimináveis, da produção material da vida, dos meios para satisfazer as necessidades vitais (comer, beber, ter habitação, vestir-se), com os quais “[...] a produção das idéias, das representações da consciência está [...] imediatamente entrelaçada.” (MARX, 1958, p. 26). Portanto, embora as ideias, as representações, sejam produzidas pelos homens, elas, e todas as formas de ideações, como a religião, a moral, a filosofia e qualquer outra ideologia, não são autônomas, independentes, desligadas das bases materiais e temporais, dos fatos, desprovidas de pressupostos, incondicionadas, autoengendradas, mas são expressões ideais das circunstâncias reais, das condições materiais de existência, extraídas do mundo real, isto é, têm como raiz, como fonte primária, a produção e o intercâmbio material da vida social-humana.
Nesse sentido, Marx acredita que Feuerbach não resolveu, por exemplo, o problema fundamental da religião, porque ignorou a base social dela, não percebendo que ela não é autônoma, abstrata, atemporal, mas um produto social, que pertence a uma determinada forma social e que passa por transformações em diferentes períodos históricos (MARX, 1959, p. 480).[4] Isso Marx deixa claro na VII Tese ad Feuerbach: “Feuerbach não vê que o próprio ‘espírito religioso’ é um produto social e que o indivíduo abstrato, que ele analisa, pertence na realidade a uma forma social determinada.”( MARX, 1959, p. 535). Marx defende que o homem produz a religião[5], sonha com um mundo fantasioso, projeta sua essência num ser superior, porque ele não vê, na vida real da sociedade, as condições para o desenvolvimento de sua humanidade. A religião é “[...] a realização fantástica da essência humana, porque a essência humana não possui verdadeira efetividade.” (MARX, 1983, p. 378). Por conseguinte, para superar positivamente a religião, o seu estranhamento, não é suficiente revelar o seu segredo, combatê-la subjetivamente, mas é necessário transformar as condições reais de vida que favorecem o surgimento e o desenvolvimento da religião, das “quimeras celestes”.
Na Crítica da Filosofia do Direito de Hegel - Introdução (Zur Kritik der hegelschen Rechtsphilosophie. Einleitung) (1843-44), Marx enfatiza também que é o homem quem cria a religião e que a realidade é o fundamento dela, e não o contrário:
Mas o homem não é um ser abstrato, acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, o seu compêndio enciclopédico, a sua lógica em forma popular, o seu point d’honneur (“ponto de honra”) espiritual, o seu entusiasmo, a sua sanção moral, o seu complemento solene, a sua fundamental razão de consolação e de justificação. Ela é a realização fantástica da essência humana, porque a essência humana não possui realidade verdadeira. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente, a luta contra aquele mundo, cujo aroma espiritual é a religião. (MARX, 1983, p. 378, grifo do autor)[6]
Em A Questão Judaica (Zur Judenfrage) (1844), Marx mostra que não só Feuerbach, mas também Bruno Bauer, tratam do problema da emancipação, da autonomia e da liberdade somente a partir da crítica à religião, ao Estado cristão. Contrário a essa posição, Marx substitui a crítica ao Estado teológico, cristão, pela crítica ao Estado profano, político, pois a questão da emancipação humana não é apenas uma disputa teológica, um problema estritamente religioso, nem político-burguês, como considera Bauer, mas principalmente humano-social. Assinala Bauer:
O Estado cristão conhece apenas privilégios. O judeu, neste Estado, possui o privilégio de ser judeu. O Estado cristão, em razão de sua natureza, não pode emancipar o judeu; mas o judeu, em razão de sua essência, não pode ser emancipado. Enquanto o Estado permanecer cristão e o judeu continuar a ser judeu, são igualmente incapazes, aquele de conferir e este de receber a emancipação. (MARX, 1957, p. 347-348)
Bauer concentra sua atenção na emancipação política exclusivamente e, por isso, se contenta em fazer a crítica à religião, ao Estado religioso. Para lograr tal intento, pede ele a todos os religiosos e ao Estado a abolição da religião, por ser um fator de segregação humana. Tanto os cristãos como os judeus devem superar o preceito teológico, o qual Bauer considera contrário à razão e à natureza humana. Por isso, o Estado teológico é, para ele, menos Estado que o Estado político, profano, já que a presença da religião e de seus critérios na esfera pública impedem a formulação de um bem comum, fundado na comunidade de homens livres, na igualdade de direitos e no desfrute da liberdade. Assim como o homem autêntico, racional e livre é aquele que supera o preceito religioso, o Estado legítimo é o Estado político, laico, antirreligioso, que está voltado unicamente para a realização da liberdade segundo a razão.
Nesse sentido, a suplantação da religião é, para Bauer, o pressuposto da emancipação política, dado que o judeu deixará de ser judeu, quando o Estado não atingir mais o cumprimento de uma dada religião e abolir, por conseguinte, todos os privilégios religiosos, incluindo a preponderância de uma igreja privilegiada. Com efeito, Bauer almeja que o judeu abdique ao judaísmo, que o cristão deixe o Cristianismo e que o homem em geral renuncie à religião, para que possam se emancipar politicamente como cidadãos. Tendo em vista a interpretação segundo a qual o Estado que pressupõe a religião não é ainda um Estado verdadeiro, efetivo, uma associação de homens livres, mas uma associação de crentes[7], Bauer corrobora então a ideia de que a supressão da religião é condition sine qua non para a realização da liberdade e da autonomia humanas, a qual se efetiva no Estado político. Ao contrário dessa posição, Marx sustenta que tal questão é unilateral, já que não é necessário que o indivíduo renuncie à religião para lograr sua liberdade no plano político. É evidente que a emancipação política constitui um colossal avanço, contudo, ela não é, na verdade, a forma última da emancipação humana enquanto tal. Por isso, frisa Marx (1957b, p. 350-351):
Devido ao fato de não formular a questão a este nível, Bauer cai em contradições. Põe condições que não são fundadas na natureza mesma da emancipação política. [...] Quando Bauer diz aos adversários da emancipação judaica: “O seu erro foi somente supor que o Estado cristão era o único verdadeiro e que não tinha de submeter-se à crítica dirigida ao judaísmo” – vemos o equívoco de Bauer no fato de só submeter à crítica o “Estado cristão”, e não o “Estado como tal”; de não analisar a relação entre emancipação política e emancipação humana e, portanto, de colocar situações que só se explicam pela confusão, devido às lacunas da crítica, entre emancipação política e emancipação geral da humanidade.
Marx não parte, como Bauer, da relação entre emancipação política e religião, mas entre emancipação política e emancipação humana, tampouco busca a base da imperfeição do Estado na religião, senão no próprio Estado político. O Estado, mediado pela política representativa moderna, democrático-burguesa, pode desprender-se do constrangimento religioso, sem que o homem seja realmente livre. Por exemplo, o Estado político moderno suprime, de forma político-burguesa, ou seja, abstrato-formal, a propriedade privada, todavia, tal supressão pressupõe, ao contrário, a existência dela no mundo real. Em princípio, ele não admite nenhuma distinção de fortuna, de nascimento, de posição social, de instrução ou de profissão, porque proclama a emancipação igualitária do indivíduo perante os direitos humano-universais, a democracia burguesa e a soberania nacional. Mas, na verdade, longe de suprimir as sobreditas distinções, diferenças e desigualdades, o Estado político só existe na medida em que as pressupõe. Por isso, esse Estado atinge sua universalidade de maneira abstrata, isto é, sobre esses elementos particulares, sobre essas diferenças sociais, configurando-se, portanto, como explicitação da vida genérica do homem em oposição à sua vida real.
No Estado político-moderno, são declarados os direitos do homem, como a liberdade, a propriedade, a igualdade e a segurança. Contudo, essa liberdade, concebida como direito do homem, não se objetiva nas relações sociais, senão no direito do indivíduo segregado, fechado em si mesmo. A objetivação prática desse direito constitui, por isso, o direito à propriedade privada. O direito humano à propriedade privada é, por sua vez, o direito de usufruir dos bens e rendimentos, sem conceder devida atenção aos outros homens. Desse modo, o direito à igualdade torna-se meramente uma subscrição dos dois anteriores mencionados, quer dizer, a igualdade política não tem correspondência na igualdade real-social. Por fim, o direito à segurança consiste na garantia outorgada pela sociedade a cada um de seus membros para a preservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propriedade. Assim, nenhum desses supostos direitos do homem transcende a propriedade privada, o egoísmo individual; pelo contrário, eles estão estritamente determinados e fundamentados nos interesses pessoais, privados dos indivíduos da sociabilidade capitalista. (CHAGAS, 2006). Marx (1957b, p. 366) sublinha:
Esse fato torna-se ainda mais misterioso quando observamos que os emancipadores políticos reduzem a cidadania, a comunidade política, a simples meio para conservar esses pretensos direitos do homem: e que, em consequência, o cidadão é declarado servidor do homem egoísta. A esfera em que o homem se comporta como ser comunitário é rebaixada a uma esfera inferior, onde ele age como ser fragmentado; e que, por fim, é o homem como burguês [...] que é considerado como homem verdadeiro e autêntico.
Esse conflito em que o homem se vê envolto entre Estado e sociedade civil, entre vida genérica e vida real, é similar à contradição em que o burgeois – o qual leva uma vida retraída, privada e egoísta – se encontra com o citoyen – que participa de uma vida coletiva imaginária, despojada da vida real e dotada de uma universalidade ilusória. Essa oposição foi deixada intacta por Bauer, porquanto reduziu sua polêmica em torno do antagonismo entre religião e emancipação política. Para Marx, conquanto a emancipação política burguesa constitua um colossal avanço, ela não é ainda, como já expresso, o télos último, a plena emancipação humano-social. No Estado político, os indivíduos, sejam ou não religiosos, surgem como religiosos por causa da dicotomia entre vida individual e vida genérica, isto é, entre vida social e vida política. A religião, como elaboração espiritual da sociedade civil, aparece então como objetivação do estranhamento do homem em relação à sua genericidade, porque o homem trata a vida política despojada da vida individual, como se fosse sua verdadeira vida. Com efeito, o Estado político é a expressão máxima dessa realidade, na qual o homem se acha corrompido, pedido de si mesmo; em síntese, sujeito aos domínios e elementos inumanos inerentes à sociabilidade do capital. Frisa Marx (1957b, p. 350-351):
O Estado político acabado é, pela própria essência, a vida genérica do homem em oposição a sua vida material. [...] Onde o Estado político já atingiu seu verdadeiro desenvolvimento, o homem leva, não só no plano do pensamento, da consciência, mas também no plano da realidade, uma dupla vida: uma celestial e outra terrena, a vida na comunidade política, na qual ele se considera um ser coletivo, e a vida na sociedade civil, em que atua como particular, considera os outros como meios, degrada-se a si próprio como meio e converter-se em joguete de poderes estranhos.
Em O Capital (Das Kapital) (1867), Marx faz uma analogia do fetichismo religioso com o fetichismo da mercadoria: como no fetichismo da religião se oculta o homem com a verdade de Deus, assim também no fetichismo da mercadoria se oculta a realidade que está por trás da própria mercadoria, que é o trabalho, ou o produtor do trabalho; ou melhor, no fetichismo religioso, Deus aparece autônomo, independente, e o homem apenas como dependente e não como sujeito e verdade acerca da existência de Deus; e, no fetichismo da mercadoria, o produto do trabalho, a mercadoria, aparece como se fosse autônomo, independente do seu produtor, e o produtor, o trabalhador, aparece como dependente e não sujeito do produto de seu próprio trabalho. Acrescenta Marx (1962, p. 86-87, 94):
Não é mais nada que determinada relação social entre os próprios homens que aqui, para eles, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Por isso, para encontrar uma analogia, temos de nos deslocar à região nebulosa do mundo da religião. Aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas, que mantêm relações entre si com os homens. Assim no mundo das mercadorias, acontece com os produtos da mão humana. Isso eu chamo de fetichismo, que adere aos produtos de trabalho, tão logo são produzidos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias. Esse caráter fetichista do mundo das mercadorias provém [...] do caráter social peculiar do trabalho que produz mercadorias [...]. O reflexo religioso do mundo real somente pode desaparecer, quando as circunstâncias cotidianas da vida prática representarem para os homens relações transparentes e racionais entre si e com a natureza.
Um texto importante de O Capital sobre o homem reificado é, precisamente, “O Caráter Fetichista da Mercadoria e o seu Segredo” (Der Fetischcharakter der Ware und sein Geheimnis). Investigando o fetichismo da mercadoria, Marx observa que o caráter “místico”, “enigmático”, da mercadoria não provém de seu valor de uso, mas da forma do valor, do valor de troca. Assim ele descreve o fenômeno do fetichismo da mercadoria:
O mistério da forma mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens as características sociais de seu próprio trabalho como características objetivas dos produtos do trabalho mesmo, como qualidades naturais sociais destas coisas, por isso, também reflete a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social de objetos, que existe fora deles. Por meio desses quiproquós os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sociais, sensíveis e suprassensíveis. [...] É apenas a relação social determinada dos próprios homens, tomada aqui por eles como a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas.” “Já que os produtores somente entram em contato social mediante a troca dos produtos de seu trabalho, também as características especificamente sociais de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa troca. [...] Por isso, aos últimos [aos produtores], as relações sociais entre seus trabalhos privados aparecem como o que elas são, isto é, não como relações imediatamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, mas, pelo contrário, como relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas. (MARX, 1962, p. 86-87).
Marx enfatiza, aqui, a condição trágica do homem no mundo do capital, pois, no processo produtivo de mercadorias, cria-se uma objetividade que anula os próprios homens. Marx destaca a presença de uma objetividade sem o homem, ou de um homem esvaziado, para o qual a realidade aparece como um mundo exterior; quer dizer, o homem desconhece o mundo, a sua própria atividade, as condições pelas quais se produz a sua própria existência, percebendo o mundo, a existência real, como fora dele, externa e alheia a ele, e não como um produto de seu próprio trabalho, de sua própria subjetividade, tal como o religioso que produz Deus, mas não se vê como seu criador, porém, como criatura externa e dominada por Deus. Marx mostra ainda que, nessas condições fetichizadas, os homens enquanto homens são abolidos e se tornam coisas vivas (de ordem mercadológica), enquanto os produtos de seu trabalho, as mercadorias, aparecem como atributos de si mesmas, autonomizadas, dotadas de um poder sobrenatural, ocultando, desse modo, a sua origem, a sua fonte, isto é, o trabalho social que as fundamenta.
Já numa obra de juventude, os Manuscritos Econômico-Filosóficos (Ökonomisch-philosophische Manuskripte) (1844), particularmente no capítulo sobre o “Dinheiro”, Marx falara do fetichismo do dinheiro, comparando-o a um Deus, na sociedade capitalista, porque a propriedade privada, a posse do dinheiro e seu fetichismo aparecem como um Deus, como uma divindade, um ídolo, criado, cultuado e adorado pelo próprio sistema do capital. Marx ilustra isso com passagens literárias do Timon de Atenas, de Shakespeare:
Ouro? Amarelo, brilhante, precioso ouro? Não, deuses:
[...] Esta quantidade de ouro bastaria para transformar o preto em branco; o feio em belo; o falso em verdadeiro; o vil em nobre; o velho em jovem; o covarde em valente.
[...] Este escravo amarelo
Vai unir e dissolver religiões; bendizer amaldiçoados;
Fazer adorar a lepra lívida, dar lugar aos ladrões,
Dando-lhes títulos, genuflexões e elogios
[...] Prostituta comum de todo o gênero humano, que semeias a discórdia entre a multidão de nações. [...]. (MARX, 1990, p. 563-564).
E mais adiante:
Ó tu, doce regicida; amável agente de separação
Entre o filho e o pai! Brilhante corruptor
[...] Galanteador, sempre novo, viçoso, amado e delicado,
Cujo esplendor funde a neve sagrada
Que descansa sobre o seio de Diana, tu, deus visível,
Que tornas os impossíveis fáceis,
[...] Possam conquistar o império do mundo. ((MARX, 1990, p. 564).
Em Shakespeare, fica clara a identificação do dinheiro com uma divindade visível, como ser onipotente, poder absoluto, força divina, que pode verdadeiramente criar tudo, tornar todos os desejos humanos, todos os seus sonhos, uma realidade efetiva. O dinheiro, “o bezerro de ouro” moderno, em virtude de suas propriedades, de poder comprar tudo, de se apropriar de tudo, de ser universal e onipotente, “o sedutor” que prostitui e inverte as qualidades humanas e se converte na sociedade do capital num ser onipotente, num Deus mundano, todo poderoso, honrado e adorado.
A religião é também, como expresso, ilusão[8], compensação ideal, funcionando como um remédio, um meio de evasão, de refúgio, o ópio espiritual (geiste Opium) do povo oprimido, sofrido, como uma espécie de má “aguardente espiritual”, a qual serve para ocultar e justificar uma determinada realidade (a realidade capitalista), como uma espécie de nevoeiro, de véu sobre a irracionalidade da realidade (da produção burguesa), entontecendo, adormecendo, apaziguando a consciência do homem, amparando-o, aliviando-o, consolando-o de sua miséria no mundo real, para que ele suporte e esqueça a dureza de sua realidade degradante, levando-o, pois, ao “gozo celeste”, ao conformismo e à resignação, conforme assevera Marx (1957a, p. 378):
A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito. Ela é o ópio do povo. (Grifo do autor).
Marx acredita que, para libertar o homem da religião, de suas ilusões religiosas, é necessário primeiro libertá-lo do tipo de vida que o leva a ansiar pela religião, ou seja, é preciso mudar o mundo em que o homem precisa de ilusões. Livrando-se das “flores imaginárias”, pode-se colher as “flores vivas”. Nesse sentido, é fundamental não combater o efeito, mas a causa da religião, que é a estrutura social, política e econômica da sociedade capitalista.
Enfatiza Marx (1957a, p. 379):
Assim, a tarefa da história, depois que o mundo do além da verdade se desvaneceu, consiste em estabelecer a verdade deste mundo. É primeira tarefa da filosofia, que está a serviço da história, desmascarar o autoestranhamento humano em suas formas não santificadas, depois que ela foi desmascarada na forma sagrada. Com isto, a crítica do céu se converte na crítica da terra, a crítica da religião na crítica do direito, a crítica da teologia na crítica da política. (Grifo do autor).
Afirma Marx (1957a, p. 385) ainda:
A crítica da religião leva à doutrina de que o homem é o ser supremo para o homem e, consequentemente, ao imperativo categórico de derrubar todas as relações, nas quais o homem é um ser humilhado, escravizado, abandonado e desprezível.(Grifo do autor).
Portanto, a religião – o mundo fantástico dos deuses – existe, porque existe um mundo irracional e injusto ao homem. Ela não é fruto de uma revelação sobrenatural, não é produto da ignorância, nem da invenção de impostores, de profetas, teólogos ou líderes, nem de uma conspiração clerical, mas produto do homem oprimido, explorado, o qual busca alívio, abrandamento, consolo na religião, no seu universo imaginário, acerca de suas dores e seus sofrimentos. Assim, a religião e suas ilusões não desaparecerão, enquanto não se eliminarem as condições que as criam; e sem a superação dessas condições, a felicidade será alcançada só no outro mundo, e o paraíso será sempre um paraíso celeste, e não “um paraíso real”, na terra, num futuro histórico.
Não se trata aqui de uma posição dogmática e inflexível de Marx a favor de uma luta decidida contra toda religião, ou de uma defesa da abolição do sentimento religioso pela força, pela violência, ou da pretensão de transformar, por “ordem superior”, por decreto, os crentes em ateus, como queriam, de forma sectária, os blanquistas, os anarquistas, durante a Comuna de Paris, e alguns bolchevistas, durante a República Socialista Soviética, de sorte a estabelecer uma sociedade ateia. Não há no pensamento de Marx o ateísmo como um artigo de fé obrigatório, menos ainda “um policiamento espiritual”, como a defesa do desdém, da injúria, do preconceito, da intolerância, da proibição ou perseguição à religião em geral. Na verdade, há o entendimento de que a religião deve ser uma questão privada[9] em relação ao Estado, ao espaço público e a cada indivíduo, o qual deve ser livre para crer ou não, pois deve haver liberdade de consciência e de crença para todos, bem como tolerância e respeito, que devem ser universais, às pessoas que são crentes.[10] A ênfase que se deu aqui foi, por um lado, uma crítica a uma dada forma de sociedade e ao seu ordenamento político, o Estado, que se apresentam, embora laicos, de forma religiosa, ocultando suas verdadeiras funções de exploração e opressão, e, por outro lado, uma “negação específica” da religião, a saber, a negação da religião, quando ela é utilizada em prejuízo ao ser humano; a negação dela enquanto obscurantismo, como superstição, idolatria, misticismo, como narcótico que mantém o indivíduo paralisado, acomodado no seu lugar, a serviço do capitalismo, o qual o explora e obstaculariza a sua consciência e, por isso, a crítica e a desmistificação da religião como crítica da realidade da qual ela nasce, contribuindo, em certa medida, para a emancipação social do homem.[11]
Nesse sentido, é mister afirmar, enfim, que nem toda religião é, ou foi, estranhamento, ocultamento das contradições do real e a serviço da exploração e da dominação; quer dizer, nem toda religião é, de uma vez para sempre, o “ópio do povo”, pois cada religião ocupa um lugar e uma função específica dentro de seu contexto sociopolítico-econômico. Por exemplo, o Cristianismo primitivo, cujos membros não eram chefes nem profetas, mas os banidos socialmente, os subjugados e dispersos por Roma, os privados de direitos, os pobres, os escravos, os perseguidos, os oprimidos e não tinham privilégios, nem propriedades, pregavam um Evangelho da libertação da servidão e da miséria, da supressão dos privilégios, das diferenças de riqueza, da fraternidade e da igualdade. Tal Cristianismo nascente queria, partindo da igualdade dos homens perante Deus, restabelecer a igualdade civil, a igualdade entre os membros da comunidade social-política. Portanto, o Cristianismo primitivo, “o humilde Cristianismo dos primeiros séculos”, despojado de propriedade privada, oferecia, pelo menos em nível ideal, fundamentos para pôr em questão as instituições e ideias que são comuns às formas de sociedade baseadas sobre os antagonismos de classe.
Engels, porém, em Der deutsche Bauernkrieg (A Guerra dos Camponeses Alemães) (1850), chama a atenção, é claro, para os limites dessas “antecipações comunistas” do Cristianismo primitivo: “Os ataques contra a propriedade privada, a reivindicação da comunidade dos bens, deviam desagregar-se numa organização grosseira da caridade; a vaga igualdade cristã podia, no máximo, conduzir à igualdade civil perante a lei [...]. A antecipação, pela fantasia, do comunismo era, na realidade, uma antecipação das relações burguesas modernas.” (ENGELS, 1960a, p. 346). Mais adiante, na mesma obra, Engels ressalta que essas ideias foram expressas mais nitidamente só no século XVI, pelo teólogo e agitador político Thomas Münzer:
É só com Münzer que essas ressonâncias comunistas se tornam a expressão de aspiração de uma efetiva facção da sociedade. Só com ele é que são formuladas com uma certa determinidade e, depois dele, encontramo-las em todos os grandes levantamentos populares, até que se fundem, pouco a pouco, com o movimento operário moderno. (ENGELS, 1960a, p. 346- 347).
A teologia de Münzer expressa, na opinião de Engels, o desejo do regresso do Cristianismo à sua origem, por isso suas ideias são antecipações, em germe, das condições para a emancipação do homem, porque Münzer defende que, assim como não há céu no além, não existe também inferno nem condenação eterna e que é tarefa dos crentes realizar “o céu” na terra, o “reino eterno de Deus” no reino temporal dos homens.[12] Todavia, o “reino de Deus” para ele é, precisamente, uma sociedade em que não houvesse diferenças de classe, nem propriedade privada, nem poder de Estado estranho, oposto aos membros da sociedade, isto é, um mundo social novo, uma nova forma de organização social em que todos os trabalhos e todos os bens fossem comuns e onde reinassem a liberdade e a igualdade mais plena entre os homens.
ABSTRACT: it is not to be found in Marx’s thought a systematic elaboration concerning religion, although there is indeed a critical appraisal of it as a result from his social critique of material conditions of human existence which is its foundation. In Marx’s perception, religion is understood specifically as superstition, idolatry, “opiate”, something that pushes man to accommodation and twists his conscience, and as such should be dismissed, this act being not, however, a mere refusal, prohibition or persecution, or a wide negation of it, considering that it is a private issue and as such should be respected, but as an effort to cast off the religious veil covering society and its political ordainment commanded by the State, and hides exploitation and oppression of human beings. Critique of religion as an evaluation of social reality, from which religion derives, is an ideal proposition that to a certain extension contributes to the social emancipation of men.
KEYWORDS: Marx’s critique of religion. Marx’s critique of religion as a social critique. Marx and religion.
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Recebido em 24/12/2015
Aceito em 27/07/2016
154 Trans/Form/Ação, Marília, v. 40, n. 4, p. 133-154, Out./Dez., 2017
[1] Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE, 1989), Mestrado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, 1993) e Doutorado em Filosofia pela Universität von Kassel (Kassel, Alemanha, 2002). É professor efetivo (associado) do Curso de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da FACED - UFC. Coordenador do Grupo de Estudos Marxistas – GEM –, vinculado ao Eixo Marxismo, Teoria Crítica e Filosofia da Educação, e ao Programa de PósGraduação em Educação Brasileira da FACED - UFC. Orientador do Programa Jovens Talentos/ CNPq. Atualmente, é pesquisador bolsista de produtividade CNPq e dedica suas pesquisas ao estudo da filosofia política, da filosofia de Hegel, do idealismo alemão e de seus críticos Feuerbach, Marx, Adorno e Habermas. E-mail: ef.chagas@uol.com.br. Homepage: http://efchagasufc.wordpress.com/. Editor da Revista Dialectus (http://www.revistadialectus.ufc.br/index.php/RevistaDialectus/about/ editorialPolicies#sectionPolicies). C.V. (Lattes): http://lattes.cnpq.br/2479899457642563. (http:// buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4794196Y0).
[2] Cf Marx (1957, p. 378), na qual Marx afirma: “Para a Alemanha, a crítica da religião está, no essencial, terminada.”
[3] Acerca disso, cf. Löwy (2006, p. 281-296). Já Walter Benjamin vê, de acordo com o meu parecer, diferentemente de Max Weber, o capitalismo não só condicionado pela religião, mas também como
[4] “Será necessária grande perspicácia para compreender que as ideias, as concepções e os conceitos dos homens, numa palavra, a sua consciência, mudam com as alterações introduzidas nas suas condições de vida, nas suas relações sociais, na sua existência social?” “Que demonstra a história das ideias senão que a produção intelectual se transforma com a produção material?”
[5] Na obra Zur Kritik der hegelschen Rechtsphilosophie. Einleitung. Op. cit., p. 378, Marx enfatiza: “O fundamento da crítica irreligiosa é: foi o homem quem fez a religião; a religião não fez o homem.” Cf. também o Prefácio da Doktordissertation (Tese de Doutorado), Differenz der demokritischen und epikureischen Naturphilosophie (Diferença entre as Filosofias da Natureza em Demócrito e Epicuro) (1841). In: MARX.; ENGELS, 1968, p. 262), no qual Marx, fazendo alusão à tragédia Prometeu Agrilhoado, de Ésquilo, salienta: “A profissão de fé de Prometeu: ‘Eu odeio todos os deuses; eles são meus subordinados e deles sofro um tratamento iníquo’, é a sua própria profissão de fé, a sua própria máxima contra todos os deuses do Céu e da Terra, que não reconhecem como divindade suprema a autoconsciência humana.” Esse antropomorfismo da religião pode ser ilustrado com uma frase de Epicuro, citada aqui por Marx: “Ímpio não é aquele que acaba com os deuses da multidão, mas aquele que atribui aos deuses as representações da multidão.”
[6] Cf. também a VI Tese ad Feuerbach, p. 534, na qual Marx deixa clara sua distinção em relação a Feuerbach: “Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo isolado. Na sua efetividade, é o conjunto das relações sociais.”
[7] Sobre a religião como fundamento, base, do Estado, cf. também Marx (1957a, p. 94, 101): “[...] um Estado ‘cristão’, que tem por fim, em vez de uma associação livre de homens morais, uma associação de crentes, em vez da realização da liberdade, a realização do dogma. Todos os nossos Estados europeus têm o cristianismo como base”. Precisamente, o “Estado verdadeiramente religioso é o Estado teocrático; o soberano de tais Estados deve ou, como no judaísmo, ser o Deus da religião, o Jeová, ou então, como no Tibete, ser o representante de Deus, o Dalai Lama.”
[8] Em Totem e Tabu (Totem und Tabu) (1913), O Futuro de uma Ilusão (Die Zukunft einer Illusion) (1927) e Moisés e o Monoteísmo (Der Mann Moses und Die Monotheistiche Religion) (1939), Freud interpreta também a religião como ilusão, como ilusão consoladora face à dureza da vida, como “um sistema de ilusões plenas de desejo juntamente com um repúdio da realidade.”
[9] Em O Socialismo e a Religião (1984 [1905] p. 292-293), Lênin argumenta, de forma semelhante, “[...] que a religião seja completa e incondicionalmente declarada um assunto privado.” “A religião deve ser declarada um assunto privado [...]. Exigimos que a religião seja um assunto privado em relação ao Estado [...] O Estado não deve ter nada que ver com a religião, as sociedades religiosas não devem estar ligadas ao poder de Estado.” Também em Sobre a Atitude do Partido Operário em Relação à Religião (1984, p. 371), Lênin defende que “[...] a religião é um assunto privado.”
[10] Na obra O Socialismo e a Religião (1905), op. cit., v. 1, p. 292, Lênin sustenta que as pessoas não devem ser perseguidas pela sua crença ou descrença, pois “[c]ada um deve ser absolutamente livre de professar qualquer religião que queira ou de não aceitar nenhuma religião, isto é, de ser ateu [...]”.
[11] Sobre isso cf. Zur Kritik der hegelschen Rechtsphilosophie. Einleitung (MARX, 1957a p. 379), na qual Marx enfatiza: “A crítica da religião desiludiu o homem, para que ele pense, aja, construa a sua efetividade como um homem sem ilusões, um homem que chegou à idade da razão, para que gravite em volta de si mesmo, isto é, do seu sol efetivo. A religião não passa do sol ilusório que gravita em volta do homem enquanto o homem não gravita em volta de si mesmo.”
[12] Uma exposição interessante sobre o confronto entre esses dois mundos inconciliáveis, o plano humano (das trevas) e o plano divino (da luz), entre a cidade terrena e a cidade celeste, entre a ordem temporal (a história) e a ordem eterna (a eternidade), se vê na análise de Giorgio Agamben acerca do juízo processual do prefeito romano da província da Judeia, o pagão Pôncio Pilatos, que é do mundo dos homens, contra Jesus, cujo reino não é daqui, “não é deste mundo”: “No processo que se passa diante de Pilatos, [...] dois julgamentos e dois reinos parecem confrontar-se: o humano e o divino, o temporal e o eterno. Com sua habitual vivacidade, Spengler expressou essa contraposição: ‘Quando Jesus é levado diante de Pilatos, dois mundos estão imediata e inconciliavelmente frente a frente: o dos fatos e o das verdades, e com tão assustadora clareza como nunca noutro lugar na história do mundo.’” “E é o mundo dos fatos que deve julgar o da verdade, o reino temporal que deve pronunciar