Sobre termoS, propoSiçõeS e argumentoS

Jorge de Barros Pires[1]

Lauro Frederico Barbosa da Silveira[2]

RESUMO: O Pragmatismo, como proposto por Charles S. Peirce, deve ser considerado um método para a produção teórica de pensamento que visa à construção de conceitos, a qual assume a forma de uma máxima lógica orientadora da conduta científica. Se um conceito é uma relação sígnica e a sua compreensão, um processo sígnico, encontramos na semiótica peirceana uma estratégia para discriminar as etapas da compreensão conceitual e avaliar os significados de termos e conceitos abstratos. Assim, o objetivo deste trabalho é explicar os princípios lógicos que governam os tipos de Signos que mais diretamente estão relacionados à construção de conceitos, a saber: o Símbolo-Remático, o SímboloDicente e o Argumento. Tais signos correspondem à antiga divisão Termo, Proposição e Argumento, modificada de modo a ser aplicável aos signos em geral.

PALAVRAS-CHAVE: Pragmatismo. Charles S. Peirce. Termos. Proposições. Argumentos.

O Pragmatismo, como proposto por Charles S. Peirce, deve ser considerado uma estratégia para avaliar os significados de termos e de conceitos abstratos (EP 2.400)[3]. Ele fornece suporte e critérios para a investigação científica e distingue aquilo que é significativo (meaningful) daquilo que não é. É importante notar que os limites por ele sugeridos não dizem respeito a tipos de coisas sobre as quais não podemos conhecer, pois lhe cabe somente levar em conta o que é significativo e conferir precisão aos nossos conceitos (COOKE, 2003).

Desse modo, de acordo com Silveira (2007, p. 182), o pragmatismo é um método de produção teórica de pensamento que visa à construção de conceitos, o qual assume a forma de uma máxima lógica orientadora da conduta científica. Em uma formulação, datada de 1905 (fase mais madura do pensamento peirceano), podemos ler:

[...] uma concepção, isto é, o conteúdo racional de uma palavra ou outra expressão, reside exclusivamente em seu concebível efeito sobre a conduta da vida; de modo que, uma vez que obviamente nada que não possa resultar de um experimento pode ter qualquer efeito direto sobre a conduta, se for possível definir cuidadosamente todos os concebíveis fenômenos experimentais que a afirmação ou a negação de um conceito pudesse implicar, ter-se-ia aí uma definição completa do conceito, e nele absolutamente nada mais haverá. (CP 5.412).

Acreditamos que, sendo um conceito uma relação sígnica e a sua compreensão um processo sígnico ou semiose (CP 5.251; EP 2.402), podemos, com a ajuda da teoria peirceana, discriminar as etapas do processo de compreensão conceitual (cf. MISAK, 2006). Assim, a discussão a seguir objetiva explicar os princípios lógicos que governam os tipos de Signos que mais diretamente estão relacionados à construção de conceitos, a saber: o Símbolo-Remático, o Símbolo-Dicente, e o Argumento. Tais signos correspondem à antiga divisão Termo, Proposição e Argumento, modificada de maneira a ser aplicável aos signos em geral (CP 8.337). A teoria do significado que emerge dessa discussão, de acordo com Forster (2003), é a base da defesa de Peirce a respeito da máxima pragmática.

É tradicional supor que as proposições são compostas por termos e que os argumentos são compostos de proposições. Em uma proposição, a sintaxe, ou o modo de combinação dos termos que a compõem, é significativa, e o objeto significado não é significável em circunstâncias diferentes das consideradas. Um argumento, da mesma forma, não é um conjunto de proposições, mas, na visão de Peirce, representa um processo, resultando em uma conclusão. O problema que se nos coloca é identificálos, as proposições e os argumentos, como signos que possuem influência sobre seus intérpretes, considerando que um argumento faz apelo à razão do intérprete, uma proposição afirma sem a ela apelar, e um termo apenas chama a atenção para algo sem dizer nada mais (SHORT, 2007, p. 233; EP 2.490).

No conjunto, por conseguinte, se, pelo significado de um termo, proposição ou argumento, nós entendermos todo o interpretante geral para o qual se destina o pensamento, então o significado de uma proposição ou de um termo é tudo com o que essa proposição ou esse termo poderá contribuir para a conclusão de um Argumento demonstrativo. Mas, embora essa análise seja útil, não é de modo algum suficiente para que possamos discutir a máxima do pragmatismo. O que precisamos é de uma explicação do significado final de um termo (EP 2.220).

Um termo, como quase toda palavra única, é simplesmente um nome de classe ou nome próprio, sendo um signo que não é verdadeiro e nem falso. (CP 8.337). O termo, ou Rema, funciona como um Símbolo Remático, representando qualidades gerais que apenas trazem algo para a atenção. O termo “cobra”, por exemplo, conota as propriedades de não possuir membros, de ser escamada, pertencer à classe reptilia e assim por diante. Em geral, para que possamos explicar um termo S, devemos analisar o conjunto de qualidades distintas (P1,P2,...,Pn) em virtude das quais o termo é aplicado a objetos. O princípio lógico de que todos os termos são gerais tem uma importante implicação semântica. As únicas qualidades que os termos podem representar são aquelas que podem ser realizadas por mais de um objeto. Em outras palavras, todo termo define um tipo geral ou uma classe geral de objetos possíveis (FORSTER, 2003, W 2.26). Termos gerais, tais como o “vermelho” ou “homem”, não só são predicáveis de muitos casos reais, mas abrangem um continuum de variações possíveis: a generalidade que representam é formada por essas inúmeras possibilidades (SHORT, 2007, p. 79).

No entanto, qualidades e condições gerais por si só não podem indicar elementos particulares, nem podem apontar para uma representação de uma lei geral e assim por diante (SHORT, 2007, p. 167). É importante percebermos que, no pragmatismo peirceano, qualquer “efeito concebível” de um objeto deve consistir de propriedades gerais que o relacionem a outros objetos e determinem sua instanciação; tal relação é expressa na forma “S é P”. Dessa maneira, todos os termos são explicados na forma de proposições (FORSTER, 2003). Por exemplo, uma sentença combina termos para expressar alguma coisa (uma verdade ou uma falsidade) que não pode ser representada por nenhum dos termos sozinho (SHORT, 2007, p. 227). Ou seja, toda proposição pode, em pelo menos um modo, ser colocada na forma “S é P”; o que importa disso é que os objetos aos quais “S” se aplica constituem o sujeito total da proposição, têm as características atribuídas a cada objeto para o qual “P” se aplica, sendo “P” o predicado total da proposição. Todo termo tem dois poderes ou significações (significations), de acordo com o modo como ele se apresenta na proposição, a saber: como sujeito ou como predicado (CP 2.472-3).

De Tienne (2007), em seu texto Peirce’s Logic of Information, apresenta uma detalhada discussão a respeito das condições que permitem a um termo assumir o papel de sujeito ou predicado, numa proposição. Para um termo proposicional ser um predicado, ele deve ter “extensão informada”, isto é, ele deve ser predicável de coisas reais, “[...] com verdade lógica sobre o todo num suposto estado de informação.” (W 2.79; W 3.100). Isso significa que toda informação disponível deve ser levada em conta e que nenhuma parte da extensão informada pode ser alguma coisa da qual não se tenha razão para acreditar que o termo seja realmente predicável. A atribuição de predicado a um sujeito não é um caso arbitrário: a lógica demanda experiência ou conhecimento adquirido, ou seja, o conjunto de todas as proposições sintéticas que já foram formadas sobre o assunto não só não contradizem a possibilidade de que o novo termo oferecido na proposição represente uma característica que realmente pertença ao sujeito, mas ainda forneça a sugestão dessa possibilidade, através de correlações conhecidas. A força da sugestão varia de acordo com o grau ou extensão da experiência em que é baseada ou conhecimento prévio real dos tipos de objetos representados, de sorte que a extensão informada pode ser mais ou menos certa ou duvidosa, mais atual ou potencial (CP 2.407).

Por sua vez, segundo o mesmo autor, para um termo proposicional ser um sujeito, ele deve ter “profundidade informada”, quer dizer, ele deve ter caracteres reais (distintos dos meros nomes) que possam ser predicados dele (com verdade lógica sobre o todo), em um suposto estado de informação, nenhum caráter sendo contado duas vezes. A profundidade informada, tal como a extensão, pode ser certa ou duvidosa, atual ou potencial. Ela é medida não de acordo com o número de “meros nomes” que possam ser conectados ao sujeito, mas ao número de distintas propriedades que a máxima pragmática poderia distinguir como realmente pertencente ao sujeito da proposição. Isso implica a possibilidade de testar objetos comparáveis e submetê-los a um teste indutivo.

Peirce, de fato, mostra que a indução, por ampliar a extensão dos termos predicados, aumenta a profundidade dos termos sujeitos, corajosamente generalizando a atribuição de uma característica de objetos selecionados a sua coleção. Por outro lado, hipóteses, por ampliar a profundidade dos termos sujeitos, aumentam a extensão dos termos predicados, corajosamente ampliando sua atribuição a novos indivíduos. Então, os dois tipos de inferência ampliativa geram informação (DE TIENNE, 2007; CP 2.408). Voltaremos aos tipos de argumento mais à frente.

De Tienne ainda aponta que o “suposto estado de informação” consiste de um completo conjunto de premissas que suportam uma dada proposição no modo indicativo (o modo genuinamente sintético). Uma vez que a nova proposição é afirmada, ela é adicionada ao estoque de informação, contudo, ao fazer isso, ela pode ou não afetar o “suposto estado” daquela informação de acordo com o modo com que a extensão e a profundidade são aumentadas ou não. Informação não é uma quantidade que automaticamente cresce ou decresce seguindo cada nova afirmação de uma proposição sintética distinta. A razão é que informação não é uma mera soma de quantidades, mas um produto. Informação como a multiplicação de duas quantidades lógicas, extensão e profundidade (ou conotação e denotação), é ela mesma uma quantidade lógica de ordem-superior não redutível ao multiplicador ou multiplicando. Ao contrário disso, a multiplicação muda a dimensionalidade - pelo menos quando não é reduzida, como é frequentemente o caso dos livros escolares, a uma mera repetição aditiva. Informação pertence a uma dimensão lógica diferente. Isso implica que, experiencialmente, ela se manifesta num plano mais elevado. Atribuir um predicado a um sujeito num juízo da experiência é reconhecer que os dois ingredientes multiplicados, em sua conjunção copulativa, produzem um novo tipo de entidade lógica, que não é meramente fruto ou efeito de sua união, mas aquela cuja antecipação realmente causou a união. Pragmaticamente, cada proposição, ao expressar-se, cumpre parcialmente a finalidade a que conduz sua formação.

Portanto, termos são ordenados em proposições de acordo com sua extensão e profundidade (W 3.88, 3.98f). Na proposição “Cobras são répteis”, por exemplo, o termo “réptil” é mais amplo que o termo “cobra”, uma vez que sua extensão inclui todos os outros répteis. Entretanto, o termo “cobra” é mais profundo que “réptil”, visto que ele conota qualidades essenciais para répteis e aqueles que tipificam cobras. Isso é um princípio geral de lógica; então, em qualquer proposição da forma “S é P”, “S” possui mais profundidade informada do que “P” e “P” possui mais extensão informada do que “S”. Geralmente, a relação dos termos em uma proposição de forma “S é P” acarreta que todos os objetos denotados por “S” são “casos sob” “P”. Assim, a explicação de termos por proposições pressupõe como uma condição de sua possibilidade que a classe de possíveis objetos que os termos simbolizam seja ordenada de acordo com uma hierarquia (W 3.98). Os únicos “efeitos concebíveis” de um objeto são aqueles que determinam seu lugar em um sistema hierárquico de tipos gerais (FORSTER, 2003).

Contudo, deve-se notar que, na concepção de Peirce, contrariamente à opinião consagrada, o aumento da compreensão de um termo não significa necessariamente a diminuição de sua extensão e vice-versa. Caso as ideias de Peirce estejam corretas, é possível aumentar a precisão, sem que se perca em extensão e vice-versa. Por exemplo, nos casos em que o estado de informação é intermediário entre o pleno, mas estrito, conhecimento da essência de um termo e o conhecimento pleno da substância do Objeto por ele definido, será possível acrescentar profundidade a um conceito, sem que ocorra diminuição de sua extensão. O acréscimo de informação proporcionado se dá por meio de atribuição de novos predicados em um juízo sintético.[4]

Finalmente, retornando à nossa discussão a respeito dos termos e proposições, poder-se-ia perguntar qual é a natureza do signo que une o termo “S” ao termo “P”, de tal modo que construa a proposição “S é P”.  O par de termos “cobras” e “répteis” da proposição “cobras são répteis”, por exemplo, forma um par de coisas conectadas por um verbo, o signo “são”, que funciona como um índice da conexão em sua reação atual. Ou seja, as proposições requerem que haja uma sintaxe real, a qual é um índice daqueles elementos do fato representado que correspondem ao sujeito e ao predicado. Isso é aparente em todas as proposições, sob o nome de cópula. Cópula (ou, mais precisamente, o verbo que é uma cópula, em nosso exemplo) é a terceira parte de uma proposição, que meramente dá a forma que a sintaxe pode tomar (ela é meramente formal, não contendo nenhum conteúdo ou complexidade). (EP 2.298, 2.310; CP 1.547, 2.343).

Um retrato de um homem, com o nome do homem escrito em baixo, é estritamente uma proposição, embora sua sintaxe não seja a da fala e o próprio retrato não somente represente, mas seja um Hipoícone[5]. Mas o nome próprio aproxima-se de tal modo do Índice, que pode ser suficiente para dar a idéia de um Índice informacional. Um melhor exemplo é uma fotografia. A mera impressão da chapa fotográfica, nele mesma, não veicula qualquer informação. Mas o fato, o qual é virtualmente uma seção de raios projetada a partir de um objeto por outro modo conhecido, torna-a um Dissigno.... Notar-se-á que esta conexão de uma impressão, que é o quasipredicado da fotografia, com a seção dos raios, que é o quasi-sujeito, é a Sintaxe do Dicissigno; e semelhantemente à Sintaxe da proposição, é um fato concernente ao Dicissigno considerado como um Primeiro, isto é, em si mesmo, independentemente de ser um signo. (CP 2.239).

A essência fundamental da cópula é expressar uma relação de um termo ou termos gerais ao universo de predicação (ou universo dos sujeitos de atribuição). Esse universo deve ser bem conhecido e mutuamente conhecido e concordado em sua existência, em algum sentido, entre quem fala e quem houve, ou não haverá comunicação. O universo é, assim, não um mero conceito, mas é a mais real das experiências (CP 3.621). Em cada proposição, as circunstâncias de sua enunciação mostram que se refere a uma coleção de indivíduos ou de possibilidades, a qual não pode ser adequadamente descrita, porém, só pode ser indicada como algo familiar a ambos: o orador e o ouvinte. Num dado momento, ele pode ser o universo físico; em outro, pode ser o mundo imaginário, de algum jogo ou novela (CP 2.536). Peirce, então, irá dizer:

Quando uma criança aponta para uma flor e diz “Linda”, que é uma proposição simbólica; pois a palavra “linda” sendo usada, representa seu objeto somente em virtude de uma relação com ele, que ele não teria intencionado e entendido como um signo. O braço apontado, contudo, que é o sujeito dessa proposição, usualmente indica seu objeto somente em virtude de uma relação para com seu objeto, que ainda existiria, embora não se pretendesse que indicasse de modo algum aquele signo. Pois só pode ser o sujeito daquela proposição simbólica se se pretender que seja e assim for compreendido. Ser somente um índice da flor não é suficiente. Somente torna-se o sujeito da proposição porque sendo ele um índice da flor, é prova que se pretendeu que assim fosse. Do mesmo modo, todas as proposições ordinárias referem-se ao universo real e, usualmente, ao ambiente mais próximo. Assim, se alguém invade a sala e diz “Há um incêndio!” sabemos que está falando sobre a redondeza e não sobre o mundo das “Lendas das Mil e Uma Noites”. São as circunstâncias sob as quais foi enunciada ou escrita a proposição que indica aquele contexto que está sendo referido. Mas não fazem isso simplesmente como índice do contexto, mas como prova de uma relação intencional da fala para com seu objeto, relação que ele não manteria se não se pretendesse que ele fosse um signo. (CP 2.357).

Peirce geralmente identifica proposições como pertencentes à classe dos símbolos dicentes. Isso significa que as proposições são intrinsecamente convencionais, estando relacionadas com seus objetos pela razão e que são interpretados como signos de fato, sendo assim um dicente. Devemos lembrar que um signo dicente é aquele cujo interpretante o representa como sendo endemicamente relacionado ao seu objeto. Assim, uma proposição é um símbolo interpretado como índice (HOUSER, 1992). Por consequência, a proposição, para chamar a atenção, deve indicar o mundo real e singularizar o enunciado, situando-o. A proposição deverá conectar o pensamento a uma experiência particular (CP 8.368 n23, 4.544, 4.56, 3.363, 2.337).

Podemos encontrar alguns signos desse tipo na linguagem natural, na forma de nomes próprios, pronomes pessoais, pronomes demonstrativos (impropriamente chamados assim, pois termos como “este” e “aquele” não demonstram, apenas indicam), interjeições, mesmo letras presentes em diagramas (CP 3.419, 3.361, 2.287). Deve-se, ainda, acrescentar a essa lista alguns signos não-linguísticos, os quais não possuem uma forma de discurso particular para mostrar que estão se referindo ao mundo real, tais como: olhares, gestos, cores, cheiros, entre outros, que atuam sobre o intérprete de diferentes modos e o levam a prestar atenção na realidade (ENGEL-TIERCELIN, 1993, p. 291). Como consequência,

[...] ao se fazer equivaler Símbolo Dicente e Proposição ordinária, não se pretende reduzir os Símbolos Dicentes às proposições lingüísticas, embora essas últimas possam ser, para os investigadores, exemplos característicos daquela classe de signos e, mesmo privilegiados, dado o convívio que os homens mantêm com os signos lingüísticos e em especial com as proposições assertivas. Não se pode, também, menosprezar o fato de que entre os homens somente os signos naturais parecem poder cumprir genuinamente funções simbólicas. Dos sistemas bem codificados, ao menos na cultura ocidental, o código lingüístico é o mais desenvolvido e, provavelmente o mais completo, constituído por signos naturais. Sem, portanto reduzir a classe dos Símbolos Dicentes à das Proposições lingüísticas, recorrer a esta última para melhor entender a classe geral a que pertencem. Recorrendo a este expediente, deve-se, todavia, manter a ressalva de não se atribuir à classe geral, propriedades exclusivas da subclasse tomada como exemplo e referência. (SILVEIRA, 2007, p. 119).

Peirce acreditava que a questão da natureza das proposições era uma das questões mais básicas e importantes da lógica. Talvez por essa razão, seus escritos em Lógica e Semiótica, principalmente no período compreendido entre 1890-1910, tenham criticado os lógicos de seu tempo. Podemos perceber dois focos principais de suas críticas relacionadas às proposições: a) a confusão entre questões lógicas e psicológicas; e b) por falharem em distinguir proposições de asserções e juízos. Não resta dúvida de que havia e talvez ainda haja algumas dificuldades de entendimento a respeito dessa terminologia (HAAPARANTA, 2002; HILPINEN, 1992).

No manuscrito On the System of Existential Graphs Considered as an Instrument for the Investigation of Logic (Ms. 499, NEM 4.248), Peirce define uma proposição como o signo cujo juízo é uma réplica, e sua expressão linguística outra. No mesmo texto, ele afirma que a essência da proposição não está em ela ser composta, mas, ao contrário, está em ela ser asseverada ou ao menos concebida para ser asseverada. No entanto, um juízo é claramente mais do que uma mera réplica mental de uma proposição. “Ele não apenas expressa a proposição, mas vai mais longe e a aceita.» (NEM 4.248). De acordo com Short (2007, p. 246), o texto Nomenclature and divisions of triadic relations, as far as they are determined (EP 2.289-99) é um bom exemplo da rejeição de Peirce a respeito do “psicologismo” de muitos lógicos do século dezenove, especialmente os germânicos, os quais supunham que a lógica é uma ciência de julgamento, um ato mental. Nele podemos ler que um juízo é o ato mental pelo qual o juiz busca imprimir a si mesmo a verdade de uma proposição. O mesmo pode ser aplicado ao ato de asserção de uma proposição. No entanto, o lógico, como tal, não se importa com a natureza psicológica do ato de julgar. A questão para ele é: “Qual é a natureza do tipo de signo cuja variedade principal é chamada de uma proposição, que é o assunto sobre o qual o ato de julgar é exercido?” A resposta dada por ele é que uma proposição não precisa ser asseverada ou julgada. A proposição pode ser contemplada como um signo capaz de ser asseverado ou negado. Esse signo mantém o seu pleno significado, seja realmente afirmado ou não (EP 2.292–3).[6]

Ora, se a asserção e o juízo são alguma coisa diferente dos símbolos dicentes que expressam a proposição afirmada, a que classe, pois, eles pertencem? Podemos responder que réplicas de símbolos dicentes (mais precisamente: legissignos simbólicos dicentes) são sinsignos dicentes (sinsignos indicativos dicentes) de um tipo peculiar (EP 2.296). Uma réplica é um sinsigno cujas ocorrências estão subjacentes a uma lei (legissigno) que lhes confere significação (CP 2.246). A letra “e”, por exemplo, aparecerá várias vezes ao longo deste trabalho e, em todas as suas ocorrências será a mesma letra (o mesmo legissigno). Cada ocorrência singular, por sua vez, que aparece na escrita, ou no pensamento silencioso do leitor dessas letras, será uma réplica (um sinsigno) desse signo geral.

Devemos ressaltar que Peirce (CP 7.566) insiste fortemente que “[...] uma proposição que não tem nada a ver com a experiência é desprovida de qualquer significado.” Mais ainda, que o significado racional de cada proposição se encontra no futuro e que esse significado é ele mesmo uma proposição: ela é uma tradução dessa proposição. Entretanto, poderíamos perguntar: da grande quantidade possível de formas em que uma proposição pode ser traduzida (réplicas), qual é aquela que será seu significado? Conforme o pragmatismo, será aquela forma em que a proposição começa a ser aplicável à conduta, não nessa ou naquela circunstância especial, não quando dá atenção a esse ou aquele plano especial, mas aquela forma que é mais diretamente aplicável ao autocontrole sob cada situação e a todo propósito. Eis porque o significado se encontra no futuro, pois a conduta futura é a única que se encontra sujeita ao autocontrole. Todavia, para que essa forma de proposição seja aplicável a cada situação e para todos os fins sobre os quais tem influência, ela deve ser simplesmente a descrição geral de todos os fenômenos experimentais que a afirmação ou negação da proposição prevê virtualmente. Para um fenômeno experimental, é o fato afirmado pela proposição de que a ação de uma certa descrição terá um certo tipo de resultado experimental; e resultados experimentais são os únicos resultados que podem afetar a conduta humana. Quando um homem, por exemplo, age propositalmente, ele atua sob a crença em algum fenômeno experimental. Consequentemente, a soma dos fenômenos experimentais que uma proposição implica se torna sua influência sobre toda a conduta humana (CP 5.427).

De acordo com Vailati (apud PIETARINEN, 2008), proposições podem variar os seus significados, dependendo do meio lógico em que estão inseridas. Ele diz que todo o conjunto do contexto teórico contribui para a produção de consequências verificáveis e que falar do significado de uma proposição só faz sentido em relação ao conjunto constituído por proposições e outras situações concebíveis. No entanto, segundo De Tienne (2007), toda proposição está sujeita a uma condição de coerência e consistência, que é teleológica por completo, e preside todas as representações. A ideia é que há um continuum ou uma história contínua de antecipação que atravessa todo o processo sígnico, de sua origem dentro do objeto dinâmico para o seu fim no interpretante final. A fim de se tornar e permanecer informativa, as proposições devem ser avaliadas ou monitoradas quanto à confiabilidade de sua fonte, a história inferencial que levou à sua formulação, o propósito que levou ao modo e ao timing de sua expressão, sua capacidade de manter a coerência com novas proposições, sua utilidade potencial para inferências futuras e sua aptidão para continuar interpretável e potencialmente agir de acordo com seu objeto. A informação é, portanto, intrinsecamente processual - não no sentido mecânico, porém, num sentido semiótico e, por conseguinte, teleológico - justamente porque ela deve ser antecipada como uma boa razão ou boa base para o futuro e, assim, fornecer a direção e coerência para inferências posteriores.

Logo, dizer que uma operação da mente é controlada é dizer que ela é, num sentido especial, uma operação consciente; e isso, sem dúvida, é a consciência do raciocínio. Essa teoria requer que, no raciocínio, devamos ser conscientes não apenas da conclusão e de sua aprovação deliberada, mas também de que isso é o resultado das premissas a partir das quais ela é construída e, além disso, que aquela inferência seja uma das classes possíveis de inferências que obedecem a um princípio orientador. Se aquele que está raciocinando é consciente, mesmo que vagamente, de qual é o princípio orientador de seu raciocínio, esse processo deveria ser chamado de uma argumentação lógica (CP 5.441).

A lógica supõe que não somente se produzam inferências, mas que essas estejam submissas à crítica; e portanto não somente requeremos a forma PC a fim de expressar um argumento, mas também uma forma, P[i]C[i], para expressar a verdade de seu princípio condutor. Aqui P[i] é qualquer uma das classes de premissas, e C[i] a conclusão correspondente. O símbolo é a cópula, e significa primeiramente que cada estado de coisas no qual uma proposição da classe P[i] é verdadeira, é um estado de coisas no qual as correspondentes proposições da classe C[i] são verdadeiras. (CP. 3.165).

De acordo com Peirce (CP 7.459), o raciocínio começa quando estamos conscientes de que um juízo é efeito em nossa mente de um certo juízo que já havíamos formado anteriormente, sendo chamado de premissa o juízo que é a causa e de conclusão aquele que é o efeito. Quando estamos conscientes de que uma certa conclusão por nós traçada é determinada por uma certa premissa, nós teremos três coisas mais ou menos claras, em nossa mente: a) a necessidade de acreditar na conclusão como uma consequência da crença na premissa; b) conceberemos que há toda uma classe de inferências possíveis análogas àquela atualmente efetuada; e c) acreditaremos que todas essas inferências, ou ao menos grande parte delas, seriam verdadeiras.

Neste ponto, como sugerido por Peirce (CP 2.442-44), devemos examinar com cuidado a natureza da inferência. Devemos notar que o primeiro passo da inferência consiste em colocar juntas certas proposições que acreditamos serem verdadeiras, mas que anteriormente não foram consideradas unidas, ou não foram unidas do mesmo modo. Esse passo é chamado de coligação. A asserção composta resultante da coligação é uma proposição conjuntiva, ou seja, ela é uma proposição com um ícone composto e usualmente com um índice composto. O passo seguinte é contemplar esse ícone complexo, permitindo considerar um de seus aspectos ou qualidades em detrimento de outros que possa ter, de sorte a produzir um novo ícone. O terceiro e último passo diz respeito à generalização da verdade da conclusão às conclusões decorrentes de premissas semelhantes, quando forem mantidas relações idênticas no processo inferencial.

Segundo Silveira (2007, p. 135), a presença de uma qualidade ou possibilidade positiva, que é objeto da asserção nas proposições, isto é, a presença de um ícone, é a condição básica da inferência. Somente essa dimensão de primeiridade é que permite que um predicado possa ser transferido a outro sujeito, fazendo surgir um novo conhecimento - um juízo sintético. Caso haja um controle consciente da operação, torna-se possível desdobrar do ícone complexo suas possíveis capacidades predicativas (não importando se o ícone decorre de proposições coligadas ou de uma única premissa). Ao tornar possível a atribuição de um predicado a outro sujeito ou descobrir no predicado uma qualidade ainda não discriminada, estabelece-se o nexo causal que possibilita generalizar as consequências obtidas para todas as proposições semelhantes.

Assim, vemos que o mais importante é que cada inferência seja pensada, no momento em que é traçada, como uma parte das possíveis classes de inferências. Não há nenhum outro elemento de inferência essencialmente diferente daqueles que foram mencionados. É verdade que mudanças ocorrem geralmente nos índices, bem como no ícone da premissa. Alguns índices podem ser abandonados. Alguns podem ser identificados. A ordem da seleção pode algumas vezes ser mudada. Contudo, todas as ordens ocorrem substancialmente da mesma maneira, em que uma característica do ícone atrai a atenção e deve ser justificada na inferência, por meio de experiências sobre os ícones. Nesse sentido, parece que todo o conhecimento vem a nós através da observação. Os três elementos essenciais de inferência são, então, a coligação, a observação e o julgamento de que aquilo que observamos nos dados coligados segue uma regra. (CP 2.444).

Se nos voltarmos para a história das ciências físicas, como exemplo de uma boa aplicação do pensamento no mundo externo, descobriremos que todas elas passaram pelas seguintes etapas: a) um fenômeno interessante nos chama a atenção; b) alguém inventa um instrumento ou um método pelo qual os elementos do fenômeno podem ser submetidos à experiência; e c) um processo de análise experimental é realizado, resultando no reconhecimento de uma lei, ou a relação exata entre os diferentes elementos do fenômeno (CP 7.276).

Peirce, em 1897, enunciou que qualquer raciocínio positivo possui “[...] a natureza de julgar a proporção de alguma coisa em relação ao todo de uma coleção pela proporção encontrada em uma amostra. Assim, há três coisas que nunca devemos esperar através do raciocínio, a saber: certeza absoluta, exatidão absoluta e universalidade absoluta.” Todavia, se certeza, exatidão e universalidade não podem ser atingidas por meio da razão, certamente não há outro meio pelo qual elas possam ser alcançadas (CP 1.141-2). Parece claro, aqui, que Peirce, ao falar de raciocínio positivo, cuja função lógica é estabelecer as relações entre uma amostra e o todo de uma coleção que ela representa, se refere à indução. Porém, é importante notar que o raciocínio indutivo é apenas uma das três classes de signos que dão forma ao pensamento argumentativo e a todo o processo investigativo por ele sustentado (IBRI, 2000).

Peirce dividiu os Signos argumentativos em Abdução, Dedução e Indução, considerando-os os três tipos elementares possíveis de raciocínio (como tipo composto, teríamos, por exemplo, a analogia). Conforme vimos há pouco, eles são classes específicas de Signos que dão forma ao pensamento, estando presentes na vida cotidiana. Contudo, na Ciência, eles poderão contar com dados obtidos a partir de instrumentos e métodos mais eficazes, bem como tratados com uma lógica mais rigorosa do que aqueles que são utilizados na vida comum. Entretanto, devemos ressaltar que a grande novidade com relação aos tipos de Argumento está na introdução da Abdução como um raciocínio genuíno (TURRISI, 1990).

Frente à estranheza de uma experiência, uma inteligência deverá inferir abdutivamente, predizendo e regulando a sua conduta futura. A experiência lhe dará um forte estímulo, na esperança de que tenha sucesso no futuro (CP 2.270). A capacidade da mente em gerar esse tipo de poesia é marcante, como forma conceitual capaz de representar o fenômeno ao qual pertenceria aquela experiência. Ao relacionar os elementos envolvidos na experiência, o processo Abdutivo poderá supor qual seria, entre as muitas possibilidades, a conduta mais adequada para o futuro.

A Abdução forma, na mente, uma ideia que proporcionará uma hipótese a respeito de que conduta poderá ser assumida, a fim de que seus objetivos sejam alcançados de forma rápida e eficaz. A abdução é a única operação lógica que apresenta uma ideia nova à mente. O raciocínio hipotético é a forma mais fraca de argumentação; no entanto, é um caso de lei geral, uma possibilidade in futuro, à espera de refutação. Por meio de uma construção diagramática, a mente vai relacionar os elementos da experiência, possibilitando uma conduta futura autocontrolada, sem que possa, com isso, garantir seu sucesso (CP 7.218-22, 5.171, 2.96, 1.121; THAGARD, 1977).

Perceba-se que “[...] por mais fraca que a inferência sintética possa ter sido inicialmente, mesmo que ela tivesse a mais fraca tendência para produzir verdade, ela vai continuamente se tornando mais forte, devido ao estabelecimento de premissas cada vez mais fortes.” (CP 2.510). Esse é o papel da Indução: por ela, as hipóteses em suas consequências experimentais serão testadas, podendo a mente inferir até que ponto suas expectativas foram alcançadas (CP 2.269). A Indução é um tipo de raciocínio que, a partir de uma teoria, busca predizer fenômenos e observar o quanto essas predições se aproximam da teoria, sendo que, quanto mais distante do idealizado, menor será sua representatividade (CP 8.237 e 2.269; CHENG, 1966, 1967; SHAROE, 1970). “A Indução pode ser definida como um argumento que assume que toda uma coleção, da qual um certo número de instâncias foi tomado ao acaso, tem toda ela os caracteres comuns àquela instância.” (CP 1.515). É bom lembrar:

Toda a crítica realizada por Peirce às teses de Francis Bacon, de John Stuart Mill e dos positivistas clássicos comprova sobejamente que ele não adota uma posição “indutivista” que exclua do pensamento seu caráter ativo e generalizador. O peso, porém, que confere à experiência para garantir o conhecimento da realidade é maior do que o exigido pelo pensamento kantiano. Para Kant, todos sabemos, o único domínio legítimo do pensamento sintético é o da experiência possível, mas os juízos transcendentais são dotados de estrita necessidade e universalidade por decorrerem das formas “a priori” da intuição e, formalmente, das categorias “a priori” do entendimento. Para Peirce, o pensamento não exige formas “a priori” para emitir juízos científicos. A ciência em suas conclusões gerais não confere à inferência qualquer caráter de estrita necessidade e universalidade. A ciência é sempre conjectural, se bem que geral e rigorosa. As conclusões são sempre passíveis de refutação e aperfeiçoamento e é a experiência que as verifica e que a qualquer momento pode de direito refutá-las. (SILVEIRA, 2007, p. 160).


A Dedução, por sua vez, apesar de também partir de um estado hi potético, não questionará a conformidade desse estado com o mundo Real. Ela focará apenas se as hipóteses expressas em suas premissas são adequadas às conclusões, determinando se as conclusões podem ser aceitas. Note-se que não estamos aludindo à verdade das conclusões, isso não importa para esse tipo de raciocínio. Ele é apenas um raciocínio matemático, que se inicia numa hipótese e verifica se suas conclusões estão relacionadas a ela (CP 8.209). “A Dedução é um argumento cujo interpretante representa que ele pertence a uma classe de argumentos possíveis precisamente análogos que é de tal natureza que, no decorrer da experiência, se eles forem verdadeiros terão conclusões verdadeiras.” (CP 2.267).

Parece-nos oportuno, a esta altura, estabelecer quais são as relações da Dedução com o levantamento de hipóteses. Peirce, em um texto provavelmente escrito em 1910 (CP 8.229), indica um bom caminho para entendermos a relação entre a Abdução e a Dedução. A mente, partindo de um estado de coisas que de algum modo a surpreende, formulará uma hipótese não totalmente desprovida de procedência, a qual permitirá a ela deduzir suas consequências. Nesse ponto, o papel da Dedução será, por meio de um raciocínio matemático ou por um raciocínio silogístico, desdobrar das hipóteses suas implicações lógicas. Ou seja, a mente, ao ser submetida à experiência, será levada a construir hipóteses mais adequadas àquilo que está experienciando. A hipótese criada proporá as modificações que poderiam mais eficazmente adequar a conduta à experiência vivida. Uma vez estabelecidas as mudanças possíveis, a mente desdobrará suas consequências sobre a conduta. Dessa maneira, se, na verificação indutiva de uma determinada conduta, os desdobramentos produzidos a partir de uma hipótese se mostrarem falsos, serão necessariamente falsas as premissas que lhe foram oferecidas. Em suma, a abdução cria, a dedução explicita e a indução verifica (YU, 1994).

Assim, parece-nos claro que a Dedução subsegue à Abdução, sendo anterior à Indução. Essa localização intermediária que a Dedução possui, na progressão do raciocínio, possibilita que, indutivamente, mais prontamente sejam identificados os pontos falhos da hipótese original. A articulação do raciocínio abdutivo (elaborando hipóteses) e da dedução (tirando das hipóteses suas conclusões experimentais concebíveis) irá exigir que, pelo processo indutivo, se verifique experimentalmente, ao longo do tempo, o grau de adequação dessas hipóteses aos fenômenos que se pretendem conhecer. Pelo raciocínio indutivo e por meio de experimentos reais, será possível, no decorrer do tempo, testar progressivamente a adequação da hipótese à reali dade dos fenômenos.

Em outras palavras, a indução, a partir de uma hipótese suficientemente explicitada pela dedução, infere o quanto ela (hipótese) é aplicável ou não a uma classe de existentes, e nos dá uma garantia racional, embora provável, de nosso conhecimento positivo (CP 2.96; cf. também CP 2.755-59 e CP 8.227, para saber sobre indução qualitativa e quantitativa).

 No caso de haver adequação, mesmo que parcial, das hipóteses à realidade dos fenômenos, esse processo de fortalecimento das hipóteses tenderá, num universo evolucionário, para um estado cada vez mais perfeito de representação da conduta. Adotado, assim, o método Indutivo para a avaliação das hipóteses, gradualmente vai-se efetivando uma aproximação assintótica de um hábito de conduta último, o qual satisfaça completamente as ambições de uma inteligência científica (CP 2.269, 7.110).

Segundo Pape (1999), na produção de hipóteses e na verificação indutiva de suas consequências dedutivas, o significado das relações de antecedente-consequente determina nossa concepção do objeto para o qual as nossas percepções e ações se referem. Tendo em vista  que a formulação no início de 1878 destaca “efeitos sensíveis” e “consequências práticas”, uma formulação final da máxima pragmática de 1905 salienta que a aceitação das consequências hipotéticas desempenha um papel lógico importante para o esclarecimento de conceitos teóricos: para verificar o significado de uma concepção intelectual, deve-se considerar que consequências práticas poderiam concebivelmente resultar por necessidade da verdade daquela concepção, e a soma dessas consequências constitui todo o significado da concepção (CP 5.9). Se você analisar cuidadosamente a questão do pragmatismo, você verá que ele nada mais é do que a questão da lógica da abdução (CP 5.196).

Na visão de Peirce, por conseguinte, a explicação dos símbolos só é possível na medida em que as qualidades gerais (representadas por termos) são realizadas por objetos em estados de coisas (representadas por proposições) legalmente relacionados entre si (como representado pelos argumentos). Como o sentido intelectual de um termo ou proposição é determinado pela sua função na argumentação, os efeitos concebíveis de um objeto devem ser caracterizados como resultados de leis que regem a sua propensão de instanciar-se em várias qualidades, em virtude da sua adesão a vários tipos gerais (FORSTER, 2003).

De acordo com De Tienne (2007), precisamos lembrar que cada sím bolo é teleológico, no sentido em que, visando ao seu próprio desenvolvimento em novos interpretantes, adota uma forma condicional (poder ser - would-be), que o orienta para o futuro. Como legissignos, desse modo tendo a natureza de uma lei, os símbolos são enunciações parcialmente gerais e parcialmente vagas do que poderia acontecer no futuro, dadas certas condições antecedentes. Eventos semióticos são vetorizados, eles não acontecem por acaso, mas dentro de um continuum inferencial que garante que as proposições que concluem os argumentos, especialmente as ampliativas, se tornem premissas de novos argumentos. Signos tecem fios de pensamento, não para seu próprio bem e nunca para o bem dos signos anteriores que deram origem a eles, mas para o bem comum incorporado no próprio continuum.

ABSTRACT: Pragmatism, as proposed by Charles S. Peirce, should be considered a method for the theoretical production of thought that aims the construction of concepts, which takes the form of a logical maxim guiding scientific conduct. If a concept is a sign relationship and its understanding a sign process, we find in Peircean semiotics a strategy to discriminate the stages of conceptual understanding and to evaluate the meanings of abstract terms and concepts. Therefore, the aim of this work is to explain the logical principles that govern the types of Signs that more directly are related to the construction of concepts, namely: the Rhematic Symbol, the Dicent Symbol and the Argument. Such signs correspond to the old division between Term, Proposition and Argument, modified in order to be applicable to the signs in general.

KEYWORDS: Pragmatism. Charles S. Peirce. Terms. Propositions. Arguments.

referênciaS

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Recebido em 10/11/2015

Aceito em 26/12/2016



[1] Pós-Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UNESP/Marília. E-mail: jorge.

barros.pires@gmail.com.

[2] Professor no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UNESP/Marília. E-mail: lfbsilv@gmail. com.

[3] As citações aos textos de Peirce contidos no The Essential Peirce seguirão a convenção já estabelecida pela comunidade de leitores de suas obras: as iniciais EP, seguidas pelo número do volume e número da(s) página(s). Os Collected Papers serão citados pelas iniciais CP, seguidas do número do volume e do parágrafo. A mesma convenção vale para suas outras obras: NEM para The New Elements of Mathematics e W para Writings of C. S. Peirce. Para os manuscritos não publicados de Peirce, será usado MS, seguido da paginação, de acordo com o Institute for Studies in Pragmatism. A paginação adotada por esse instituto é a mesma elaborada originalmente por Robin (1967).

 

[4] Para saber mais sobre estados de informação, cf. Silveira (2008).

[5] De acordo com Peirce (CP 2. 276), um ícone, em virtude de sua qualidade, é puramente uma possibilidade tomada isoladamente e seu objeto é uma Primeiridade. Todavia, um signo pode representar seu objeto predominantemente por sua similaridade (iconicamente), sem importar seu modo de ser. Caso seja exigido um substantivo, um signo pode ser denominado um Hipoícone. Assim, qualquer imagem material, tal como uma pintura ou fotografia, é amplamente convencional em seu modo de representar, mas, em si mesma, se não possuir legenda ou algo que a rotule, poderá ser chamada de hipoícone.

[6] Segundo Short (2007, p. 246), o antipsicologismo em lógica é um dos vários paralelos que podemos encontrar entre os trabalhos de Peirce e seu contemporâneo Gottlob Frege (1992).