tRADUÇÃO: De Lukács à Escola de Frankfurt[1]

 

Bruna Della Torre de Carvalho Lima[2]

Eduardo Altheman Camargo Santos[3]

 

A Escola de Frankfurt

Dentre diversas outras influências, os teóricos críticos da Escola de Frankfurt foram inspirados pela filosofia da práxis tal como a descobriram na obra de juventude de Marx e de Lukács. O conceito de natureza de Marx e a teoria da reificação de Lukács são fundamentais para o pensamento de Horkheimer, Adorno e Marcuse.[4] A distinção entre teoria tradicional e teoria crítica deriva diretamente do revival da dialética, nas obras de Lukács, Korsch, Bloch e outros que escreveram no começo da década de 1920.

Há uma conexão mais profunda do que a simples influência entre a Escola de Frankfurt e a filosofia da práxis. Vimos que Marx e Lukács se ocupam de certos temas que permanecem unidos numa figura de pensamento específica. Em seu núcleo está a metacrítica[5] da filosofia, a noção de que as típicas oposições binárias da tradição, tais como a separação entre sujeito e objeto, juízo de fato e juízo de valor, razão e vida, constituem antinomias que dependem, em última instância, da estrutura da sociedade e só podem ser superadas por meio da mudança social. Esse afastamento da especulação filosófica na direção da ação implica um historicismo absoluto, sem o qual a mudança social não teria significado ontológico. “Absoluto”, nesse contexto, significa completamente abrangente. A natureza é, assim, incorporada à história por um ou outro meio conceitual. Todos esses temas reaparecem na Escola de Frankfurt, elaborados de maneiras originais.

            Não é necessário assumir a influência direta de História e Consciência de Classe, embora isso não possa de modo algum ser excluído. A Escola de Frankfurt desenvolve suas posições características em oposição tanto ao “materialismo dialético” soviético, quanto à filosofia acadêmica ocidental. Ao perseguir esse projeto, ela simplesmente toma como dados muitos dos temas explorados por Lukács, Bloch e Korsch, os quais também são encontrados em textos do jovem Marx, cujo significado se tornou claro com a publicação dos Manuscritos Econômico-Filosóficos, em 1932.

            No entendimento da Escola de Frankfurt, a versão da filosofia da práxis de Lukács falha no seu projeto principal, a Aufhebung da filosofia num sujeito-objeto idêntico. Por vezes, esse julgamento é baseado numa interpretação simplesmente incorreta. Isso fica especialmente claro na Dialética Negativa, de Adorno, que se dirige obviamente a um espantalho, conforme argumentei no capítulo anterior. Além de uma falha interpretativa, existem razões mais profundas detrás da rejeição do pensamento de Lukács. Lukács partilha da ambição da filosofia clássica alemã de construir um racionalismo universal, embora ele pretenda alcançar esse objetivo por intermédio da teoria social, ao invés da especulação filosófica. Essa ambição parece, aos filósofos da Escola de Frankfurt, excessiva e perigosa.

            A ideia mesma de um racionalismo universal parece obviamente exceder as possibilidades do entendimento humano finito. E, ainda assim, há riscos em aceitar o óbvio, nesse caso, pois o irracional não permanece simplesmente em seu estado cognitivo, como o X desconhecido. Ele se intromete invariavelmente na vida prática sob o disfarce de religião, tradição, preconceito racista ou nacionalista, até mesmo de um Führer. O esclarecimento tentou exorcizar tais ameaças, através de um racionalismo que se degenera, conforme argumentam Adorno e Horkheimer, num instrumentalismo autoritário entrelaçado com outras forças irracionais que ele não pode controlar. A teoria de Lukács da reificação é uma primeira crítica à degeneração instrumentalista que Adorno e Horkheimer denunciam. Sua solução é uma prática não-instrumental que transforma os significados sociais, a partir de dentro, uma versão prática da crítica imanente. Essa prática, em tese, deveria superar a irracionalidade do existente, “a indiferença entre forma e conteúdo”. Mas, uma vez que ela falha, o problema do racionalismo reaparece em toda sua glória trágica.

            Os filósofos de Frankfurt rejeitam o racionalismo, em sua forma mutilada, na qual este chegou até eles. Eles enxergam na teoria de Lukács uma continuação da atitude produtivista ingênua em relação à natureza característica tanto da sociedade capitalista quanto do marxismo tradicional. Eles colocam a dominação da natureza na pauta marxista pela primeira vez, radicalizando a crítica marxista da ciência e da tecnologia, a qual começa em Lukács, mas que não é levada adiante por ele até a sua conclusão lógica.

            Lukács aborda o problema da dominação social. O conteúdo concreto que irrompe da camisa de força conceitual da reificação é o ser humano que trabalha, não a natureza. Para a Escola de Frankfurt, essa não é uma omissão menor. Eles argumentam que a questão central do século XX é a dominação da natureza. Essa concepção requer certa humildade. Como ser natural, o conquistador da natureza está ele mesmo dentre os conquistados. Marx promete uma natureza completamente humanizada, mas esse projeto culmina na bomba atômica, não na utopia. Lukács promete uma “totalidade”, na qual a objetividade é transparente ao sujeito social, porém, cujo resultado é o totalitarismo. A Teoria Crítica se debate contra essas promessas utópicas.[6]

            A rejeição da versão de Lukács da filosofia da prática também é motivada pela derrocada da unidade entre teoria e prática, isto é, a relação idealizada do marxismo com o proletariado.[7] Teoria e prática só podem ser unidas, quando as tendências à crise identificadas pelo marxismo abrem uma brecha nas formas reificadas, e quando o proletariado invade essa brecha. Lukács acredita nesse prospecto, no início da década de 1920. Ele nota que o proletariado é “livre” para rejeitar seu próprio potencial revolucionário, mas ele partilha do otimismo do levante revolucionário do pós-Primeira Guerra Mundial. Além do mais, ele confiava que as leis econômicas do capitalismo iriam continuamente reproduzir as condições revolucionárias, mesmo que esse levante falhasse. A Escola de Frankfurt forma-se mais tarde, num período no qual a unidade entre teoria e prática está rompida. A revolução é uma possibilidade abstrata, em vez de uma força real – assim concluíram os filósofos da Escola de Frankfurt, com hesitação no início e então, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, cada vez mais sem reservas. Com a derrocada das expectativas revolucionárias, o racionalismo de Lukács aparece como uma ilusão engendrada num momento histórico excepcional.

            Se Lukács falhou em antecipar a derrocada da unidade entre teoria e prática, isto é devido não somente às circunstâncias históricas, mas ao lugar deveras pequeno ocupado pela tecnologia e pela psicologia social, em seu argumento. Por razões óbvias, falta a ele uma teoria da mídia. Lukács, de fato, nota brevemente as consequências reificantes da mecanização e menciona a reificação da subjetividade em jornalistas e outros empregados da classe média. Embora admita que a experiência imediata é reificada para todas as classes, na sociedade capitalista, ele considera os trabalhadores parcialmente isentos, devido à natureza mecânica de seu trabalho. Isso é mais ou menos o resumo total de suas considerações dos fatores que a Escola de Frankfurt toma como responsáveis pelo fracasso da revolução.

            Lukács argumenta que a imposição de uma racionalidade reificada estreita se depara com uma resistência vinda de baixo. Essa dialética institui outra forma mais elevada de racionalidade. A Escola de Frankfurt concentra-se, por contraste, nas consequências do fracasso da resistência e nas formas regressivas de irracionalidade associadas a ele. O tema unificante de suas análises é o crescente poder da tecnologia de controlar os mundos natural e social, num padrão cada vez mais exploratório expresso pelo conceito de “dominação”. Ideias freudianas sobre repressão e estrutura do caráter, novas abordagens do autoritarismo e uma crítica radical do impacto psíquico da arregimentação no trabalho, abundância de bens de consumo, propaganda da mídia, e assim por diante, explicam a eficácia do novo sistema.

            No momento em que finalmente se dá conta de que a revolução não está prestes a alcançar os países avançados da Europa, mas irá permanecer confinada à Rússia por muito tempo, Lukács pensa a política em termos leninistas. Ele não pode mais valer-se dos recursos de seu trabalho anterior, para lidar com os novos problemas que emergiam nas sociedades avançadas. Resulta que ele não elabora uma teoria independente do fracasso da revolução no Ocidente.

            Sem dúvida, a teoria da reificação pode ser utilizada para esse propósito, e é precisamente isso que a Escola de Frankfurt faz. É por reconhecer esse fato que Adorno chama o livro de juventude de Lukács de “importante”, apesar de sua dura crítica, e o elogia alhures como “[...] o primeiro materialista dialético a aplicar a categoria de reificação sistematicamente à filosofia”. (ADORNO, 1977, p. 171)[8]. Ao abordar o papel da reificação no fracasso da revolução, a Escola de Frankfurt avança de modo definitivo.

            A perda das perspectivas revolucionárias tem implicações filosóficas, bem como políticas. De acordo com a metacrítica de Lukács, a tensão entre a forma reificada da sociedade e seu conteúdo humano vivo não é apenas social, mas também aparece na filosofia clássica alemã como uma irracionalidade fundamental e intransponível, expressa pelo conceito de coisa-em-si. A resolução dessa tensão dada por Lukács depende da unidade entre teoria e prática. Na medida em que a Escola de Frankfurt aceita a metacrítica de Lukács, sua rejeição à solução dada por ele reverbera em cada nível de sua abordagem, da teoria política à ontologia.

            O ponto de virada decisivo para a Escola de Frankfurt vem com a Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer. Nesse livro, eles admitem o colapso das esperanças socialistas. A reificação total da consciência, a qual Lukács atribuíra à burguesia e aos estratos médios, agora se estende igualmente à classe trabalhadora. A razão instrumental desgasta a experiência cotidiana e substitui uma relação rica e complexa com a realidade, por simples manipulação. Nenhum mundo com sentido é mais possível. O princípio da vida, que em Lukács minava as formas reificadas, foi cancelado num universo mecanicista.

            A promessa redentora da racionalidade não se encontra mais no futuro socialista, mas é reconstruída em torno do papel da reflexão em reconhecer os limites dos poderes técnicos humanos sobre a natureza interna e externa. A “natureza” agora substitui o processo vital que Lukács identificava com o proletariado. No entanto, essa natureza não é uma força positiva, contudo, nomeia o que é reprimido pela dominação tecnológica. Ela é o objeto de uma recuperação reflexiva que visa a confinar a tecnologia e as forças competitivas que a implantam, com o fito de permitir florescer outras dimensões da existência. O respeito por essas outras dimensões está ligado à compaixão, à solidariedade e à felicidade.

            Na Dialética do Esclarecimento e nos escritos posteriores de Adorno, essa crítica do instrumentalismo não culmina exatamente num conceito positivo de racionalidade capaz de substituir a reificada. A dialética negativa não é tal conceito. Ela não resolve as antinomias, mas as identifica como tais e suspende todas as resoluções prematuras. É a lógica da crítica imanente, e não uma alternativa construtiva.[9] Para que a alternativa implicada pela crítica emerja, seria necessária uma mudança social que Adorno nem descreve e nem prediz. Todavia, Adorno alude tentadoramente a mais do que isso. Uma sociedade reconciliada com a natureza seria uma utopia, embora não usual. Essa utopia não é um plano de existência racional alternativo, mas pode somente ser indicado negativamente, como não este ou aquele horror contemporâneo. Como escreve Adorno (apud BLOCH, 1988, p. 12), “[...] a coisa verdadeira determina-se por meio da coisa falsa”.

            O Homem Unidimensional de Marcuse continua esse argumento, enquanto busca construir uma noção positiva de racionalidade dialética. A diferenciação moderna entre a imaginação e a racionalidade instrumental nega as potencialidades das pessoas e das coisas. Essas potencialidades podem ser apreendidas imaginativamente e incorporadas a um novo conceito de razão. Marcuse retira dos Manuscritos de Marx a ideia de natureza vivida, uma versão marxista do Lebenswelt fenomenológico, a qual ele contrasta com a natureza despojada e quantificada da ciência e da tecnologia. Seguindo o jovem Marx, Marcuse ontologiza a relação humana com essa natureza vivida. A realidade não é o objeto indiferente de um sujeito cognitivo abstrato, mas confronta o sujeito humano como um sujeito por si mesmo.

            A distância entre essa versão da abordagem da Escola de Frankfurt e o jovem Marx e Lukács não é tão grande. No lugar da utopia negativa de Adorno, Marcuse busca especificar os contornos gerais de um futuro alternativo. A ideia de potencialidade é desenvolvida em termos hegelianos, como a negação determinada do sistema capitalista. Ela permanece razoavelmente abstrata à primeira vista, mas ganha substância por meio das lutas da New Left. A natureza agora aparece não apenas negativamente como o reprimido, mas concretamente como o ambiente natural e nas expressões das necessidades humanas de paz, beleza, significado e amor. Nesse ponto, a teoria de Marcuse revela-se uma versão original da filosofia da práxis. Por um longo desvio, a Escola de Frankfurt retorna a suas fontes.

            Neste capítulo e no próximo, rastrearei esses desenvolvimentos, indo e voltando entre a dialética negativa de Adorno e a ontologia “bidimensional” de Marcuse. Este capítulo começará, abordando algumas implicações dos conceitos de natureza e racionalidade, em Horkheimer e Adorno, e concluirá com considerações sobre o impasse político a que eles chegam. O capítulo 8, então, mostra como temas fenomenológicos na teoria da experiência de Marcuse o levaram a uma avaliação muito mais positiva das perspectivas de utopia. Para concluir, apontarei como a ideia da liberação da natureza figura na filosofia da práxis da Escola de Frankfurt. Ao longo do caminho, desenvolverei diversos temas da minha própria teoria crítica da tecnologia, os quais tratam de deficiências na abordagem original da Escola de Frankfurt.

 

Formas de racionalidade

            O caminho que vai das teorias de Marx sobre o fetichismo da mercadoria e a alienação, passando pela teoria de Lukács sobre a reificação até a crítica da dominação da Escola de Frankfurt é um caminho sinuoso, contudo, deve ser seguido para se entender o destino da filosofia da práxis. As teorias de Marx sobre o fetichismo da mercadoria e a alienação dependem uma da outra, de maneiras importantes. Elas se encontram no conceito de trabalho assalariado, a transformação do trabalho em um bem de mercado. Essa transformação aguarda a generalização da troca de mercadorias, que é fortemente restrita em sociedades pré-capitalistas, nas quais a maior parte das terras e do trabalho é excluída dessa troca. O sistema de salário põe em movimento o processo que leva à desqualificação e à mecanização do trabalho. Por meio desse processo, o capitalismo desenvolve uma tecnologia adequada unicamente a seus requisitos. Essa tecnologia reduz o trabalhador a um apêndice da máquina.

            Mostrei anteriormente que a metacrítica de Lukács à racionalidade reificada invoca ambos os componentes da teoria de Marx. Ele argumenta que a forma mercadoria é o modelo de todas as formas de subjetividade e objetividade, na sociedade capitalista, e também assevera que a relação do trabalhador com a máquina realiza essa forma na relação técnica sujeito-objeto. Consequentemente, a racionalidade reificada tem dois aspectos: as leis quantitativas ou formas sob as quais as coisas são apreendidas, e a redução do sujeito da ação a um manipulador das coisas, de acordo com tais leis. Cada aspecto deriva de um ou do outro componente da teoria de Marx, a abstração do fetichismo da mercadoria, e a subjetividade técnica da alienação. A metacrítica de Lukács à racionalidade reificada funda uma alternativa dialética.

            Sob a influência de Hegel, Marx e Lukács, os filósofos da Escola de Frankfurt desenvolvem uma concepção similar de dialética. No entanto, sua ênfase é diferente. Marx e Lukács estavam interessados primariamente na dominação dos seres humanos pelo sistema capitalista. Mas nenhum deles se deu conta de que, na medida em que o ser humano dominado é reduzido a um objeto natural, toda a natureza está implicada na crítica social. Esse é o quiasmo através do qual a Escola de Frankfurt transforma o marxismo em uma crítica da dominação da natureza. Sua reformulação do marxismo, logo, vai além da crítica do capitalismo, para assimilar o próprio conceito de progresso, entendido como a “conquista da natureza”.

            Há algumas diferenças sutis e outras não tão sutis nas formulações desse tema, na Escola de Frankfurt. Esse não é um obstáculo para tratamentos gerais, entretanto, ele cria dificuldades para caracterizar sua posição com precisão. De início, aqui está um esboço de alguns dos pontos em comum, baseado primariamente no livro de juventude de Horkheimer (1947).

            A metacrítica da racionalidade de Horkheimer assemelha-se à distinção de Weber entre racionalidade formal e substantiva. A razão não é “pura”, mas é sempre inserida socialmente de uma das duas seguintes maneiras. A racionalidade substantiva, que Horkheimer denomina “razão objetiva”, incorpora um alvo em sua estrutura. Não é meramente um meio, mas também inclui um fim “objetivamente” válido. Na origem, esse fim é simplesmente a autopreservação. Mais tarde, a religião e a cultura proveem as sociedades pré-modernas de uma variedade de tais fins, mas suas reivindicações não são mais convincentes. Na sociedade moderna, os meios racionais são livres de valores. Tudo o que resta para guiar sua aplicação é a luta pela existência, que elimina qualquer restrição à competição e à exploração da natureza. E, dado que os seres humanos são seres naturais, eles também se tornam vítimas de sua própria tecnologia. Horkheimer introduz o conceito de “razão subjetiva”, para descrever a racionalidade instrumental de um sistema de puros meios, sem um fim substantivo além do aumento de seu próprio poder e alcance.

            A modernidade é caracterizada pelo triunfo completo da racionalidade subjetiva e a consequente “catástrofe do Esclarecimento”, a esperança decepcionada na razão. Os conflitos dos seres humanos e das sociedades perseguindo sua autopreservação individual e nacional com as ferramentas da tecnologia moderna ameaçam sua sobrevivência agora, tanto quanto a natureza bruta sempre o fez. Ademais, o progresso técnico é acompanhado de crescente repressão psicológica. O controle da natureza interna é a condição do controle efetivo da natureza externa. Sob as condições da sociedade de classes, ambas as formas de controle extrapolam sua marca, produzindo patologias individuais e sociais.

            Horkheimer e Adorno (1972, p. 54) protestam contra a busca desenfreada por poder técnico, que eles veem como o núcleo irracional do racionalismo:

Na história da classe, a inimizade do eu com o sacrifício implicava um sacrifício do eu, na medida em que ele era pago com uma negação da natureza no homem em nome da dominação sobre a natureza não humana e sobre os outros homens. Essa mesma negação, o núcleo de toda a racionalidade civilizatória, é o germe de uma irracionalidade mítica que prolifera: com a negação da natureza no homem, não meramente o telos do controle externo da natureza, mas o telos da própria vida do homem é distorcido e obscurecido. Assim que o homem descarta a sua consciência de que ele próprio é natureza, todos os objetivos pelos quais ele se mantém vivo – progresso social, intensificação de todos os seus poderes materiais e espirituais, mesmo a própria consciência – são anulados, e a coroação dos meios como um fim, o que sob o capitalismo tardio é equivalente à insanidade declarada, já é perceptível na pré-história da subjetividade.

 

Horkheimer argumenta que apenas uma generalização da vontade de autopreservação pode salvar a humanidade da autodestruição. Isso requer uma recuperação reflexiva do significado e do propósito originais da racionalidade. A razão não é verdadeiramente livre de valores, mas sempre incluiu uma referência à autopreservação, que ela pode realizar agora somente como um objetivo humano. O controle do mundo natural deve ser guiado por respeito pela natureza humana e por maior dependência dos aspectos do crescimento natural que intrinsecamente afirmam a vida.

A Dialética do Esclarecimento desenvolve esse argumento. A solução que os autores propõem é sugerida obscuramente em passagens esparsas, ao longo do livro. Em uma de tais passagens, Horkheimer e Adorno (1972, p. 40) observam: “Por virtude dessa noção [Eingedenken] da natureza no sujeito, em cuja realização se esconde a verdade reconhecida de toda cultura, o Esclarecimento é universalmente oposto à dominação”.[10] E eles continuam, sugerindo que a dominação só pode ser dissolvida, quando reconhecida como “natureza irreconciliada”. Essa natureza irreconciliada não pode ser conquistada e absorvida, mas deve ser aceita por meio de um processo de reflexão. É tal aceite reflexivo que verdadeiramente desafia o poder. “A prática dominante e suas alternativas inescapáveis não são ameaçadas pela natureza, que antes tende a coincidir com eles, mas sim pelo fato de que a natureza é rememorada [erinnert]” (Horkheimer; Adorno, 1972, p. 255).[11]

 

Participação na natureza

Essas ideias estão situadas no pano de fundo da obra posterior de Adorno. Lá, sua crítica da sociedade se desdobra com uma ênfase ligeiramente diferente daquela de Horkheimer e de Marcuse. A diferença corresponde à ênfase dada a cada uma das duas fontes da noção de reificação em Marx. Adorno recorre principalmente à teoria do fetichismo da mercadoria. O que mais o impressiona é a noção de que a quantidade abstrata substitui a qualidade como aparência imediata por toda a sociedade. Ele generaliza essa noção, conforme Lukács havia proposto, como o “modelo” universal de todas as formas de objetividade e subjetividade. Contudo, diferentemente de Lukács, Adorno apresenta essa tese programaticamente como uma crítica da conceitualização racional. Seu termo para sua abordagem é a “não identidade” entre conceito e objeto. Isso sugere uma hostilidade irracionalista em relação aos conceitos, mas Adorno não é um irracionalista.[12]

Uma consideração marxista do conhecimento deve começar com o fato de que a experiência é uma relação socialmente mediada com objetos reais. A ênfase de Adorno na mediação responde à suspeita de que a experiência foi reificada pelo capitalismo. Esta é uma maneira de interpretar o fetichismo da mercadoria: não nos relacionamos mais imediatamente com a realidade – o valor de uso – do objeto, mas com uma abstração projetada no mercado. Adorno chama de “pensamento identificador” aquele que imagina ter compreendido o que nomeia, ao classificá-lo. A esse respeito, ele se assemelha ao fetichismo da mercadoria que reduz os objetos a um “significado” limitado e abstrato, isto é, ao preço. A classificação é incapaz de penetrar o véu da reificação, uma vez que ignora a história e as conexões da coisa classificada. Superar a imediaticidade é uma tarefa teórica necessária, para além do escopo da mera classificação.

Lukács explica a reificação em termos da forma da objetividade por meio da qual ele distingue entre a forma racional e o conteúdo vivido da experiência. Embora não empregue a terminologia de Lukács, o conceito de Adorno do pensamento identificador e suas consequências materiais na dominação dos seres humanos e da natureza também descreve a estrutura formal da reificação em tensão com seu conteúdo. Recuperar a realidade, logo, requer o reconhecimento daquele conteúdo, o “primado do objeto”, relativo ao pensamento identificador.

A “não identidade” do conceito e do objeto é a diferença entre aquele aspecto do particular que pode ser completamente subsumido sob um universal e outros aspectos que escapam à simples subsunção. O verdadeiro entendimento [understanding] não é baseado em classificar o que aparece imediatamente, mas respeita a complexidade intrínseca de seus objetos. Isso requer muitas investigações conceituais diferentes que medeiam os múltiplos aspectos dos fenômenos. Adorno (1973, p. 162) escreve: “Ao reunir-se em torno do objeto da cognição, os conceitos determinam potencialmente o interior do objeto. Eles alcançam, no pensamento, o que foi necessariamente extirpado do pensamento”.

Adorno designa esse procedimento como a construção de uma “constelação”. Esse aspecto da teoria de Adorno é, em linhas gerais, similar ao conceito hegeliano do concreto, conforme discutido no capítulo 4. Os objetos não são isolados e autocontidos; eles são componentes funcionais na totalidade social. Sua verdade é revelada em agrupamentos de conceitos que articulam suas várias conexões com outros objetos. Esses agrupamentos revelam a contingência do objeto, a falta de unidade, a natureza contraditória. Eles expõem suas potencialidades, assim como sua história e, desse modo, alcançam uma “identidade racional” que representa adequadamente o objeto como um todo mediado. As mediações conceituais articulam mediações reais constitutivas do objeto e que conduzem seu desenvolvimento. Nesse sentido, a constelação transcende a condição de dado [givenness] da coisa. No entanto, Adorno também assevera a transcendência da coisa, enquanto material, em relação ao seu conceito.

O que essa intrigante insistência na realidade material do objeto realmente quer dizer? Adorno certamente não pretende lembrar-nos do simples fato de que as coisas não são pensamentos. Este é um ponto trivial que o Dr. Johnson já resolveu há muito tempo.[13] Mas ele de fato insiste que os pensamentos não são coisas, no sentido de que há sempre mais na realidade do que é refletido em nossa compreensão dela; todo conceito universal, na verdade até mesmo toda constelação de tais conceitos, é incompleto.

Essa não identidade última não é trivial, uma vez que ela sinaliza os requisitos metodológicos de abertura e revisibilidade do conhecimento. No entanto, Adorno vai além disso. Não é somente que as coisas são infinitamente complexas, mas que o caráter relativamente indeterminado da realidade é aberto para nós, por meio de nosso contato corporal com ela. Essa é a dimensão propriamente materialista da não identidade.

Os sujeitos não são cogitos abstratos, porém, pessoas corporificadas, para quem as coisas são presentes fisicamente, e não apenas conceitualmente. Adorno, assim, encontra-se em concordância com aquelas passagens dos Manuscritos de Marx que enfatizam a realidade sensível e material, tanto do sujeito quanto do objeto, em oposição ao idealismo hegeliano. Como Marx assevera, nós somos entidades reais e naturais, e somente enquanto tais podemos ter entidades reais como nossos objetos. A experiência é, no mais fundamental, um encontro, não uma consciência.

Adorno concebe a materialidade como um fato pré-conceitual. Embora isso soe um tanto como fenomenologia, Adorno rejeita não só o conceito de consciência de Husserl, mas também sua versão ontologizada por Heidegger como “ser-no-mundo”. Ele argumenta que a fenomenologia é um positivismo dos fatos imediatos da consciência. Seu conceito de experiência inclui aspectos desprezados, de uma maneira ou de outra, pela fenomenologia, como, por exemplo, a distorção da imediaticidade pelo fetichismo da mercadoria, e as potencialidades das coisas reveladas em suas constelações. A crítica de Adorno é justificada, na medida em que a fenomenologia não tem uma consideração a respeito desses aspectos da experiência.

Tendo rejeitado a fenomenologia, Adorno não propõe uma espécie de explicação causal da percepção à la Locke. A base somática da percepção não é redutível à fisiologia naturalista. Em todas essas explicações, um objeto sem significado, o qual Adorno acusa ser na verdade uma postulação abstrata do pensamento, produz de alguma maneira um efeito de significado no sujeito. Antes, deve-se partir da experiência real, que é um complexo de assim chamados qualidades, significados e valores secundários, juntamente com a interação física direta com o mundo. O encontro experiencial com o concreto não é redutível ao conhecimento dos fatos objetivos, mas é qualitativo e carregado de valor. Adorno assevera que tudo isso é “real”, e não uma ilusão subjetiva ou uma projeção mental. A contribuição do sujeito da experiência não é uma fonte de erro, porém, um componente essencial. Apenas por meio dele os objetos da experiência adquirem significado. Ao interpretar o significado do objeto nesses termos, a constelação nos diz algo sobre a realidade, e não sobre nós mesmos.

Entretanto, essa interpretação da não identidade faz o problema recuar um passo; pois agora, para entender sua asseveração de que somos coisas materiais interagindo com outras coisas materiais, devemos compreender o que Adorno quer dizer com “coisa material”. Infelizmente, esse aspecto de sua teoria é subdesenvolvido. Estudiosos sugeriram uma variedade de interpretações de sua ontologia implícita. Brian O’Connor, por exemplo, argumenta que, apesar de diferenças significativas, a teoria de Adorno tem muito em comum com a fenomenologia, enquanto J. M. Bernstein a relaciona com o conceito de inferência material (Brian, 2004).

Mas, qualquer que seja sua interpretação, os comentadores reafirmam a estrutura básica da filosofia da práxis: uma unidade mais profunda entre sujeito e objeto subjaz à cisão historicamente evoluída devido à dinâmica reificante do capitalismo e exemplificada pela tradição filosófica. Um pensamento que restaura aquelas dimensões suprimidas pode alegar também ser racional em um sentido diverso do instrumentalismo. A racionalidade instrumental emerge por meio da abstração e da redução dessa experiência original mais rica. Seus objetos vêm a ela com uma história e com conexões com outros objetos que ela retira, para chegar a um resíduo quantitativo e manipulável. O conceito “antropomórfico” de experiência de Adorno prescinde do desencantamento efetivo do mundo pelo pensamento técnico-científico moderno.[14]

No entanto, aqui a história se complica. Embora a verdade da sensação seja a mútua mediação e interdependência entre sujeito e objeto, conforme revelada na experiência não reduzida, essa verdade é cada vez menos acessível, na sociedade moderna. O instrumentalismo prevalecente não é meramente teórico, mas afeta a experiência mesma. A experiência diminuída disponível nessa sociedade constitui uma abstração real particularmente perniciosa, que põe em perigo a própria racionalidade, ao reduzi-la a seu aspecto puramente instrumental. As várias antinomias da filosofia brotam dessa redução, a cisão entre sujeito e objeto, valor e fato, e assim por diante. A unidade (se não identidade) entre sujeito e objeto na experiência é bloqueada por um fenômeno social, o processo de desencantamento e, por conseguinte, só pode ser recuperada pela mudança social. O padrão estabelecido nessa análise da experiência é aquele familiar à filosofia da práxis: dessublimação das categorias filosóficas, transposição de suas relações na filosofia idealista para suas substitutas dessublimadas, e resolução das antinomias na história.

A crítica da superextensão da racionalidade instrumental de Adorno parece similar à tese da colonização de Habermas. Assim como tal tese, esse argumento depende de uma noção de equilíbrio apropriado entre relações de mundo diferentes, perdidas no curso do desenvolvimento capitalista. Mas Adorno antecipa a formulação de Habermas e a rejeita de antemão. Em “Sobre Sujeito e Objeto”, ele critica como “vergonhoso” o conceito de comunicação como “transmissão de informação entre sujeitos [...] porque ele trai o que é melhor – o potencial para a concordância entre seres humanos e coisas”. Essa é uma frase peculiar: em que sentido seres humanos e coisas podem “concordar”? Adorno continua e explica que a “paz é o estado de diferenciação sem dominação, com os diferenciados participando um no outro” (ADORNO, 1998, p. 247).

Essas passagens ocorrem em uma elipse especulativa que Adorno se “permite” excepcionalmente. Ele rapidamente segue em frente para outros assuntos, sem explicar propriamente o que quer dizer. Quando passagens esparsas ao longo de seu trabalho são comparadas, certas ideias que ajudam a interpretar seu intuito são perceptíveis. A natureza e a história não são independentes uma da outra, mas devem ser entendidas em sua conexão inseparável. Nas sociedades modernas, uma “segunda natureza” historicamente sedimentada de convenções e instituições mortas ocupa o lugar do destino mítico que a natureza indomada outrora significava para povos primitivos. A beleza natural, especialmente nos momentos em que artefatos humanos foram integrados harmoniosamente a ela, prefigura um futuro redentor, no qual as “feridas” da natureza irão se curar e a vida florescerá em paz, isto é, participação mútua dos seres humano e natural “diferenciados”. A natureza, em uma das interpretações de Adorno (1997), carrega, assim, uma promessa utópica.[15]

Essa promessa é a conexão mais profunda entre a Escola de Frankfurt e a filosofia da práxis. O que é a relação harmoniosa com a natureza, senão a transcendência da antinomia do sujeito e objeto, na qual aquela filosofia culmina? A conexão com o jovem Marx é óbvia. É fato que, em alguns momentos, os Manuscritos afirmam o poder transformador ilimitado do trabalho, no entanto, há outras passagens no texto de Marx (1963, p. 206-208) que enfatizam menos a humanização da natureza pelo homem do que a participação do homem na natureza.

A noção de identidade participativa abre espaço para a pura naturalidade da natureza [sheer naturalness of nature] de um modo que a teoria da humanização da natureza, por meio do trabalho, não abre. Ao alegar que as necessidades humanas são ontologicamente correlacionadas a seus objetos, Marx assevera uma harmonia última, unindo o ser humano como um ser natural com a natureza, na qual sua natureza humana é realizada. A natureza não é meramente o objeto do sujeito, porque o sujeito é ele mesmo um objeto natural. A consubstancialidade entre sujeito e objeto suplanta a relação contingente entre eles, pressuposta pela filosofia moderna, desde Descartes. A racionalidade técnico-científica existente, baseada na mais extrema separação entre sujeito e objeto, é condenada como uma expressão alienada de racionalidade. Seres humanos participam no mundo de outras maneiras que são menos redutivas e mais firmemente baseadas na experiência concreta.

Contudo, para Adorno, a participação dos diferenciados não é identidade. Adorno (1998, p. 247) explica que “[...] seria impossível conceber esse estado, seja como unidade indiferenciada entre sujeito e objeto, seja como sua antítese hostil; antes, tratar-se-ia de comunicação do que é diferenciado”. Mas Adorno se detém no momento decisivo. Ele argumentou notoriamente que o mundo é entendido propriamente na luz da redenção, todavia, essa última perspectiva serve apenas para desvalorizar o dado. A redenção não entra de fato na história, tal como ele a concebe.

 

A crítica racional da racionalidade

            A Escola de Frankfurt argumenta que a racionalidade está enredada em um paradoxo: seu progresso não leva à liberdade, mas à dominação. A ciência, a democracia e a prosperidade, todas foram possibilitadas pela crítica racional dos mitos e das ideologias que sustentavam o ancien régime. Isso é o que Habermas chama de “projeto do Esclarecimento”, o qual promete que a dominação retrocederá conforme a racionalidade avança. O fracasso dessa promessa feliz levou a duas críticas diferentes do Esclarecimento. De um lado, a crítica romântica clama por uma retirada da racionalidade e de todas as suas obras. De outro, a Escola de Frankfurt propõe uma “crítica racional da razão”. Esses dois estilos de crítica implicam políticas diferentes e, portanto, é importante distingui-los claramente.

            A crítica romântica da razão começa no final do século XVIII, acompanhada de uma idealização do passado. Na literatura, a crítica opõe a paixão ao cálculo burguês e ao conformismo social. A imagem familiar da vida contra o mecanismo captura a essência da crítica romântica. A modernidade é frequentemente rejeitada, em nome de valores tradicionais.

            Essa crítica parece ser confirmada pelas catástrofes da razão, no século XX. Guerras, campos de concentração, armas nucleares e, agora, a crise ambiental ameaçam o projeto do Esclarecimento, não de fora, mas de dentro. Mas é difícil acreditar que todo o conteúdo e significado da racionalidade seja exaurido pelo seu papel nesses desastres. A crítica romântica está correta em questionar um racionalismo que submete tudo cegamente aos mercados e à tecnologia, mas ela vai longe demais, quando rejeita a razão enquanto tal. A razão certamente tem potenciais autocríticos e autocorretivos. Esse é o argumento da crítica da racionalidade da Escola de Frankfurt. A Escola de Frankfurt tem esperança de construir uma base coerente para uma teoria crítica da modernidade, a partir da herança falha do Esclarecimento.

            O método da Escola de Frankfurt foi antecipado pela crítica econômica de Marx ao capitalismo. O capitalismo alega ser um sistema econômico racional. O mercado aparece como racional, mas, estranhamente, trocar bens por dinheiro leva à desigualdade. Essa desigualdade escapa à crítica do Esclarecimento, porque ela não é justificada por mitos narrativos, tal como era o feudalismo, mas pela troca de equivalentes – salários por trabalho.

            O anarquista francês Proudhon afirmou notoriamente que “a propriedade é um roubo”. Ele tratava o mercado como uma fraude, ao invés de um sistema coerente. Esse é o equivalente econômico da crítica romântica na literatura (Feenberg, 2009, p. 37-49). Marx era um pensador mais rigoroso. Ele se deu conta de que um sistema tão complexo e bem-sucedido quanto o capitalismo não poderia ser baseado na mera fraude. A origem da desigualdade teria de ser encontrada na própria racionalidade do mercado. A troca igual de salários por trabalho disfarça o papel da duração da jornada de trabalho, na determinação da taxa de exploração. O problema mais profundo não é a injustiça desse sistema, mas sim as consequências maiores da administração capitalista da economia, como a desqualificação do trabalho e as crises econômicas. Com esse argumento, Marx mostrou que sistemas racionais podem ser opressivos e estendeu esse tipo de crítica também à tecnologia, embora esse aspecto de seu pensamento tenha se mantido dormente, até que Lukács e a Escola de Frankfurt o reavivassem.

            A importância metodológica da análise de Marx está em combinar as noções aparentemente contrárias de racionalidade e enviesamento [bias]. Isso é precisamente o que a Escola de Frankfurt faz muito posteriormente, em sua crítica das consequências tecnológicas do Esclarecimento. O objetivo dessa crítica não é culpar a tecnologia por males sociais, tal qual a crítica romântica, e nem apelar à racionalidade tecnológica como um antídoto contra a ineficiência do capitalismo, tal qual o marxismo tradicional, todavia, é mostrar como a tecnologia foi adaptada em sua estrutura mesma para um sistema opressivo.

            Na obra Dialética do Esclarecimento, essa abordagem está expressa em uma passagem na qual os autores descrevem a ambivalência da máquina, tanto como representante da humanidade como um todo quanto como um instrumento de dominação. Frisam Horkheimer e Adorno (1972, p. 29-30):

A qualidade de coisa [thing-like] dos meios, a qual torna os meios disponíveis universalmente, sua “validade objetiva” para todos, implica ela mesma uma crítica da dominação a partir da qual o pensamento emergiu como seu meio. No caminho da mitologia à logística, o pensamento perdeu o elemento de reflexão sobre si mesmo, e a maquinaria, hoje, mutila as pessoas, mesmo se também as alimenta. Na forma de máquinas, no entanto, a razão alienada está se movendo na direção de uma sociedade que reconcilia o pensamento, em sua solidificação como um aparato tanto material quanto intelectual, com um elemento vivo liberador, e o relaciona à própria sociedade como seu verdadeiro sujeito. [...] Hoje, com a transformação do mundo em indústria, a perspectiva do universal, a realização social do pensamento, está tão completamente aberta à vista que o pensamento é repudiado pelos próprios dominadores como mera ideologia.

 

A razão alienada incorporada nas máquinas é uma realidade objetiva e, enquanto tal, refere-se a um sujeito universal e não simplesmente a seus proprietários. A própria objetividade da máquina implica que ela deveria ser controlada por todos, no interesse de todos. Este seria o “universal, a realização social do pensamento”, que é obstruído pela sociedade capitalista existente. A disponibilidade do aparato para esse propósito é agora tão óbvia até para a reflexão mais simples, que os “dominadores” devem rejeitar o pensamento em si para manter seu poder. O padrão crítico com o qual as conquistas racionais são medidas não é extrínseco, como na crítica romântica, mas está contido no telos implícito da própria racionalidade. A racionalidade provê seu próprio padrão de autocrítica.

Em suma, o caráter universal das conquistas racionais promete benefícios universais, mas a promessa é traída, na medida em que a realização técnica da racionalidade é enviesada no sentido da dominação. Adorno (1973) argumenta, de maneira similar, com respeito ao mercado: a troca igual promete uma equidade desmentida pela realização efetiva do mercado sob o capitalismo.

Este é o paradoxo da racionalidade: o progresso econômico e tecnológico caminhou de mãos dadas com o progresso da dominação. Para entender o paradoxo sem ideias românticas subjacentes, precisamos de um conceito de enviesamento social apropriado para a análise de sistemas racionais. A Escola de Frankfurt visou justamente a tal análise, mas desenvolveu apenas os rudimentos de um método para levá-la a cabo. Esse é o motivo pelo qual seu estilo de crítica é frequentemente confundido com o antimodernismo romântico.

A dificuldade está no afastamento do conceito usual de enviesamento, o qual é associado intimamente com preconceito. Mas o enviesamento, em um sentido menos familiar, aparece em outras esferas também. Por exemplo, porque a mão direita é prevalecente, muitos objetos cotidianos são adaptados para o uso da mão direita. Isso também poderia ser chamado de enviesamento, contudo, não envolve preconceito. Antes, trata-se de algo que está embutido no design dos próprios objetos. Nisso, ele lembra o tipo de enviesamento exibido pela tecnologia e por outros sistemas racionais, sob o capitalismo.

A questão pode ser esclarecida pela distinção entre aquilo que chamo de enviesamento “substantivo” e enviesamento “formal”. A crítica do Esclarecimento trata do enviesamento mais familiar, o substantivo. Os filósofos do século XVIII foram confrontados com instituições que reivindicavam legitimidade, de acordo com fatos e histórias sobre o passado e a religião. O Esclarecimento julgava de acordo com fatos e argumentos, e isso era fatal para o ancien régime. Posteriormente, uma crítica similar atacou o enviesamento de raça e de gênero novamente em nome de princípios racionais éticos e do conhecimento científico da natureza humana. Chamo o enviesamento criticado em tais casos de “substantivo”, porque ele é baseado em pseudofatos e emoções, conteúdos específicos que motivam a discriminação.

Mas, conforme argumenta a Escola de Frankfurt, a tecnologia e os mercados também discriminam, nas instituições racionais modernas. Não há preconceito envolvido. Uma tecnologia enviesada ainda é racional, no sentido de que ela vincula causa e efeito eficientemente. Ela aparece como “neutra em relação a valores”, dado que não é uma expressão de crença e emoção. Na verdade, ela é frequentemente inocente, como no caso de ferramentas destras. No entanto, alguns casos estão longe de ser inocentes. Esses são casos envolvendo a distribuição assimétrica de poder, por meio de arranjos técnicos ou econômicos. Por exemplo, quando a divisão do trabalho é estruturada tecnologicamente de uma maneira que condene os subordinados a tarefas mecânicas e repetitivas, sem qualquer papel na gerência do ordenamento de seu trabalho, sua subordinação está embutida tecnologicamente. A desigualdade é imposta pela própria racionalidade da máquina. Esse tipo de enviesamento é chamado adequadamente de “formal”, porque não viola normas formais, como o controle e a eficiência, de acordo com as quais a tecnologia é desenvolvida e empregada.

O enviesamento formal pode emergir da relação das tecnologias com seus contextos, e também pode adentrar o design dos aparelhos. Por isso, escreve Adorno (2000, p. 161-162):

Não é a tecnologia que é calamitosa, mas seu enredamento com condições sociais nas quais ela está acorrentada [...]. Considerações a respeito dos interesses do lucro e da dominação canalizaram o desenvolvimento técnico: agora ele coincide fatalmente com as necessidades de controle. Não acidentalmente, a invenção dos meios de destruição tornou-se o protótipo da nova qualidade da tecnologia. Por contraste, atrofiaram aquelas cujos potenciais divergem da dominação, do centralismo e da violência contra a natureza, e que poderiam muito bem permitir ser curado muito do dano feito literal e figurativamente pela tecnologia.

 

Na medida em que as tecnologias se desenvolvem, seus contextos sociais são esquecidos, encobertos por um tipo de inconsciência que faz parecer como se o caminho escolhido do progresso fosse inevitável e necessário, desde o início. Isso é o que faz emergir a ilusão de racionalidade pura. Essa ilusão obscurece a imaginação de alternativas futuras, ao conferir uma aparência de necessidade às tecnologias e aos arranjos sociais racionalizados existentes, aparência essa que eles não podem reivindicar legitimamente. A teoria crítica desmistifica essa aparência, a fim de abrir o futuro. Ela não é nem utópica e nem distópica, mas situa a racionalidade dentro do político, em que suas consequências são um desafio à responsabilidade humana.

Porém, e se as massas fracassarem em aceitar a responsabilidade que a teoria lhes impõe? A teoria crítica estabelece a possibilidade, em princípio, de fato, a necessidade urgente de uma transformação social que ela considera extremamente improvável.

 

Teoria e prática[16]

            A Escola de Frankfurt recapitula muitos dos temas da filosofia da práxis. A metacrítica de Marx reconstruiu o conceito de necessidade nas formas de racionalidade, superando sua oposição antinômica na filosofia tradicional. A metacrítica à racionalidade tecnológica livre de valores da Escola de Frankfurt alcança um resultado similar: a razão é novamente atada essencialmente à necessidade, a necessidade de autopreservação. A teoria de Lukács da reificação é uma influência direta e reconhecida. A dialética lukacsiana entre forma e conteúdo, e suas consequências nas antinomias da filosofia, tem seu paralelo na crítica da Escola de Frankfurt aos efeitos culturais do fetichismo da mercadoria. E, como Marx e Lukács, a Escola de Frankfurt argumenta que o capitalismo contém a potencialidade de uma sociedade socialista que transcenderia a alienação e a reificação.

            Não obstante, há uma diferença característica na ênfase que distingue a filosofia de Adorno especialmente da filosofia da práxis. Em Marx e Lukács, as potencialidades são manifestas na luta social e realizadas por meio dos efeitos transformadores imanentes da consciência e da ação proletárias. Na ausência de tais manifestações históricas de potencialidade real, Adorno (1997) explica aquelas potencialidades como um empenho objetivo nas coisas mesmas, na direção de suas próprias formas aperfeiçoadas. A “vida danificada” da sociedade capitalista moderna, não apenas nas pessoas, mas também na natureza, aspira mais ou menos inconscientemente a uma vida plena e florescente, possível apenas sob o socialismo.

            Uma vez que não aparece mais nas lutas dos dominados, essa aspiração se arrisca a virar simples reencantamento do mundo desencantado da modernidade. Para evitar esse desfecho fácil, Adorno argumenta que as potencialidades são reveladas negativamente na estrutura da vida danificada, através da crítica imanente e da arte. As potencialidades não são mais manifestas na experiência de uma classe revolucionária, mas dependem agora da consciência crítica do intelectual ou do artista. Adorno, é claro, anseia que a consciência crítica seja partilhada de modo mais amplo, mas não espera que isso ocorra em breve e certamente não a atribui a um sujeito histórico ativo.

            As condições do “princípio da prática” de Lukács não são mais satisfeitas. A realização da filosofia não é mais uma tarefa histórica. Em uma conferência tardia, Adorno (2006, p. 170) diz: “O que está em jogo é que, dado que a filosofia enfrenta o desafio de transcender a si mesma, se eu puder colocar nesses termos um tanto quanto surpreendentes, essa tarefa deveria não somente ser objeto de reflexão, mas deveria ser realmente realizada de modo rigoroso por meio do pensamento”. Nota: pensamento, e não prática, como em Marx e Lukács.

            Isso representa uma regressão ao tipo de crítica moralizante que Hegel e Marx superaram, com o conceito histórico de potencialidade? Brecht ridicularizou os últimos críticos, em seu Romance de Tui, e Lukács (1968, p. 22) recriminou Adorno, por ter abandonado a história pelo “Grande Hotel Abismo”. Os filósofos da Escola de Frankfurt negariam essa acusação. Seu ponto de vista crítico é historicamente justificado pela quase distopia da dominação racional que emerge do fracasso da revolução. Todavia, essa conclusão ameaça a estrutura de um argumento desenvolvido a partir das premissas da filosofia da práxis.

            Antes de sua renúncia final à revolução, Horkheimer e Adorno (2010) buscaram desesperadamente uma solução. Em 1956, engajaram-se em um diálogo sobre o tema de “um novo manifesto”.[17] Esse diálogo é facilmente desprezado como uma aberração, entre suas obras, mas é sintomático de um problema fundamental. O diálogo pressupõe a lógica da interpretação de Lukács da relação teoria-prática. Pode-se ver aqui como Horkheimer e Adorno mantêm suspense sobre os resultados da filosofia da práxis, na qual eles não acreditam mais completamente. Seu diálogo revela as consequências da derrocada do terceiro momento da filosofia da práxis, a resolução histórica das antinomias. Essa derrocada bloqueia a produção do manifesto e determina o tom peculiar do diálogo.

            A pretensão de atualizar o Manifesto Comunista, escrito por Marx e Engels, em 1847, é espantosa, particularmente dada a tolice de boa parte da conversa. Por exemplo, como devemos entender as primeiras passagens a respeito do amor deslocado pelo trabalho, as quais então recaem em uma conversa sobre os sons anais emitidos pela motocicleta de um trabalhador? O diálogo retorna constantemente à questão do que dizer em um tempo no qual nada pode ser feito. O movimento comunista está morto, exterminado pelo seu próprio sucesso grotesco, na Rússia e na China. As sociedades ocidentais estão melhores que as alternativas comunistas, que, ainda assim, representam simbolicamente um futuro emancipado. Horkheimer está convencido de que o mundo está louco e de que até mesmo a modesta esperança de Adorno de que as coisas poderiam dar certo algum dia fede a teologia. Horkheimer caçoa de seu amigo: “Teddie quer resgatar um par de conceitos: teoria e prática. Esses conceitos estão eles mesmos obsoletos”. (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 36) Ao contrário, observa: “[...] nós provavelmente temos que começar da posição de dizer a nós mesmos que, mesmo que o partido não exista mais, o fato de estarmos aqui ainda tem certo valor”. (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 53). Em suma, a única evidência de que algo melhor é possível é o fato de que eles estão lá sentados, conversando sobre a possibilidade de algo melhor.

            Nessa situação, Horkheimer pergunta: “No interesse de quem escrevemos?” (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 44). “As pessoas podem dizer que nossas visões são somente conversa fiada, somente nossas próprias percepções. Para quem devemos dizer essas coisas?” Ele continua: “temos de nos dar conta da perda do partido ao dizer, na realidade, que estamos tão mal quanto antes, mas que estamos tocando o instrumento como ele deve ser tocado hoje”. E Adorno responde, persuasiva e um tanto quanto comicamente: “há algo de sedutor nessa ideia – mas qual é o instrumento?” (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 56-7). Embora, em certo ponto, Adorno observe hesitantemente que ele tem “[...] o sentimento de que o que estamos fazendo não deixa de ter seu efeito”, Horkheimer é mais cético. Ele declara: “[...] meu instinto é não dizer nada, se não há nada que eu possa fazer”. E ele continua a discutir o tom e o conteúdo do manifesto, de tal maneira a reduzi-lo ao absurdo: “Queremos a preservação para o futuro de tudo aquilo que foi realizado na América hoje, tal qual a confiabilidade dos sistemas legais, as drogarias etc. Isso deve ficar muito claro sempre que falemos de tais assuntos”. Adorno responde: “Isso inclui se livrar de programas de TV quando eles são um lixo” (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 48-9). Contradizendo a si mesmo, Horkheimer conclui a discussão registrada com as palavras sombrias: “Porque ainda somos permitidos viver, temos a obrigação de fazer alguma coisa”. (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 61).

            Minha descrição do diálogo de Horkheimer e Adorno pode parecer injusta. Eles merecem zombaria? “Sim e não”, para citar Horkheimer. Em certo sentido, seu diálogo já zomba de si mesmo. Horkheimer alega que o tom no qual o manifesto é escrito deve, de alguma maneira, superar sua futilidade no período presente, quando ele não pode ter nenhum efeito prático. Algo similar ocorre no diálogo. O tom despreocupado revela a contradição entre a situação existencial dos falantes e seu projeto.

            O que é mais peculiar, a respeito dessa troca, é a recusa desses dois filósofos a derivar um padrão crítico da reflexão filosófica, uma vez que a história não pode mais provê-lo. Isso é o que Habermas faria depois: admitir a derrocada do historicismo hegeliano-marxista e substituí-lo por uma crítica transcendental. Se nenhum “próximo passo” ilumina o caminho, talvez a ética possa fazer o serviço em seu lugar. Entretanto, Horkheimer e Adorno insistem na importância de situar seu pensamento historicamente, tanto em termos de sua própria posição quanto da ausência de um partido e de um movimento. Como nota Horkheimer, “[...] temos de pensar nossa própria forma de existência como a medida daquilo que pensamos” (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 56). Mas, como pode a crítica negar a sociedade dada, quando essa sociedade é o único apoio existencial do crítico? O crítico é o produto cultural mais elevado da sociedade. Na ausência de qualquer alternativa realista, sua capacidade de negar a sociedade a justifica. Ele não pode nem fugir da história para dentro do transcendental, como Habermas o faria, e nem repousar sua questão histórica sobre o movimento progressivo da história. Não é de se admirar que o diálogo oscile entre o cômico e o insólito.

Como a Escola de Frankfurt acabou em tal apuro? A resposta a essa questão leva de volta a Marx e Lukács. História e Consciência de Classe contém a reflexão mais influente a respeito da relação entre teoria e prática, na tradição marxista. Lukács renovou a crítica historicista hegeliano-marxista aos ideais abstratos que subjaz ao dilema no cerne do diálogo. Esse argumento era conhecido por Horkheimer e Adorno, e seu impacto em suas reflexões na discussão do Manifesto é óbvio.

Como vimos no capítulo 2, Lukács introduz o problema da teoria e prática, por meio de uma crítica de um texto de juventude, no qual Marx demanda que a teoria “[se] apodere das massas”. Ao contrário, a filosofia deve proceder a partir da contradição viva do ideal e do real. O filósofo deve “explicar ao mundo seus próprios atos”, evidenciando que lutas efetivas contêm um conteúdo transcendente que pode ser ligado ao conceito de uma vida social racional. “O crítico”, conclui Marx (1967, p. 213), “[...] pode, logo, começar com qualquer forma de consciência teórica e prática e desenvolver a efetividade verdadeira a partir das formas inerentes na efetividade existentes como seu dever-ser e fim”. Lukács elabora essas ideias marxistas em uma crítica do idealismo ético kantiano ecoado na declaração de Horkheimer de que “[...] a realidade deveria ser medida contra critérios cuja capacidade de cumprimento pode ser demonstrada em diversos desenvolvimentos concretos já existentes na realidade histórica” (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 55). Conforme escreve Marx (s.d, p. 28), “[...] não é suficiente que o pensamento deva buscar realizar a si mesmo; a realidade também deve aspirar ao pensamento”. A teoria deve ser atada à prática, a forças históricas reais.

No entanto, argumenta Adorno, Marx não viveu em um mundo no qual a utopia está bloqueada pela própria classe trabalhadora que ele havia encarregado de realizá-la. Agora que a revolução fracassou, não parece haver saída para a armadilha constituída pela tensão entre norma e história. Sob tais condições, a tentação especulativa seduz, mas a pressão para satisfazer o critério historicista hegeliano-marxista bloqueia o progresso ulterior do pensamento. É impossível retornar ao que Marx certa vez chamou de “pombos assados da ciência absoluta”, isto é, a algum tipo de pensamento utópico ou transcendental.

Horkheimer coloca o dilema em duas proposições contraditórias, dizendo, por um lado, que “[...] nossos pensamentos não são mais uma função do proletariado”, e, por outro, que “[...] teoria só é teoria no sentido autêntico quando serve à prática. A teoria que deseje ser suficiente em si mesma é má teoria” (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 58). Ele conclui que “[...] a ideia de prática deve transparecer em tudo que escrevemos”, sem qualquer acordo ou concessão à situação histórica efetiva, uma demanda aparentemente impossível (HORKHEIMER, ADORNO, 2010, p. 56). Isso gera o que ele chama de “um curioso processo de espera”, o qual Adorno define como, “no melhor cenário [...], teoria como uma mensagem em uma garrafa” (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 56)

Marx e Lukács estabelecem o horizonte metodológico da política marxista para a Escola de Frankfurt. Horkheimer e Adorno discutem seu novo manifesto sob esse horizonte. Eles aceitam a crítica da teoria pura e do idealismo ético; contudo, agora que o proletariado não mais sustenta uma crítica transcendental da sociedade, qualquer concessão à prática arrasta a teoria de volta ao reino dos esquemas políticos cotidianos ou, pior ainda, à cumplicidade com o assassinato de milhões pelos regimes totalitários comunistas. Como observa Horkheimer, “qual é o significado da prática se não há mais um partido? Nesse caso, a prática não quer dizer ou reformismo ou quietismo?” (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 52)

 

A possibilidade de uma alternativa

            Não há nenhuma alternativa dentro do âmbito marxista? De fato, há uma alternativa excluída, ocasionalmente evocada no curso do diálogo. Essa alternativa é Marcuse, que paira como o fantasma de Banquo sobre a conversa. Adorno é quem chega mais perto de articular essa posição, mas é puxado de volta por Horkheimer toda vez. Em certo ponto, Adorno observa, “[...] não consigo imaginar um mundo intensificado a ponto da insanidade sem forças opositivas objetivas sendo desencadeadas” (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 42). Esta acabará por ser a tese que Marcuse sugere, em Homem Unidimensional, e desenvolve, em Um Ensaio para a Libertação. No entanto, Horkheimer rejeita essa visão como excessivamente otimista. Um pouco adiante, Adorno recusa-se a aceitar que a natureza humana é inerentemente má. “As pessoas só se tornam Khrushchevs porque elas continuam levando porrada na cabeça” (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 44). Mas Horkheimer rejeita novamente a esperança de um futuro menos repressivo, e até ridiculariza Marcuse, alegando que ele espera que um Bonaparte russo salve o dia. Finalmente, há uma passagem na qual Adorno parece estar procurando um estilo apropriado para o manifesto. Ele diz: “Você tem que encontrar o ponto que fere. Infringindo tabus sexuais”. E Horkheimer imediatamente o adverte: “Marcuse, preste atenção!” (HORKHEIMER; ADORNO, 2010, p. 46).

            Como devemos entender essa presença fantasmagórica de uma alternativa marcusiana? Parece a mim que essas observações já antecipam e condenam a abertura de Marcuse para o retorno da história com a New Left. No ponto em que Horkheimer e Adorno fundamentalmente rejeitaram a New Left, Marcuse mergulhou de cabeça, com Hegel, Marx e Lukács, de volta para história. Ele estava ciente de que a New Left não era a equivalente do proletariado de Marx, mas tentou encontrar nela uma pista daquelas “forças opositivas objetivas” das quais Adorno falava, em 1956. A importante inovação de Marcuse foi reconhecer a força prefigurativa da New Left, sem identificá-la ao novo agente da revolução. Dessa maneira, a teoria pode ser novamente relacionada à prática, sem concessão à sociedade existente, embora também sem certeza de sucesso.

            Essa formulação ainda reflete a dualidade da teoria e da prática que Lukács resolveu, na revolução. Porém, tal resolução não é possível para a Escola de Frankfurt. Horkheimer, Adorno e Marcuse todos concordam que a filosofia e a arte conservam o conteúdo transcendente da experiência. Esse conteúdo também vem à superfície periodicamente em lutas sociais que tentam realizá-lo na realidade. As duas fontes do conteúdo transcendente mantêm-se separadas, independentes uma da outra. Ainda assim, elas podem comunicar-se e, de fato, o fazem ocasionalmente. A última discussão entre Adorno e Marcuse foi sobre o fato de essa comunicação ter ocorrido na New Left ou não.[18]

            A posição de Adorno é explicada pormenorizadamente em um ensaio de 1969, intitulado “Notas marginais sobre teoria e prática” (ADORNO, 1969). Em meio a uma discussão muito interessante sobre a natureza da teoria e da prática, Adorno deixa-se levar a um ataque polêmico à New Left, a qual despreza repetidamente como uma caricatura patética da verdadeira resistência política. Ele insiste na importância da prática racional, informada teoricamente, e mede a New Left contra tal padrão. Esse texto rejeita sua suposição anterior no diálogo do Manifesto de que a unidade entre teoria e prática é desejável e necessária. Agora, frente a um movimento prático efetivo, Adorno descobre as virtudes de sua separação.

            Marcuse estava predisposto a uma avaliação mais positiva dessa experiência histórica que Adorno. Em escritos anteriores, ele havia louvado as vanguardas do século XX, por tentarem superar a separação entre arte e vida. Ele interpretou isso como um desafio salutar à cultura afirmativa do século XIX. A muito supervalorizada religião da arte suscitou a zombaria de Dada e os cadavres exquis do surrealismo (MARCUSE, 1966).[19]

            Quando a New Left emergiu, Marcuse interpretou-a, a partir do modelo das primeiras vanguardas, como uma tentativa de realizar a imaginação na realidade. Embora Adorno tenha sido primeiramente favorável, ele logo chegou à conclusão de que o movimento era simplesmente uma cena na qual se representava a “pseudoatividade” de uma juventude psicologicamente danificada. E certamente o narcisismo e a reificação dos quais Adorno reclamava estavam presentes em muitos aspectos da New Left. Ele não estava inteiramente equivocado, ao argumentar que a sociedade havia corrompido seus adversários.[20]

            Marcuse estava longe de ser acrítico e constantemente insistiu que a New Left baseasse suas ações na teoria e na solidariedade, e não em ilusões e no impulso.[21] Mas ele o fez em diálogo com a New Left, e não como um crítico hostil. Como um todo, ele considerava a New Left um avanço popular a uma relação crítica com respeito ao capitalismo avançado. A crítica era novamente histórica, não mais somente filosófica e artística. O que mais o impressionou foram as manifestações de solidariedade e a rejeição do consumismo, a principal “cola” que mantinha unida a sociedade unidimensional. Marcuse reconheceu o que agora aceitamos como um lugar comum, a saber, que, apesar de suas falhas, a New Left redefiniu as possibilidades e objetivos da oposição ao capitalismo avançado. Ela introduziu uma nova forma de radicalismo livre de vanguardismo e de obreirismo. No pensamento de Marcuse, essa conclusão estava associada a uma teleologia quase hegeliana, reinterpretada não dogmaticamente: a liberdade não é o resultado necessário da história, todavia, quando as lutas por liberdade de fato ocorrem, elas podem ser reconhecidas como contribuições para um destino possível que a humanidade ainda pode realizar.

            A interpretação de Marcuse sobre a New Left depende de uma teoria da experiência que tem certa similaridade com a teoria de Lukács da consciência. Note-se que, em História e Consciência de Classe, o proletariado é capaz de transcender sua redução a uma mercadoria por causa da lacuna que ele reconhece entre sua forma reificada enquanto trabalho assalariado e as condições de vida concretas que dependem da taxa dos salários. A disparidade entre essas duas determinações, uma delas proveniente da forma mercadoria e a outra da experiência concreta, faz surgir uma mediação prática original que é a base do movimento revolucionário e também do método dialético marxista.

            Marcuse argumentava que a New Left estava enraizada em uma forma radical de experiência que medeia a realidade reificada e unidimensional do capitalismo. Essa mediação resulta do reconhecimento do potencial técnico não realizado do sistema de produção, acorrentado pelo capitalismo ao desperdício e à guerra, quando ele poderia facilmente suprir todas as necessidades da população. A pobreza e a luta competitiva pela existência são agora tecnologicamente obsoletas. O reconhecimento dessa lacuna entre o potencial e a realidade existente, como a que Lukács identificou no caso do proletariado, não é meramente uma questão de opinião, mas, alega Marcuse, tem a força de uma necessidade somática para os jovens revolucionários.

            Marcuse fornece exemplos reveladores de tal reconhecimento e argumenta que ele corresponde a uma sensibilidade estética generalizada, que encontra beleza na afirmação e no florescimento da vida. Ele explica que essa “nova sensibilidade” realiza uma dessublimação parcial da libido e uma realocação da energia erótica para além dos limites da sexualidade, como uma relação estética generalizada com a realidade. A nova sensibilidade promete reunir-se à razão com a vida, em uma nova ciência e tecnologia. Ela supera as restrições que Horkheimer e Adorno acreditam bloquear o acesso a uma experiência de potencialidade. Essa seria a realização do sonho da Escola de Frankfurt de uma razão verdadeiramente esclarecida, capaz de refletir sobre si mesma e de motivar a solidariedade com a humanidade e com a natureza. Terei mais a dizer sobre essas ideias radicais no próximo capítulo.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 20/3/2017

Aceito: 20/12/2018

 



[1] N. dos T.: Tradução do texto de FEENBERG, Andrew. “From Lukács to the Frankfurt School”. In: The Philosophy of Praxis. Marx, Lukács and the Frankfurt School. London/New York: Verso, 2014, p. 151-174. Trata-se de uma nova edição de sua importante obra, Lukács, Marx and the Sources of Critical Theory, publicada originalmente em 1981, modificada e acrescida de novos capítulos, sendo o capítulo aqui apresentado justamente um dos inéditos. Na obra como um todo, Feenberg opera com uma noção de “Escola de Frankfurt” que encontra seus antecedentes nas obras de Marx e Lukács, principalmente, e engloba a produção dos teóricos críticos, como Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse, entre outros. “Filosofia da práxis” é uma expressão utilizada pelo autor, em referência a Antonio Gramsci, o qual, em seus Cadernos do Cárcere, a  usa, ao longo do livro, para identificar uma versão filosófica radical particular do marxismo, que engloba obras do próprio Marx, de Lukács, Karl Korsch, Ernst Bloch e da Escola de Frankfurt, cujo último representante é, segundo Feenberg, Marcuse.

[2] Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutoranda do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da mesma instituição. Editora executiva da Revista Crítica Marxista. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-4472-8848. E-mail: bru.dellatorre@gmail.com

[3] Pós-Doutorando e Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1092-3461. E-mail: eduardo.altheman@gmail.com

[4] Horkheimer foi menos influenciado por Lukács do que Adorno e Marcuse. (Conferir John Abromeit. Max Horkheimer and the Foundations of the Frankfurt School. Cambridge: Cambridge University Press, 2011). Consequentemente, focarei nos dois últimos.

[5] N. dos T.: Ao longo do livro, a noção de “metacrítica” é empregada por Feenberg no seguinte sentido: a metacrítica toma os conceitos abstratos da filosofia e os ancora em sua origem social, resolvendo suas contradições nesse plano. A aplicação dessa abordagem à antinomia entre sujeito e objeto é fundante para todas as versões da “filosofia da práxis”, incluindo aí a Escola de Frankfurt e Lukács, em seus escritos marxistas iniciais.

[6] Lembre-se da epígrafe de Nicholas Berdiaeff para o Admirável mundo novo, de Huxley: “Les utopies apparaissent bien plus réalisables qu’on ne le croyait autrefois. Et nous nous trouvons actuellement devant une question bien autrement angoissante: comment éviter leur réalisation définitive ? […] Les utopies sont réalisables. La vie marche vers les utopies. Et peut-être un siècle nouveau commence-t-il, un siècle où les intellectuelles et la classe cultivée rêveront aux moyens d’éviter les utopies et de retourner à une société non utopique moins ‘parfaite’ et plus libre.” (“As utopias parecem muito mais realizáveis do que se acreditava. E, agora, nós nos encontramos diante de uma questão ainda mais agonizante: como evitar sua realização completa? [...] As utopias são realizáveis. A vida está marchando na direção das utopias. E talvez um novo século esteja começando, um século no qual os intelectuais e a classe instruída sonharão com meios de evitar as utopias e de retornar a uma sociedade não utópica, menos ‘perfeita’ e mais livre”).

[7] Para a teoria de Lukács da unidade entre teoria e prática, conferir o apêndice do livro.

[8] N. dos T.: Optamos por traduzir os textos citados por Feenberg diretamente do inglês, a partir das próprias citações do autor, sem recorrer às traduções já existentes em português. Logo, todas as traduções de citações são nossas.

[9] Petrucciani (2007, p. 127): “In quanto sta dentro la totalità falsa, pero, la dialettica negative non può essere già questo ‘altro pensiero’; ciò che può fare è soltanto evocarne la figura”. (“Na medida em que está dentro da totalidade falsa, no entanto, a dialética negativa não pode já ser aquele ‘outro pensamento’; o que ela pode fazer é somente evocar seus contornos”).

[10] O texto em alemão pode ser encontrado em Adorno e Horkheimer (1944, p. 55).

[11] É nesse contexto que eles afirmam que “toda reificação é um esquecimento.”

[12] Habermas e seus seguidores têm sido particularmente ativos em abordar a questão do irracionalismo. Cf. também Thyen (1989) e Bernstein (2001).

[13] O não idêntico, nesse sentido bruto, é um particular imediato que transcende toda mediação. Sem confundir essa noção com a pretensão mais profunda de Adorno, Robert Pippin zombou dela como uma filosofia de “asterisco”: toda vez que um universal aparece, ele deveria ser acompanhado de um asterisco que envia os leitores para o final da página, no qual eles serão informados de que os particulares são sempre mais e outros em alguns aspectos do que os conceitos sob os quais eles são classificados. Cf. Pippin (2005).

[14] Esse é o tema de Adorno, de Bernstein.

[15] Para uma análise abrangente das ideias de Adorno sobre a natureza, cf. Deborah Cook (2011).

[16] Uma versão mais longa desta seção foi publicada em “Waiting for History: Horkheimer and Adorno’s Theatre of the Absurd”, disponível em platypus1917.org.

[17] Estou ciente de que esse texto não representa o melhor de Adorno e Horkheimer. Talvez este seja um dos motivos que o torna tão interessante. Seus comentários com a guarda baixa revelam muito que é mascarado em apresentações mais polidas.

[18] Para suas diferenças, cf. Adorno and Marcuse (1999, p. 123-136). Comparar também Adorno (1969) com Marcuse (2005).

[19] Adorno contestou o ensaio de juventude de Marcuse sobre a “Cultura afirmativa”, argumentando que Marcuse subvalorizava o sentido crítico da arte, em sua denúncia de sua função socialmente conservadora e compensatória. Para o desacordo com Adorno, cf. Wiggershaus (1994). As visões posteriores de Marcuse são desenvolvidas mais a fundo em Marcuse (1969). Para uma discussão da teoria da vanguarda de Marcuse, cf. Bürger (1984).

[20] Adorno condenou a New Left como um todo, com termos apropriados somente para uma pequena fração do movimento. Infelizmente, essa fração de fato ganhou influência desproporcional, mas isso não pode nos cegar (como ocorreu com Adorno) em relação aos objetivos amplamente humanos e democráticos da massa de participantes. Tento explicar o problema de maneira mais balanceada em Feenberg (1986).

[21] Marcuse (1969, p. 89) criticava, por exemplo, aqueles participantes da New Left que advogavam espontaneidade pura: “Dentro da sociedade repressiva, e contra seu aparato ubíquo, a espontaneidade, por si só, não pode possivelmente ser uma força radical e revolucionária. Ela pode se tornar tal força apenas como resultado do esclarecimento, da educação, da prática política – de fato, nesse sentido, como um resultado da organização”.