O ESTÁDIO ESTÉTICO, INTERESSES E POLÍTICA: UM DEBATE
ENTRE KIERKEGAARD E RANCIÈRE
Lauro Ericksen
1
RESUMO: O artigo aborda a conjunção temática entre estética e política. Discute o pensamento
de dois autores da filosofia contemporânea que fazem essa conexão: Kierkegaard e Rancière. Ele
debate como o critério do interesse no estádio estético kierkegaardiano pode ser
comparativamente analisado, no contexto estético-político de Rancière. O texto apresenta os
regimes políticos de Rancière em alusão aos estádios da vida humana em Kierkegaard,
especificamente se relacionando ao estádio estético. Objetiva oferecer um estudo atualizado da
multiplicidade política contemporânea, através dos diversos interesses estéticos que influenciam
a formação social. O trabalho resulta em uma abordagem estético-política despida de inclinações
ideológicas por si mesmas, mas que possibilita a indicação de vanguardas e retaguardas no
pensamento político hodierno.
PALAVRAS-CHAVE: Estética. Política. Metafísica. Kierkegaard. Rancière.
INTRODUÇÃO
O artigo trata detidamente sobre um possível entendimento político do estádio
estético kierkegaardiano. Busca-se analisar as premissas “pós-modernas” do pensador
francês Jacques Rancière, que trata da estética sob o viés político. Essa análise
comparativa entre Rancière e Kierkegaard é importante, para que se possa fazer uma
atualização do estádio estético kierkegaardiano em contraponto com a noção política de
Rancière, a qual também se fundamenta, igualmente, numa determinação estética da
realidade. Conjugando as ideias desses dois pensadores, é possível ter uma noção mais
contemporânea de como a estética pode ser apropriada segundo termos políticos de sua
descrição.
Pode parecer um pouco desconexo, a princípio, simplesmente correlacionar
Kierkgaard e Rancière, pois não há, aparentemente, algo que os ligue de modo perene ou
contundente. Isso se dá, prioritariamente, porque Rancière não cita Kierkegaard
diretamente em seus escritos, e os termos por ele utilizados não remetem à tradição
existencialista fundada por Kierkegaard. Dessa maneira, não parece haver uma relação
direta entre o pensamento desses dois autores. Todavia, ao perscrutar melhor as obras de
ambos, é possível se traçar um paralelo bem interessante.
De modo deveras similar, uma primeira impressão que a seção em andamento
passa é que ela apenas se configura como uma crítica ferrenha ao entendimento estético
de Rancière. No entanto, a mensagem que está subscrita liminarmente é um pouco
diversa. São tecidas críticas à abordagem estética de Rancière, partindo-se de uma
premissa kierkegaardiana, todavia, todos os comentários feitos, em última instância,
confirmam o ponto de vista de Rancière e, apesar de isso ser algo um pouco escondido
nas entrelinhas, é um dos pontos fulcrais da presente análise. Ou seja, desde pronto,
de se compreender que o intuito do trabalho não é simplesmente uma abordagem
1
Doutor, mestre e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Especialista em Direito e Processo do Trabalho (Universidade Cândido Mendes UCAM/RJ). Bacharel
em Direito (UFRN). Oficial de Justiça Avaliador Federal no Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande
do Norte 21ª Região, Macau, RN (TRT-21). Professor de Ética na Pós-Graduação do Centro Universitário
Facex (UniFacex), Natal, RN Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4195-1799 E-mail:
lauroericksen@yahoo.com.br.
“comparativa” entre os dois pensadores, mas uma aplicação do pensamento de
Kierkegaard para analisar algumas ponderações de Rancière: esse é o ponto de partida
fundamental da metodologia aplicada.
Didaticamente, além da presente introdução, o artigo é dividido em mais três
seções. A próxima seção tem como escopo primordial apresentar uma síntese do
pensamento de Rancière, em seus três regimes, fazendo na sequência um breve
comparativo com o entendimento político de Kierkegaard, que pode ser extraído de seu
estádio estético. A seção de continuação tem o intento de abordar como a política pode
ser um campo de interesses (estético) multifacetado, o qual encontra caminhos diversos
para se manifestar e formas bastante singulares de apresentação plural (algo não
monolítico, do ponto de vista ideológico). A última seção assume o formato de exposição
das considerações finais sobre os principais temas debatidos no desenvolvimento do
trabalho.
1 ESTÁDIOS E REGIMES: DELINEANDO O ESTÉTICO E O POLÍTICO
similitudes estruturais entre Kierkegaard e Rancière. Por exemplo,
Kierkegaard (1955, p. 30) trata de três estádios da vida humana (os estádios ético, estético
e religioso); Rancière (2004, p. 20), por sua vez, aborda três regimes das artes: o regime
ético, o regime poético (também grafado como regime representativo das artes) e o regime
estético das artes (que, derradeiramente, pode ser compreendido como o regime político
das artes). Didaticamente, faz-se necessário trazer breves conceituações sobre cada um
desses regimes, para que o paralelo com os estádios kierkegaardianos pareça ser mais
factível e de mais fácil compreensão, embora o aprofundamento no pensamento
kierkegaardiano se dê de modo mais detido em seu estádio estético, servindo os demais
apenas como pano de fundo para a mencionada correlação alusiva trinária entre o seu
entendimento e o de Rancière (no qual os três regimes se direcionam para o fundamento
estético da realidade).
O regime ético das artes é aquele que se estrutura de acordo com as imagens e a
respectiva formação das artes a partir dela, em sua relação delineadora do ethos
(RANCIÈRE, 2004, p. 21). Esse regime está identificado, prioritariamente, com a
metafísica platônica, na qual o modo de ser e os elementos definidores da vida em
comunidade são dados por meio de imagens arquetípicas e coletivizadas. Nesse regime,
as imagens são tratadas de acordo com a verdade contida em si mesmas e de acordo com
os usos e os efeitos que podem ser obtidos a partir da sua manipulação (SHAW, 2015, p.
134). Em função dessas duas características básicas atribuídas ao mencionado regime, há
apenas um retorno coletivo das imagens para a comunidade (elas retornam em bloco,
como se fossem uma verdade unificada, sem que a sociedade possa processá-las e
decodificá-las separadamente), sem que haja uma individualização de cada aspecto
imagético envolvido no processo de formação da arte na própria sociedade.
O enquadramento da repercussão das imagens no ethos é mais importante que
qualquer outra derivação social individualmente possível das imagens, por isso, a
colocação coletiva dos efeitos das imagens é mais importante que qualquer desvio
individual de sua apropriação pelos membros da sociedade. Uma estruturação societária
como a da República platônica dispensa totalmente esse aspecto individualizável das
artes, uma vez que o mimetismo envolvido em sua reprodução deve ter um fim adequado
à própria comunidade, e não ao indivíduo. Esse é um aspecto atribuível até mesmo às
artes verdadeiras, não apenas aos simulacros desorganizadores da pólis, sendo algo
prevalente em sua estruturação social segundo o regime ético das artes.
Ainda que esse regime se relacione de maneira deveras próxima com a arte, não é
tido estritamente como um “regime das artes” por excelência (DAVIS, 2013, p. 25). Esse
apontamento se baseia no apego de tal regime ao efeito que as imagens podem ter no
ethos, ao invés de se focarem nas imagens em seus contornos artísticos propriamente
ditos. Assim, a imagem da lei ou da divindade repercute de modo a ter uma tradição de
usos e costumes muito mais importante, nesse regime, do que se poderia ter, caso o mero
efeito de tais imagens não fosse o ponto fundamental de análise. A imagem é construída
eticamente e discutida eticamente: o âmbito de sua abordagem sempre está cingido ao
ético, não superando os limites de tal discussão.
Por causa da preocupação específica e centrada no efeito das imagens, no
ambiente ético da comunidade, não se chega a uma politização da arte. Tampouco a arte
é concebida como uma entidade discreta, apartada do próprio manejo conformativo da
sociedade (CHAMBERS, 2010). As imagens possuem a tarefa de atrelar os indivíduos à
comunidade segundo sistemas e preceitos éticos, sem que seja dada nenhuma outra
margem de discussão, seja ela política ou não. Essa restrição na atuação do indivíduo para
com a sociedade, de maneira estrita e deterministicamente relacionada, é a característica
fundamental desse regime das artes, o qual descreve de forma adequada as obras
platônicas.
Sinteticamente, conclui-se que, no regime ético das artes, há uma apropriação da
comunidade das formas de arte, tomando as imagens como seu modo de ser coletivizado
(RANCIÈRE, 2004, p. 22). Na verdade, ao se buscar apenas os efeitos garantidores da
imanência imagética da arte, esse regime não confere nenhuma autonomia à arte enquanto
manifestação das formas de ser individuais do homem. Seu espectro valorativo
circunscreve-se apenas àquilo que a comunidade toma por artístico, em sua redoma ética.
O segundo regime das artes a ser abordado é o denominado regime poético (ou
representativo) das artes. À primeira vista, com uma base etimológica de sua
apresentação, é possível identificar que esse regime se associa diretamente com as
obras e o pensamento aristotélico, principalmente com A Poética. Sem embargo,
diferentemente do regime ético das artes, em que a arte estava diluída no ambiente ético
da comunidade, no regime representativo, há uma especificação do campo de atuação das
artes, definindo-a como “belas artes”. O campo próprio designado de belas artes é regido
por um princípio capaz de acondicionar a definição apartada da ética (diferenciação
básica do regime anterior), dando-lhe autonomia (RANCIÈRE, 2004, p. 35). O princípio
representativo das artes é a mimesis (do original grego hμίμησις). um caráter
pragmático na conformação da mimesis como princípio representativo; ela é que
possibilita a identificação e apreciação das artes, sendo capaz de julgar quais artes
correspondem a quais imitações.
Simultaneamente a promover a correspondência das imitações a gêneros
específicos, o regime representativo, através da mimesis, é capaz de avaliar, segundo
critérios de boa ou de qualidade, a extensão pragmática das artes. Assim, percebe-se
que o regime representativo das artes privilégio ao conhecimento conceitual, em
detrimento da pura forma da apreciação ética, do regime pretérito (WILLIS, 2010, p.
136). Nesse sentido, os correlativos da afecção social das artes são preferíveis à muda
presença do fenômeno imagético sobre a comunidade. A avaliação da qualidade da
imitação nesse regime respeita sempre as premissas aristotélicas das regras de produção
das artes (poiesis, do original grego ποίησις) e as leis da sensibilidade humana (aisthesis,
do original grego αἴσθησις).
Importante destacar que, no regime representativo das artes, de modo diverso do
que ocorre no regime estético das artes, analisado a seguir ainda nesta seção, aisthesis e
poiesis são atreladas uma a outra, por uma contabilidade em comum, de sorte que é dada
à arte uma integridade sistemática (MALIK; PHILLIPS, 2011, p. 112). Assim como a
imitação é a reprodução prática da arte, a sensibilidade humana é capaz de assimilá-la e
dar o retorno ao processo produtivo (poiético). Por isso, o sistema representativo se
aglutina em si mesmo, de acordo com seus próprios círculos de cultura julgadores da arte
que ele mesmo produz, dando a aparência de a arte ser alta cultura. A mimesis é um
critério da produção ao mesmo tempo em que também se destaca como um critério válido
na percepção da própria arte veiculada e apreciada.
A relação estabelecida entre os três termos (mimesis, aisthesis e poiesis) encontra-
se ancorada em uma concepção delineada da natureza humana, a qual representa o
pensamento de quem deve ser representado e de qual maneira o deve ser (RANCIÈRE,
2004, p. 27). Essa maneira de arranjar os atores sociais de acordo com sua
representatividade expressa os acordos artísticos de como cada um deve ser concebido,
nessa estrutura interligada da poiesis com a aisthesis (TANKE, 2011, p. 80), retirando-
se, portanto, a possibilidade de uma compreensão interna de cada sujeito sobre o seu papel
a ser desempenhado nessa dinâmica artística, tanto no aspecto individual de sua expressão
quanto, até mesmo, na expansão coletiva dessa reprodutibilidade artística.
A definição da natureza humana como atrelada a uma hierarquia social baseada
nos arranjos poiéticos finda por engessar toda a estrutura e a dinâmica das possibilidades
de emancipação do homem. A partilha daquilo que é sensível, comum a todos,
politicamente falando, restringe-se sobremaneira, e as dinâmicas sociais ficam
impregnadas com as regras da reprodutibilidade técnica e artística. O sistema mimético
se interliga de sorte a garantir a preservação dessa suposta natureza humana, dando esse
lugar específico à arte, em sua concepção social.
Nesse contexto, de se explanar que a sistematicidade mimética é o aspecto
normativo do regime representativo das artes. Diferentemente do regime ético, a partir do
qual uma mera projeção normativa das imagens na ética da comunidade, no regime
representativo, a normatividade se estabelece de modo hierárquico, em função dos modos
de produção da arte e de como cada um desses arranjos encontra uma sensibilidade pré-
determinada para atuar. Logo, embora menos direta, a normatividade se encontra
rigidamente delineada também nesse regime das artes.
Derradeiramente, é oportuno frisar que há outro regime das artes que se opõe aos
dois regimes descritos anteriormente. Esse terceiro regime é denominado regime estético
das artes e se caracteriza (e se diferencia dos demais) por dar espaço a uma politização
do espectro artístico, do mesmo modo que garante uma individualização subjetiva de tal
abordagem artística do homem e da sociedade. O elemento estético desse regime visa a
romper com a apropriação comunitária das imagens operada no regime ético e com a
lógica sistemática da representatividade mimética da poiesis e da aisthesis, tendo na
identificação da arte com o singular a premissa básica para essa ruptura.
A característica primordial do regime estético das artes consiste em questionar
inteiramente o sistema de normas, ao abolir a estrutura dicotômica da mimesis (repartida
em poiesis e aisthesis), em nome de uma identificação contraditória entre logos e pathos
(RANCIÈRE, 2004, p. 4). Essa abolição radical transforma de maneira singular as
estruturas artísticas, tanto em termos de reprodutibilidade técnica quanto em termos de
apreensão do sensível enquanto matéria partilhada entre os homens. Ou seja, é uma
revolução na forma como a arte é estruturada, pensada e repassada na sociedade.
O regime estético das artes, portanto, não se identifica com nenhuma expressão
comunitária datada imageticamente, tampouco encontra limites de sua definição em uma
predefinição hierárquica de gêneros e de reprodutibilidade da arte (relacionada ao seu
efeito normativo). Esse regime se desprende de todas as regras de reprodutibilidade, de
gêneros, embora seja capaz de reconhecer um espaço, um locus próprio da experiência da
arte (VIESTENZ, 2014, p. 16). Todavia, essa experiência da arte não é apenas uma
abstração moderna metafísica da vida do homem (como os outros regimes aduzem); nesse
sistema, a arte passa a se definir por si própria, não sendo mais belas artes e tampouco um
anexo conjuntivo do ambiente ético da comunidade. Assim, a arte assume um caráter
estético propriamente dito.
Nesse compasso, a autonomia da arte é conquistada em seu viés estético (de
desdobramento explicitamente político); ela não é capaz de adquirir esse status de outras
formas, quer pela ética, quer por sua representatividade própria. Não sistema
metafisicamente arquitetado que seja capaz de prover a autonomia às artes. A autonomia
da arte traz imbuída em si a noção de emancipação do homem (TANKE, 2011, p. 84).
Conforme a arte se projeta estética e politicamente na sociedade, a mesma possibilidade
de expressão autêntica é fornecida ao homem, em sua apropriação estética do mundo. A
autonomia da arte enquanto singularidade de um domínio próprio da experiência humana
é uma ideia muito próxima da noção de emancipação do homem, bem como sua
possibilidade autêntica de ter igualdade perante os outros, e de essa igualdade ser
reflexamente avaliada pelos outros acerca dele mesmo.
Impende destacar que a autonomia da arte, para Rancière, designa um “modo da
experiência” que transcende a esfera da arte, ao invés de identificar uma pureza estética
existente apenas em si própria (DEMOS, 2013, p. 232). Por conseguinte, esse aspecto
autônomo pode até designar uma autossuficiência de uma vida coletiva que não se
desprende em separadas esferas de atividade, sejam elas de ordem ética, representativa,
unicamente política, ou qualquer outra. A autonomia da arte no regime estético das artes
faz com que ela não seja um instituto burocratizado e encapsulado em si mesmo, como
rígidos paradigmas normativos dos demais regimes previamente estudados. Nesse
contexto, a arte é livre para se tornar artisticamente relevante.
A estética (pós) moderna surge no cenário delineado por Rancière como uma
forma de metaestética (VGS, 2013, p. 18). A projeção autonômica da arte para além
da arte deságua em um paradoxo evidente: a autonomia da arte (a tautologia de que arte
é arte) se transmuta na heterodoxia da arte (a arte é não-arte). O aspecto mais relevante
desse paradoxo é que a arte não se encontra apartada da vida (em comunidade), ou da
política, ou até mesmo da religião. A arte está interconectada com todos esses aspectos
do homem, em sua vida cotidiana, tanto quanto a filosofia, em um aspecto mais amplo,
se conecta com as demais ciências (psicologia, sociologia, antropologia, física), sem lhes
impor suas condições ou premissas essenciais no mundo (pós) moderno.
Não obstante, há de se indicar que Rancière pontua que o regime estético das artes
ainda não faz uma correlação absolutamente acertada sobre a estética e o político, ainda
não um plano de equivalência entre esses dois ambientes. Por causa das lacunas
apresentadas nos três regimes por ele abordados, ele propõe uma nova partilha do
sensível, que é o elemento central na tomada estética do mundo (RANCIÈRE, 2004, p.
30). Todavia, deve-se deixar notado que, mesmo sem se colocar claramente como um
apresentador de um regime pós-estético das artes (ele não nomeia um quarto regime para
nele se incluir), o pensamento de Rancière está mais próximo do continuísmo desse
regime que da rejeição absoluta.
Assim, pode-se considerar que Rancière deflagra uma remodelagem no regime
estético das artes, mas aceita a autonomia paradoxal nele inserida para, a partir daí, tecer
sua problematização e fazer uma pormenorização dos tópicos mais relevantes. Seu
equívoco é fazer o “pretensamente indispensável” entrelaçamento entre a sua ideologia
de esquerda e a abordagem culturalista
2
estético-política.
2
Por “visão culturalista” ou “culturalismo”, desde os argumentos de Kierkegaard (2010, p. 55) postos em
oposição à filosofia hegeliana, deve-se entender a posição superior da cultura (aquilo que é criado pelo
homem) em detrimento daquilo que lhe é dado como natural. Dessa maneira, o culturalismo, utilizado na
extensão do texto em desenvolvimento como equivalente do “subjetivismo cultural”, encontra-se em franca
Em conclusão aos regimes de arte apresentados, é de grande valia assentar que a
grande contribuição de Rancière para o presente estudo é a possibilidade de uma
interpretação pós-filosófica,
3
em função do regime estético das artes, a partir do qual a
arte, como expressão autêntica do homem, não se restringe a um círculo cultural restrito
(ético ou representativo). Esse aspecto ampliativo da arte margem para que se possa
ter em relevo o pensamento de Kierkegaard (1955, p. 20) na atualidade, dando-lhe o
mesmo status de relevância que é conferido ao entendimento de Rancière sobre esse
tópico de debate.
A aproximação entre o pensamento de Kierkegaard e o de Rancière, tal como
indicado, não é algo meramente arbitrário ou aleatório. O fundamento de tal
“comparação”
4
reside em dois motivos. O primeiro deles diz respeito ao fato de que
ambos não são “filósofos”, no sentido técnico ou estrito da palavra, porque seus escritos
e pensamentos se direcionam a vários eixos diferentes, da literatura à política. Em
segundo lugar, os dois pensadores deixam em aberto a possibilidade de se atrelar política
e estética como um dos planos da vida prática do homem. Nesse sentido, é possível se
pensar o posicionamento no espectro ideológico de Kierkegaard sob um viés
diferenciado, o qual não esteja necessariamente atrelado ao pensamento da esquerda
política (apesar de ele ser considerado um hegeliano de esquerda, reunido no rol dos
pensadores, como, por exemplo, Marx e Nietzsche, os quais aceitam a dialética hegeliana,
mas rejeitam o conteúdo do pensamento de Hegel), já que Kierkegaard, usualmente, não
é tido como um pensador de “esquerda”, como Marx é enquadrado,
exemplificativamente. O pensamento de Kierkegaard, por mais que possua várias nuances
políticas, é muito mais aberto e pouco dogmático, característica que o faz de difícil
enquadramento no espectro político costumeiro (se de esquerda ou não).
Além da simetria entre os estádios e os regimes (em Kierkegaard, há três estádios
da vida humana, enquanto, em Rancière, há três regimes das artes), é de se ter em relevo
que a noção de vanguarda estético-política, como colocada por Rancière, é transformada
em uma retaguarda, quando se analisa o pensamento de Kierkegaard (ROBERTS, 1987,
p. 12): afinal, ele é a resistência nesse processo dialético da análise estético-política por
ora empreendida. Explicando-se melhor: tendo-se em vista que Kierkegaard (2010, p.
133) não almeja o desenvolvimento do sistema hegeliano, porém, um retorno às premissas
essenciais do cristianismo, o seu pensamento não é um avanço (uma vanguarda), quando
posto em confronto com a metafísica hegeliana. Assim, o pensamento de Kierkegaard é
uma retaguarda ao sistema hegeliano e às suas derivações (estéticas, políticas e sociais,
de uma maneira mais ampla possível).
Vanguarda, na dinâmica de Rancière, é uma proposição valorativa da estética
presente, ou, melhor dizendo, uma renovação da proposta estético-política (SANDERS,
2009, p. 15) na forma de emancipação do homem. A emancipação é um conceito central
oposição ao naturalismo (por vezes, denominado também como biologismo), ou seja, o elemento de base
biológica que forma o homem e o circunda.
3
Por pós-filosofia deve ser entendido todo o tipo de pensamento que não se conforme à centralização da
filosofia como marco central do pensamento humano, de sorte que aglutine, em seu conteúdo, elementos
de outras ciências humanas e, tampouco, se conforme a buscar sistemas, conceitos, essências e totalidades
para a natureza humana. A antimetafísica ou a antifilosofia ainda buscam em última instância sistemas,
conceitos, totalidades e essências, todavia, de uma maneira totalmente diversa, sem se prender de forma
definitiva a esses elementos (CAPUTO, 1982, p. 113). Logo, ainda que se trabalhe com conceitos definidos
pelos próprios autores, em conjunções sistemáticas, as quais encontram algum vislumbre de totalidade, a
essência dessas considerações não se torna absoluta por uma definição dada sobre si-mesma.
4
Deve-se ponderar que não é uma simples comparação despida de nenhum pressuposto interpretativo; pelo
contrário, metodologicamente, a proposição do trabalho consiste em analisar o pensamento político e
estético de Rancière sob a ótica perspectivista de Kierkegaard.
na discussão estética e política de Rancière, a qual, na visão ora apresentada, encontra
seus meios de ocorrência, através das inovações e implementações trazidas pelas
vanguardas. Sem a vanguarda e a evolução do pensamento, ainda que pós-filosófico, não
há emancipação possível ao homem. Emancipação é o estágio político no qual cada um é
capaz de avaliar a igualdade existente entre si e ser avaliado, igualmente, pelos demais
(BREAUGH; LEDERHENDLER, 2013, p. 95). Embora Rancière textualmente não
forneça boas explicações do que é efetivamente vanguarda, nem mesmo como se dará a
emancipação do homem
5
, a conexão entre os dois vocábulos é essencial para o seu
pensamento.
Nessa perspectiva, o culturalismo de Rancière não se furta a dar o crédito da
valoração da cultura aos artistas, tal como propõe, por exemplo, Heidegger (MALPAS,
2006, p. 7). Trazendo os posicionamentos estéticos para o campo político, Rancière se
desvencilha dos arcaicos posicionamentos financeiros ou economicistas da política, para
dar vazão a outras formas de pensar. É justamente nessa abertura que a retaguarda
kierkegaardiana encontra lugar dentro da análise feita de Rancière, no trabalho em
andamento.
Rancière não rejeita a perspectiva relativista e culturalista de Kierkegaard (1955,
p. 47) e, em grande monta, de Heidegger também (VADÉN, 2014, p. 101); ao contrário,
ele abraça essa perspectiva pós-filosófica, retirando da própria filosofia a égide julgadora
sobre as demais ciências. Sem o apanágio de ser a ciência-mestra, a partir de qual todas
as formas de conhecimento derivam ou, em menor grau, devem prestar obediência, o
pensamento de Rancière lugar a vanguardas (como pode ser compreendido seu próprio
pensamento, em seu viés ideológico maoísta).
6
E, de modo similar, o avanço nesse campo
do pensamento dá espaço também a se pensar retaguardas, como está sendo caracterizado
o pensamento de Kierkegaard. A importância de colocar o pensamento desses dois autores
em relevo, portanto, não consiste apenas em uma crítica diletante a Rancière, porém, em
dar o crédito devido a ele, que compreendeu em grande monta as diretrizes de
Kierkegaard (1955, p. 78). Entretanto, não se pode se furtar a traçar as críticas devidas a
algumas noções especificas da estética-política de Rancière, como será feito mais adiante.
Em um plano marxista de análise, sob a perspectiva de Rancière, a vanguarda está
mais próxima da “ruptura”
7
da superestrutura socialmente posta, e isso, embora seja algo
que ele não afirme categoricamente, está implícito em sua defesa ideologicamente
referida. Todavia, é interessante observar que a proposta da retaguarda kierkegaardiana
não pode ser identificada com a noção elementar de “continuidade histórica” do
hegelianismo, pois ela é tida como uma oposição à metafísica hegeliana, a qual se tornou
prevalente durante um tempo considerável na tradição filosófica.
Assim, a vanguarda de Rancière (2004, p. 41) e a retaguarda de Kierkegaard
(1955, p. 64) assumem valorações equivalentes, no plano estético-político, a despeito de
5
Rancière (2004, p. 45) salienta que a emancipação do homem passa pela sua politização e por uma melhor
partilha do sensível, mais adequada e equilibrada. No entanto, suas proposições são deveras vagas e pouco
elucidativas, de sorte que tais palavras se perdem em uma conceituação abstrata pouco prática, na realidade.
6
A visão de Rancière era declaradamente maoísta, em seu início, principalmente após o seu rompimento
com Althusser (que era seu tutor intelectual e stanilista), e ainda não há relatos até o presente momento de
que ele tenha reformado tal posicionamento ideológico, apesar das atrocidades cometidas por esse regime
político. Seu entendimento maoísta se punha em oposição ao stalinismo dominante na academia francesa e
diz respeito à sua noção universalista de que a revolução (e a compreensão da realidade) é não elitista, de
modo que todos, principalmente os estudantes, são partes indispensáveis no seu desenvolvimento “cultural”
e político. O uso do maoísmo como um elemento caracterizador de seu pensamento serve didaticamente
para conformá-lo como sendo uma vanguarda, em oposição dialética ao pensamento cristão de Kierkegaard,
definido, precipuamente, como uma retaguarda nessa empreitada conceitual.
7
O plano filosófico marxista e em relevo períodos de continuidade e de ruptura, de sorte que a história
transcorre segundo esses dois momentos dialeticamente opostos.
seus conteúdos serem diferentes em sua “essência” (elas são equidistantes em suas
ponderações, o que é relevante para a análise em progresso). Num mundo livre onde seja
possível a defesa da vanguarda de Rancière, por simetria, é necessário que a retaguarda
kierkegaardiana também esteja colocada dentro do horizonte mais amplo de
possibilidade. Dessa maneira, a perspectiva heideggeriana de um horizonte de
possibilidades amplo e valorativo se torna eficaz e pujante, em sua argumentação
antimetafísica. Se alguma liberdade possível ao homem, na pós-filosofia e na pós-
modernidade, ela certamente será subjetiva e valorativa, embora não arraigada
ideologicamente a nenhum viés predeterminado. Liberdade, nesse sentido, pode estar
tanto na vanguarda quanto na retaguarda, cabendo a cada um sopesar cada aspecto dessas
posições estético-políticas possíveis e por elas escolher.
O vanguardismo de Rancière tem seu mérito até o ponto em que ele não desmerece
a valorização estética da arte. Até esse momento, seu pensamento está posto de maneira
condizente com os mencionados predecessores dessa forma de colocar a estética e a
ontologia (Kierkegaard e Heidegger). Todavia, Rancière começa a tocar fora da curva,
quando fixa seu critério estético numa política unilateral vinculada ideologicamente. O
descortinar da contemporaneidade (a qual Rancière se recusa a aceitar como “pós-
modernidade”) não pode se afastar da multiplicidade e da variedade valorativa
designada por Kierkegaard (1955, p. 36), em seu perspectivismo ardente.
8
Assim, o
criticismo da presente seção se direcionará em tal sentido, buscando corrigir as distorções
ideológicas operadas por Rancière, dando uma recondução às valorações mais livres em
uma visão kierkegaardiana desprendida de tal apego ideológico.
Importante destacar, nesse compasso, que o critério estético adotado por
Kierkegaard (1955, p. 24), portanto, se diferencia fortemente de outros critérios estéticos
adotados por alguns outros pensadores contemporâneos, a citar, como exemplo de tal
vertente de pensamento, Jacques Rancière. O ponto principal na estética proposta por
Rancière, além do seu flagrante espectro político de viés de esquerda, que, a princípio,
não é relevante para o argumento a ser levantado, é que a estética é o compartilhamento
do sensível.
De maneira um tanto quanto simples, aquilo que é compartilhado de modo
sensível entre os homens serve como critério para o julgamento de que algo a ser
apropriado, culturalmente, possa vir a ser esteticamente relevante ou não. Logo, há de se
perceber que o critério de relevância para a tomada estética de tal estádio específico da
vida humana é o interesse simples e puro, como designado por Kierkegaard (1955, p. 25),
o que destoa flagrantemente de qualquer compartilhamento imediato. Assim, na visão
kierkegaardiana, por mais que ele se empenhe em ter um pensamento voltado para a
formação cultural e valorativa de sua própria época, mirando, até mesmo, a formação de
uma cultura cristã posterior mais extensa e acolhedora, o se atém a tal
compartilhamento, como se ele fosse uma pressuposição do sensível, conforme aponta
Rancière. Muito pelo contrário, a posição firmada por Kierkegaard coloca na
subjetividade de cada um o critério mais simples, para que um interesse qualquer seja
estabelecido, determinado e, por fim, perseguido por cada homem.
Como já referido anteriormente, Rancière sempre conjuga dois temas básicos em
seus escritos: política e estética. Com a obra A Partilha do Sensível não é diferente.
Rancière tenta aprofundar o argumento de como é possível traçar a identificação das artes
através de sua classificação como modos de fazer, ou seja, como colocá-la como uma
8
Por perspectivismo ardente se compreende o entendimento de que não posicionamentos que sejam
filosoficamente absolutos, em termos metafísicos, de acordo com sistemas e conceitos pré-definidos. O
termo possui uma correlação próxima do étimo “relativismo ardente”, o qual foi evitado, sob pena de soar
pejorativo ou muito disperso, em sua conceituação.
forma de apresentação daquilo que é comum. Apresenta-se, por conseguinte, o conceito
de “partilha do sensível” (RANCIÈRE, 2004, p. 31), a base em comum tanto para os
elementos estéticos quanto para a política. Ele vai além nesse conceito e pontua que este
é algo que representa aquilo que é comum intersubjetivamente, ou seja, é um modo de
compartilhamento encontrado na política e na estética.
Todavia, diferentemente de Walter Benjamin, que promove uma estetização da
política (BLOCH, 1977, p. 66), Rancière a questão política e a questão estética de uma
maneira diferenciada, não dando uma consequência à reprodutibilidade técnica como o
meio de expressão do ser humano em uma acessibilidade universalizada, tal como
concebia o referido pensador. Ele vai pensar mais propriamente a efetividade desses
paradigmas estéticos e suas repercussões políticas, ou seja, pensa de forma ainda mais
desprendida essa comunhão estético-política.
Retomando a questão da contextualização da obra em comento em referência com
as demais produções acadêmicas de Rancière (1995, p. 7), é importante pontuar que o
conceito acima descrito não foi pioneiramente utilizado na obra por ora comentada. Na
verdade, o referido conceito havia sido usado na obra Políticas da Escrita, mais
especificamente em seu prefácio. No entanto, é de grande valia ressaltar que, na obra A
Partilha do Sensível, o conceito homônimo ao título é colocado de uma forma diferente
daquela empregada de forma inaugural. Na verdade, na obra em relevo, o conceito de
partilha do sensível é semelhante ao adotado por Rancière (1996, p. 17) e traduzido por
“divisão do sensível”, conceito o qual aparece na obra O Desentendimento: Política e
Filosofia. De sorte a se ter em mente que a partilha do sensível, na sua obra mais recente,
está atrelada ao debate ocorrido em torno da “crise da arte” e como se é possível que a
estética, em comunhão com a política, possa se espraiar nos domínios em que se
desenrolam as mais pujantes promessas e emancipações da humanidade.
Retomando os argumentos de Kierkegaard (2011, p. 47), é importante denotar que
o viés do subjetivista pensamento kierkegaardiano não trata de nenhuma espécie de
isolacionismo ou de algum elitismo deliberado (como alguns acusam Platão, quando eles
estudam ou interpretam A República, por exemplo). Apenas o elemento da subjetividade
sendo a verdade se distancia de modo firme de uma posição de compartilhamento de
elementos sensíveis, como propõe Rancière. Certamente, há de se rememorar, como
indicado, que o mencionado pensador possui projeções políticas as quais escapam à mera
conceituação que ele de “compartilhamento do sensível”, pois a estética para ele se
transmuta facilmente em política e, em certo sentido, em proselitismo ideológico
marxista, algo que não se verifica em Kierkegaard, pois não nenhum espectro
ideológico, nem de esquerda nem de direita, flagrantemente identificável em suas obras,
embora alguns comentaristas se arrisquem a dizer que ele era de direita (FEUER, 2010,
p. 53).
9
O seu comprometimento mais amplo e mais solidificado é identificado com o
cristianismo, de uma maneira mais simples e acessível possível (KIERKEGAARD, 2010,
9
Lewis Feuer (2010, p. 54) aponta Kierkegaard como um direitista, pelo fato de ele nunca ter sido um
ativista em seus ideais políticos e pelo fato de o próprio Kierkegaard não identificar os elementos políticos
com a verdade eterna, sendo esse, portanto, um tópico sempre marginal ou secundário em seus escritos e
na interpretação que podem ser deles extraídos. Mais do que um direitista (termo que usualmente assume
uma conotação econômica), Kierkegaard é colocado por Feuer como sendo um “conservador”, no sentido
em que os usos e costumes de sua comunidade cultural não devem ser revolucionados por um líder ou por
quem assuma essa posição de dirigente político. A conservação de certos valores, para Kierkegaard, é
adequada e é algo digno de incentivo: esse é o seu viés conservador, politicamente falando. Essa indicação
de Feuer é bastante interessante, não apenas porque há um predomínio da esquerda política, quando se fala
em dialética, bem como também porque Kierkegaard, como um “cristão conservador”, faz valer seu
existencialismo em contraposição aos militantes ateus, como Sartre, por exemplo, de uma forma bem mais
assertiva e bem posicionada no espectro político.
p. 88), sem misturá-lo (indevidamente, saliente-se) com nenhuma perspectiva política
propriamente dita. Pode-se dizer que a sua defesa clara e explícita do cristianismo o blinda
da tentação do proselitismo ideológico, que é o mote de alguns pensadores, como é o caso
do já mencionado Rancière.
Alguns autores argumentam que a perspectiva estética colocada por Rancière é
inovadora, porque ela vai além dos limites do que é comumente definido como artístico
(MAY, 2010, p. 108), ou seja, usualmente, seria possível asseverar que o mencionado
autor indica um parâmetro estético que perpassa os limites da arte ou da discussão
artística, por assim dizer. Assim, a estética para ele, seria a “configuração do mundo
comum” (ROSS, 2012, p. 91), algo que desenvolveria de um modo muito mais avançado,
para além dos sistemas hegelianos de definição filosófica, o que seria a estética e os seus
conteúdos mais pormenorizados da realidade.
Essa forma de argumentação em prol de uma defesa inovadora da perspectiva
estético-política de Rancière é falha em si mesma, por dois motivos. O primeiro motivo
consiste em afirmar que a noção estética de Rancière é inovadora, por ter uma noção
primariamente não-artística (ou além da esfera artística). Essa afirmação é notoriamente
inválida, não por autores existencialistas, como Kierkgaard, identificarem o estádio
estético como não sendo essencialmente artístico
10
, bem como pela noção elementar de
Friedrich von Schiller (1995, p. 44). Segundo Schiller, a noção estética combina uma
noção temporal presencial e de liberdade do homem. Dessa maneira, sua educação
estética (a qual não depende, necessariamente, do elemento artístico)
11
, propõe uma
abertura para se pensar a estética para além dos limites do que é comumente definido
como arte ou atrelado a uma apreciação artística da natureza. Por isso, verifica-se que a
separação entre estética e arte se em um momento bem anterior à noção estético-
política de Rancière.
Em momento posterior, observa-se que o segundo motivo pela incoerência do
argumento apresentado por Ross é que, apesar de a noção estética de Rancière não se ater,
unicamente, ao aspecto artístico (tentar de certas formas se libertar de tal pecha), ela recai,
de modo infame, no aprisionamento político de tal análise. Ou seja, ainda que a
perspectiva enunciada por Rancière não possa ser enquadrada apenas no espectro artístico
de análise da estética, ela acaba sendo refém dos enunciados políticos do mencionado
pensador. Logo, pode-se perguntar: do que adianta se libertar das amarras da estética
hegeliana
12
, mas recaindo em uma análise política da realidade atrelada necessariamente
a um espectro político notadamente identificado (e defendido pelo próprio autor) como
de esquerda, em sua totalidade filosófica? Em síntese, indaga-se se Rancière não troca
10
Isso não significa afirmar que Kierkegaard (1943, p. 91), eventualmente, faça associações e
correspondências entre a pecha artística ínsita e a representação estética da expressividade humana, como
ele o faz, ao descrever Don Giovanni de Mozart, quando ele coloca a música como elemento sedutor da
formação desse ícone do estádio estético na ópera do mencionado compositor. No entanto, em uma
perspectiva mais ampla esposada na obra Estética y Ética, o estádio estético pode até corresponder ao
artístico, mas sem que essa vinculação seja necessária ou peremptória, apenas possível (e desejável, no caso
específico do sedutor Don Juan, e, quiçá do próprio Kierkegaard, na sua obra mais reflexiva O Diário de
um Sedutor, ou até mesmo em suas obras mais “literárias”, como Temor e Tremor).
11
A perspectiva de Schiller, por ora apresentada, foi pensada em um momento histórico e cultural bem
anterior ao de Rancière, pretérito, e bastante, até mesmo ao momento em que Kierkegaard escreve sobre o
tema em relevo. Assim, o que é apresentado por Rancière como sendo inovador não é nada mais do que
uma breve reciclagem dos argumentos de Schiller, postos em uma linguagem (filosófica) pós-moderna.
12
O maior intento de Rancière, ao tentar prover um pensamento estético-político que não fosse sistemático
e que, mesmo assim, pudesse dar uma resposta ideologicamente aceitável à esquerda pós-moderna. Ele
tentava um contraponto com a política da esquerda posterior aos movimentos de 1968, a qual ainda
sustentava um viés stalinista, em seu discurso ideológico.
somente uma vinculação estético-filosófica (de raiz hegeliana) por uma “amarra estético-
política baseada em propostas marxistas” (ou marxianas, por assim dizer).
Essa é uma pergunta que a maioria dos intérpretes de Rancière se furtam a
responder, justamente por estarem alinhados ideologicamente com a própria estética
do mencionado autor. No entanto, com a proposta de análise estética desse estádio da vida
humana, sob a batuta existencial de Kierkegaard, é possível se abstrair de tal perspectiva
totalizante (sob o enunciado político), a fim de se obter um resultado muito mais relevante
e interessante, sob a sua perspectiva culturalista. Não um culturalismo múltiplo e
diversificado em Rancière, apenas um monólito estético-político (LUXON, 2013, p. 284),
o qual, na sua ânsia de superar a estética do artístico (ao menos numa primeira abordagem,
embora meramente aparente), restringe-se somente a direcionar os desígnios da sociedade
ao espectro ideológico da esquerda política. Assim, as premissas estéticas de Rancière
acabam por aprisionar seu pensamento a um dogmatismo político e ideológico que veda
a si mesmo superar as amarras que o esteticismo artístico de outras épocas filosóficas nem
sequer impunha aos pensadores. Ao invés de parecer libertador, em seu viés político, o
pensamento estético de Rancière é aprisionador, em seu próprio sentido ontológico.
2 INTERESSES E POLÍTICA: DA ESTÉTICA E SEU PLURALISMO
O pensamento culturalista de Kierkegaard pode ser compreendido pela conjunção
de interesses em comum, que define, em um primeiro plano, a perseguição dos interesses
próprios de cada homem.
13
Em segundo plano, quando a coincidência de interesses,
ocorre a formação de círculos de culturas específicos que vão se amontoando
gradativamente até que se forme todo o espectro cultural que se distende da forma mais
variável e diversa possível. Nesse sentido, a multiplicidade dos elementos culturais,
formados esteticamente, não se no interesse em si mesmo, como se a gênese do
interesse antecedesse, por si mesma, a própria cultura na qual o interesse se insere.
Todavia, de se fazer um breve adendo, para que a compreensão do estádio
estético em Kierkegaard seja mais efetiva, tanto por si quanto ela servir de espeque para
a análise das ponderações de Rancière. O estádio estético, para Kierkegaard, caso seja
tomado unicamente por si mesmo, apartado de qualquer outra reverberação dos demais
estádios (ético e religioso), deve ser tido como uma apresentação do homem
“essencialmente” negativa. Tal apresentação de um sentido negativo é compreendida a
partir da geração tediosa e de fastio para com a existência, causada pelo encapsulamento
nesse estádio. Ou seja, a perseguição de modelos e de perspectivas unicamente estéticas
faz com que tal estádio fomente a incompletude da vida do homem e seu aprisionamento
numa sensibilidade inerte e vazia. O estádio estético se mostra carente e dotado de uma
irresponsabilidade patente para com a assunção da projeção existencial do homem,
quando tomado isoladamente.
14
Sem que haja a integração do estádio estético com o religioso (já que, com o
estádio ético, ela será eventual e não necessária apenas suficiente de um ponto de vista
13
Ainda que o interesse seja próprio de cada um, a figura cultura inserida nessa perspectiva perdura por um
tempo significativo, pois se repete em cada ação culturalmente alicerçada (MOONEY, 2012, p. 68). Assim,
seus escritos (principalmente os pseudonômicos) adquirem uma “presença cultural” de longa persistência
no imaginário comum, retratando figuras que se adequam facilmente ao cotidiano dos seus leitores.
14
Assim sendo, por mais que o artigo tenha como enfoque primordial o estudo do estádio estético, em toda
a sua extensão ele deve ser compreendido como o estádio estético coligado ou fundido com outros
elementos de uma expressão existencial mais completa do homem (por meio de sua conexão com o estádio
religioso ou ético, no que for cabível). Sem que se recaia na preconcepção crítica que o artigo se foca em
um elemento negativista do pensamento kierkegaardiano e o utiliza sem as devidas atualizações ou
considerações conceituais que sejam capazes de fornecer um entendimento mais substancial de questões
o fundamentais e relevantes para tal estudo.
“lógico”), não se pode falar em uma existência realmente valorosa” nos padrões
kierkegaardianos, de maneira que os demais interesses que são buscados (ou até mesmo
podem vir a ser buscados), sob a perspectiva política, inclusive, perdem totalmente seu
sentido e a sua noção de prestígio, diante da vida do homem. De modo inicial e
perfunctório, o estádio estético é o primeiro passo que vem a dar forma à existência
humana, todavia, tomado por ele mesmo, é apenas vazio e incipiente , se o estádio
estético for prevalente e dominante em sua acepção “solipsista”, focada unicamente nesse
estádio e sem qualquer conexão com a reflexividade mais profunda e relevante ofertada
pelo estádio religioso.
Após essa breve explanação sobre o caráter negativo do estádio estético, para
Kierkegaard, caso ele seja tomado com exclusividade e sem nenhuma ponderação mais
adequada, de se dizer que o pensamento de Rancière indica que o elemento estético
parte de uma necessidade indispensável do compartilhamento daquilo que é comum a
todos, pois todos são capazes (em seu aparato perceptivo) de sentir. Para ele, portanto, o
mero sentir humano se transforma diretamente em um envolvimento político,
obrigatoriamente de esquerda, ressalte-se.
Toda injustiça contida no mundo (“pós-moderno”)
15
, segundo Rancière, deriva da
incorreta partilha do sensível. Ele não explica claramente o que é o sensível
16
a ser
partilhado, haja vista que esse termo parece ser bem diverso da noção kantiana de
sensibilidade (espaço e tempo) compartilhável entre os homens. Todavia, parece que
sensível, na linguagem de Rancière, está próximo do substrato material disponível aos
seres humanos a ser trabalhado tecnicamente por eles, em prol de seu desenvolvimento.
A incorreta partilha dos recursos que formam o sensível seria a fonte da miséria humana
(desigualdade material, num sentido aristotélico)
17
e de todas as desgraças políticas da
humanidade. Enquanto houver os que têm parte do sensível, e aqueles que não possuem
uma parte dele, sempre haverá desigualdade entre eles, um modo de dominação patente
estabelecida de forma relacional (MCNAY, 2014, p. 160). Uma partilha que se adequasse,
tanto estética quanto politicamente, aos anseios de todos, igualmente, seria o objetivo
primordial das ponderações de Rancière acerca desse tema.
Diferentemente, em Kierkegaard (2010, p. 90), o interesse possui sua gestação no
âmago da subjetividade de cada um, tendo o seu leque de possibilidades mais amplo
quanto possível, de sorte que o resultado de tal premissa é que o que deriva de cada
interesse individual, quando arregimentado no seio da sociedade, é a múltipla pluralidade
de interesses culturalmente expressos, não sendo algo unicamente que reflita aquilo que
é compartilhado sensivelmente, como diria Rancière. O interesse primário de Rancière é
o consenso, o qual mantém afastada a possibilidade de a sociedade se dissolver
coletivamente, em diferentes direções e interesses (BROCKMAN, 2013, p.150). Por
causa dessa busca pelo consenso, o pensamento de Rancière não consegue dar conta da
multiplicidade estética fornecida por Kierkegaard (1955, p. 69), entretanto, necessita
15
Rancière não se vale do termo “pós-moderno” ou “vanguarda”, para definir seu pensamento. Contudo,
esses termos indicam efetivamente aquilo que ele tenta descrever e, por causa disso, são utilizados
adequadamente no trabalho em desenvolvimento.
16
Ainda que o próprio Rancière não explique claramente ao que o termo “partilha do sensível” se refere,
pode-se fazer uma leitura “marxiana”, na qual o termo equivale à “divisão social do trabalho”
(HIRVONEN, 2014, p. 161). Ele diz respeito à distribuição de competência e de ordenações políticas e
sociais, às formas e lugares de participação política e econômica, à inclusão e à exclusão dos indivíduos,
em síntese, ao mostrar e ao esconder das formas e dos corpos sociais e políticos na sociedade como um
todo.
17
É importante destacar o sentido aristotélico que Rancière aos seus escritos políticos, pois ele é um
grande crítico do platonismo, aceitando a conjuntura aristotélica para descrever a realidade política
conjuntural.
sempre negar esse leque amplo de possibilidades existenciais, para que seus objetivos
políticos sejam efetivamente conquistados, algo impossível sem a sua noção de consenso
(estético e político).
A consecução de certos interesses pode até mesmo dar azo à formação estética de
elementos políticos, seguindo o viés kierkegaardiano de uma interpretação estética da
realidade sensível, no entanto, não se pode afirmar, categoricamente, que a simples
existência de interesses que venham a ser compartilhados azo a tal formação ideológica
ou política (HANNAY, 1999, p. 268). Aliás, não nenhuma necessidade em se
compartilhar aquilo que se sente, tampouco se pode desdobrar o entendimento de que o
simples compartilhamento já gerará implicações políticas. O mero sentimento não possui
um modo de compartilhamento por ser um sentimento, bem como tudo que é partilhado
não é político por estar sendo repartido entre os membros de uma determinada sociedade.
Nem tudo que é posto para as demais pessoas, obrigatoriamente, assume um viés político;
a própria arte, abstratamente e subjetivamente concebida, pode ser exposta publicamente
como uma simples expressão artística subjetiva, sem nenhuma intenção além do seu mero
mostrar, um mostrar sem dizer nada além.
Tratar a questão estética sob tal fundamento é reduzir de modo abrupto todas as
possibilidades existenciais que cada ser humano possa ter por um interesse diverso, aliás,
por interesses que sejam sensíveis, mas que não possuam um cunho político evidente ou
flagrante. Não se depreende, portanto, da mera confirmação de um interesse que venha
ou, ao menos, que possa vir a ser compartilhado, que haja um elemento político dominante
ou que haja qualquer sorte de direcionamento político em tal premissa estética
kierkegaardiana.
18
As possibilidades existenciais conferidas ao estádio estético pela interpretação por
último ofertada são bem mais amplas que a explicação fornecida por Rancière. A
interpretação estética kierkegaardiana inclui enquadramentos políticos, científicos,
filosóficos, esportivos, cômicos, trágicos, dentre uma infinidade de outros vieses
possíveis, desde que denotem algum interesse, quer relevantes, quer irrelevantes, em
termos políticos. Ela não se limita apenas a uma análise política dos interesses humanos.
Em conclusão, pode-se asseverar que a grande variedade de interesses do estádio
estético depreende que nem todos os interesses humanos possuem, necessariamente, um
espelho político daquilo que é sensível na vida do homem e que não tal
correspondência, de forma irrefreável, como aponta Rancière. Compreender o estádio
estético sob a lente de Rancière equivaleria a dar uma essência (pré) política
19
ao homem,
antes mesmo de sua existência, e antes mesmo de seu aprofundamento subjetivo em si
mesmo, como propõe Kierkegaard.
O estádio estético para Kierkegaard, tal como já mencionado, forma a maioria das
ocupações humanas possíveis, porque o interesse é o fator determinante mais elementar
que pode ser encontrado na conduta e nas ações humanas e que ajuda a delinear toda a
expressão de tal estádio. Dessa maneira, não como se buscar a redução desse estádio
18
quem aponte, no entanto, que negar um caráter natural e essencial à política é negar à política qualquer
poder de emancipação (COPJEC et al.; 2011, p. 94). Ou seja, dar qualquer contorno apolítico ou pré-político
ao entendimento do homem sobre si mesmo é condicioná-lo às situações opressivas que pretensamente
estão sendo reproduzidas culturalmente, segundo o pensamento de Rancière e de alguns dos seus seguidores
(conforme citado).
19
Por pré-política se indica um sentido de ser do homem comparável ao status pré-ontológico de
compreensão do homem sobre si mesmo (HEIDEGGER, 2008, p. 50), sob um viés heideggeriano. Todavia,
essa interpretação é muito além das possibilidades do homem, pois suplanta a própria possibilidade p-
ontológica de compreensão de mundo, um mundo culturalmente aberto, e não identificado com
pressuposições objetivistas. Esse, aliás, é o entendimento tanto de Heidegger quanto de Kierkegaard a
respeito desse tema.
da vida humana, tão rico por si mesmo, apenas a contornos políticos e ideológicos, para
que se possa encontrar uma estética do compartilhamento. Há de se ter em conta que, na
interpretação proposta por Kierkegaard (1955, p. 70), o sensível é parte do estádio
estético, aliás, pode-se sustentar que é grande parte desse estádio, mas nem por isso tudo
que está nele contido é compartilhado de sorte a se estender para os campos da política
ou da luta política, por assim dizer, de um modo mais adequado à inclinação e defesa do
proselitismo ideológico de Rancière. O problema de Rancière não consiste,
principalmente, em identificar os elementos da sensibilidade humana como algo atrelado
à estética do homem; o grande problema em sua argumentação estético-política é
identificar unicamente esses elementos com a estética, inexorável e irremediavelmente,
para posteriormente encapsulá-los em seu discurso ideologicamente comprometido com
certo fim específico.
Diante da análise comparativa feita entre a proposta estética de Kierkegaard com
a proposta estético-política de Rancière, pode-se extrair o entendimento, mais importante
até mesmo que a própria comparação em si mesma, por assim dizer, de que Kierkegaard,
por meio dessa abordagem, busca reafirmar, sequencialmente, o adágio de que a
subjetividade é a verdade, sem, no entanto, precisar rememorar essa marcação de modo
expresso. A assunção de verdade na subjetividade não significa, como destacado de
maneira sutil, anteriormente, que ele negue a possibilidade de uma cultura ou de um
espaço coletivo de abordagens e de discussão acerca dos interesses e das construções
sociais esteticamente dispostas, aliás, pelo contrário.
Kierkegaard (1955, p. 79) não rejeita ou renega o elemento cultural na disposição
estética de forma alguma: as conclusões que podem ser desdobradas da comparação por
ora estabelecidas se inclinam nessa perspectiva, haja vista que todo o elemento cultural
está desenvolvido, de modo basilar, na conjunção dos interesses dos homens. Os
indivíduos são capazes de expressar os seus interesses culturais livremente, como um
produto de sua subjetividade, e, em última instância, eles também são um produto de
todas as vivências existencialmente relevantes de suas vidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Derradeiramente, de se explicar o motivo pelo qual a “comparação” entre
Kierkegaard e Rancière foi feita, neste breve artigo. O intuito de tal análise comparativa
consiste em afastar uma possível interpretação da estética kierkegaardiana que venha a
limitá-la a um único viés político. Em última análise, Rancière até aceita a noção de
interesse kierkegaardiano, como elemento que reparte o sensível; ele apenas rejeita que
haja outras derivações do interesse, além de seu aspecto político. Por causa dessa rejeição,
a presente seção tratou de apontar os deslizes de Rancière em sua abordagem estético-
política, a fim de demonstrar que um retorno ao texto kierkegaardiano fornece uma
interpretação satisfatória do estádio estético.
Assim, esse estádio deve ser compreendido em toda a sua multifacetada
existência, a qual possibilita ao homem várias escolhas e muitas oportunidades de
vivenciá-las, sem se preocupar, obrigatoriamente, com suas implicações políticas. O
esteta, no sentido proposto por Kierkegaard, importa-se mais com seus próprios interesses
que com as consequências desses interesses, coletiva ou individualmente falando.
De modo conclusivo, de se indicar que o principal elemento que motiva a
análise do pensamento de Rancière, através de uma retrospectiva kierkegaardiana, é que
sob essa égide metodológica se afigura possível purgar grande parte da inclinação
ideológica do pensador francês, mantendo-se, de toda forma, o seu cerne interpretativo.
Logo, é possível depreender, através das mais variadas formas de apresentação política
do interesse, que o elemento estético é sempre prevalente na atualidade política, de
maneira que existem vanguardas e retaguardas envolvidas nesse plano e que se conjugam,
justamente, por meio dos elementos estéticos dispostos na análise operada. Conclui-se,
portanto, que o trabalho apresentado indica uma interpretação estético-política da
realidade que não rejeita, de plano, nem retaguardas tampouco vanguardas, desde que se
possa ponderar adequadamente acerca dos interesses envolvidos em tais querelas.
AESTHETIC STAGE, INTERESTS AND POLITICS: DISCUSSING KIERKEGAARD
AND RANCIÈRE
ABSTRACT: The paper concerns the relationship between politics and aesthetics In the
philosophies of Kierkegaard and Rancière. The paper debates how the interests are the key
element in Kierkegaard’s aesthetic stage in “comparison” to aesthetical-political context for
Rancière. The paper presents the political regimes of Rancière in allusive recollection of human
life stages as showed by Kierkegaard. The paper offers a study focused on the multiplicity of
politics based on a vast of aesthetical interests and possibilities. The paper results in an aesthetical-
political perception free from ideological aspiration, which is able to states avant-gardes and
rearguards about nowadays political thinking.
KEY-WORDS: Aesthetics. Politics. Metaphysics. Rancière. Kierkegaard.
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