da vida humana, tão rico por si mesmo, apenas a contornos políticos e ideológicos, para
que se possa encontrar uma estética do compartilhamento. Há de se ter em conta que, na
interpretação proposta por Kierkegaard (1955, p. 70), o sensível é parte do estádio
estético, aliás, pode-se sustentar que é grande parte desse estádio, mas nem por isso tudo
que está nele contido é compartilhado de sorte a se estender para os campos da política
ou da luta política, por assim dizer, de um modo mais adequado à inclinação e defesa do
proselitismo ideológico de Rancière. O problema de Rancière não consiste,
principalmente, em identificar os elementos da sensibilidade humana como algo atrelado
à estética do homem; o grande problema em sua argumentação estético-política é
identificar unicamente esses elementos com a estética, inexorável e irremediavelmente,
para posteriormente encapsulá-los em seu discurso ideologicamente comprometido com
certo fim específico.
Diante da análise comparativa feita entre a proposta estética de Kierkegaard com
a proposta estético-política de Rancière, pode-se extrair o entendimento, mais importante
até mesmo que a própria comparação em si mesma, por assim dizer, de que Kierkegaard,
por meio dessa abordagem, busca reafirmar, sequencialmente, o adágio de que a
subjetividade é a verdade, sem, no entanto, precisar rememorar essa marcação de modo
expresso. A assunção de verdade na subjetividade não significa, como destacado de
maneira sutil, anteriormente, que ele negue a possibilidade de uma cultura ou de um
espaço coletivo de abordagens e de discussão acerca dos interesses e das construções
sociais esteticamente dispostas, aliás, pelo contrário.
Kierkegaard (1955, p. 79) não rejeita ou renega o elemento cultural na disposição
estética de forma alguma: as conclusões que podem ser desdobradas da comparação por
ora estabelecidas se inclinam nessa perspectiva, haja vista que todo o elemento cultural
está desenvolvido, de modo basilar, na conjunção dos interesses dos homens. Os
indivíduos são capazes de expressar os seus interesses culturais livremente, como um
produto de sua subjetividade, e, em última instância, eles também são um produto de
todas as vivências existencialmente relevantes de suas vidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Derradeiramente, há de se explicar o motivo pelo qual a “comparação” entre
Kierkegaard e Rancière foi feita, neste breve artigo. O intuito de tal análise comparativa
consiste em afastar uma possível interpretação da estética kierkegaardiana que venha a
limitá-la a um único viés político. Em última análise, Rancière até aceita a noção de
interesse kierkegaardiano, como elemento que reparte o sensível; ele apenas rejeita que
haja outras derivações do interesse, além de seu aspecto político. Por causa dessa rejeição,
a presente seção tratou de apontar os deslizes de Rancière em sua abordagem estético-
política, a fim de demonstrar que um retorno ao texto kierkegaardiano já fornece uma
interpretação satisfatória do estádio estético.
Assim, esse estádio deve ser compreendido em toda a sua multifacetada
existência, a qual possibilita ao homem várias escolhas e muitas oportunidades de
vivenciá-las, sem se preocupar, obrigatoriamente, com suas implicações políticas. O
esteta, no sentido proposto por Kierkegaard, importa-se mais com seus próprios interesses
que com as consequências desses interesses, coletiva ou individualmente falando.
De modo conclusivo, há de se indicar que o principal elemento que motiva a
análise do pensamento de Rancière, através de uma retrospectiva kierkegaardiana, é que
sob essa égide metodológica se afigura possível purgar grande parte da inclinação
ideológica do pensador francês, mantendo-se, de toda forma, o seu cerne interpretativo.
Logo, é possível depreender, através das mais variadas formas de apresentação política
do interesse, que o elemento estético é sempre prevalente na atualidade política, de