FRIEDRICH SCHILLER (1789). O QUE SIGNIFICA E COM QUE FIM SE ESTUDA A HISTÓRIA UNIVERSAL?

 

 

Felipe Vale da Silva[1]

 

 

 

Resumo: Tradução do discurso inaugural proferido por Friedrich Schiller, na Universidade de Jena, em 1789, posteriormente publicado como Was heisst und zu welchem Ende studiert man Universalgeschichte? Um comentário geral sobre os conceitos centrais do texto e as contribuições de seu autor, para a filosofia da história oitocentista, precede a tradução.

Palavras-chave: Friedrich Schiller. Filosofia da História. História Universal. Iluminismo.

 

 

 

 

 

1  Friedrich Schiller, entre o desamparo e a história universal

Até março de 1789, Friedrich Schiller vivia uma situação de desamparo. O já aclamado escritor tinha então 29 anos de idade e, apesar de ter-se formado uma década antes como médico militar, em Württemberg, teve um início de carreira conturbado. A primeira razão para isso era simples: medicina estava longe de ser sua vocação. Quando enfim tornou-se dramaturgo, dedicando-se àquilo que o inspirava, de fato, teve como resultado Os bandoleiros (Die Räuber, 1782), uma peça tão provocativa para a ordem estabelecida que lhe custou quatorze dias na cadeia e, ainda pior, a proibição de publicar qualquer texto que não fosse ligado à área médica. Na noite de 22 de setembro de 1782, Schiller aproveitou a ocasião de um grande banquete, na casa do duque local, para escapar para a Turíngia com um outro amigo e desertor, Andreas Streicher. Daí em diante, eles nunca mais puderam voltar a seu estado natal.

Os anos seguintes foram anos incertos — o cuidado de benfeitores permitiu-lhe sobreviver e publicar algumas das grandes obras da década, até que Schiller finalmente se consolidou profissionalmente, por intermédio do colega Johann Wolfgang von Goethe, que lhe arranjara um cargo não-remunerado de professor de História na Universidade de Jena. Foi preciso esperar até 1790, para que passasse a receber um estipêndio por parte da corte local. É interessante que, até aquele momento, Schiller nunca se entendera como um historiador — ele se apresentou aos alunos antes como uma espécie de pesquisador filosófico da história (DANN, 2005, p. 77) —, o que não o impediu de deixar a poesia de lado pelos próximos anos e dedicar-se exclusivamente a sua nova área de atuação. Durante esse hiato, Schiller compôs quase toda sua filosofia, uma história da Guerra dos Trinta Anos e quatro textos sobre o conceito de História Universal responsáveis por inaugurar um novo momento na historiografia alemã.

O principal deles é hoje conhecido pelo título O que significa e com que fim se estuda a história universal?, declamado nos dias 26 e 27 de maio de 1789, nas duas aulas que inauguram sua atividade docente. O texto, além de marcar uma virada na vida pessoal do autor — do desamparo à estabilidade econômica —, gera também uma revolução nas formas de se encarar a historicidade.

Antes de entrar a fundo em questões de sua matéria, Schiller questiona os alunos sobre as intenções que os levaram àquele curso, contrapondo dois perfis comuns ao ambiente universitário. Por um lado, temos o Brotgelehrte (o “erudito ganha-pão”), aquele pesquisador ou professor que opta por uma área acadêmica com fins estritamente monetários. Saindo da boca de um iluminista, isso automaticamente significa: o erudito ganha-pão ignora o fim último das ciências, o do aperfeiçoamento conjunto da espécie, aceitando submeter-se a uma lógica mercadológica vazia e, por fim, nociva a si próprio:

Quando um lampejo de cultura superior revela ao jurista o desamparo de sua ciência, ele a abandona, em vez de inspirar-se e tornar-se um novo criador de leis, aperfeiçoando, com seus próprios recursos, os defeitos descobertos. O médico entra em conflito com sua profissão assim, que falhas graves atestam quão pouco ele pode confiar em seus métodos; o teólogo perde respeito por seu chamado, assim que a fé na infalibilidade de seu edifício doutrinário é abalada.[2]

 

Os termos derrogatórios Brotgelehrte e Brotwissenschaften (traduzidos aqui como “erudito ganha-pão” e “ciências do sustento”) eram correntes nos tempos de estudante de Schiller e certamente, ao trazê-los à tona, ele buscava fazer um acerto de contas com o próprio passado profissional. Mas a questão não acaba aí. Ao primeiro perfil proposto, contrapõe-se a “mente” ou “cabeça filosófica” (der philosophische Kopf), termo anteriormente empregado por Imannuel Kant, em Ideia de uma História Universal com um Propósito Cosmopolita (Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltbürgerlicher Absicht; ver KANT, 1833 [1784], p. 19). É como se, em uma só manobra, Schiller explicitasse quem é seu grande mentor e guia pelo campo da história, e sugerisse aos alunos a também beneficiarem-se da última grande conquista da filosofia para repensar sua área.

Ainda que [...] novas descobertas arruínem tudo, e um novo encadeamento de pensamentos, um novo fenômeno natural, uma lei recém-descoberta no mundo físico desmorone todo o edifício de sua ciência, tanto faz: a mente filosófica sempre amou mais a verdade do que seu sistema, e alegremente substituirá uma estrutura antiga e insuficiente por uma nova e mais aprazível. [...]. Através de estruturas de pensamento cada vez mais novas e belas, a mente filosófica progride rumo à maior excelência, enquanto o erudito ganha-pão, em uma eterna paralisia do espírito, esconde-se atrás da monotonia de suas concepções doutrinárias.[3]

 

Essa mudança de postura era a exigência mínima para que um projeto ainda incompleto tivesse continuidade: era preciso criar uma História Universal. As obras escritas pelos historiadores iluministas iniciais se provavam insuficientes, na medida em que não passavam de amontado de fatos sobre uma ou outra nação: Schiller chega a dizer que a historiografia iluminista trabalha com um mero agregado de fragmentos (ein Aggregat von Bruchstücken), e toma como sua tarefa propor um princípio unificador para os futuros historiadores e filósofos. Era preciso elevar esses dados esparsos e criar um sistema capaz de analisar o caminho da espécie humana rumo a seu esclarecimento — e tudo isso de um ponto de vista cosmopolita. “Na verdade, as histórias da igreja, da filosofia, das artes, dos costumes e do comércio deveriam ser condensadas à da política como uma só coisa [...] Meu plano é seguir esse caminho”, o autor comenta em uma carta.[4] No texto de um dos grandes propositores da ideia de História Universal, August Ludwig von Schlözer,[5] encontramos uma explicação bastante sintetizada dessa virada cosmopolita da historiografia, que merece ser rememorada aqui:

Podemos apresentar a História do Mundo a partir de um ponto de vista duplo: ou como um agregado de histórias especializadas, cujo conjunto justaposto, caso esteja completo, já constitui um todo à sua maneira; ou [podemos apresentar a história do mundo] como um sistema no qual mundo e humanidade formam uma unidade, e [no qual] algumas partes de todo o agregado são especialmente selecionadas, para então serem ordenadas para um fim específico. (trecho de Vorstellung seiner Universalgeschichte, de 1772).[6]

 

Assim, os protagonistas da História deixam de ser os grandes conquistadores e governantes, para tornar-se a própria humanidade como entidade una. Aqui se encontra a grande contribuição de Schiller e Schlözer para a historiografia futura. Mas isso não livra a área do perigo constante de cair em abstrações infrutíferas ou complexas demais para poder gerar conclusões palpáveis. “O método de inferência a partir de analogias é, como em todas as áreas, um recurso poderoso na história; contudo, ele deve ser justificado por um propósito relevante, e ser exercido tanto com cautela quanto com juízo”[7] Schiller adverte os alunos no final do discurso. E, sem dúvida, a abordagem proposta cria dificuldades enormes para os futuros historiadores, antes de tudo por pôr em xeque o quanto podemos confiar nas fontes escritas para a História. Toda História, diz, está ligada a uma tradição de escrita e a um certo modo conceber o mundo; a palavra e a consciência que o historiador tem dos fatos não podem ser epistemologicamente separados (DANN, 2011, p. 326; FULDA, 2005, p. 113). Mas nem isso inviabiliza uma História Universal; pelo contrário, Schiller encontra aqui o ponto de partida para sua ciência. É como se ele retomasse a questão primordial da Crítica da Razão Pura e a aplicasse à área, perguntando: quais são as condições de possibilidade de pensar uma História da humanidade como um todo? Como o trabalho de povos do passado pode ter contribuído para a formação daquilo que somos, e auxiliar-nos a entender conflitos e urgências do presente? O que em cada momento da história é datado ou fruto evidente das ilusões de sua era, e o que ainda nos constitui como seres pensantes?

Van Zantwijk (2005, p. 17) não exagera, ao atribuir ao ensaio de Schiller o papel de realizador de uma espécie de revolução copernicana na filosofia da História. De fato, existe um correlato entre a atitude de Schiller e de seu predecessor Kant, justamente no momento em que o primeiro questiona aqueles alunos ainda verdes, recém-ingressados na universidade: onde estamos agora? Qual é nosso momento na História Universal, e por que devemos tudo o que somos ao esforço de homens e mulheres do passado? O texto executa uma virada por exigir dos alunos que pensem na História sempre a partir do contexto presente, e então percorrer toda a jornada da raça humana até seus primeiros registros linguísticos, em uma ordem oposta à da cronologia do mundo. E mais: os mesmos alunos devem fazê-lo sem esquecer que toda concepção total da história é uma mera “ideia da razão” (na concepção kantiana) e, como tal, algo sempre provisório; o sujeito de conhecimento está de antemão fadado a perder suas verdades, tendo que recorrer a novas fontes e novas considerações para reconstituir sua ideia de História Universal, assim que um novo evento surja. Esta é a atitude moderna por excelência nas ciências humanas, proposta em pleno 1789; “quem aqui fala busca um ponto de parada passageiro, pois sabe que não pode fugir do emaranhado do momento histórico.”[8]

E o grande evento que surgia semanas antes de Schiller proferir seu discurso, há algumas milhas a Oeste, era a Revolução Francesa, o que talvez explique a ideia fixa schilleriana de que os seres humanos, como as personagens de seus dramas, constroem sua história com o alvo único de libertar-se — física, intelectual e moralmente. Do século XXI, talvez esse otimismo soe para nós um pouco descabido, dado que tantas forças resistentes à liberdade humana ainda atuem persistentemente. Ao dizermos isso, contudo, estamos apenas repensando a história humana a partir de nosso ponto de chegada, atualizando a tarefa proposta por Schiller, e, às vezes sem intenção, atestando a persistência de suas ideias.

Infelizmente, pouco nos restou daquilo que o autor em questão escreveu sobre a História Universal. As duas primeiras aulas do curso ministrado em 1789 constituem o texto traduzido abaixo, mas o restante do curso ficou perdido no tempo. Há registros na Universidade de Jena dos títulos de algumas das preleções dadas naquele semestre ("Da era de Carlos, o Grande, até a era de Frederico II, rei da Prússia”, "História romana"), além de mais três textos publicados na época que, apesar de tratar de períodos específicos, fazem-no a partir de uma perspectiva universalista. Eles são: Die Sendung Moses, Etwas über die erste Menschengesellschaft nach dem Leitfaden der mosaischen Urkunde e Die Gesetzgebung des Lykurgus und Solon, todos de  1790.

O quanto, por fim, do discurso inaugural é relevante para nós ainda hoje? A ideia iluminista de que há qualquer forma de ordenação natural para a marcha da humanidade, é certo, há muito não nos ocupa, mas uma compreensão universalista dos processos históricos voltou em voga desde o final da Segunda Guerra. Das Guerras Napoleônicas ao Nazismo, a historiografia alemã praticamente deixou de lado uma postura universalista, para eleger as grandes nações como sujeitos históricos; essa foi uma ideia perigosíssima, sobretudo, quando alguns passaram a defender a ideia de uma Alemanha autônoma, munida de objetivos próprios e transcendentes a qualquer forma de lei ou da manutenção da ordem mundial (e isso estava longe de ser um fenômeno exclusivo dos alemães, é claro).

Após 1945, observamos um retorno à metodologia de pesquisa pautada na perspectiva global de certas formas de experiência histórica — a experiência colonial e pós-colonial, as lutas de classe, os conflitos entre gêneros — para a qual o texto em questão pode ser útil (ZWENGER, 2003). Além disso, quem estuda Schiller como escritor de ficção não pode ignorar o fato de que, após seu ingresso na carreira docente, surgem os textos teóricos centrais do Classicismo de Weimar, além de suas tragédias de maturidade (todas elas tragédias históricas): a trilogia Wallenstein (1799), Maria Stuart (1800), Die Jungfrau von Orléans (1801), Die Braut von Messina (1803), Wilhelm Tell (1803/04) e o fragmento Demetrius (1805).

 

2  Notas sobre a tradução

            A tradução que se segue parte da edição de Munique das obras de Schiller (1962, p. 749-767). Para melhor manuseio do texto, por parte de pesquisadores e pesquisadoras, as páginas da edição de 1962 estão indicadas entre chaves. Foram também consultadas uma tradução para o inglês e uma para o espanhol (respectivamente SCHILLER, 1972 e 1991). Todas as notas de rodapé são do tradutor e, salvo quando indicadas, tiveram por base os comentários de Otto Dann (2000).

 

 

O que significa e com que fim se estuda a história universal?

 

Discurso inaugural do curso de História, Universidade de Jena (1789),

por Friedrich Schiller

 

[749] Senhores, para mim é uma tarefa gratificante e honrosa acompanhá-los daqui em diante adentro de um campo que revela tantos objetos de estudo para o observador reflexivo, tantos exemplos grandiosos e dignos de emulação para o homem ativo no mundo, tantas explicações importantes para o filósofo, e que dá acesso a todos, sem exceção, a fontes tão ricas do mais nobre prazer — a grande área da História geral. Ver aqui tantos jovens reunidos por uma nobre sede de conhecimento, e entre os quais alguns talentos tão necessários para a era futura já se relevam, transforma minha obrigação em prazer, mas não sem fazer-me sentir todo o peso e importância de meu empreendimento. Quanto maior for o presente que eu tenho para entregar-lhes — e que presente melhor um homem pode dar ao outro do que a verdade? — maior cuidado devo tomar para não ver seu valor reduzido em minhas mãos. Quanto mais vivaz e puro for seu espírito para recebê-lo nesta época mais feliz de sua atuação, e quanto mais rápido suas paixões juvenis se extinguirem, maior minha responsabilidade de evitar que aquele entusiasmo que só a verdade tem direito de incitar seja dissipado pela vigarice e pela ilusão.

O campo da história é fecundo e muito abrangente; todo o mundo moral reside em sua esfera. A História deve prestar contas de tudo o que o homem tomou para si e teve para oferecer; ela o acompanha através de todas as condições que vivenciou, de todas suas mudanças de opinião, de sua tolice e sabedoria, de sua degeneração e enobrecimento. Não há um entre vocês [750] a quem a História não teria nada importante a dizer; por mais diferentes que sejam as trajetórias de sua futura vocação, elas todas estão de certa maneira ligadas com a História. Mesmo assim, há uma vocação que vocês compartilham entre si, aquela que trouxeram consigo a este mundo — a de formar-se como humanos — e é unicamente aos seres humanos que a história se dirige.[9]

Mas, senhores, antes de definir com mais exatidão o que esperar dessa área de interesse, explicando sua ligação com o objetivo real de seus diferentes estudos, não seria supérfluo chegarmos a um acordo a respeito de qual é esse objetivo. Começar a resolver tal questão, que me parece um meio adequado e suficientemente digno para inaugurar nossa colaboração acadêmica, permitirá que eu dirija sua atenção para o aspecto mais digno da História do Mundo.

Há uma enorme diferença entre o plano de estudos que o erudito ganha-pão estabelece para si e o plano de estudos da mente filosófica. A única preocupação do primeiro é cumprir as condições sob as quais ele pode exercer sua vocação e gozar de suas vantagens; ele põe suas habilidades intelectuais para trabalhar unicamente para melhorar sua situação material e satisfazer certa sede mesquinha por reconhecimento. Tal indivíduo embarca em sua carreira acadêmica com a preocupação maior de diferenciar, o máximo que puder, aquilo que chama “ciências de sustento” das ciências restantes, que deleitam a mente por si só. Todo o tempo que for dedicado às últimas, ele crê, o afasta de suas ocupações futuras, e ele nunca se perdoaria por tal perda de tempo. Ele dirigirá todos seus esforços às demandas que o futuro dono de seu destino lhe impuser, e acreditará ter feito o máximo de si, assim que se qualificar e for capaz de não mais temer tal autoridade. Uma vez que percorreu seu caminho e atingiu seu objetivo desejado, ele deixa de lado seus guias de estudo — para que se dar ao trabalho de empenhar-se mais? Seu maior problema agora é dar mostras dos tesouros acumulados em sua memória, e tomar conta para que eles não se desvalorizem. Toda ampliação de sua ciência de sustento o inquieta, [751] já que o obriga a um novo trabalho, ou inutiliza aquele já realizado; toda inovação importante o aterroriza, pois arruína a antiga doutrina escolar a qual ele se esforçou tanto para aprender, pondo em perigo todo o esforço de sua vida anterior. Quem protestou mais contra reformadores do que a corja dos eruditos ganha-pão? Quem atrasa mais o progresso das revoluções salutares no reino do conhecimento do que eles? Toda luz irradiada por um gênio feliz, seja em qual ciência for, evidencia sua precariedade; eles digladiam com amargura, perfídia e desespero, pois, ao defender sua doutrina escolar, estão defendendo a própria existência. Por isso, não há inimigo mais implacável, colega mais invejoso, ninguém mais solícito para acusar os outros de heresia do que o erudito ganha-pão. Quanto menos seu conhecimento, por si só, parecer-lhe gratificante, mais ele exigirá recompensas de fora; ele tem apenas uma medida para julgar seja o trabalho manual, seja o trabalho intelectual — a quantidade de esforço despendido. Assim, não se ouve ninguém reclamar mais do que o erudito ganha-pão; ele não busca recompensa nos tesouros de sua mente, mas em reconhecimento alheio, em cargos honoríficos, em subsídios. Se desapontado também nisso, quem é mais infeliz que o erudito ganha-pão? Ele viveu, perdeu o sono e trabalhou em vão; buscou pela verdade à toa, caso ela não se transforme em ouro, em elogios nos jornais, em favores dos príncipes.

Que lastimável é um homem que, munido de ciência e arte, as mais nobres das ferramentas, não deseja e não atinge nada além daquilo que o trabalhador de jornada, munido das piores, consegue atingir! Que no reino da liberdade plena, arrasta uma alma de escravo consigo! — Ainda mais lastimável, porém, é o jovem de gênio cuja trajetória natural foi desviada para esse triste caminho, por meio de teorias e modelos nocivos; que foi persuadido a coletar, com precisão mesquinha, detalhes inúteis para sua ocupação futura. Logo, a ciência em que se especializou passará a enojá-lo como um empreendimento incompleto; desejos que ele é incapaz de satisfazer lhe acometerão, e seu gênio se revoltará contra sua vocação. Agora todas as coisas lhe parecem um amontoado de fragmentos; ele não vê propósito em sua atividade, e ainda assim não consegue suportar algo sem propósito. [752] A canseira e a trivialidade de seus negócios profissionais o esmagarão contra o chão, já que ele não pode lhes contrapor o ânimo alegre que acompanha apenas o entendimento esclarecido, apenas o sucesso pressentido. Ele se sentirá cindido, alienado da coesão existente entre as coisas, já que não cuidou de ligar sua atividade ao todo do grande mundo. Quando um lampejo de cultura superior revela ao jurista o desamparo de sua ciência, ele a abandona, em vez de inspirar-se e tornar-se um novo criador de leis, aperfeiçoando, com seus próprios recursos, os defeitos descobertos. O médico entra em conflito com sua profissão, assim que falhas graves atestam quão pouco ele pode confiar em seus métodos; o teólogo perde respeito por seu chamado, assim que a fé na infalibilidade de seu edifício doutrinário é abalada.

Como é distinto o comportamento da cabeça filosófica! Com a mesma meticulosidade que o erudito ganha-pão diferencia sua ciência das outras, ela anseia por estender o alcance de sua própria, restaurando seu vínculo com as demais — restaurando, eu quero dizer, pois foi com um entendimento analítico que ele estabeleceu os limites que distinguem as ciências umas das outras. Onde o erudito ganha-pão afasta, a mente filosófica une. Desde cedo, ela se convenceu de que todas as coisas no campo do entendimento, assim como no mundo material, estão interligadas, e seu impulso vivaz pela sintonia entre as coisas não se deixa satisfazer com fragmentos. Todos os seus esforços se direcionam para o aperfeiçoamento de seu saber; com uma impaciência nobre, ela não descansa até que todas suas concepções se ordenem em um todo harmônico, até que esteja situada no centro de sua arte, sua ciência, e de lá possa contemplar seu território com um olhar satisfeito. Novas descobertas na esfera de suas atividades, se derrotam o erudito ganha-pão, deleitam a mente filosófica. Talvez elas preencham uma lacuna que ainda desfigurava a totalidade crescente de suas concepções, ou elas sejam a pedra que faltava no edifício de suas ideias, e que então o completa. Ainda que essas novas descobertas arruínem tudo, e um novo encadeamento de pensamentos, um novo fenômeno natural, uma lei recém-descoberta no mundo físico desmorone todo o edifício de sua ciência, tanto faz: a mente filosófica sempre amou mais a verdade do que seu sistema, e alegremente substituirá uma estrutura antiga e insuficiente por uma [753] nova e mais aprazível. De fato, se nenhum golpe de fora estremecer o edifício de suas ideias, ela própria, compelida por um impulso incessante de aperfeiçoamento, será a primeira a desmontá-lo, para reconfigurá-lo de modo mais perfeito. Através de estruturas de pensamento cada vez mais novas e belas, a mente filosófica progride rumo à maior excelência, enquanto o erudito ganha-pão, em uma eterna paralisia do espírito, se esconde atrás da monotonia de suas concepções doutrinárias.

Não há juíza mais correta do mérito alheio do que a cabeça filosófica. Perspicaz e imaginativa o bastante para fazer uso de todas suas habilidades, ela é também equitativa o bastante para honrar mesmo a menor das contribuições. Todas as mentes trabalham a seu favor — assim como todas as mentes trabalham contra o erudito ganha-pão. Ela sabe como transformar em patrimônio pessoal aquilo que acontece e é pensado ao seu redor — entre mentes pensantes, há uma comunidade íntima de todos os bens intelectuais; aquilo que é conquistado por um indivíduo, no reino da verdade, é um ganho para todos. O erudito ganha-pão se cerca contra todos seus vizinhos, dos quais ele inveja, ressentido, a luz e o sol, e constantemente cuida para vigiar a barreira débil que o defende contra a razão vitoriosa. Para tudo o que o erudito ganha-pão empreende, é necessário que haja incentivo externo e encorajamento dos outros; a mente filosófica, por seu próprio esforço, encontra incentivo e recompensa em seu objeto de estudo. Quanto maior o entusiasmo com que se lança a seu ofício, mais vivaz será seu empenho, mais duradoura e resoluta sua coragem e atividade, pois, para ela, o trabalho se afia pelo trabalho.[10] Mesmo as coisas menores ganham importância em sua mão criadora, já que ela sempre tem em vistas o elemento maior ao qual elas podem servir, enquanto o erudito ganha-pão enxerga, mesmo nas coisas grandiosas, apenas pequenez. O que distingue a mente filosófica não é o que ela faz, mas como ela trata o que faz. Onde quer que estiver e atuar, ela sempre estará situada no centro do todo; e ainda que seu objeto de estudo a isolar de seus demais companheiros, ela continuará lhes sendo achegada, e através de um entendimento harmonicamente atuante, estará próxima deles, cruzando seu caminho onde todas as mentes esclarecidas se encontram.

Devo agora ir mais adiante nessa descrição, ou posso esperar que vocês já se decidiram qual dos dois [754] retratos aqui contrapostos querem tomar como modelo? Dependendo da escolha feita entre os dois, poderei dizer se o estudo de História Universal lhes é ou não recomendável. O que eu tenho a dizer tem a ver com o segundo retrato apenas, pois a ciência, para ser útil ao primeiro, deve partir de um ponto muito distante de seu alvo supremo, sacrificando-se muito por um lucro pequeno.

Caso estejamos de acordo a respeito do ponto de vista que determina o valor de uma disciplina, eu poderei partir para assunto da aula de hoje, o conceito em si de História Universal.

As descobertas que nossos navegadores europeus fizeram em oceanos distantes e costas remotas fornecem-nos um espetáculo que tanto instrui quanto entretém. Elas mostram povoamentos que nos circundam nos níveis de cultura mais diversos, como crianças de várias faixas etárias se põem ao redor de um adulto, lembrando-o através de seu exemplo o que ele foi outrora, e qual foi seu ponto de partida. Uma mão sábia parece ter nos poupado do conhecimento dessas tribos rústicas até um ponto em que fôssemos suficientemente avançados, em nossa própria cultura, para fazer uma aplicação útil de tal descoberta em nós mesmos, restaurando as origens perdidas de nossa espécie a partir desse espelho. Que vergonhosa e triste é a imagem que tais povos dão de nossa infância! E ainda assim, o estágio em que as vemos tampouco é o primeiro. A humanidade começou de forma ainda mais desprezível. O que encontramos hoje já são povos, entidades políticas; mas a humanidade teve de elevar-se à sociedade política, por meio de um esforço extraordinário.

Ora, e o que esses viajantes nos têm a contar sobre esses selvagens? Muitos foram encontrados sem qualquer conhecimento das habilidades mais indispensáveis, sem o ferro, sem o arado, alguns até mesmo sem o domínio do fogo. Alguns ainda competiam com animais selvagens por comida e moradia, e, para muitos, a linguagem mal progredira dos sons animais para signos inteligíveis. Aqui não havia [755] ao menos o simplório vínculo matrimonial; ali, nenhum conhecimento da propriedade privada. Aqui uma alma indolente não era capaz de reter mesmo uma experiência repetida todos os dias; vê-se o selvagem despreocupadamente abandonar a cama em que dormiu, pois não lhe ocorre que, no dia seguinte, ele dormiria novamente. A guerra, contudo, era feita por todos, e não raramente a carne do inimigo vencido servia de prêmio da vitória. Outros, mais familiarizados com as várias comodidades da vida, atingiram um nível mais alto de civilização, mas sua servidão e despotismo ainda ofereciam um quadro tenebroso. Ali encontramos um tirano na África vendendo seus súditos por um gole de cachaça; aqui eles são abatidos em sua tumba para servi-lo no mundo dos mortos. Ali a crendice do devoto fá-lo prostrar-se perante um fetiche ridículo, e aqui, perante um monstro terrível; o homem retrata a si próprio em seus deuses. Na mesma medida em que aqui ele é oprimido por escravidão, estupidez e superstição, no extremo oposto da liberdade sem lei ele é igualmente miserável.  Sempre armado para atacar e defender-se, alvoroçado por qualquer ruído, o selvagem estica suas orelhas espantadiças nas regiões ermas; tudo o que for novo é seu inimigo, e pobre do estranho que for lançado a sua praia por uma tempestade! Nenhuma fornalha solícita arderá para ele, nenhuma hospitalidade amável o confortará. Mas mesmo onde o homem se elevou da solidão hostil para a sociedade organizada, da privação para a prosperidade, do medo para a alegria — que excêntrico e terrível ele parece aos nossos olhos! Seu gosto rude busca satisfação no aturdimento, beleza na distorção, glória na extravagância; mesmo sua virtude nos causa aversão, e aquilo que ele considera seu deleite só consegue nos inspirar nojo ou compaixão.

E assim fomos nós. Há mil e oitocentos anos, César e Tácito não nos encontraram muito melhores.

O que somos agora? — Deixem que eu me detenha por um instante na época em que vivemos, na forma atual do mundo que habitamos.

O esforço humano cultivou-o e, por meio de persistência e habilidade, subjugou o solo resistente. Aqui a terra foi redimida do mar, ali [756] correntes d'água foram trazidas ao terreno árido. A humanidade entremeou-se às regiões e estações, e adaptou as frágeis plantas do Oriente a seu próprio clima agreste. Da mesma maneira que levou a Europa até as Índias Ocidentais e aos mares do Sul, assim fez a Ásia ressuscitar na Europa. Um céu mais propício agora sorri sobre os bosques alemães, infiltrados pela mão potente do homem e abertos para a entrada dos raios solares, e nas ondas do Reno veem-se refletidas as vinhas asiáticas. Em suas margens, surgiram cidades populosas cuja vida animada é repleta de prazer e trabalho. Aqui encontramos um homem gozando dos frutos de seu trabalho em paz e segurança, entre milhões de outros, que, caso contrário, perderia seu sono por causa de um único vizinho. Por meio de leis sábias, ele recuperou a igualdade perdida quando ingressou na comunidade. Ele escapou de ser constrangido pelo puro acaso e pela necessidade, submetendo-se à tutela mais suave dos contratos, e abriu mão da liberdade do animal predador para redimir a liberdade mais nobre do ser humano. Para seu benefício, suas ansiedades foram postas de lado, e suas obrigações compartilhadas. Suas maiores preocupações já não mais o compelem ao arado, e nenhum inimigo lhe arranca de seu arado até o campo de batalha para defender a pátria e o rebanho. Com o braço do camponês, ele enche seus estábulos; com as armas do soldado, defende seu território. A lei vela por sua propriedade — e ele conserva o direito inestimável de determinar seu próprio dever.

Quantas criações da arte surgiram, quantos milagres da diligência, quanta iluminação em todos os campos do saber, desde que o homem deixou de dissipar suas energias em uma autodefesa melancólica; desde que se reconciliou com a necessidade da qual não se pode escapar por completo; desde que ganhou o privilégio precioso de dar vazão a seu potencial livremente e seguir o chamado de seu gênio! Que atividade vivaz em toda a parte, desde que a diversidade de desejos deu novas asas ao espírito de invenção, abrindo novas esferas de atuação! — As barreiras que isolavam Estados e nações em egoísmo hostil foram quebrantadas. Um vínculo cosmopolita une agora todas as cabeças pensantes, e toda a luz de seu século pode então iluminar o espírito de um novo Galileu e Erasmo.

[757] Desde que as leis desceram para suprir as debilidades humanas, o homem, por sua vez, passou a adaptar-se às leis. Elas tornaram-no mais pacífico, da mesma forma como antes o brutalizavam; suas punições bárbaras, juntamente com os crimes bárbaros, aos poucos estão sendo relegados ao esquecimento. Deu-se um grande passo em direção ao enobrecimento, dado que as leis são virtuosas, mesmo que os seres humanos ainda não sejam. Ali onde as obrigações impostas ao homem se reduzem, elas são substituídas pelos costumes morais. Aquele a quem o castigo não assombra e que não é reprimido pela própria consciência passa agora a ser constrangido pelas leis da decência e da honra.

É verdade que, mesmo para a nossa era, muitos resquícios das barbáries do passado vazaram, frutos do acaso e da violência que a idade da razão não deveria perpetuar. Mas quanta ordem a razão humana também não pôs na herança bárbara dos mais longínquos séculos da Antiguidade e da Idade Média! Que inofensivo, e até mesmo que útil, ela frequentemente tornou aquilo que outrora jamais ousaria derrubar! Sobre o rude fundamento da anarquia feudal, a Alemanha erigiu seu sistema de liberdade política e religiosa. As sombras do imperador romano, preservada neste lado dos Apeninos, agora proporcionam ao mundo um bem muito maior do que sua terrível forma original da Roma antiga — pois agora ela dá coesão a um sistema de Estados harmônicos; ao passo que a anterior oprimia as forças mais ativas do homem, em uma uniformidade escravizante. Mesmo no que toca à nossa religião, transmitida a nós de forma tão distorcida por mãos infiéis — quem pode deixar de ver nela a influência enobrecedora da melhor filosofia? O dogma e a moral da cristandade ganharam tanto com nossos Leibnizes e Lockes quanto a história sacra com o pincel de um Rafael e Correggio.

Por fim, chegamos a nossos Estados nacionais — com que coesão e arte eles se encontram interligados entre si! Quão mais duradoura é a fraternidade que se estabelece entre eles, por força da benigna imposição da necessidade, do que na época anterior dos contratos mais solenes! Agora, a paz se garante por uma guerra eternamente travada, e o interesse próprio de um Estado o torna guardião do bem-estar do outro. A comunidade de Estados europeus parece ter se transformado em uma grande família. Pode ser que seus membros se tratem com hostilidade, mas não se espera mais que, por isso, eles se esquartejem.

[758] Que cenário diferente! Quem suspeitaria dos refinados europeus do século dezoito somente um irmão evoluído do novo canadense, ou do antigo celta? Todas essas habilidades, impulsos artísticos, experiências, assim como todas essas criações da razão, foram implantadas e desenvolvidas no homem em um espaço de poucos séculos; por ele foram evocadas todas essas maravilhas da arte e todos os resultados monumentais da diligência. O que os trouxe para a vida? O que lhes serviu de impulso? Que estágios o homem atravessou até ascender de um extremo, o do troglodita associal, ao do pensador engenhoso, o homem do mundo educado? — A História geral do mundo dá resposta a essa pergunta.

Quão incomensuravelmente diferente o mesmo povo, vivendo na mesma região, nos parece, quando observado em diferentes períodos do tempo! Não menos chamativa é a diferença que a mesma geração, vivendo na mesma época, apresenta em diferentes países. Que variedade de hábitos, constituições e maneiras! Que mudança brusca de trevas e luz, de anarquia e ordem, de beatitude e miséria, mesmo quando inspecionamos o ser humano neste pequeno canto do mundo que é a Europa! Nas margens do Tâmisa, ele é livre e responsável por sua próxima liberdade; aqui, ele é indomável em meio aos seus Alpes, e ali, invencível entre seus canais e pântanos. Mas às margens do Vístula, ele está esmorecido e miserável por força da discórdia; do outro lado dos Pireneus, esmorecido e miserável por força de sua preguiça. Em Amsterdã, ele é rico e abençoado, mesmo sem agricultura; no paraíso desolado do vale do Ebro, é pobre e infeliz. Aqui, duas nações distantes, separadas por um oceano, tornam-se vizinhas por força da necessidade, industriosidade e vínculos políticos; ali, os habitantes de margens opostas do mesmo rio estão radicalmente divididos por diferentes liturgias! O que conduziu o poder espanhol através do Oceano Atlântico para o coração da América, mas não através do Tejo e do Guadiana? O que preservou tantos tronos na Itália e na Alemanha, enquanto na França eles foram todos reduzidos a um? — A História Universal soluciona tal questão.

O fato de nos encontrarmos juntos aqui, neste momento, [759] no atual grau de cultura nacional, com esta língua, estas maneiras, estes benefícios civis e este grau de liberdade de consciência, talvez seja resultado de todos os eventos mundiais precedentes: seria necessária toda a História do Mundo, pelo menos, para explicar este momento singular. Para nos reunirmos aqui como cristãos, nossa religião teve de ser preparada por inúmeras revoluções; teve de partir do Judaísmo, encontrar o Estado romano na configuração exata em que o encontrou, para então alastrar-se pelo mundo de forma rápida e triunfante, ascendendo, por fim, ao trono dos Césares. Nossos rudes antepassados nas florestas da Turíngia tiveram de ser derrotados pela força superior dos francos, a fim de adotar sua religião. O clero, por meio de sua riqueza crescente, da ignorância popular e da fraqueza dos governantes, teve de ser tentado e favorecido para abusar de sua autoridade, transformando seu poder acalentador sobre as consciências em uma arma secular. A hierarquia, nas pessoas de Gregório e Inocêncio, teve de despejar todas as suas atrocidades sobre a espécie humana, para que a depravação moral desenfreada e o escândalo gritante do despotismo espiritual pudessem desafiar um intrépido monge agostiniano a dar o sinal da revolta, arrebatando metade da Europa da hierarquia romana — tudo a fim de que pudéssemos nos reunir aqui como cristãos protestantes. Para isso acontecer, as armas de nosso príncipe Carlos V tiveram que compelir uma paz religiosa; um Gustavo Adolfo então teve que vingar a violação dessa paz, fundando uma nova paz universal pelos séculos vindouros.[11] Cidades tiveram que surgir na Itália e na Alemanha, abrir seus portões para o comércio, quebrar as correntes da servidão, arrancar o cetro das mãos dos tiranos e pôr-se em guarda, por meio de uma Liga Hanseática bélica; tudo isso, se fosse para a manufatura e o comércio florescerem e devotarem seu lucro para as artes da alegria, se fosse para o Estado honrar as contribuições do camponês, e se uma felicidade duradoura para a humanidade tivesse que crescer em meio à benfazeja classe média, criadora de toda nossa cultura. Os imperadores da Alemanha tiveram que se enfraquecer por séculos em batalhas contra os papas, contra seus vassalos e contra vizinhos invejosos — e a Europa teve que despejar seu perigoso excesso de contingente populacional [760] em túmulos na Ásia. A nobreza feudal dominadora teve que ver seu espírito contestatário sangrar até a morte, por meio de uma cruel lei do mais forte, de cruzadas romanas e de peregrinações sagradas, para que o caos delirante se dissolvesse e as forças nacionais em conflito atingissem um equilíbrio abençoado, cuja recompensa é nossa atual tranquilidade. Para que nossa mente se desprendesse da ignorância à qual estava atada pela opressão espiritual e secular, o gérmen de erudição há muito suprimido teve que irromper novamente em meio aos perseguidores mais implacáveis, e o saque às ciências cometido por um Omar teve que ser compensado pelas contribuições de um Almamune.[12] A miséria insuportável do barbarismo teve que conduzir nossos antepassados dos sangrentos julgamentos divinos para as cadeiras dos tribunais romanos; pragas devastadoras tiveram que conduzir a má medicina de volta para a observação da natureza; o ócio dos monges teve que prepará-los para compensar o mal causado por eles próprios, e suas ocupações seculares nos monastérios tiveram que preservar os resquícios arruinados da Era Augustana, até que os tempos da imprensa chegassem. O espírito oprimido do bárbaro nórdico teve que se elevar a partir dos modelos greco-romanos, e a erudição teve que se aliar com as Musas e Graças, para que encontrasse um caminho nos corações dos homens e merecesse a alcunha de educadora da humanidade. — Mas teria a Grécia concebido um Tucídides, um Platão, um Aristóteles, ou teria Roma concebido um Horácio, um Cícero, um Vergílio e um Lívio, caso esses dois Estados não tivessem ascendido para as alturas do bem-estar político que de fato atingiram? Em outras palavras — se toda sua história anterior não tivesse sido como foi? Quantas invenções, descobertas, revoluções do Estado e da religião não tiveram que convergir, para que um gérmen novo, ainda que débil, de ciência e arte, pudesse crescer e se alastrar! Quantas guerras não precisaram ser combatidas, quantas alianças estabelecidas, rompidas e restabelecidas para trazer, por fim, um princípio de paz à Europa, que possibilitasse tanto Estados quanto cidadãos a voltarem sua atenção a si mesmos e reunir suas forças para objetivos sensatos!

Mesmo quando se trata das atividades mais corriqueiras da vida civil,[13] [761] não podemos negar nossa dívida aos séculos passados; os períodos mais diversos da humanidade contribuem para nossa cultura, da mesma forma que as regiões mais remotas do mundo contribuem para o nosso luxo. Que sejam as roupas que usamos, os temperos em nossa comida e o preço pelo qual os compramos, muitos de nossos remédios mais efetivos, assim como muitas das coisas com as quais nos corrompemos — elas todas não pressupõem a descoberta da América por um Colombo, ou a circum-navegação da ponta da África por um Vasco da Gama?

Há, portanto, entre o momento presente e o início da espécie humana um longo encadeamento de eventos que se entrelaça como causa e efeito. Somente um intelecto infinito pode compreendê-lo em sua totalidade; o homem está submetido a limitações mais estritas. Inúmeros desses eventos ou não tiveram testemunhas e observadores humanos, ou não foram preservados em nenhum registro. Entre eles estão aqueles que precederam a própria espécie humana e a própria invenção das cifras. A fonte de toda História é a tradição, e o órgão da tradição é a linguagem. Toda a época precedente à linguagem, por mais consequente que seja para o mundo, está perdida para a História Universal. Mas, assim que a linguagem foi inventada, e por meio dela surgiu a possibilidade de expressar e passar adiante as coisas que aconteceram, essa comunicação foi feita, inicialmente, pelo meio precário e instável das lendas. Um evento era transmitido de boca em boca, passando por uma longa sucessão de gerações, e acabava por sofrer alterações, posto que seus próprios modos de transmissão se alteravam e eram alterados. A tradição viva (ou a lenda oral) é, daí, uma fonte pouquíssimo confiável para a História, de forma que todos os eventos precedentes ao emprego da palavra escrita são basicamente inúteis para a História do Mundo. Mas a palavra escrita em si não é eterna; inúmeros monumentos da Antiguidade foram destruídos pelo tempo e por acidentes, e somente umas poucas ruínas se preservaram do mundo antigo até a era da imprensa. A maioria deles está há muito perdida para a História do Mundo, juntamente com os esclarecimentos que eles poderiam ter nos provido. Dentre os poucos, por fim, poupados pelo tempo, [762] grande parte foi desfigurada, tornando-se irreconhecível, pela paixão, pela falta de juízo, e geralmente até pelo gênio daqueles que os descreveram. A desconfiança é despertada em nós pelos monumentos históricos antigos, mas ela tampouco nos abandona, quando nos deparamos com uma crônica dos dias atuais. Se ouvimos as testemunhas de um evento ocorrido hoje mesmo, no meio das pessoas com quem vivemos e na cidade onde vivemos, e já é difícil desvendar a verdade a partir de tantos relatos contraditórios, que confiança podemos trazer para o estudo de nações e tempos tão distantes, seja pela estranheza de seus costumes ou pelos milênios que nos separam? — O assunto da História, em seu sentido mais amplo, corresponde à pequena soma de eventos que chegaram a nós após todos os desfalques até então realizados. Qual parte e quanto desse material histórico pertence à História Universal?

Da soma total desses eventos, o historiador universal destaca aqueles que exerceram uma influência essencial, irrefutável e fácil de discernir sobre a atual configuração do mundo, assim como sobre as condições das gerações vivendo neste momento. É, portanto, a relevância de uma data histórica para a constituição atual do mundo aquilo que se deve ter em mente, quando se reúnem materiais para o estudo de sua história. A História Mundial, por conseguinte, parte de um princípio que se encontra em direta oposição ao começo do mundo. A sucessão efetiva dos eventos parte da origem das coisas até chegar a seu arranjo mais recente, ao passo que o historiador universal, inversamente, parte da situação mais atual do mundo em direção à origem das coisas. Quando ele se transporta mentalmente do ano e século em curso para o anterior, e lá identifica os eventos que contêm explicação para os subsequentes; e quando, dessa forma, ele procede passo a passo até chegar ao início — não do mundo, pois não existem placas para tal lugar, mas para o início dos monumentos históricos —, então ele será capaz de retraçar seus passos pelo caminho já preparado, e descender, lenta e desimpedidamente, do início dos monumentos até as eras mais recentes, tendo suas notas como guia. Esta é a História do Mundo que temos em mãos, à qual vocês serão apresentados.

[763] Já que a História do Mundo depende tanto da riqueza e pobreza de suas fontes, nela necessariamente se produzirão tantas lacunas quanto houver espaços em branco nos textos que nos foram transmitidos. Independentemente de quão uniforme, necessário e determinado for o desenrolar das transformações do mundo, na História, elas aparecerão de forma desconexa e acidental. Assim, há uma disparidade evidente entre o curso do mundo e o curso da História Mundial. Pode-se comparar a primeira com uma correnteza ininterrupta, em constante fluxo, mas da qual apenas uma onda aqui e ali pode ser avistada, à luz da História do Mundo. Além disso, assim como é perfeitamente plausível que a relevância de um evento distante seja mais notável para as circunstâncias atuais do que era na época em que ele ocorreu, da mesma forma é inevitável que alguns eventos ligados à época atual pareçam isolados de contexto ao qual de fato pertencem. Um exemplo desse tipo seria a origem do cristianismo e, particularmente, das doutrinas morais cristãs. A religião cristã fez tantas contribuições distintas à configuração atual do mundo que seu surgimento se tornou o fato mais importante da História Mundial. Mas nem no tempo em que ela apareceu, nem no povo em meio ao qual nasceu, pode-se encontrar (por falta de fontes) uma justificativa satisfatória que explique seu surgimento.

Como tal, nossa História Mundial não seria nada além de um agregado de fragmentos, e nunca mereceria o nome de uma ciência. Aí, porém, vem o entendimento filosófico para a auxiliar e, na medida em que ele encadeia tais fragmentos, através de conexões artificiais, ele eleva o agregado a um sistema, a um todo racionalmente coerente. Sua validade reside na uniformidade e unidade inalterável das leis naturais e do espírito humano; é por causa dessa unidade que os eventos da mais remota antiguidade se repetem nos tempos mais recentes, sempre que a confluência de circunstâncias exteriores for semelhante. É por causa disso também que podemos extrair dos fenômenos mais recentes, que se encontram no círculo de nossa observação, uma conclusão retroativa e algo esclarecedora sobre eventos perdidos nos tempos pré-históricos. [764] O método de inferência a partir de analogias é, como em todas as áreas, um recurso poderoso na História; contudo, ele deve ser justificado por um propósito relevante, e ser exercido tanto com cautela quanto com juízo.

A mente filosófica não pode se deter muito no assunto da História Mundial antes que nela um novo impulso seja ativado — um impulso por harmonia, que a incite irresistivelmente a assimilar tudo que circunda sua própria natureza racional, e que eleve todos os fenômenos de sua experiência à realidade mais alta que ela conhece — a dos pensamentos. Quanto mais constante e quanto mais afortunado for seu êxito em ligar o passado com o presente, mais inclinada ela se sentirá a vincular aquilo que vê como interdependência entre causa e efeito, em uma relação de meios e fins. Ela começa a remover um fenômeno após o outro do domínio do acaso cego, da liberdade sem leis, e a encaixá-los como elos necessários da totalidade harmônica das coisas (que, efetivamente, só existe em sua imaginação). Logo se torna difícil convencê-la de que a sucessão de fenômenos, que em sua imaginação adquiriu tanta regularidade e propósito, tem as mesmas qualidades negadas na realidade. Torna-se-lhe difícil devolver aos cegos ditames da necessidade aquilo que havia começado a adquirir uma forma tão clara sob a luz emprestada do entendimento. Assim, ela retira essa harmonia de si e a transplanta na natureza das coisas; isto é, ela insere um propósito racional no curso do mundo e um princípio teleológico em sua história. Munida de tal princípio, ela passeia mais uma vez pela História do Mundo, testando-o em cada fenômeno que aparece no palco desse grande teatro. Ele o vê confirmado por milhares de fatos concordantes, e refutados por outros tantos; mas, enquanto vínculos importantes faltarem no encadeamento das transformações do mundo, e enquanto o destino detiver a explicação última de tantos acontecimentos, ela declarará tal questão inconclusa, e aquela opinião, que for capaz de oferecer maior satisfação à compreensão e mais prazer ao coração, triunfará.

[765] Nem é preciso lembrar que esperamos ver uma História do Mundo tal qual descrita neste último plano somente em um futuro mais distante. Um uso precipitado dessa grande medida poderia facilmente conduzir o pesquisador da História à tentação de atropelar os acontecimentos e pôr-se cada vez mais longe dessa época feliz para a História Mundial, ainda que sua intenção fosse acelerá-la. Mas nunca será cedo demais para atentar para essa parte tão luminosa, embora negligenciada, da História do Mundo, através da qual ela se relaciona com o objeto mais elevado de todas as aspirações humanas. Só de contemplar essa meta calmamente, ainda que não se trate de uma meta garantida, o pesquisador deverá sentir um incentivo vivificante e uma doce revitalização de seus esforços. Mesmo o menor trabalho terá importância, se o fizer enxergar-se no caminho, ou mesmo se apenas servir para guiar seu sucessor em direção à solução do problema da constituição do mundo, e acompanhar o espírito mais elevado em sua realização mais bela.

E, tratado como tal, senhores, o estudo da História do Mundo lhes proverá uma ocupação tão atrativa quanto proveitosa. Ele acenderá luz em seu entendimento, e um entusiasmo salutar em seus corações. Ele desacostumará suas mentes do ponto de vista habitual e mesquinho acerca de questões morais, e, na medida em que apresenta o vasto panorama dos tempos e povos diante dos olhos, corrigirá as decisões precipitadas e os julgamentos limitados pelo egoísmo. Ao acostumar o homem a pensar sua ligação com todo o passado e a antecipar suas conclusões sobre o futuro distante, ele simultaneamente oculta os limites do nascimento e da morte que constrangem a vida humana de forma tão opressiva, e, tal qual uma ilusão de ótica, estende sua existência curta por um espaço infinito. Sem que se dê conta, ele deixa de perceber como um indivíduo, e passa a fazê-lo como espécie.

O ser humano se transforma e desaparece do palco; suas opiniões desaparecem e transformam-se com ele: somente a História permanece em cena continuamente, uma cidadã imortal de todas as nações e eras. Como o Zeus homérico, ela contempla com um olhar igualmente sereno, seja a empreitada sangrenta da guerra, sejam as [766] nações pacíficas, alimentando-se, sem culpa, do leite de seus rebanhos. Ainda que a liberdade do ser humano pareça ligar-se com o curso do mundo de modo tão desordenado, ela contempla serenamente esse espetáculo confuso; seu olhar abrangente já detectou de longe o momento a partir do qual o cordão da necessidade vem servindo de guia para tal liberdade errática. Aquilo que é mantido em sigilo na consciência punitiva de um Gregório ou um Cromwell, ela se apressa para proclamar à humanidade: que “o homem egoísta pode de fato perseguir fins mesquinhos, embora inconscientemente termine por promover fins esplêndidos”.[14]

Nenhum falso brilho a cegará, nenhum preconceito contemporâneo a seduzirá, já que ela experimenta o destino último de todas as coisas. Tudo o que cessa de existir durou aos olhos da História por um período igualmente irrisório; ela mantém fresca a coroa de folhas justamente conquistada, e destrói os obeliscos erigidos pela vaidade. Ao desmontar o mecanismo delicado pelo qual a mão silenciosa da natureza desenvolve metodicamente, já desde a aurora do mundo, as forças humanas, e ao indicar com exatidão o que em cada período foi realizado a favor desse grande plano da natureza, ela então restabelece a verdadeira escala para a felicidade e o mérito, que o desvario dominante distorceu em cada século à sua maneira. Ela nos cura de uma admiração exagerada pela Antiguidade e da nostalgia infantil por tempos passados; e, enquanto chama nossa atenção para aquilo que possuímos, nos livra de aspirar pelas eras de ouro de Alexandre e Augusto.

Todas as épocas precedentes, sem conhecimento ou intenção de fazê-lo, empenharam-se para preparar o nosso século humanitário. Nossos são todos os tesouros que a diligência e o gênio, razão e experiência trouxeram para casa, ao fim da longa jornada do mundo. Apenas a partir da História vocês aprenderão a dar valor a bens aos quais, por força do hábito e da posse despreocupada, tão facilmente esquecemos de ser gratos; bens impagáveis, preciosos, a que o sangue dos melhores e mais nobres se aferrou, bens que tiveram de ser conquistados pelo trabalho árduo de tantas gerações! E quem dentre vocês, em quem uma mente esclarecida se une a um coração sensível, poderia ter em vistas uma tal obrigação superior, sem ser agitado por um desejo silencioso de acertar com a geração futura um débito [767] que já não pode acertar com a passada? É preciso que um desejo nobre se acenda dentro de nós, a fim de contribuirmos para aquele rico legado de verdade, moralidade e liberdade recebido de eras anteriores, entregando-o ricamente acrescido para o mundo póstumo; e, igualmente, a fim de fixarmos nossa existência efêmera nesse encadeamento eterno que une todas as gerações humanas. Não importa qual função lhes será determinada na sociedade civil — todos vocês têm algo a contribuir! Um caminho para a imortalidade está aberto para cada serviço de mérito — para a verdadeira imortalidade, eu quero dizer, onde nossa ação vive e segue caminhando, ainda que o nome de seu autor tenha ficado para trás.

 

 

What does it mean and with what purpose do we study the universal history?, by Friedrich Schiller (1789). Translation and comments

Abstract: The article consists in a translation of the inaugural lecture proffered by Friedrich Schiller at Jena University in 1789, which was later on published as Was heisst und zu welchem Ende studiert man Universalgeschichte? An overall commentary on the main concepts within the text, as well as its author’s contributions to philosophy of history, precedes the translation.

Keywords: Friedrich Schiller. Philosophy of History. Universal History. Enlightenment.

 

 

 

Referências

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[1] Pesquisador de Pós-Doutorado pela Universidade Federal de Goiás, Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Goiânia, GO – Brasil. https://orcid.org/0000-0002-2146-6550 E-mail: felipe.vale.silva@gmx.com.

[2] Dem Rechtsgelehrten entleidet seine Rechtswissenschaft sobald der Schimmer besserer Kultur ihre Blößen ihm beleuchtet, anstatt, daß er jetzt streben sollte, ein neuer Schöpfer derselben zu sein, und den entdeckten Mangel aus innerer Fülle zu verbessern. Der Arzt entzweiet sich mit seinem Beruf, sobald ihm wichtige Fehlschläge die Unzuverlässigkeit seiner Systeme zeigen; der Theolog verliert die Achtung für den seinigen, sobald sein Glaube an die Unfehlbarkeit seines Lehrgebäudes wankt. (SCHILLER, 1962, p. 752; doravante, todas as traduções serão de minha autoria. Os trechos correspondentes em alemão foram devidamente modernizados).

[3] “Sollten sie es aber auch zertrümmern, sollte eine neue Gedankenreihe, eine neue Naturerscheinung, ein neuentdecktes Gesetz in der Körperwelt, den ganzen Bau seiner Wissenschaft umstürzen: so hat er die Wahrheit immer mehr geliebt als sein System; und gerne wird er die alte mangelhafte Form mit einer neuern und schönern vertauschen. [...] Durch immer neue und immer schönere Gedankenformen schreitet der philosophische Geist zu höherer Vortrefflichkeit fort, wenn der Brotgelehrte in ewigem Geistesstillstand, das unfruchtbare Einerlei seiner Schulbegriffe hütet. (SCHILLER, 1962, p. 753).

[4] Eigentlich sollten Kirchengeschichte, Geschichte der Philosophie, Geschichte der Kunst, der Sitten, und Geschichte des Handels mit der politischen in Eins zusammengefasst werden [...] Mein Plan ist es, diesen Weg zu gehen [...] (carta de Schiller a Körner de 26/03/1789, citada em DANN, 2000, p. 842-3).

[5] A grafia “von Schlötzer”, com a letra T, era igualmente corrente no século XVIII. Devo essa informação aos revisores da revista.

[6] “Jedes Volk unseres Weltteils hat seine Spezial-Geschichte; die Summe von allen, in ein System geordnet, gibt eine allgemeine europäische Geschichte, die der philosophischen Neugier die Fragen auflöst: Wie ist Europa worden, wodurch ist es zu einem so hohen Grade von Kultur gelangt, wie hat sich dieser kleinste der Weltteile durch Aufklärung, Sitten und Macht über die anderen so emporgeschwungen? – Noch weiter breitet sich die Universalhistorie aus, noch höher abstrahiert sie; sie umfasset alle Weltteile und Zeitalter, und sammelt alle Völker in allen Ländern zusammen. (SCHLÖZER apud DANN, 2000, p. 861). Ver os comentários de Dann (2011, p 328), Fulda (2005, p. 121) e Zantwijk (2005, p. 16).

[7] “Die Methode, nach der Analogie zu schließen, ist, wie überall, so auch in der Geschichte ein mächtiges Hilfsmittel: aber sie muss durch einen erheblichen Zweck gerechtfertigt und mit ebenso viel Vorsicht als Beurteilung in Ausübung gebracht werden. (SCHILLER, 1962, p. 764).

[8] Wer hier spricht, ersucht um ein flüchtiges Anhalten und weiβ, dass er der Verwicklung in den historischen Moment nicht entkommt. (SCHÄFFNER; VOGL, 2006, p. 47).

[9] Ao apelar para uma compreensão moral do mundo histórico, Schiller opera uma inversão da prática historiográfica que vai da Idade Média a, pelo menos, Bossuet: a História não se trata mais da revelação do plano divino para a humanidade, mas é algo que diz respeito somente ao homem que nela age e que tenta compreendê-la, a fim de retirar juízos e orientações para a própria vida. No século XX, Hannah Arendt foi a grande desenvolvedora da ideia semelhante de uma “compreensão do mundo [histórico] como âmbito de ação responsável.” (DANN, 2000, p. 855). Ver também o poema de Schiller Resignation (1786), do qual sai uma de suas frases mais citadas: “A história do mundo é o tribunal do mundo” (die Weltgeschichte ist das Weltgericht).

[10] No original, a formulação é obscura (bei ihm [verjüngt] die Arbeit sich durch die Arbeit), e pode significar tanto que o trabalho “se rejuvenesce” quanto “se afia pelo trabalho”. Aqui Schiller faz possível referência ao topos da obra de arte como um labor limae (isto é, fruto de um trabalho meticuloso e paciente) desenvolvido por Horácio na Ars poetica (v. 290 et seq), aliando os estudos da história universal ao âmbito das artes criativas. Devo essas duas referências, respectivamente, ao Prof. Dr. Helmut Galle e a Sabrine Ferreira da Costa.

[11] Schiller refere-se à Paz de Augsburgo de 1555 e à Paz da Vestfália de 1648, assuntos tratados um ano mais tarde em sua Geschichte des Dreiβigjährigen Kriegs (SCHILLER, 2000, p. 21-27).

[12] Almamune ou al-Ma'mun foi califa abássida entre 813 e 833, conhecido por sua tolerância religiosa e interesse pela cultura grega. Fundou um observatório e a Casa da Sabedoria, em Bagdá, respectivamente nos anos de 829 e 830, transformando-a em um centro cultural da época. Omar I, por outro lado, foi o califa que ordenou o incêndio da Biblioteca de Alexandria, em 641.

[13] No original, “in den alltäglichsten Verrichtungen des bürgerlichen Lebens”. O termo bürgerlich, utilizado desde Bruno Bauer e Karl Marx para se referir à burguesia e ao perfil psicossocial ligado a ela, ainda era usado na época de Schiller para se referir à vida civil e citadina de forma geral.

[14] Provavelmente aqui não se trate de uma citação; em mais de uma ocasião, em sua obra, Schiller usa aspas duplas para dar destaque a uma e outra ideia (DANN, 2000, p. 861). Aqui já encontramos uma formulação preliminar do princípio de Astúcia da Razão (List der Vernunft), que se tornou central na filosofia da História hegeliana. Segundo ambos os filósofos, a história humana realiza seus próprios fins, ainda que os próprios agentes de carne e osso que os executaram não tenham tido intenção de fazê-lo. Ver Hegel (1970, p. 49).