A “MÍSTICA DO LOGOS” E O FUNDAMENTO DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE  NICOLAU DE CUSA

José Teixeira Neto[1]

RESUMO: Partimos da afirmação de K.-O. Apel, repetida por João Maria André (1986, p. 400), de que “[...] é na ‘mística’ do ‘logos’ e na teologia negativa do Pseudo-Dionísio que, de modo determinante, Nicolau de Cusa irá beber os traços fundamentais da sua filosofia da linguagem”. Com base no De filiatione Dei (1450) propomo-nos refletir sobre a relação fundamental e constitutiva entre o verbo mental humano e o Verbo ou Logos eterno. A importância desse texto, no âmbito do problema da linguagem em Nicolau de Cusa, é reconhecida por Casarella (1992) justamente por sua inflexão cristológica em relação aos primeiros sermões, pois, em oposição à reflexão intratrinitária dos sermões, a imagem humanamente visível de Cristo torna-se o espelho da linguagem, ou seja, em Cristo, vemos de modo perfeito o que pode ser expresso por meio da linguagem. O texto cusano é uma meditação sobre Jo, I, 12: “Mas a todos que o receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus: aos que creem em seu nome”. Interessa-nos principalmente a meditação sobre os exemplos aduzidos por Nicolau de Cusa para explicitar de que modo colhemos a unidade divina intelectualmente, pois serão nesses exemplos ou enigmas que o autor pensará a relação constitutiva entre o verbo mental humano e o verbo mental inefável.

PALAVRAS-CHAVE: Nicolau de Cusa. De filiatione Dei. Mística. Verbum. Logos.

1   Ponto de PArtidA

Tomamos como ponto de partida do nosso trabalho a afirmação de João Maria André (1986, p. 400), tradutor e intérprete português do pensamento cusano, de que em Nicolau de Cusa “[...] a essência da linguagem não se esgota na relação entre o termo verbal sensível e o termo conceptual, mas implica necessariamente uma referência constitutiva do termo conceptual, ou melhor, do verbo mental ao verbo mental inefável, ao logos divino que em todos os verbos se reflecte”. A dialética entre a inefabilidade do logos divino e a sua manifestação em todo e qualquer discurso liga-se, ainda segundo André, às fontes da filosofia da linguagem cusana: a “mística do logos” e a teologia negativa do Pseudo-Dionísio. Assim, se, por um lado, devemos manter que o princípio de todas as coisas é “[...] inexprimível em qualquer discurso”, por outro lado, devemos afirmar que “[...] em qualquer discurso, em qualquer palavra, ele brilha e reflecte-se como logos originário de todo o verbo humano” (ANDRÉ, 1986, p. 400).

O nosso objetivo é pensar essa relação constitutiva a partir do De filiatione Dei.2 Pode-se afirmar que a filiatio possui uma “[...] qualidade ‘mística’, enquanto nela se alcançou uma unio com o pensamento ou o ver infinito divino”[2]. É também possível interpretar a filiação divina como estando ligada à antropologia cusana, cujo conceito central é a concepção do homem como imago Dei, tendo em vista que, nesse texto, se articulam os termos filiatio e viva similitudo. Assim, na filiatio, algo do criador se participa aos homens, à diferença dos outros animais[3]. E, por último, é possível uma interpretação que acentue o valor da linguagem como o único modo de mediação da imagem divina, sem o perigo de ser distorcida pelo modo da aparência sensível. Nesse sentido, a “linguagem” não seria um mero instrumento ou meio que precise

2 Citaremos o texto latino, a partir da seguinte edição: NICOLAI DE CUSA. De filiatione Dei. In: Opera omnia. Iussu et auctoritate Academiae Litterarum Heidelbergensis ad codicum fidem edita. v. IV. Opuscula I. Hamburg: Felix Meiner, 1959. p. 37-64 (sigla h.). Pode-se consultar as seguintes traduções: NICOLÒ CUSANO. De filiatione Dei. In: Scritti filosofici. Traduzione di G. Santinello.. Bolonha: Zanichelli, 1980, p. 98-131, v. 2 com texto latino a fronte; NICOLÒ CUSANO. La filiazione divina. In: Opere filosofiche di Nicolò Cusano. A cura di Graziella Federici-Vescovini. Torino/Italia: UTET, 1972, p. 331-351; NICHOLAS OF CUSA. On being a son of God (De filiatione Dei). In: A Miscellany on Nicholas of Cusa. By Jasper Hopkins. The Arthur J. Banning Press: Minneapolis, 1994. p. 340-369. Disponível em: http://jasper-hopkins. info/DeFiliatione12-2000.pdf. Acesso em: 23 set. 2013.

ser ultrapassado, mas a forma especulativa na qual Deus pode revelar-se no espelho da verdade[4]. Essas interpretações não só encontram fundamento textual no De filiatione Dei, mas também podemos seguir os seus respectivos desenvolvimentos em outras obras cusanas, como, por exemplo, no Idiota de sapientia, no Idiota de mente ou o De visione Dei. Entretanto, devemos salientar que, no contexto do De filiatione Dei, tanto um discurso sobre o homem quanto um possível reconhecimento do valor da linguagem humana encontram seu sentido na “mística do logos” que funda suas raízes no Prólogo do Evangelho de João.

O De filiatione Dei, escrito em 1445, e que se compõe de uma pequena missiva e de seis curtos capítulos, é dirigido ao Canônico Conrado de Wartberg do mosteiro de Mainfeld (vizinho a Coblenza/Alemanha). Sabemos, pela pequena missiva, que nesse texto, por insistência de Conrado, Nicolau se propõe dizer o que ele pensa sobre a filiatio Dei, a partir do evangelho de João 1, 12: “Mas a todos que o receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus: aos que crêem em seu nome”. Notemos que o versículo em questão se insere no prólogo do evangelho de João, texto que condensa e que inspira toda a teologia do logos na história da tradição cristã: a sua eternidade, a criação por meio dele, a identificação do Verbo com a verdade, a sua encarnação e a revelação de Deus por meio dele, pois “[…] ninguém jamais viu a Deus: o Filho único, que está voltado para o seio do Pai, este o deu a conhecer” (Jo 1,18). Nessa mesma missiva, Nicolau admite que não dirá nada de novo em relação ao que Conrado já leu em seus escritos anteriores, os quais “[…] exprimem suas conjecturas”[5].

O termo conjectura possui um sentido técnico e preciso, em Nicolau de Cusa.  No Prólogo da primeira parte do De coniecturis[6], ele se refere ao próprio pensamento como “minhas conjecturas”[7], e afirma que um dos seus objetivos naquele texto é esclarecer “[…] a arte geral das conjecturas”[8]. Já no início desse Prólogo e partindo do princípio já estabelecido no De docta ignorantia, de que a precisão da verdade é inatingível, ele conclui que “[…] toda afirmação positiva sobre o verdadeiro é conjectura”[9]. Os termos conjectura e precisão manifestam, portanto, a distância que se dá entre a verdade infinita e o possível conhecimento que dela podemos ter.

Mas, apesar dessa distância, verdade e conjectura mantêm entre si um vínculo e, para expressar essa vinculação, Nicolau utiliza o termo participação. A unidade, enquanto idêntica a si mesma, não se comunica, não se explica[10] e é em si mesma inatingível. Por outro lado, recorda que cada coisa é o que é apenas no seu modo próprio de ser (in propria sua entitate) e que, em outro, é de outro modo (ita in alia aliter). Nos termos do De coniecturis, isso significa que somente em sua própria unidade ou região algo é idêntico a si mesmo, porém, em outra, é de outro modo. Por exemplo, na unidade racional, o círculo, enquanto ente de razão, possui todas as suas perfeições, é preciso. Todavia, na unidade sensível, não existe um círculo tão preciso que não possa se dar outro mais preciso ainda. Portanto, da unidade racional decai na variedade da unidade sensível. O mesmo ocorre com a verdade, pois o intelecto que não é a própria verdade não pode compreendê-la de modo preciso, mas somente o intelecto divino, pelo qual todas as coisas existem, conhece a verdade das coisas tais como elas são. Quanto ao intelecto finito, que é outro em relação à verdade inteligível, compreende a verdade das coisas com alteridade. Assim, a verdade decai da unidade divina para a alteridade do intelecto.[11]

O fundamento dessa possibilidade, ou seja, que o intelecto humano possa colher a verdade, não em si mesma, mas intelectualmente, está ligado à participação da mente finita na mente divina infinita que não se participa como é em si mesma, mas na alteridade e na variedade.[12] Por isso, se em relação à verdade podemos afirmar que a mente divina é plenamente em ato, o mesmo não se pode dizer da mente finita. Pelo contrário, devemos supor que o que nos convém como possibilidade (entender a verdade tal como ela é) convém a Deus como algo que lhe é próprio.[13] A conjectura, portanto, é uma afirmação positiva que participa da verdade, como é em si, mas na alteridade.[14]

2  Sobre A diviSão do texto

Para Santinello[15] (1980, p. 17) são dois os problemas discutidos por Nicolau no De filiatione Dei: em primeiro lugar, como se poderia pensar a união dos homens com Deus na outra vida considerando que, todavia, o homem é finito e a sua filiação deverá ser distinta daquela do Verbo. Em segundo lugar, como o homem se deve conduzir nesta vida para conseguir a filiação na outra. De modo geral, essa divisão em duas partes do texto parece aceitável. Mas, é necessário pensar o que de fato Nicolau se propõe em cada uma delas. Parece que, na segunda parte, ele se propõe mostrar o caminho a partir do qual ele conjectura que, no presente curso do tempo, se possa atingir a filiação[16].

participare contingit illa ipsa ineffabili mente imparticipabili perdurante, condicione participantium hoc agente.

Não se pode, porém, reconhece Nicolau, “[...] falar adequadamente” da filiatio.18 Por isso, o texto em questão está repleto de exemplos que têm como função “conduzir” Conrado à compreensão da filiação divina e do caminho que Nicolau conjectura se deva percorrer para alcançar, nesta vida, a própria filiatio. O verbo “conduzir” tem uma valência muito própria no pensamento cusano e, na sua forma latina (ducere), aparecerá pelo menos três vezes[17] no De filiatione Dei e sempre indicando a ação de “conduzir” por meio de exemplos à compreensão ou à visão de uma “verdade” que, a princípio, não se deixa compreender. Essa ação de “conduzir por meio de exemplos” é um aspecto fundamental da “pedagogia” cusana que encontra a sua formulação precisa no termo manuductio[18] cujo sentido aparece no início do De coniecturis: “É necessário, porém, que atraia, como que guiando-os pela mão, os mais jovens,

Tradução de J. Hopkins: “But I do not doubt that you very strongly desire for me to disclose to you the conception of the pathway by which I surmise that in the present course of time we are to proceed with our pursuit of sonship. Therefore, I will endeavor to explicate this matter still more, according as it comes to mind” (De filiatione Dei, IV, n. 72, p. 350). 18 De filiatione Dei, h. II, n. 55, linhas 2-6, p. 42: Nunc id optare videris, ut te qualicumque modo eo ducam, ubi videre queas, quid sit illud ineffabile gaudium filiationis. Quamvis non exspectes ipsum posse sufficienter exprimi, quod omnem mentem exsuperat, maxime cum coniecturis incumbentes aenigmatum modos transilire non valeamus,[...].

privados da luz da experiência, à manifestação daquilo que se oculta, de tal maneira que possam elevar-se gradualmente ao que é menos conhecido”[19].

Esse sentido também é expresso em diversas partes do De docta ignorantia[20] e, como veremos a seguir, se completa com o procedimento da transumere ou transfere.[21] Como exemplo, citamos do primeiro livro do De docta ignorantia o seguinte texto, o qual conclui o capítulo décimo e, de certa forma, anuncia o capítulo undécimo, que tratará da ajuda da matemática na apreensão das coisas divinas:

Admirar-te-ás, decerto, com aquilo que dissemos, de como é necessário que aquele que quer apreender o máximo com um simples acto de intelecção, ultrapasse as diferenças, as diversidades e todas as figuras matemáticas, uma vez que dissemos que no máximo a linha é superfície, círculo e esfera. Por isso, para te tornar mais subtil o intelecto, esforçar-me-ei por te elevar mais facilmente, conduzindo-te pela mão com segurança, para que vejas estas coisas necessárias e tão verdadeiras. Elas levar-te-ão de um modo correcto a uma extraordinária suavidade, se te elevares do signo à verdade, entendendo transsumptivamente as minhas palavras. Por esta via, avançarás na douta ignorância, de modo que possas, tanto quanto é permitido a quem se esforça por se elevar de acordo com as forças do engenho humano, ver o próprio máximo uno incompreensível, Deus uno e trino sempre bendito[22].

A primeira vez que o verbo ducere, no sentido acima estabelecido, aparece no De filiatione Dei é no início do segundo capítulo.[23] No primeiro capítulo, Nicolau determina o sentido da filiatio (deificação ou ‘théosis’) como sendo o “[...] estado final de perfeição, que também se chama conhecimento de Deus e do Verbo ou visão intuitiva”;[24] também afirma que a filiação ou deificação alcançada na outra vida não será sem um modo, mas somente a filiação do filho, na identidade de natureza com o pai, é sem modo e é em virtude dessa filiação que os filhos adotivos conseguiram a própria filiação.[25] Assim, no segundo capítulo, ele se propõe conduzir Conrado à possibilidade de ver o que é o gáudio inefável da filiação. Os exemplos propostos por Nicolau são três: a criança é o mesmo homem adulto, mas a característica de ser filho só aparece na fase adulta, por isso, enquanto criança, vive com os servos, mas depois reina com o pai. O segundo exemplo é o da relação entre o aluno e o mestre. É a mesma pessoa o que agora aprende e o que depois será mestre na mesma escola. Por último, ele apresenta a relação específica entre o pintor e seu aluno que se torna mestre, não por ter apreendido a pintar coisas particulares, mas por apreender a arte universal da pintura, pois, para Nicolau, “[...] a capacidade do mestre consiste em transformar a ciência dos particulares em uma arte universal, que não tem comparação com a primeira”. Se a ciência dos particulares está ligada aos sentidos, a arte universal está associada ao intelecto, e a verdade é o único objeto que o intelecto busca no mundo por meio dos sentidos.[26]

A segunda vez que o verbo ducere, no sentido acima estabelecido, aparece no De filiatione Dei é no terceiro capítulo.[27] Determinado, portanto, que a filiatio ou deificatio é o estado no qual o intelecto se encontra quando, transferido do mundo sensível, dá-se conta de ver, segundo a sua capacidade, Deus e o seu Verbo não mais na luz do enigma, mas face a face, e se torna, a seu modo, Deus e todas as coisas,30 a questão que o terceiro capítulo busca responder nasce quando aproximamos a doutrina da filiatio, segundo a qual o intelecto apreende aquela verdade que é o próprio Deus, e a doutrina da incompreensibilidade, para a qual Deus não pode ser alcançado nem pelos sentidos, nem pela razão e nem pelo intelecto.31 O exemplo dos espelhos (um primeiro espelho, no qual se espelha a verdade tal e qual ela é; o espelho das criaturas e, entre as criaturas, o espelho intelectual) servirá para mostrar em que sentido o ver Deus face a face intelectualmente não pode significar que o intelecto veja a Deus assim como ele é, já que a verdade que o intelecto contempla é um modo teofânico pelo qual Deus se mostra ao intelecto.[28]

30  A partir dos exemplos citados no segundo capítulo e o procedimento da transumere ou transfere, Nicolau conclui o seguinte sobre a filiatio: De filiatione Dei, h. II, n. 58, linhas 4-13, p. 44: Transfertur autem de schola huius mundi ad regionem magisterii et efficitur magister seu ars operum huius mundi. Quietatur igitur studium vitae et perfectionis atque omnis motus intellectus, quando se comperit in ea regione esse, ubi est magister omnium operum operabilium, scilicet filius dei, verbum illud, per quod caeli formati sunt et omnis creatura, et se similem illi. Est enim tunc in ipso ipsa dei filiatio, quando in eo est ars illa; immo ipse est ars illa divina, in qua et per quam sunt omnia; immo ipse est deus et omnia modo illo, quo magisterium adeptus est. Quod attenta meditatione advertas.

31  De filiatione Dei, h. III, n. 62, linhas 2-10, p. 46-47: Forte te pulsat saepe auditum deum incomprehensibilem ac quod filiatio, quae est apprehensio veritatis quae deus est, attingi nequeat. Arbitror te satis intellexisse veritatem in alio non nisi aliter posse comprehendi. Sed cum illi modi theophanici sint intellectuales, tunc deus, etsi non uti ipse est attingitur, intuebitur tamen sine omni aenigmatico phantasmate in puritate spiritus intellectualis, et haec ipsi intellectui clara est atque facialis visio. Hic quidem absolutae veritatis apparitionis modus cum sit ultima vitalis felicitas intellectus sic veritate fruentis, deus est, sine quo intellectus felix esse nequit.

A terceira vez que o verbo ducere, no sentido acima estabelecido, aparece no De filiatione Dei é no quarto capítulo.[29] O sentido geral desse capítulo é determinar como nesta vida se possa alcançar a unidade divina. Determina-se que a unidade divina se alcança intelectualmente, mas por meio da aparição ou manifestação de Deus no mundo. O paradoxo se dá entre a afirmação da transcendência do uno e da sua imanência, da sua inatingibilidade e da sua acessibilidade nas coisas, da sua inefabilidade e da sua aparição em tudo que se pode dizer. Segundo Santinello (1980, p. 18), os exemplos aduzidos são os seguintes:

Deus é o uno imparticipável que resplandece em todas as coisas, como o uno numérico ou mônada que é número em todos os números; é como o intelecto do mestre que se manifesta no verbo sensível para falar aos estudantes; é como uma “vis” que resplandece em todas as potências do criado; é como aquela única verdade que os diversos teólogos e filósofos exprimem na variedade dos seus sistemas.

3                     Sobre A relAção fundAmentAl e conStitutivA entre o verbo mentAl humAno e o verbo ou logoS eterno

Retomemos o exemplo dos espelhos e do intelecto do mestre que se mostra nas palavras sensíveis. Como já acenamos anteriormente, Nicolau afirma, no segundo capítulo, que a alegria experimentada na filiatio é inefável (ineffabile guadium filiationis) e é algo do qual não se pode falar adequadamente (sufficienter exprimi), pois supera a capacidade mental e, por se tratar de conjecturas, não se pode ultrapassar o modo de pensar por enigmas (maxime cum coniecturis incumbentes aenigmatum modus transilire non valeamus). Com o exemplo dos espelhos, explorado no terceiro capítulo, ele se propõe conduzir Conrado à visão da filiatio.[30]

Primeira parte do exemplo dos espelhos: em primeiro lugar, Nicolau chama a atenção para o fato de que um espelho reto reflete as coisas tais quais elas são. Porém, as coisas aparecem menores do que são, em um espelho curvo. Em segundo lugar, a partir dessa diferença, Nicolau sugere que Conrado imagine um primeiro espelho reto, intérmino e perfeito, um espelho da verdade sem mancha no qual o próprio Deus aparece; além disso, que Conrado imagine também que todas as criaturas sejam como espelhos contraídos e curvos, cada um à sua maneira; por último, que as criaturas de natureza intelectual sejam como espelhos vivos, mais limpos, mais retos e que, enquanto vivos, intelectuais e livres poderiam curvarem-se, retificarem-se e limparem-se a si mesmos.[31] Por fim, Nicolau recomenda que, em todos os espelhos, resplenderia de modo variado uma única claridade; que todos os espelhos, assim como são, estariam espelhados no primeiro e que todas as coisas, não como são em si mesmas, se espelhariam nos espelhos contraídos e curvos, de acordo com a condição de cada espelho que as acolhe.[32]

 Segunda parte do exemplo dos espelhos: Nicolau sugere que se imagine que um espelho intelectual seja colocado diante do espelho primeiro da verdade, que é reto e no qual todas as coisas resplandecem assim como elas são. Consequentemente, deveríamos imaginar que o primeiro espelho, junto com tudo aquilo que esse recebeu de todos os outros espelhos, se transfunde no espelho vivo e intelectual que acolhe o raio da verdade o qual contém a verdade de todas as coisas. No entanto, o espelho intelectual acolhe todas essas coisas a seu modo e, acolhendo o lume esplendente do primeiro espelho da verdade, nesse ele intui a si mesmo e em si intui todas as coisas, mas sempre a seu modo: “[...] no primeiro espelho da verdade, que se pode chamar também Verbo, Logos ou Filho de Deus, o espelho intelectual atinge a filiação, e ele é assim todas as coisas em todas as coisas, e todas as coisas são nele, e o seu reino consiste na posse de Deus e de todas as coisas na vida gloriosa”.[33]

Utilização do procedimento da transumere ou transfere, no exemplo dos espelhos. Como no caso do De docta ignorantia, citado anteriormente, o procedimento aqui é igualmente tríplice e corresponde a um deixar para trás o sensível, elevando-se ao racional e transferindo-se à região intelectual. Assim, Nicolau pede que Conrado remova a “quantidade” em que os espelhos sensíveis se encontram contraídos e liberte o próprio conceito do espaço e do tempo e de tudo que é sensível, a fim de que possa se elevar à clareza do “espelho racional”. O terceiro passo, então, corresponderia a transferir o exemplo dos espelhos à região intelectual e, assim conduzido (manuductio) pelo exemplo, Conrado poderia se elevar o mais próximo possível de uma especulação da filiatio Dei. Contudo, o fruto dessa aproximação não é uma visão de Deus tal qual Ele é. Na verdade, trata-se de uma intuição na escuridão ou oculta e escondida cujo fruto é uma pre-gustação, uma prova da filiatio que é justamente de um trasladar-se dos vestígios dos simulacros para a união com a própria razão infinita.[34]

Por conseguinte, a partir do exemplo dos espelhos, pode-se conjecturar que a filiatio ou deificatio, reservada aos que acolherem o Verbo divino, é a possibilidade dada ao intelecto de ver, a partir da coincidência, todas as coisas em Deus e Deus em todas as coisas. Entretanto, essa coincidência não significa confusão e nem mesmo identidade entre Criador e criatura. Da mesma forma, também esse exemplo possibilita conjecturar a diferença entre Jesus, o Verbo de Deus, e os homens, mas também entre os espelhos intelectuais e às outras criaturas. O homem, enquanto vivo espelho intelectual é viva similitudo de Deus e pode, por meio do Verbo, conseguir a filiação que é posse de Deus e de todas as coisas. O Prólogo do evangelho de João aponta para o Verbo como princípio, meio e fim, porque é no Verbo e pelo Verbo que somos criados, é pelo Verbo que conhecemos a Deus e é na filiatio Dei ou théosis que o homem encontra a realização das suas buscas e o repouso dos seus desejos. Nas palavras de Nicolau, isso significa que “[...] a busca da vida e da perfeição do intelecto e todo o seu movimento termina, quando o intelecto se dá conta de estar naquela região na qual se encontra o artífice de todas as coisas, – isto é o filho de Deus, o Verbo pelo qual foram formados os céus e todas as criaturas – se dá conta de ser semelhança sua”.[35]

Porém, se a filiatio, enquanto modo de união com Deus na outra vida, é inefável, daí não segue, porém, que dela não possamos nada dizer. Pelo contrário, o silêncio alcançado é o sossego e o descanso da alma e é, por sua vez, um silêncio fértil que fecunda as nossas palavras. É, nas palavras de João Maria André (1997, p. 106), “[...] um silêncio fecundante, que no Verbo de todos os verbos origina novos verbos, que se sabem verbos de um indizível verbo”. O próprio exemplo dos espelhos já nos indica que, pela palavra, se abre a possibilidade de acesso ao divino sem nome.

A metáfora do espelho revela, portanto, o aspecto necessariamente intelectual[36] da filiatio, também revela aspectos da antropologia cusana que se funda no conceito de viva imago Dei[37] e, por fim, a partir dessa mesma metáfora, pode-se conjecturar sobre o valor que a linguagem e a palavra adquirem no pensamento cusano. É no Verbo e por meio dele que o intelecto pode ver o seu princípio, pois é por meio da sua Palavra, luz intelectual, que Deus se mostra aos homens. O tema da filiatio é articulado com o tema da linguagem por Casarella.[38] Com essa articulação e pelo fato de que o exemplo dos espelhos é uma manuductio que, através do transensus, leva-nos “[...] à especulação (speculationem) da filiação de Deus”, Casarella (1992) justifica que a linguagem não pode mais ser vista como um meio sensível que deva ser ultrapassado. Se a metáfora do espelho é usada para expressar uma verdade especulativa de maneira compreensível, a linguagem se torna “[...] a forma pela qual Deus pode revelar-se no espelho da verdade”. Isso não significa apenas, segundo ele, que o inefável nome de Deus resplandece em todos os nomes, ou que a Palavra divina se reflita em todas as palavras. Se a linguagem é a forma especulativa da verdade de Deus, então, assegura Casarella, a linguagem é o único modo através do qual a imagem de Deus pode ser mediada sem ser distorcida pelo modo da aparência sensível”[39]. Contudo, se, por um lado, reconhecemos que a especulação à qual nos conduz a metáfora do espelho confirma o valor da linguagem e da palavra humana, por outro lado, devemos ainda manter que o visado nas nossas palavras permanece inefável.

Mais ainda, se na filiatio se alcança uma certa unidade com o uno divino imparticipável e indizível, nessa vida, a possibilidade da filiatio se alcança quando da variedade e da multiplicidade das coisas e das nossas palavras somos capazes de mirar o uno inefável e absoluto, “[...] princípio, meio e fim de tudo que é inteligível”. Mas, “mirar o uno” desde a multiplicidade só é possível porque ele mesmo sempre se mostra nessa diversidade. É o movimento de autorrevelação do interior para o exterior e do superior para o inferior a possibilitar o percurso de retorno, aos que são capazes, de ascender da variedade, da multiplicidade, dos enigmas para a unidade e para a visão face a face. A unidade, por conseguinte, não deve ser pensada como o resultado de um processo de ajuntamento de partes, mas como o único princípio de tudo. A “via” que Nicolau indica, consequentemente, é pensar o uno e os modos do uno, e aqui também se dá uma inflexão para a linguagem.[40] Nicolau retoma o que anteriormente ele havia dito no De docta ignorantia: “[...] o máximo em sentido absoluto é inteligível de maneira incompreensível e ao mesmo tempo nominável de maneira inominável”.45 Assim, se, por um lado, devemos reconhecer que “[...] não existe nenhuma proporção entre o uno inumerável e as coisas numeráveis ou entre o absoluto e o que está contraído secundo um modo”46, por outro lado, Nicolau afirma que é conveniente conjecturar que esse uno, princípio de todas as coisas, é igualmente inefável, mesmo sendo princípio de todas as coisas que se podem dizer. Dessa maneira, temos o paradoxo: “[...] todas as coisas que se podem dizer não exprimem o inefável, mas todo discurso diz o inefável. De fato o uno, pai ou genitor do verbo, é tudo aquilo que em cada palavra é falado, em cada sinal designado, e assim por diante”.[41]

O exemplo do intelecto do mestre que se mostra por meio das palavras sensíveis aos seus alunos, e que ilumina e é iluminado pelo anúncio joanino da criação por meio do Verbo divino, ajuda-nos a conjecturar sobre a relação

est omnis numerus, et in omni numero numeratur innumerabilis ipsa monas. Non enim aliud esse potest omnis numerus quam monas.

45  De docta ignorantia, w. L. I, cap. V, n. 13, p. 20: Ex hiis clarissime constat maximum absolute incomprehensibiliter intelligibile pariter et innominabiliter nominabile esse, uti de hoc manifestiorem doctrinam inferius pandemus. (A douta ignorância, L. I, cap. V, n. 13, p. 11).

46  De filiatione Dei, h. IV, n. 72, linhas 31-32, p. 54: Nulla est coordinatio seu proportio numeralis ad innumerabile, absoluti ad modaliter contractum.

entre o inefável e o que dele se pode dizer. Reconhece-se a inatingibilidade do intelecto pela razão e pelos sentidos e, ainda, a inatingibilidade do divino pelos sentidos, pela razão e pelo intelecto. Como é em si, nem o intelecto humano e nem aquele divino podem ser atingidos e tanto um quanto o outro poderiam permanecer nessa “inatingibilidade”. Entretanto, o intelecto do mestre e o divino se movem para unir a si outros intelectos à sua similitude, e o primeiro fruto desse movimento é a “geração” da sua própria igualdade, ou seja, o verbo mental humano e o verbo divino. No entanto, como só pode entrar na mente por meio dos sinais sensíveis, “[...] o mestre puxa o ar e forma com esse a voz e de modo variado a informa e a exprime, para elevar a mente dos discípulos à igualdade do seu magistério”. Da mesma forma o mundo sensível “é quase como a voz” do princípio unitrino, no qual fez resplandecer de modo variado o próprio verbo. Dessa forma, se, por meio das palavras, podemos ser levados à compreensão do intelecto do mestre, das coisas sensíveis podemos ascender ao conhecimento de Deus. Por isso, como as palavras estão em função do intelecto, da mesma maneira “[...] esse mundo sensível está em função do mundo intelectual, e o homem é o fim das criaturas sensíveis, e Deus glorioso é o princípio, meio e fim de toda operação sua”.

Entretanto, se o aluno quer se unir ao intelecto do mestre, não deve permanecer preso às suas palavras, mas deve mirar ao que é intencionado nessas palavras, ou seja, deve olhar para o verbo mental ou intelectual. Da mesma forma, se queremos nos unir ao uno, devemos saber “escapar” da diversidade e mirar ao que nessa se mostra. Assim, se desejamos conhecer a Deus, devemos fugir do mundo e olhar para o que se mostra no mundo: o verbo inefável divino. Como o verbo intelectual se mostra nas palavras, mas as palavras não podem atingi-lo, da mesma forma o verbo divino se deixa acolher intelectualmente pelo verbo intelectual, que, por estar separado das contrações sensíveis, pode nomear o inefável de modo absoluto, porém, qualquer termo intelectual ainda “[...] não denomina de modo algum o Deus inominável, mas exprime o inominável de vários modos intelectuais”.

Pensar que o uno, em si mesmo imparticipável e inefável, se deixa participar e se deixa nomear nos nossos discursos nos faz conjecturar, como já vimos, sobre os limites e sobre a força das nossas palavras para dizer de modo vário o indizível. Do mesmo modo, ao afirmar que “[...] o uno é aquilo que todos os que fazem teologia ou filosofia se esforçam de exprimir em uma variedade de modos”, Nicolau abre espaço para uma concordância na diversidade. Todavia, a concordância não é homogeneização. Os modos de dizer permanecem incompatíveis e contrários, mas os que teologizam e filosofam devem se esforçar para, superando a diversidade, ver o uno inefável ao qual todos miram e conduzir outros a essa mesma visão. Talvez, nesse sentido, “[...] a filiação é uma educação[42]”.

Por último, gostaríamos de fazer duas ressalvas, tendo em vista a utilização dos termos “filosofia da linguagem” e “mística” aplicados ao pensamento cusano. Em primeiro lugar, González Ríos (2010, p. 13) reconhece que existe um consenso estabelecido entre os diversos especialistas do pensamento cusano que se debruçaram sobre o problema da linguagem. De acordo com ele, Donald Duclow, Hans-Georg Senger, João Maria André y Jan Bernd Elpert, entre outros, afirmam que “[...] na teologia especulativa de Nicolau de Cusa não se encontra uma filosofia da linguagem em sentido sistemático”. Entretanto, ele sustenta que isso não significa afirmar que as abordagens cusanas sobre a linguagem não possam “[...] ser fecundas e até mesmo decisivas para a compreensão do seu sistema” GONZALEZ RÍOS, 2010, p. 15-16). Igualmente João Maria André sustenta que

[...] aquilo que encontramos nos seus [cusanos] textos são referências relativamente marginais, ora articuladas com o desenvolvimento da Teologia do Verbo, ora integradas numa reflexão sobre a criação, ora dependentes de uma reflexão sobre o conhecimento e seus limites. É, todavia, incontestável a importância que a linguagem assume no contexto de todo o seu pensamento, nomeadamente na metafísica da mente sobredeterminada por uma metafísica do sentido. (ANDRÉ, 1997, p. 585-587).

E, embora reconheça a dificuldade para justificar tal ausência, contudo, apresenta três motivos: por a linguagem ser concebida a partir da inefabilidade do Verbo; pelo carácter simbólico da linguagem e, por último, não seria fácil articular os traços gerais da sua concepção de linguagem com as teorias linguísticas mais desenvolvidas no seu tempo, por exemplo, o nominalismo (1997, p. 586).

Em segundo lugar, tendo em vista que acentuamos em demasia o aspecto intelectual da mística cusana, gostaríamos de fazer referência a um texto de Beierwaltes, o qual pode nos ajudar a avaliar esse aspecto:

O momento intelectual da mística cusana não pode ser isolado como um momento supostamente apenas racional. A speculatio ou visão do infinito, como a intenção do intellectus e que lhes é dada a priori, não pode, de modo algum, ser entendida por analogia a um conhecimento informativo de uma circunstância, como um obstinar-se em uma distância emocional, mas, ao contrário, é conduzido por uma intensa vontade de intelecção do, em último termo, ininteligível, por uma saudade de contato (attingere) e de identificação (uniri), com o fim deste movimento. Mas esta é uma característica fundamental do amor (amor, dilectio) a Deus; é uma resposta que convém àquele a quem Ele ama; nela, o homem realiza uma coincidência de amar e ser amado que reproduz a mesma coincidência que em Deus é uma indicação de sua unidade absoluta referida a si mesmo e a tudo o que é a partir dele. A saudade (desideratio) busca o infinito, é “arrebatada” para ele: fertur in infinitum[43].

ABSTRACT: We begin with the statement of K.-O. Apel, repeated by João Maria André (1986, p. 400), that “[…] it is in the ‘mystic’ of the ‘logos’ and in the negative theology of pseudo-Dionysus that, in a determinate manner, Nicholas of Cusa would receive the fundamental features of his philosophy of language”. Based on De filiatione Dei (1450), we reflect on the fundamental and constitutive relationship between the mental human word and the eternal Word or Logos. The importance of this text in the context of the problem of language in Nicholas of Cusa is recognized by Casarella (1992), specifically for its Christological inflection in relation to Cusa’s first sermons. In opposition to the intra-Trinitarian reflection of the sermons, in De filiatione Dei the humanly visible image of Christ becomes the mirror of language; that is, it is in Christ that we see the perfect mode that can be expressed by means of language. Cusa’s text is a meditation on John 1:12: “But as many as received him, to them gave he power to become the sons of God, even to them that believe on his name”. Of principal interest to us are the examples adduced by Nicholas of Cusa that make explicit the way in which we intellectually receive the divine unity, as it is in these examples or enigmas that the author reflects on the constitutive relation between the mental human word and the ineffable mental word.

KEYWORDS: Nicholas of Cusa. De filiatione Dei. Mystic. Verbum. Logos.

referênciAS

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Recebido em:  01/09/14

Aceito em 22/09/14



[1] Professor da UERN. E-mail: josteix@hotmail.com

[2] Cf. BEIERWALTES (2005a, p. 272): “La posibilidad de realizar el ver reflejante, de ver la speculatio divina en sí mismo, en lo finito –tras una liberación continua del pensamiento de la alteridad y diversidad en dirección a su unidad originaria– equivale a una filiatio Dei o a una theosis del hombre. Esta tiene una cualidad ‘mística’, en tanto que en ella se ha alcanzado una unio con el pensamiento o el ver infinito divino: ‘ut in uno simus ipsum in quo omnia et in ómnibus unum”.

[3] Cf. SCHWAETZER (2006): “La naissance de Dieu dans l’âme chez Nicolas de Cues n’est pas seulement un thème mystique, il est inséparablement lié à l’anthropologie cuséenne et à son concept central de viva imago Dei. Cette conception se distingue par le que quelque chose de l’ars du Createur a éte engagé dans l’homme, contrairement au reste de la création. L’homme est, à sa façon, un créateur et un dieu humain lorsqu’il se réalise lui-même » (p. 101) ; « Que la pensée de la viva similitudo se situe au centre du traité De la filiation divine, cela se comprend de soi, eu égard à sa position centrale. Nous nous tournons directement vers le coeur du traité. Nicolas de Cues clarifie son anthropologie au troisième chapitre à l’aide de la métaphore augustinienne du miroir, liée à la philosophie christique néoplatonicienne incorporée par Augustin” (p. 108) ; “ Indépendamment de la métaphore de l’image, la métaphore des mirois trahit l’intérêt initial de Nicolas de Cues. Car la représentation selon laquelle le miroir humain est en mesure de se régler et de se nettoyer lui-même et que, de son point de vue, il peut refléter parfaitement le Miroir central du Logos entraîne qu’il existe pour l’homme une filialio qui, pour affirmer la similitude parfaite, sauvegarde tout de même la différence entre l’homme et le Logos. Elle permet à l’homme comme créature d’accueillir une image parfaite sans pour autant devenir le créateur” (p. 110).

[4] Cf. CASARELLA (1992, p. 262-263): “Cusanus describes the ascent to divine sonship as a manuductio ad speculationem filiationis. What is the view of language which results from being led by the hand to a speculative vision of sonship? ‘Language’ is no longer a sensible and surpassable medium. When viewed speculatively, language is the form by which God can reveal himself in the mirror of truth. Such an assertion means more than saying –as Cusanus does –that God’s ineffable name is present in all names or that the divine Word ‘words’. Rather, if language is the speculative form of God’s truth, then language is the only mode through which God’s image can be mediated without being distorted by the sensible mode of appearance.”

[5] De filiatione Dei, h. n. 51, linhas 12-13, p. 39: [...] meas generales qualescumque exprimentibus coniecturas.

[6] Citaremos o texto latino com base na seguinte edição: Nicolai de Cusa. De coniecturis. In: Opera omnia. Iussu et auctoritate Academiae Litterarum Heidelbergensis ad codicum fidem edita. v. III. Hamburg: Feliz Meiner, 1972 (sigla h.); pode-se também consultar a seguinte tradução: Nicolò Cusano. La dotta ignoranza – Le congetture. A cura di Giovanni Santinello. Rusconi: Milano, 1988.

[7] De coniecturis, h. Pars Prima, Prologus, n. 4, linhas 3-4, p. 5: [...] coniecturarum mearum.

[8] De coniecturis, h. Pars Prima, Prologus, n. 4, linhas 9-11, p. 6: [...] quibus noster discursos pergere queat ad generalem coniecturandi artem.

[9] De coniecturis, h. Pars Prima, Prologus, n. 2, linhas 3-5, p. 4: [...] praecisionem veritatis inattingibilem intuitus es, consequens est omnem humanam veri positivam assertionem esse coniecturam.

[10] O termo explicatio é central no pensamento cusano. Indicamos, nesse contexto de discussão, o capítulo décimo do De coniecturis: h. Pars Prima, cap. X, n. 44-53, p. 47-54.

[11] Cf. De coniecturis, h. Pars Prima, cap. XI, n. 54, p. 55-56.

[12] De coniecturis, h. Pars Prima, cap. XI, n. 55, linhas 15-19, p. 57: Et quoniam divina ipsa mens omnium est absolutissima praecisio, ipsam omnes creatae mentes in alteritate variationis differenter

[13] De coniecturis, h. Pars Prima, cap. XI, n. 56, linhas 10-17, p. 57: Potius igitur omnis nostra intelligentia ex participatione actualitatis divinae in potentiali varietate consistit. Posse enim intelligere actu veritatem ipsam, uti est, ita creatis convenit mentibus, sicut deo nostro proprium est actum illum esse varie in creatis ipsis mentibus in potentia participatum. Quanto igitur intelligentia deiformior, tanto eius potentia actui, uti est, propinquior; quanto vero ipsa fuerit obscurior, tanto distantior. Quapropter in propinqua, remota atque remotissima potentia varie differenter participatur.

[14] De coniecturis, h. Pars Prima, cap. XI, n. 57, linhas 10-11, p. 58: Coniectura igitur est positiva assertio, in alteritate veritatem, uti est, participans.

[15] Cf. SANTINELLO (1980, p. 17): “Il problema del Cusano, in questo scritto, è duplice: come si possa pensare la visione e unione dell’uomo con Dio nell’altra vita, se l’uomo è pur sempre un ente finito e la sua filiazione dovrà distinguersi da quella del Verbo di Dio; in secondo luogo, come si debba condurre l’uomo in questa vita per conseguire la filiazione nell’altra”.

[16] A segunda parte do texto corresponderia aos capítulos IV-VI e começa com a seguinte afirmação de Nicolau de Cusa: Quoniam autem te maxime optare non haesito, ut tibi conceptum viae pandam, qua in huius temporis fluxu ad studium ipsum filiationis pergendum esse conicio, hinc adhuc, prout occurrit, id ipsum explicare conabor (De filiatione dei, h. IV, n. 72, linhas 1-5, p. 52). Santinello assim traduz o texto acima: “Son sicuro, però, che tu hai un grande desiderio che io ti spieghi anche la strada, per la quale penso si debba procedere tenendo alla filiazione durante il corso di questa vita temporale; ora, appunto, cercherò di spiegartela, così come mi viene” (La filiazione di Dio, IV, p. 117); Tradução de Vescovini: “Poiché non ho alcuna esitazione a scegliere te per rivelarti il mio concetto della via nella quale credo che dobbiamo incamminarci, in questo scorrere di tempo, per studiare la filiazione, tenterò di spiegarla così come viene” (La filiazione di dio, IV, p. 343);

[17] Cf. De filiatione Dei, h. n. 55, linha 2, p. 42; n. 65, linha 1, p. 48 e n. 74, linha 1, 54.

[18] A ideia da centralidade do conceito de manuductio para a compreensão da “pedagogia” cusana a tomamos de: ANDRÉ, João Maria. Introdução. In: NICOLAU DE CUSA, A douta ignorância. Tradução, introdução e notas de João Maria André. 2. ed. Lisboa/Portugal, 2008, p. V-XLII. Deve-se conferir principalmente as páginas XIX-XX, nas quais João Maria André discute sobre as “implicações pedagógicas” do conceito cusano de “douta ignorância”. Sobre a relação entre a manuductio e a ideia de uma teologia simbólica, conferir: BEIERWALTES, Werner. El Dios oculto: el Cusano y Dionisio. In: ______. Cusanus. Reflexión metafísica y espiritualidad. Traducción de Alberto Ciria. Pamplona: EUNSA, 2005b, p. 89-127: “La convicción, que es común a Dionisio y a Eriúgena, e que el mundo es ‘teofanía’ o manifestación luminosa, un mostrarse de Dios, es el motivo primario para que el pensamiento se vuelva desde los signos y las imágenes de este mundo teofánico a su fundamento no manifiesto, que permanece oculto también en las negaciones. En base a su intención de acerciramiento universal, una reflexión abarcante del hombre sobre las manifestaciones sensibles de lo inteligible y absoluto no sólo es legítima, sino incluso objetivamente necesaria –como comienzo– para el ascenso interior. De este modo el Cusano, como pocos antes y después de él, practicó el ‘symbolice investigare’ como ejercitación en el concepto sin imagen y en el trans-ser de Dios que aún lo transciende. La investigación ‘simbólica’, ‘transsumptiva’ y ‘experimentadora’ de la realidad y de su fundamento se atiene al proyecto no realizado de una ‘teología simbólica’ de Dionisio, que entiende como ‘prestar una ayuda’ o ‘tender la mano’ (ceiragwria, manuductio) que arranca de lo sensible pero que lo reconduce a lo inteligible. Se basa en la confianza en la fuerza mostrativa, descifradora de conceptos y de cosas, de una estructura teofánica del mundo; emplea lo dado sensiblemente, pero también los conceptos y las estructuras de nuestro pensamiento, como signo, rastro, renitencia, imagen, parábola, analogía y metáfora para la comprensión del correspondiente fundamento constitutivo y para el tránsito desde la aproximación afirmativa a la ‘theologia negativa’.” (p. 107).

[19] De coniecturis, h. Pars I, n. 4 linhas 1-3: “Oportet autem quadam manuali inductione iuniores quosque, experimentali luce carentes, ad latentium ostensionem allicere, ut gradatim ad ignotiora erigantur. A tradução desse texto encontra-se em: ANDRÉ, 2008, p. xx.

[20] Citaremos o texto latino a partir da seguinte edição: NIKOLAUS VON KUES. De docta ignorantia. In: Philosophisch-Theologische Werke. Band I. Felix Meiner Verlag: Hamburg, 2002. (sigla w). Para a tradução portuguesa citaremos a partir da seguinte tradução: Nicolau de Cusa. A douta ignorância. Tradução, introdução e notas de João Maria André. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.

[21] Cf. ANDRÉ (2001).

[22] De docta ignorantia, w. L. I, cap. X, n. 29, p. 38-40: Admiraris autem de hiis, quae diximus, quomodo volentem maximum simplici intellectione apprehendere necesse sit rerum differentias et diversitates ac omnes mathematicas figuras transilire, quoniam lineam diximus in maximo superficiem et circulum et sphaeram. Unde, ut acuatur intellectus, ad hoc te facilius indubitata manuductione transferre conabor, ut videas ista necessaria atque verissima, quae te non inepte, si ex signo ad veritatem te elevaveris verba transsumptive intelligendo, in stupendam suavitatem adducent; quoniam in docta ignorantia proficies in hac via, ut – quantum studioso secundum humani ingenii vires elevato conceditur – videre possis ipsum unum maximum incomprehensibile, Deum unum et trinum semper benedictum. (A douta ignorância, Livro I, cap. X, n. 29, p. 22).

[23] De filiatione dei, h. II, n. 55, linhas 2-3, p. 42: Nunc id optare videris, ut te qualicumque modo eo ducam, ubi videre queas, quid sit illud ineffabile gaudium filiationis.

[24] De filiatione dei, h. I, n. 52, linhas 2-5, p. 39-40: Ego autem, ut in summa dicam, non aliud filiationem dei quam deificationem, quae et theosis graece dicitur, aestimandum iudico. Theosim vero tu ipse nosti ultimitatem perfectionis exsistere, quae et notitia dei et verbi seu visio intuitiva vocitatur.

[25] De filiatione Dei, h. I, n. 54, linhas 22-26, p. 42: Non igitur erit filiatio multorum sine modo, qui quidem modus adoptionis participatio forte dici poterit. Sed ipsa unigeniti filiatio sine modo in identitate naturae patris exsistens est ipsa superabsoluta filiatio, in qua et per quam omnes adoptionis filii filiationem adipiscentur.

[26] Para os três exemplos citados, conferir: De filiatione Dei, h. II, n. 56-57, p. 42-44.

[27] De filiatione Dei, h. III, n. 65, linhas 1-2, p. 48: Ut autem similitudine ducaris, te nequaquam ignorare scio formas aequales in rectis speculis, minores in curvis apparere.

[28] Retomaremos o exemplo dos espelhos em seguida. Cf. SCHWAETZER (2006): À partir de ce résultat [assimilação da similitudo e da filiatio por Eckhart], regardons la problématique du traité cuséen De filiatione Dei. Elle s’avère généralement en parenté initiale avec Eckhart. Que la pensée de la viva similitudo se situe au centre du traité De la filiation divine, cela se comprend de soi, eu égard à sa position centrale. Nous nous tournons directement vers le coeur du traité. Nicolas de Cues clarifie son anthropologie au troisième chapitre à l’aide de la métaphore augustinienne du miroir, liée à la philosophie christique néoplatonicienne incorporée par Augustin (p. 108); Indépendamment de la métaphore de l’image, la métaphore des mirois trahit l’intérêt initial de Nicolas de Cues. Car la représentation selon laquelle le miroir humain est en mesure de se régler et de se nettoyer lui-même et que, de son point de vue, il peut refléter parfaitement le Miroir central du Logos entraîne qu’il existe pour l’homme une filialio qui, pour affirmer la similitude parfaite, sauvegarde tout de même la différence entre l’homme et le Logos. Elle permet à l’homme comme créature d’accueillir une image parfaite sans pour autant devenir le créateur (p. 110) ; Il reste que pour Nicolas de Cues sa position accomplit la clarification fondamentale au regard du reproche fait à Eckhart. De fait, la relation entre Dieu, Jésus-Christ, l’homme et la créature se précise. L’image du miroir incarne la relation d’égalité entre Créateur et créature et évite non seulement l’identité mais précise l’aspect d’ assumer dans la descente. Si l’on inclut maintenant que Dieu le Père est invisible, alors le miroir parfait du Fils, qui est le seul à regarder le Père, trouve sa place centrale que nous lui attribuions à partir du traité De la filiatione divine (p. 117-118).

[29] De filiatione Dei, h. III, n. 74, linha 1, p. 54: Atque ut alio quodam te ducam exemplo.

[30] Cf. ANDRÉ (2001. p. 227-228): “Trata-se de tematizar o acesso do intelecto, a instância cognoscitiva mais elevada da mente humana, a Deus como seu princípio, seu meio e seu fim”. Conferir também: CASARELLA (1992, p. 257): “The mirror metaphor is introduced to convey a speculative truth in a comprehensible manner”.

[31] De filiatione Dei, h. III, n. 65, p. 48-49: Ut autem similitudine ducaris, te nequaquam ignorare scio formas aequales in rectis speculis, minores in curvis apparere. Sit igitur altissima resplendentia principii nostri dei gloriosi, in qua appareat deus ipse, quae sit veritatis speculum sine macula rectissimum atque interminum perfectissimumque, sintque omnes creaturae specula contractiora et differenter curva, intra quae intellectuales naturae sint viva, clariora atque rectiora specula, ac talia, cum sint viva et intellectualia atque libera, concipito, quod possint se ipsa incurvare, rectificare et mundare.

[32] De filiatione Dei, h. III, n. 66, p. 49: Dico igitur: claritas una specularis varie in istis universis resplendet specularibus reflexionibus et in prima rectissima speculari claritate omnia specula uti sunt resplendent, uti in materialibus speculis in circulo anteriori ad se versis videri potest. In omnibus autem aliis contractis et curvis omnia non uti ipsa sunt apparent, sed secundum recipientis speculi condicionem, scilicet cum diminutione ob recessum recipientis speculi a rectitudine.

[33] De filiatione Dei, h. III, n. 67, linhas 13-16, p. 49-50: In speculo igitur illo primo veritatis, quod et verbum, logos seu filius dei dici potest, adipiscitur intellectuale speculum filiationem, ut sit omnia in omnibus et omnia in ipso, et regnum eius sit possessio dei et omnium in vita gloriosa.

[34] De filiatione Dei, h. III, n. 68, linhas 1-11, p. 50: Tolle itaque, frater, contractiones quantificativas sensibilium speculorum et a loco et tempore et cunctis sensibilibus conceptum absolvas elevando te ipsum ad rationales speculares claritates, ubi in ratione clara mens nostra veritatem speculatur – inquirimus enim dubiorum latebras in claritate rationalis speculi et id verum scimus, quod ratio nobis ostendit –, transfer igitur praemissum paradigma in regionem intellectualem, ut propinquius te tali quali manuductione ad speculationem filiationis dei queas elevare. Poteris enim quadam intuitione occulta praegustare nihil aliud filiationem esse quam translationem illam de umbrosis vestigiis simulacrorum ad unionem cum ipsa infinita ratione,[...]. Posteriormente (De filiatione Dei, h. III, n. 70, p. 51-52), a filiatio será determinada mais precisamente como uma remoção de toda alteridade e diversidade e uma resolução omnium in unum e a transfusão unius in omnia: Filiatio igitur est ablatio omnis alteritatis et diversitatis et resolutio omnium in unum, quae est et transfusio unius in omnia. Et haec theosis ipsa. Nam, cum deus sit unum, in quo omnia uniter, qui est et transfusio unius in omnia, ut omnia id sint quod sunt, et in intellectuali intuitione coincidit esse unum in quo omnia et esse omnia in quo unum, tunc recte deificamur, quando ad hoc exaltamur, ut in uno simus ipsum in quo omnia et in omnibus unum.

[35] De filiatione Dei, h. III, n. 58, linhas 6-10, p. 44: Quietatur igitur studium vitae et perfectionis atque omnis motus intellectus, quando se comperit in ea regione esse, ubi est magister omnium operum operabilium, scilicet filius dei, verbum illud, per quod caeli formati sunt et omnis creatura,et se similem illi.

[36] DUCLOW (1990, p. 125): “His intellectual focus surfaces immediately in the definition of theosis as ‘knowledge of God and the Word or intuitive vision’. Deification consists in intellectual assimilation to the divine Word or ‘eternal reason’ who has given us the power to become sons like himself” (p. 125); “Sonship or theosis thus remains a properly intellectual vision of God. It is ‘absolute’ with respect to aenigmas, sense and reason, yet sees God only as truth –intellect’s proper object – and not ‘as he is’ in sheer transcendence” (p. 125).

[37] SCHWAETZER (2006, p. 101) : “ La naissance de Dieu dans l’âme chez Nicolas de Cues n’est pas seulement un thème mystique, il est inséparablement lié à l’anthropologie cuséenne et à son concept central de viva imago Dei. Cette conception se distingue par le que quelque chose de l’ars du Createur a éte engagé dans l’homme, contrairement au reste de la création. L’homme est, à sa façon, un créateur et un dieu humain lorsqu’il se réalise lui-même”.

[38] CASARELLA (1992, p. 259): “Cusanus expressly confirms the relevance of the mirror metaphor to the Word of God. He states that the first mirror of truth can be called the Word, Logos, or Son of God and that through a process of being led by the hand, the intellectual mirror reaches divine sonship”.

[39] CASARELLA (1992, p. 262-263): “Cusanus describes the ascent to divine sonship as a manuductio ad speculationem filiationis. What is the view of language which results from being led by the hand to a speculative vision of sonship? ‘Language’ is no longer a sensible and surpassable medium. When viewed speculatively, language is the form by which God can reveal himself in the mirror of truth. Such an assertion means more than saying – as Cusanus does – that God’s ineffable name is present in all names or that the divine Word ‘words’. Rather, if language is the speculative form of God’s truth, then language is the only mode through which God’s image can be mediated without being distorted by the sensible mode of appearance”.

[40] De filiatione Dei, h. IV, n. 72, linhas 10-19, p. 53: ut alias in De docta ignorantia explicavi, cum in ascensu vel descensu rerum ad maximum simpliciter deveniri nequeat, sed remanet super omnem ordinem et gradum superexaltatum, nihilo minus tamen illud ipsum unum, etsi inattingibile remaneat, est id ipsum unum, quod in omnibus attingibilibus attingitur. Unum igitur erit quod et omnia, simul id ipsum inattingibile unum in omnibus attingitur, quasi si quis diceret monadem innumerabilem, quae tamen

[41] De filiatione Dei, h. IV, n. 73, p. 54: Sic conicere te convenit unum illud, quod est omnium principium, ineffabile esse, cum sit omnium effabilium principium. Omnia igitur quae effari possunt ineffabile non exprimunt, sed omnis elocutio ineffabile fatur. Est enim ipsum unum, pater seu genitor verbi, id omne, quod in omni verbo verbatur, sic in omni signo signatur, et sic dereliquis. Essa relação entre a transcendência do uno e a sua imanência é pensada também através da palavra, da linguagem. Segundo Casarella (1992, p. 255-256) pode-se resumir o De filiatione dei em cinco teses principais: “First, there is no proportion but only an incommensurable gap (nulla proportion sed transumptio) between the concept of the Word as grasped by the receiving intellect and the Word as known by its author. Second, through ‘the school of the senses’ the mind strives for mastery of comprehensive knowledge which exists only in the intelligible world. Third, the truth itself, after which the intellect strives and in which it reposes, is not God but a certain mode of God by which the intellect in eternal life can share in God. Fourth, sonship requires the withdrawal of all otherness and diversity and the synthesis (resolution) of all things into the One. Fifth, God is at once the One, in which everything that is is (sic) unifiedly, and (sic.) the emptying (transfusio) of the One into all things”. Mas, essa quinta tese, assegura ele, é na realidade um outro modo de afirmar a complicatio e a explicatio divina: “The fifth thesis is actually another formulation of the pairing of God’s ‘enfolding’ (complicatio) with this ‘unfolding’ (explicatio). Accordingly, the enfolding of the One in God coincides with the enfolding of God in the world. In this case, the enfolding in God’s oneness coincides with the unfolding of this modes of expression. The treatment of language as both medium and goal is actually a corollary to this thesis. In De filiatione Cusanus maintains that as One God is ineffable. [...] if God is both the One beyond the many and the unfolding of the One in the many, then he is also beyond language an in language. God is beyond language since his very name cannot be spoken, named, or designated. God is in language as the Word presente in every spoken word, as the signified present in every signifying”.

[42] DUCLOW (1990, p. 125): “The seed [intellect like a divine seed] develops through faith, as divine light leads intellect to perfection. To trace this development, Cusanus revives a metaphor Augustine and Clement of Alexandria: Christ the Logos as teacher. Deification is an education. As a teacher uses words and books to bring students to share his insight, Christ uses the aenigmas of the sensible world to lead us to intellectual union with him. In both cases education aims at an understanding beyond signs. This is especially true of theosis, which involves ‘the removal of all otherness and difference’ and turn to divine unity”.

[43] BEIERWALTES (2005b, p. 272-273): “El momento intelectual de la mística cusaniana no puede aislarse como un momento supuestamente sólo racional. La speculatio o la visión del infinito como la intención del intellectus que le es dada a priori, no puede entenderse en modo alguno por analogía a un conocimiento informativo de una circunstancia, como un obstinarse en una distancia emocional, sino que, más bien, es conducida por una intensa voluntad de intelección de lo, en último término, ininteligible, por una nostalgia de contacto (attingere) y de identificación (uniri) con el fin de este movimiento. Pero ésta es un rasgo fundamental del amor (amor, dilectio) a Dios: es la respuesta que conviene a aquel a quien Él ama; en ella, el hombre realiza una coincidencia de amar y ser amado que reproduce la que en Dios mismo es la indicación de su unidad absoluta referida a sí mismo y a todo lo que es a partir de Él. La nostalgia (desideratio) busca lo infinito, es “arrebatada” hacia él: fertur in infinito”.