Tendo iniciado sua carreira no magistério superior na Universidade de Verona, na qual lecionou por dez anos, Gregorio Piaia é docente e pesquisador na Universidade de Pádua desde abril de 1987. Nela, na qual se formara em 1968, tornou-se Diretor do Instituto de História da Filosofia, do Centro de Pesquisa de Filosofia Medieval, do Centro de História da Universidade de Pádua e do Departamento de Filosofia. Em nível nacional, foi Coordenador do Doutorado em Filosofia, Vice-Presidente da Sociedade Filosófica Italiana, membro do Comitê Executivo da Consultoria Nacional Filosófica e VicePresidente da Sociedade Italiana de História da Filosofia.
Participou como expositor em inúmeros eventos científicos internacionais na Europa e nas Américas do Norte e do Sul. Proferiu conferências e ministrou cursos como professor-visitante na LudwigMaximilians-Universität München, na Universidad de Buenos Aires, e, no Brasil, na PUC-RS, PUC-SP, UCS, UFG, UFPB, UFPel, UFRN, UNESPMarília, UNICAMP e USP.
Sua produção bibliográfica – concentrada até o momento em mais de duas dezenas de livros e mais de três centenas de artigos e capítulos de livros – tem-se desenvolvido nas seguintes três diretrizes científicas: pensamento filosófico-político, teológico-político e ético-religioso entre o tardo-medievo e a primeira idade moderna; teoria e história da historiografia filosófica; cultura filosófica no Vêneto “moderno” [séculos XVIII e XIX].
Um autêntico ambasciatore della filosofia italiana in Brasile, Gregorio Piaia é simultaneamente embaixador da filosofia brasileira na Itália, quer pelo muito expressivo número de estudiosos brasileiros recebidos [acadêmica e pessoalmente] e orientados por ele, quer pela sua constante e diligente atuação como propositor e instigador de importantes convênios acadêmicos entre a Università di Padova e várias instituições universitárias brasileiras. Desde a década de 90 percorrendo o Brasil de norte a sul e leste a oeste com disposição, interesse e companheirismo ímpares, Gregorio não somente nos brinda com a firmeza de seu profundo saber e vasta erudição, mas sempre nos encanta com a suavidade de sua presença e a bonomia de seu gesto.
Nessa singela homenagem da revista Trans/Form/Ação1 a Gregorio Piaia, o eco dos agradecimentos de todos os que temos tido o privilégio de com ele privar.
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A seguir, a glosa de algumas cenas vividas por Greg, em Marília ou a caminho dela...
Meu primeiro contato com Gregorio Piaia – pelo correio eletrônico que eu mal começava a utilizar – deu-se por volta de fevereiro de 97, pouco depois de eu o ter descoberto por meio de duas publicações recentes.
Desejoso de dar continuidade ao doutorado havia pouco concluído, decidira organizar, naquele ano, um encontro que discutisse as relações entre filosofia, história da filosofia e historiografia da filosofia [lembro-me que alguns de meus pares, ao tomarem contato com minha proposta, estranharam as expressões “historiografia da filosofia” e “historiografia filosófica”, não muito comuns entre nós, é verdade – e mesmo hoje –, mas já então corriqueiras no filosofês praticado no hemisfério norte].
1 Tal homenagem não teria sido possível sem a preciosa colaboração dos caros colegas Giuseppe Micheli e Sérgio Strefling, aos quais sou especialmente grato. Da mesma forma, agradeço ao caro colega Kleber Cecon, editor de Trans/Form/Ação, pelo acolhimento da ideia e pelo integral apoio concedido à sua implementação.
Não sendo o caso de escrever em italiano ao professor da Università degli Studi di Padova, fi-lo em francês, única língua estrangeira na qual me sentia um pouco menos desinibido para comunicar-me com não lusófonos. Em sua resposta, pouco depois, Gregorio aceitava o convite para o evento que ocorreria dali a nove meses. Tendo-lhe proposto indicasse mais dois estudiosos italianos, ele de pronto o fez, nomeando os colegas Enrico Rambaldi [da Università degli Studi di Milano] e Stefano Poggi [da Università degli Studi di Firenze]. Com eles e com um certo atraso no voo, Gregorio desembarcaria em Cumbica numa 2a. feira ensolarada e quente de novembro de 1997.
Não nos conhecendo pessoalmente, zanzamos um bom tanto no saguão do aeroporto, adivinhando quem fosse quem... Finalmente identificados, reunidos e bem atrasados, apanhamos o ônibus que nos levaria ao aeroporto de Congonhas, no qual os Fokker 50 da TAM ainda partiam para Marília.
Debutando em matéria de coordenação de eventos científicos, eu começava a preocupar-me diante do pouco tempo que restava para chegarmos – em tempo – a Congonhas, e da grande distância que ainda faltava percorrer até lá! Confiando que os três colegas nada fossem compreender do que eu estava para dizer, ocorreu-me um improviso à brasileira... Lançando mão do aparelho celular – coisa que, como o e-mail que me levara a Gregorio, eu mal começava a usar –, contatei o “0800” da TAM. Exagerando ficcionalmente uma aflição autêntica, disse à moça do outro lado [depois à gerente de operações da empresa em Congonhas] que eu estava na Marginal Pinheiros com três cirurgiões italianos recém-chegados a São Paulo, cuja presença no Hospital de Clínicas de Marília era aguardada para uma delicada e vultosa intervenção. Caso lá não estivessem até o final daquela manhã, não só haveria um desastre hospitalar, mas um grave entrevero diplomático entre Brasil e Itália!
Crédula feito criança, mais aflita que mim, a senhora em Congonhas, rogando-me perdão, explicava as razões pelas quais a partida da aeronave, prevista para dali a menos de 30 minutos, não poderia ser retardada, mesmo em face das justas razões que eu acabava de expor-lhe... Em meio a tentativas conjuntas de solucionar aquele [suposto] já quase inevitável contencioso bilateral, a coisa quase foi pelos ares quando, percebendo a situação, Gregorio desatou a rir...
Colocados no primeiro avião para a cidade mais próxima de nosso destino e mais rapidamente servida por voos da mesma companhia, desembarcamos em São José do Rio Preto, onde um carro da Faculdade levaria-nos, enfim, a Marília.
Após as nove sessões de trabalho previstas ao longo daquela semana, naquela “Jornada de Filosofia e Ciências Humanas”, o encerramento social do encontro levou-nos à “Cachaçaria Água Benta”. Em meio ao cansaço e aos primeiros comes e bebes, deliciamo-nos todos com le barzellette literalmente encenadas por Gregorio e Bento Prado Jr., em italiano e em francês, um e outro com suas respectivas farfalle.
Em agosto de 2006, agora para o II Colóquio de História da Filosofia [que a partir dali seria renomeado de colóquio-Kant], Gregorio Piaia e sua esposa Giuliana Tessari, recém-desembarcados, viajaram de carro de Guarulhos para minha casa; com eles, o colega português Leonel Ribeiro dos Santos.
Domingo. A esperá-los, um salmão assado que tardava em ficar pronto. Por mais que Adriana se esmerasse, peixe e forno resistiam. Como se não bastasse, a pièce de résistance, ao ser retirada da travessa, desfez-se quase por completo...
Dois dias depois, terça de manhã, fomos os cinco ao Spacio Sabor & Saber, no qual nos aguardava a amiga Luísa Zafred. Nessuna filosofia. Naquela ocasião, cabia-me fare il traduttore de uma ricetta veneta trazida por Giuliana, e das consequentes etapas de preparação da mesma, pois ela seria feita ali, nas próximas horas, em gravação para o programa televisivo Sua Casa e Você. Depois das cenas e do mico impagável de que eu fora protagonista..., saboreamos massa e vinho.
Em meio àquela função, contudo, e para equilibrar o registro que coadjuvava, eu às vezes participava do colóquio plurilinguístico entre Gregorio e Leonel. Numa delas, lancei-lhes a ideia [acalentada havia dois anos] de um colóquio trilateral kantiano entre portugueses, italianos e brasileiros. Diante de um Gregorio cuidadoso [“può darsi che sia possibile farlo...”], Leonel mostrouse cético. Decidido, porém, a seguir em frente com a coisa, eu voltaria à carga no mês seguinte, pessoalmente em Lisboa, com Leonel, e, por e-mail, também com Gregorio. Nem um nem outro suficientemente convencidos 14 Trans/Form/Ação, Marília, v. 37, n. 3, p. 7-16, Set./Dez., 2014 da viabilidade de tal encontro, apelei para uma estratégia não exatamente ortodoxa [e decididamente não kantiana]...
Em novembro, pouco antes de ir a Verona e Padova – onde, gentilmente convidado por Riccardo Pozzo e por Gregorio, faria duas exposições –, disse a Leonel que Gregorio havia concordado com a ideia de um colóquio trilateral, e que até se mostrara disposto a organizá-lo em Padova. A Gregorio, naturalmente, contei-lhe que Leonel estava de acordo com o plano, tendo-se inclusive mostrado disposto etc. Diante daquela dupla explícita concordância, o primeiro encontro trilateral seria logo depois delineado em Padova entre Gregorio, Giuseppe Micheli e mim mesmo...
Pouco mais de trinta kantianos estivemos em janeiro de 2008 em Verona e Padova. No ano seguinte, em Lisboa, já seríamos mais de 50. E em Mainz, Tiradentes, Madrid, envoltos pela multilateralidade que desde então abriga também alemães e espanhóis, em número ainda superior. A julgar pelas próximas edições desses eventos – em New York [em 2016], em Halle-Wittenberg [em 2017] e em Kaliningrad [em 2019] –, a combinação de amizade e generosidade tem dado ótimos frutos, a despeito do heterodoxo pontapé inicial.
Ubirajara Rancan de Azevedo Marques