Palavras do editor

Temos o enorme prazer de trazer a todos vocês mais uma edição da revista Trans/Form/Ação. Seguindo sua tradição de publicar textos inéditos e de excelente qualidade apresentamos o volume número trinta e sete, fascículo dois. Esta edição conta com 11 artigos cuja abordagem filosófica tange os temas mais diversos e de diferentes áreas do saber, geralmente visando uma discussão relevante e atual. Como assuntos presentes nesse volume, podemos citar: a possibilidade de uma ética aristotélica em Marx; um novo olhar sobre a teoria do conhecimento em Duhem; Rousseau e o desastre socioambiental; a teoria do direito em Kant e a legitimidade da justiça social; a universidade e o conceito de formação em Horkheimer e tantos outros artigos publicados neste fascículo que nos informam, repensam e analisam, de forma meticulosa, diferentes aspectos de nossa realidade contemporânea. Tudo isso sem nunca perder de vista a abordagem filosófica, que é, e deve ser sempre, o principal ponto comum a todos os trabalhos desta revista. Esperamos que tenham todos uma boa leitura.

Existe um comentário adicional que eu gostaria de fazer. É na verdade um elogio à editora anterior da revista Trans/Form/Ação, a Professora Doutora Clélia Aparecida Martins, que faleceu recentemente. A professora Clélia fez um excelente trabalho na edição da revista, sempre com muita responsabilidade e seriedade. Acredito que falo em nome de todos os meus colegas quando digo que perdemos um dos membros mais queridos do nosso departamento. Sendo assim, tomei a liberdade de pedir ao Professor Doutor Franklin Leopoldo e Silva, orientador da Clélia na USP, para escrever algumas palavras em homenagem a ela, texto esse que está a seguir. Clélia... Sentiremos muitas saudades de você.

Kleber Cecon

Editor

Marília, agosto/2014

Clélia aPareCida Martins

Os que a conheceram sabem de seu empenho pessoal na vida acadêmica. É importante ressaltar este aspecto numa época em que a atividade de docência e pesquisa na universidade é cada vez mais exercida com a indiferença de uma neutralidade profissional. No caso da Clélia, sempre ficou muito patente que se tratava de uma aspiração e de uma finalidade de vida. Daí o admirável esforço com que ela perseguiu seus objetivos, superando grandes dificuldades, com aquele ânimo invejável que sempre mostrou. Assim, ela se doou inteiramente ao seu trabalho, o que constituiu uma notável confluência entre a atividade intelectual e o compromisso afetivo. Chegava a ser às vezes preocupante, para os que lhe eram mais próximos, a intensidade com que assumia a vida acadêmica em todos os seus aspectos: a dedicação aos alunos, a solidariedade com os colegas, a disposição para as iniciativas intelectuais nos eventos em que participou e naqueles que coordenou no Departamento de Filosofia da UNESP. Em tudo isto era visível o despojamento, o senso de responsabilidade acadêmica e institucional, a severidade com ela mesma observada em toda as suas funções.

Creio que tudo isto está intimamente conectado à sua trajetória de vida, ao cuidado que dispensou à própria formação, porque certamente não via a vida acadêmica apenas como realização profissional e ascensão funcional, mas antes de tudo como desejo e amor pelo que fazia. Dificilmente explicaríamos de outra forma o denodo com que venceu os obstáculos, a extraordinária persistência com que manteve no horizonte de sua vida os objetivos que a ela se ligavam tão intimamente. O modo como essas qualidades emanavam de sua personalidade e se concretizavam em seu trabalho nos leva a acreditar numa singular relação entre o mais íntimo de sua pessoa e tudo que veio a fazer: um vínculo intrínseco tão forte que ameaçava por vezes consumi-la, porque é algo que não se realiza sem sacrifício.

Assim, ela logrou construir uma presença segura e uma referência confiável para seus alunos e seus colegas. O que exigiu de si mesma, desde a formação doutoral no Brasil e na Alemanha, bem como ao longo de sua atividade universitária nas áreas de Educação e de Filosofia, sua dedicação exemplar à Revista do Departamento, o modo como soube concatenar seus objetivos pessoais com uma intensa inserção institucional e um grande sentido de responsabilidade acadêmica nos revelam o perfil ético de integridade e seriedade com que sempre pautou a sua a existência.

Por isto sua morte prematura não significa seu desaparecimento, já que ela nos deixa o melhor de si mesma, que saberemos conservar na memória, não apenas como consolação dessa perda, mas como lembrança que permanecerá viva.

Franklin Leopoldo e Silva