O TrabalhO dO NegaTivO: liNguagem e ONTOlOgia em SauSSure e merleau-PONTy

Cristiano Perius[1]

RESUMO: Este ensaio aplica o conceito de grandeza negativa, de Kant e Fichte, à filosofia da linguagem de Merleau-Ponty, reabrindo o diálogo com Saussure a partir da descoberta, em 1996, dos Écrits de Linguistique Generale, em uma Orangerie de Genebra. Valendo-se do último curso de Merleau-Ponty em vida, sobre A Origem da Geometria, de Husserl, trata-se de realçar o trabalho do negativo na linguagem, iluminado a partir de um refinado cruzamento: Merleau-Ponty (filosofia) e Saussure (linguística).

PALAVRAS-CHAVE: Merleau-Ponty. Ontologia. Saussure. Linguística.

Perceber uma linguagem é necessariamente imaginar, no mesmo espaço ou no mesmo instante, um silêncio ou uma outra linguagem. (Gérard Genette).

Dentro do amplo espectro da tradição crítica de Saussure de sua época aos nossos dias, vamos opor, para o balizamento prévio ao horizonte deste ensaio, duas teses dissonantes. De um lado, o livro de Simon Bouquet, Introdução à leitura de Saussure[2], de outro, o estudo de Françoise Gadet, Saussure: uma ciência da língua[3]. Ambos são clássicos que estudante algum ignora, na hora de compor a perspectiva não pontual, mas sistêmica, do linguista. O texto de Simon Bouquet vai na direção de corrigir e esclarecer os problemas de leitura provocados pela controversa edição do Curso de linguística geral, de Saussure, publicada em 1916, por Bally e Sechehaye[4]. Ele segue, em larga medida, os trabalhos de exegese já traçados por dois outros textos de referência obrigatória em Saussure, que são a Edição Crítica do Curso de Linguística Geral de Ferdinand de Saussure[5], de Rudolf Engler, e As Fontes Manuscritas do Curso de Linguística Geral[6], de Robert Godel. O estudo de Simon Bouquet atualiza, além disso, os conceitos-chave de Saussure para a terminologia empregada hoje em linguística. Malgrado esse efeito, por assim dizer, mais imediato, do trabalho de Simon Bouquet, desempenhado pelo exercício de atualização crítica, não é ele que interessa a este ensaio. Este estudo leva em conta duas teses contrapostas, como veremos, acerca da natureza filosófica do trabalho de Saussure.

Abramos o livro de Simon Bouquet: “O pensamento de Saussure constrói um ponto de vista explicitamente distinto de uma epistemologia da linguística, o que é definido por asserções e conceitos metafísicos. O critério metafísico é explícito, como veremos, embora o termo metafísica não apareça nessa reflexão.”[7] O ponto fundamental dessa leitura está em considerar, ao lado da teoria da linguagem  — presente nos conceitos-chave de Saussure, como o arbitrário do signo, o significante e o significado etc. —, o que ele chama de “metafísica”. Isto é, se a epistemologia leva em conta o “saber positivo”, segundo Simon Bouquet, caracterizado pela linguística enquanto ciência (uma ciência galileana, como insiste o primeiro capítulo do livro), então as questões que fundamentam essa teoria não são empíricas, mas metafísicas. Isso quer dizer que as preocupações de Saussure, na leitura de Bouquet, fogem ao domínio da ciência da linguagem para ganhar um novo âmbito, não teorético, nem positivo, que lhe fundamenta: a metafísica. Ora, é exatamente o contrário dessa tese que defende o clássico de Françoise Gadet: “Saussure não é filósofo, ainda que tenha chegado a nomear sua reflexão sobre a lingüística geral de ‘Curso de lingüística filosófica’. Ele não é filósofo, e seu percurso não é filosófico no sentido onde responderia a questões filosóficas sobre a linguagem”[8].

É verdade que esse posicionamento não é, em nenhum dos intérpretes, fechado ou ortodoxo. Bouquet é suficientemente claro ao sustentar que as preocupações de Saussure são de linguística, e a metafísica implicada em suas teses é o fundamento epistemológico dessa disciplina. Também Gadet concorda que “[...] as principais questões filosóficas acerca da linguagem estão presentes na reflexão de Saussure, quer ele as compreenda, as oriente, ou as afaste.”[9] Desse modo, nós temos, apesar de equilibrada entre esta e outras nuances, duas capturas diferentes da “filosofia da linguagem”, para utilizar a expressão exata, do linguista. Uma leitura crê a filosofia ausente e exterior ao seu pensamento, outra a considera ligada necessariamente ao seu percurso. A questão que importa, neste momento, é a seguinte: a filosofia da linguagem de Ferdinand de Saussure é uma referência explícita ou, ao contrário, uma alusão vaga e indeterminada de suas aulas e escritos? É-nos necessário, para compreendê-la, algum referencial filosófico complementar, desenvolvido por algum filósofo, ou ela pode ser dita imanente? Dentro desse quadro de oposição, justificado pelo posicionamento crítico de Simon Bouquet e Françoise Gadet, como ficamos? Com o Saussure “filosófico” de Bouquet ou o linguista “estrito senso”?

O próprio título de Françoise Gadet, Saussure, uma ciência da língua, vai na direção contrária a uma “filosofia da linguagem” saussuriana. A questão que se coloca, inicialmente, é o que devemos entender por “filosofia da linguagem”.

Françoise Gadet apresenta três níveis de questões sobre a linguagem:

[Em primeiro lugar] as relações entre pensamento e linguagem (o pensamento supõe a linguagem ou seria antes o inverso? Há pensamento exterior à linguagem?); [Em segundo] entre linguagem e realidade (qual laço une a língua ao real? Será a linguagem capaz de dizer o real? Em que medida podemos dizer que os signos são arbitrários? [isto é, não dizem o real...] ; [Finalmente] a questão do sentido (o que acontece para que a língua produza o sentido? Que liame une o plano sonoro ao plano do sentido?[10]

Françoise Gadet é categórica, no final da Introdução do texto, ao afirmar que, “[...] se a primeira dessas questões não é tocada senão superficialmente, e se a segunda é posta completamente de lado, a terceira é fundamental para Saussure”. A teoria de Saussure não se ocupa com a “gramática do real” ou com a “lógica do pensamento”, apenas com o modo de produção e funcionamento do sentido. A razão disso é que, se a teoria de Saussure descarta as primeiras duas linhas interrogativas, sua concepção de signo se sobrepõe às implicações do pensamento e do real (o que quer que seja isso). Assim, se Saussure não é filósofo, como Simon Bouquet gostaria que fosse, é porque as definições concretas da filosofia (o real, o mundo, o pensamento) não se aplicam à linguística, de forma que não temos aqui uma “filosofia da linguagem” propriamente dita, mas uma teoria do signo apta a problemas filosóficos de primeira grandeza, tais como os de Merleau-Ponty e Wittgenstein, por exemplo[11]. Françoise Gadet tem razão, quando levanta a questão acerca do alcance metafísico da linguagem, mas se esquece de que ele não é necessário para a teoria da linguagem de Saussure (por razões que explicaremos). Simon Bouquet, por outro lado, não percebe que, quando Saussure escreve, nos novos manuscritos descobertos em Genebra[12], “linguística filosófica”, está longe de dizer a metafísica. Nossa via de pesquisa desenraiza ambas as leituras críticas, embora compreenda que nenhuma delas esteja inteiramente fora da verdade, pois quando Simon Bouquet insiste sobre o papel de fundação da epistemologia da linguística, não quer dizer a ontologia[13]; nem Françoise Gadet ignora que as implicações conceituais de Saussure alcançam outros domínios do conhecimento, muito além da ciência da linguagem[14].

Entre essas duas leituras, vamos abrir caminho. Nem Saussure “híbrido” (filósofo-linguista), portador de uma nova metafísica, nem Saussure “puro”, pela via da linguística. Nossa leitura é filosófica, claramente não-linguística, através de problemas filosóficos implicados pela ciência do linguista. Dessa forma, Saussure não tem uma ontologia, nem mesmo uma ontologia implícita. E é exatamente essa ontologia que visa, neste ensaio, à indicação de ser descrita.

1   ONTOlOgia e ciêNcia da liNguagem

Nos Écrits de linguistique générale (Écrits), Saussure retoma em vários momentos a via negativa para explicar a teoria linguística. Vejamos dois exemplos:

O que não existe na língua são:

as significações, as ideias, as categorias gramaticais fora dos signos; elas existem talvez exteriores ao domínio lingüístico; mas essa questão é mais do que duvidosa, a ser examinada em todo caso por outros que os nãolingüistas. (Écrits, 73).

Infelizmente há, para a lingüística, três maneiras [falsas] de representar a palavra:

A primeira é fazer da palavra um ser existente completamente fora de nós, o que poderia ser representado pela palavra no dicionário.

A segunda é supor que a própria palavra é indubitavelmente fora de nós, mas que o sentido é nosso, que exista uma coisa material e física, que é a palavra, e uma coisa imaterial e espiritual, que é o sentido.

A terceira é pensar que as palavras, assim como o sentido, não existam senão fora da consciência que dele temos, ou queremos empregar a cada momento. Estamos muito longe de querer fazer aqui uma metafísica. (Écrits, 83).

Temos aí duas passagens em que Saussure evoca o plano metafísico (ao supor, por exemplo, o mundo fora da consciência ou da linguagem) sem tomar partido filosófico de um autor, escola ou tendência metafísica. Mais ainda, Saussure menciona claramente o fato de esse partido não pertencer às pretensões da boa linguística, sugerindo o cuidado de livrar-se do “perigo” metafísico. Mas o que aproxima a metafísica da teoria do signo? O que demanda à filosofia os conceitos de literalização e generalidade do específico (segundo Simon Bouquet, dois axiomas metafísicos de Saussure)? Epistemologia da língua e fenomenologia da linguagem são independentes ou complementares? Ora, é exatamente esse tipo de resposta que não encontraremos, nos textos que estamos demarcando, pois Simon Bouquet acredita que Saussure responde de maneira satisfatória à filosofia implicada pelo signo, enquanto Françoise Gadet crê que grande parte dessas questões são exteriores e nem sempre justapostas ao seu corpo expositivo.

Nem oito, nem oitenta. Ambas as teses são excessivas, no que diz respeito à “filosofia da linguagem” de Saussure. Certamente, ele esboça preocupações filosóficas de primeiro nível — como revelou os manuscritos descobertos em 1996, sobretudo no item “Da essência dupla da linguagem” —, mas são preocupações desacompanhadas de um corpus filosófico significativo. Ora, a “filosofia da linguagem”, cujo tema perseguimos, provocada por Saussure, pode ser encontrada em Merleau-Ponty. Através da leitura merleau-pontyana de Saussure, sob as reservas que faremos — Merleau-Ponty não conhecia as Notes, nem as Sources, ainda menos os Écrits  —, esperamos colaborar com a reflexão de um refinado cruzamento entre filosofia e linguística[15].

2  OS SigNOS

Dentro da terminologia característica de Saussure, fortemente reformulada pela linguística contemporânea, está a distinção entre fonologia e fonética. Essa distinção é importante, na medida em que encabeça uma das mais típicas proposições de Saussure: a da imagem acústica como um fato fonológico. Os fatos fonológicos pertencem à consciência e são inteiramente psicológicos. Saussure compactua aqui aquela crítica rousseauniana da troca (irresponsável, segundo os dois autores) da escrita pela fala, já que a palavra escrita não representa nenhum fato de consciência[16]. Essa é, de resto, uma das dificuldades do gramático que trabalha “às avessas”: vai da escrita para a fala, quando o contrário é o verdadeiro. Como destaca Saussure: “[...] sem escrita, nada teríamos das línguas do passado, mas, para dominar a língua através desses documentos escritos, é preciso uma interpretação. Diante de cada caso, é preciso estabelecer o sistema fonológico do idioma, [...] única coisa que interessa ao lingüista” (Notes,180). Saussure inverte o abstrato pelo concreto, pois a escrita é abstrata, perto da “única coisa que interessa ao linguista”, isto é, os fatos de consciência de uma língua. Ao passar dos sons das palavras para a consciência do sujeito falante, a língua não pode mais ser tomada como um objeto exterior àquele que a fala e compreende[17]. “Quando ouvimos uma língua que não compreendemos, salienta Saussure, escutamos bem os sons, mas por nossa incompreensão, permanecemos fora do fato social.” (Cours, 30) Mais ainda: “[...] os órgãos vocais são tão exteriores à língua quanto os aparelhos elétricos que transmitem as letras do alfabeto Morse.” (Cours, 36). Dessa forma, entre os dois sistemas, o fonológico e o fonético, os sons são necessários, não suficientes, para o evento da linguagem, fato que antecipa, em outra chave de leitura, a distinção clássica entre sincronia e diacronia, pois as transformações históricas das palavras de uma língua não são fonológicas, mas fonéticas. A separação entre sincronia (estado de língua entre dois termos contemporâneos) e diacronia (acontecimento fonético entre dois termos sucessivos) não é real, mas acadêmica, já que nenhuma língua vive fora do tempo, todavia, ajuda a compreender por que razão o suporte sonoro é secundário face ao fato da consciência de uma língua pelos que a habitam. Uma língua não é um objeto material ou físico, mas o fato (espiritual, diria Saussure) de que a compreendemos.

O apelo ao “psicológico” significa que a língua está presente na consciência como um todo incoativo, ainda que seja necessário, para fazêlo, outras consciências. “É preciso uma massa falante para que exista uma língua.” (Cours, 85). De fato, o sujeito não é livre ao praticar os atos da fala, ao contrário, ela é que se impõe, porque ninguém pode fugir da compreensão de sua língua. Isso significa que não a temos, ela nos tem. Mas essa é só uma maneira diferente de dizer que Saussure entende a língua como um fato psíquico e ao mesmo tempo independente do indivíduo. Para ele, a linguística é uma parte da semiologia, que, por sua vez, é uma parte da psicologia social[18].

Foi sobre o lastro desse fato (fonológico) que a gramática comparada abriu caminho, abstraindo a realidade das diferenças lexicais e fonéticas das línguas e perseguindo uma unidade morfológica e sintática transparente. Como afirma Claude Zilberberg: “A constituição da lingüística como disciplina é resultante mais de um processo do que de um nascimento de súbito: a descoberta do sânscrito permitiu estabelecer as semelhança entre o grego, o latim e o sânscrito e postular notavelmente uma língua original comum, o indo-europeu, ponto de partida para uma ‘gramática comparada’.”19 Esta vergleichende Grammatik, renovada pelas teses de Saussure, terá dois grandes benefícios: a noção de sistema ou estrutura, em primeiro lugar, carro-chefe dos movimentos estruturalistas, e, em seguida, a passagem da questões de tipo filogenéticas para as de tipo ontogenéticas, no que diz respeito à origem das línguas. O mito da palavra originária, pronunciada por Deus, dará lugar ao arbitrário do signo como a falta de uma referência adâmica, capaz de garantir valores positivos para a língua. “Babel reflete por definição o estado natural da linguagem: uma língua única não poderia estar no fundo dessa origem.” (Notes,126). A compreensão da língua como um sistema completo e arbitrário, historicamente em curso, é a prova que faltava para mostrar que não há sentido originário adamantino e incapaz de não ser deformado pelos que o praticam.

Solidária à tese do significante como fato fonológico está a tese do significado como operador “conceitual” do signo. Vejamos a ideia principal do signo, que marcou definitivamente o Curso de Linguística Geral: “O signo lingüístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica.” (Cours, 85). Por que o signo é definido desse modo? Qual é o ganho de Saussure com a passagem da bipolaridade coisa/nome para a bipolaridade som/sentido? O ganho de Saussure, segundo Jacques Derrida, numa leitura “fenomenológica”, como ele mesmo afirma, está em que, de um lado, o som é reduzido da impressão (fonética) para a compreensão (fonológica) do que é ouvido, de outro, as “coisas” também são reduzidas a conceitos ou ideias:

Trata-se de “reduzir”, em sentido fenomenológico, as ciências da acústica e da fisiologia no momento de instituir a ciência da linguagem. A imagem acústica é a estrutura do aparecer do som, que chamamos significante, reservando o nome de significado não à coisa, por certo, (ela é reduzida pelo senão uma parte dessa ciência geral.” (Cours, 45).19 ZILBERBERG, Claude. Retour à Saussure. Actes semiotiques VII, 63, p. 8. Groupe de Recherches sémio-linguistiques. Ecole des Hautes Etues en Sciences Sociales. Besançon: Instituto Nacional de la Langue Française, 1985.ato e a idealidade própria da linguagem), mas ao conceito, [...] digamos, a idealidade do sentido.[19]

A redução é a passagem, no que diz respeito à imagem acústica ou ao significante, do “som entendido ao ser entendido do som”, e, no que concerne ao conceito ou ao significado, das “coisas mesmas” ao modo como são concebidas pelo espírito. “O ser entendido é estruturalmente fenomenal e pertence a uma ordem radicalmente diferente daquela do som real no mundo” (DERRIDA, 1967, p. 94). Por isso, o plano fonético se reencontrará no plano fonológico essencialmente reduzido, assim como, quanto ao “mundo das coisas”, encontraremos as “coisas do mundo”. Essa diferença é ontológica, na verdade estruturante, e da mesma forma como o mundo tem a marca do vivido (Husserl), Saussure nos convida à passagem do som à imagem psíquica e da “coisa” à representação do espírito. Dupla epoché, portanto, trazendo ao conceito de signo duas faces (ontologicamente) irredutíveis.

Como arcabouço dessa leitura de “redução transcendental”, praticada nos signos, que Derrida chamou de “psicologia pré-fenomenológica” de Saussure, a pergunta de Merleau-Ponty poderia ser a seguinte: qual é a dificuldade de encontrar termos positivos para a estrutura imanente, formadora do signo, apta a reunir a empresa acústica e o pensamento, a voz e o sentido, o som e o conceito?

Antes de responder a essa pergunta, lembremos do gráfico de Saussure, o qual trazia dois conjuntos de linhas onduladas em paralelo, “A” e “B”. Tratase, lá no Curso de Linguística Geral, do “plano indefinido das ideias confusas (A) e daquele não menos indeterminado dos sons (B)” (Cours, 156). Esses dois planos ou colchas paralelas são metaforizados por duas imagens mestras:

a) o ar e a água, b) a folha de papel. Com efeito, o ar não se mistura com a água, mas se o vento ou a pressão atmosférica o comprimem, a superfície da água se modifica. A onda que então resulta não representa a essência ou a substância da água, mas a forma, e essa mudança de conceitos, de “substância” para “forma”, será determinante para a nova concepção da língua[20]. Saussure acrescenta que

[...] também ainda comparável é a língua a uma folha de papel: o pensamento é o reto e o som o verso; não podemos cortar um lado sem cortar ao mesmo tempo o outro. Assim também a língua. Não podemos isolar o som do pensamento, nem o pensamento do som. Só o fazemos pela abstração cujo resultado seria o mesmo que fazer psicologia pura ou fonologia pura. (Cours, 157).

 Como podemos ver nessas imagens, a relação entre pensamento e som é essencialmente orgânica, as duas superfícies se recobrem plenamente, mas o fato de não haver parte extra não suprime o “enigma” da referência: “Não há nem materialização dos pensamentos, nem espiritualização dos sons, mas o fato, em alguma medida misterioso, de que o ‘pensamento-som’ implica divisões e que a língua elabora suas unidades constituindo-se entre duas massas amorfas”. (Cours, 156). O perigo está em pensar que haveria, de um lado, um som, uma palavra, um sinal, e, de outro, um ente, uma coisa, causadora de uma ideia, de um conceito, de um significado, colado ao primeiro. O sistema vem primeiro, é um erro acreditar na correspondência simples de um ao outro:

É uma grande ilusão considerar um termo simplesmente como a união de um certo som com um conceito. Defini-lo assim seria isolá-lo do sistema de que faz parte, seria crer que podemos começar pelos termos e construir o sistema pela soma, quando ao contrário é do todo solidário de que é preciso partir para obter os termos que evocamos. (Cours, 157).

A origem do problema está no triunvirato, desde logo descartado por Saussure, que liga as palavras e os conceitos com as coisas. Esse equívoco, que Saussure chamou de concepção “nomenclaturista” da linguagem, está em supor duas tábuas de valores correspondentes, uma para as coisas, outra para os nomes. A concepção do signo de Saussure vai explodir essa maneira de pensar a linguagem, condenando a filosofia do senso-comum que representa a língua como a relação de correspondência direta entre: A) uma coisa, B) uma palavra e C) um conceito. O argumento contra a “coisa mesma”, no sentido da filosofia do senso-comum, é o seguinte:

O francês distingue fleuve e rivière como o rio que deságua no mar e o rio que deságua em outro rio. Ora, no inglês — river e stream — a diferença está apenas no tamanho. Que as diferentes línguas não façam o mesmo recorte da realidade, ou que se trate de um recorte sobre a realidade que ela mesma não impõe em sua essência, é o que aparece nos exemplos, pois a água que corre não está nem em fleuve/rivière, nem em river/stream...[21]

É o recurso vocativo da língua que recorta, no todo aparente, as propriedades das coisas. Só então a “coisa mesma”, o “real”, a “essência”, entram nessa estranha faculdade de dar nomes aos entes, segundo os mais variados interesses. O signo liga os nomes às ideias, jamais os sons às coisas:

Enfim, não vale a pena dizer que a diferença dos termos que faz o sistema de uma língua não corresponde em nada, mesmo na língua mais perfeita, às relações verdadeiras das coisas; e por conseqüência não há nenhuma razão para esperar que os termos se apliquem completa ou incompletamente a objetos definidos, materiais ou outros. (Écrits, 76).

 Digamos então que há uma falha no coração do diamante: forma e significação não são duas tábuas, listas, cartas de correspondência lado a lado, de que o orador se serve. Como ressalta Merleau-Ponty, em “A linguagem indireta e as vozes do silêncio”, na hora de exprimir, o escritor não sabe, e se é certo que ele hesita, significa que procura, nem sempre encontra, a forma exata do exprimido. É mais ou menos isso que Saussure invoca como “massa amorfa”: ela não tem forma, nada a obriga a um caminho, e nessa vaga bruma o escritor reside.

Todo problema consiste nisso:

O dualismo profundo que pertence à linguagem não está no fato do som e da ideia, do fenômeno vocal e do fenômeno mental; esta é a maneira fácil e perniciosa de conceber a linguagem. O dualismo reside na dualidade do fenômeno vocal COMO TAL, e do fenômeno COMO SIGNO — do fato físico (objetivo) e o fato físico-mental (subjetivo), jamais do fato “físico” do som, por oposição ao fato “mental” da significação. (Écrits, 20).

Saussure troca o mecanismo usual da “forma-significação” pela “formasentido e figura-vocal”, mas entendendo o signo como um duplo, ou seja, afasta a adequação direta entre “som e ideia”, “fenômeno vocal e fenômeno mental”, para pôr em seu lugar a dualidade de um fenômeno diferencial e negativo. Agora, o fato físico da fala – objetivo – e o fato psíquico do pensamento – subjetivo – são o interior e o exterior de uma massa desde sempre dupla, de natureza duplicada, editada pelo princípio de diferenciação dos signos.

Em outras palavras, rompendo as barreiras que seguravam os limites entre o som e o sentido — ou que acreditavam na passagem pontual de um ao outro —, Saussure entende que o signo não é objeto, mas efeito do sentido como um duplo. Ele não pode mais ser objeto de uma lógica proposicional, pois que também é “psíquico” (no sentido de intencional, regido por leis próprias), da mesma maneira como não pode ser objeto de uma idealidade pura, pois que pertence à gramática de uma língua. Dizer, agora, que “o pensamento é uma palavra”, significa que ele [o pensamento] pertence à lógica da língua, mas sem que seja objeto dessa língua, pela razão de ser o efeito ou o resultado dela. De fato, é preciso signos para falar dos signos. E essa metalinguagem, no melhor sentido da retórica, é irredutível. A linguagem é uma canoa reparada por dentro: impossível sair da linguagem para ver a linguagem.

Desses dois irredutíveis, o da linguagem e o do signo, quais as consequências filosóficas? Merleau-Ponty alude a “massa interiormente trabalhada”. Uma língua não é a soma dos significados justapostos pelo dicionário, não é um conjunto de significações prontas, não é um glossário, não é uma lista. Não é um manipulandum, como afirma Merleau-Ponty, disponível enquanto representação material do espírito. Não é representada pelo espírito, pelo contrário, o espírito é uma representação da língua. Dessa forma, por “massa interiormente trabalhada” devemos entender o fracasso (das representações) da consciência e o jogo absoluto da linguagem, que faz tudo depender de suas regras arbitrárias, dirá Saussure (mais ou menos como Wittgenstein diria “formas de vida”, isto é, regra e arbítrio, ao mesmo tempo...). Sem exterior, ou seja, sem a possibilidade de edição substancial ou perfeição divina, a linguagem é uma estrutura — no sentido de Gestalt, segundo A estrutura do Comportamento —, que atualiza e de/forma o real, o que quer que seja isso. A linguagem “forma” o mundo sem “essências” (Saussure), razão pela qual não é mais possível destacar a figura e o fundo, o real e a aparência (Merleau-Ponty). Onde Merleau-Ponty diz “espessura”, “profundidade”, Saussure dirá “diferença de formas”, “massa amorfa”, pois o sistema vem primeiro, não as palavras. Nas palavras de Saussure:

Não é preciso começar pela palavra, o termo, para daí ir ao sistema. Isso seria imaginar que os termos têm de antemão um valor absoluto, que basta relacioná-los uns aos outros para fazer surgir o sistema. Ao contrário, é o sistema do todo solidário que é preciso tomar como ponto de partida. (Notes, 264).

Saussure representa deste modo o sistema da significação:

Figura 1 - valor interno:

Figura 2-valor sistêmico:

A significação instaurada pelo signo como um conceito ligado a uma imagem acústica (Figura 1) é na verdade a contrapartida dos termos sucessivos de uma frase (Figura 2). A significação do valor interno ao signo é secundária em face ao valor sistêmico. Como explica Simon Bouquet, “[...]a significação não tem um sentido intuitivo ao valor interno do signo, ou, mais ainda, a significação engloba o valor interno e o sistêmico[22]. Cada palavra, que já tinha a qualidade de não ser nada em si mesma, mas o que as outras não são, agora, depende do valor das outras palavras, e a significação fica com elas, em conjunto, no concurso do sistema. (No “segredo das palavras alinhadas”[23], como se assinala, poeticamente.) Mais ainda, uma palavra, sozinha, é vazia, sem o sistema que a alimenta virtualmente. “Isso implica — segundo Simon Bouquet — “[...] que as unidades lingüísticas sejam nulas em si e que cada uma seja valorizada em nome do conjunto do sistema de uma língua dada. A ‘nulidade interna’, assim concebida, pode ser ainda denominada vacuidade, como afirma Saussure quando diz que ‘a lingüística tem o princípio da vacuidade do sentido em si’.”[24] Essa é a razão pela qual se abandona a ideia de significação e se passa à ideia de valor.

Ao invés de ideias dadas a priori, são os valores que emanam do sistema. Quando se diz que correspondem aos conceitos, subentende-se que são puramente diferenciais, definidos não positivamente por seu conteúdo, mas negativamente pelas suas relações com outros termos do sistema. A mais exata característica é ser o que os outros não são. (Cours, 162).

O valor da palavra só pode ser definido negativamente:

A verdadeira maneira de se representar os elementos fônicos de uma língua é não considerar os sons com valores absolutos, mas valores puramente opositivos, relativos e negativos... A língua não demanda senão a diferença... Nessa constatação precisaríamos ir muito mais longe e pensar todo valor da língua como opositivo, não positivo, não absoluto. (Notes, 65).

“Não há, pra sermos mais exatos, signos, mas diferenças entre os signos. É próprio da língua não admitir diferença alguma entre o que distingue uma coisa e o que a constitui” (Sources, 285). “Toda palavra da língua tem a ver com as outras palavras — ou melhor, ela não existe a não ser em relação às outras palavras, e em virtude do que está à volta dela”(Sources, 256). Como se vê nessas passagens, entre outras ao longo das aulas e escritos de Saussure, as palavras não têm significados positivos, mas opositivos, diferenciais e relativos. E, se o viés é negativo, as palavras se determinam diferencialmente em relação às outras de duas maneiras: por sintagma ou associação livre. Simon Bouquet chama essas duas formas de agrupamento in præsentia e in absentia. Trata-se da união e vizinhança entre signos que não significam nada em si mesmos, mas em função de. Uma palavra, que já não dizia respeito a uma coisa, não diz respeito a si mesma. Só a diferença, pois a escolha de uma palavra está na oposição às outras, carregando a significação das outras junto dela e junto com aquela que, através das outras, só ela tem.

3  OS valOreS

É conhecida a seguinte afirmação de Émile Benveniste: “As palavras podem contrair valores que não possuem nelas mesmas e que são mesmo contraditórios com os que possuem normalmente.”[25] Esse enunciado repete, sem nenhum acréscimo, o princípio do valor: as palavras não significam, elas valem, entendendo por valor o poder heurístico do verbo, em primeiro lugar, que incorpora significados de maneira associativa ou sintagmática, e, em seguida, a “práxis” efetiva da linguagem — mais ou menos como Wittgenstein entendia o significado de “uso”. Como Saussure, mas por vias diferentes, Wittgenstein desconecta a significação da “substância” e passa à “forma”, isto é, descrê no mundo das essências para privilegiar os jogos de linguagem[26]. Pelo caráter não fundacionista, a filosofia da linguagem de Wittgenstein encontra-se aproximada de Saussure, como aponta Tullio de Mauro, na seguinte passagem:

O último Wittgenstein sustentou que não é o objeto que está na base do sentido das palavras, mas ao contrário é o uso da palavra que reúne experiências disparatadas do ponto de vista perceptivo, constituindo assim, dentro das condições e por razões determinadas, o que chamamos de “objeto”.[27]

Dito de outro modo, o objeto, a coisa, não é senão o ponto de vista — relativo e utilitário  — que a linguagem lança à superfície. Trata-se de uma ilusão da linguagem que nos leva a superconceitos: crer que há algo sob a superfície (tal como a essência, a “húpokeimenon” etc.). Ora, essa ideia não está longe de Saussure, quando este sublinha, a propósito das ilusões provocadas pela linguagem: “Todos os nossos erros provêm dessa suposição involuntária de que haveria uma substância no fenômeno lingüístico” (Cours, 169). Mesmo quando se refere aos objetos constituídos “em si mesmos”, Saussure imediatamente os esvazia na hora de aproximá-los ao imenso campo do arbitrário: “O fundo da linguagem não é constituído pelos nomes, é um acidente quando o signo se encontra em correspondência com um objeto definido pelos sentidos como um cavalo, o fogo, o sol” (Écrits, 240). Os nomes — substantivos como o sol, o cavalo, a pedra — que lembram as crianças de Piaget, as quais acreditavam que a palavra lua estava escrita no objeto lua, não fundamentam uma linguagem das coisas. Mas é exatamente essa tese, involuntária, segundo Saussure, que se combate pelo tema da nomenclatura, isto é, a ideia de que a cada coisa do mundo corresponderia um nome na linguagem. Se a linguagem é “forma”, jamais “substância”, não há mais como fundamentar a palavra adâmica, tampouco uma língua mais original ou verdadeira do que outra (como mostrava aquele exemplo fleuve/rivière e river/ stream: nenhuma dessas diferenças presta contas à água que está no rio, apenas à dimensão, à forma, ao tipo de percurso etc.).

Com efeito, ocorre de haver signos onomatopeicos. O que pensar do “V” de “vento”, do “R de “rato”, do “S de “assobio”, do “B” de “boca”, do “D” de “dente”, do “G” de “garganta”, do “L” de “língua”? Segundo o prisma do arbitrário, não se está negligenciando essa sonora imitação das coisas? A própria onomatopeia pura e simples, o tiquetaque do relógio, o zumzum dos corredores, ronrom do gato etc., certamente irá envolver-se em cadeias de imitação complexa, como a “RAIVA” da palavra raiva, a “PA-CI-ÊN-CI-A” da palavra paciência. (Ou, como se diz poeticamente: “[...] onde a palavra fumaça deve subir como a fumaça, a palavra chuva deve cair como a chuva...”[28]) E não é somente o som que imita as coisas. A faculdade mimética pode ser também da ideia: a palavra “Deus” (gr. Theós) deriva da palavra “luz”, a palavra “Goth”, deriva da palavra “good”. Gerard Genette, em Mimologiques, faz um histórico do nascimento mimético dos fonemas da linguagem:

[Inicialmente] interjeições primeiras. A dor suscita as cordas baixas (Heu); a surpresa se exprime um tom mais alto (Ha); o desgosto pela articulação labial (Pouah); a dúvida ou a divergência pela nasal (Hum), de que já reconhecemos o valor de negação. A segunda ordem é aquela das palavras “necessárias” cuja forma é imposta pela configuração do órgão vocal em um certo estágio de seu desenvolvimento: assim o vocabulário infantil se articula todo em vogal e labial (Mamãe, papai). A terceira ordem é aquela das palavras “quase necessárias”, que são os nomes dos órgãos da voz, sempre tirados da inflexão do próprio órgão – ou, se preferir, composto de consoantes articuladas sobre esses órgãos: garganta (gutural), dente (dental), língua (lingual), boca, lábio... Só a quarta é composta de onomatopeias propriamente ditas, isto é, de palavras formadas à imitação de um barulho produzido pela coisa que designa (uivo, miado, galope, choque...).[29]

Em “A Onomatopeia e a função representativa da linguagem”, Karl Bühler nos dá o seguinte exemplo de mímese entre o som e as coisas: “[...] a flauta sopra (souffle), o violino roça (frôle), o piano bate (frappe), o tambor estronda (gronde). Mas a voz humana também vai do fraco ao forte: souffle, frôle, frappe, gronde!”[30]. Essa cadência de sons, que parecem retirados das coisas, reencontrados na estrutura fonética da linguagem, vai na direção do que Gérard Genette chama de “ideomimografia generalizada”, segundo as relações simbólicas, ideográficas, onomatopeicas etc., entre as coisas e os órgãos do corpo que as evocam. E como não lembrar, aqui, do autor de “Le parti pris de choses” (O partido das coisas), senão como o mais alto, ao menos, mais complexo, pensador da formação onomatopeica da linguagem? Vejamos rapidamente estes versos de “A Fábrica do Pré”: “Prefixe des préfices / déjà présent dans préfixe / préfixe déjà dans présent. / Pas moyen de sortir de nos onomatopées originelles. / Il faut donc y rentrer.[31]” Se não há como sair das onomatopeias originais, para as quais deveríamos voltar, quais são as razões ou argumentos de Saussure contra a mímese dos signos? Em outras palavras, visto que toda língua comporta, bem ou mal, qualidades simbólicas, ideográficas e miméticas das coisas, como a tese do arbitrário do signo é sustentada?

Diante de nós, dois adversários — como no Crátilo, de Platão: Hermógenes, com a tese convencionalista, segundo a qual os nomes resultam de um acordo ou de uma convenção entre as pessoas, e Crátilo, com a tese naturalista, segundo a qual cada objeto recebe uma denominação justa por meio da conveniência natural. Duas teorias: a da convenção (“thésis”: pôr, instituir), e a natural (“phúsis”: natureza espontânea), que respondem à justeza ou não das palavras junto às coisas. O que diz Saussure?

Saussure é claramente antinaturalista: a linguagem é uma instituição social, o que não quer dizer que ignore mimetismo. Ao contrário, em vários momentos considera textualmente o recurso à onomatopeia. O sistema de uma língua é arbitrário, mas não os signos. Em sua grande parte, os signos são “radicalmente arbitrários”, havendo uma pequena parte “relativamente motivada”, como é o caso das onomatopeias. Signos radicalmente arbitrários e relativamente motivados dividem, assim, a formação etimológica das palavras de uma língua. Nas palavras de Saussure: “[...] podemos dizer que as línguas em que o imotivado atinge o máximo, que são mais lexicológicas, ao passo em que aquelas que o abaixam ao mínimo, são mais gramaticais.”(Cours, 183); “O signo, qualquer que seja o valor onomatopeico ou icônico que possa ter, é caracterizado pelo fato de ser gramatical, solidário ao sistema, e que é disso, não do som ou símbolo, que emerge o valor” (Notes, 446). Assim, a conclusão é apenas uma: que se queria a língua motivada como quiser, o sentido não é (apenas) lexical, quando o valor do signo vem do todo e não da parte. Mais uma vez, passamos do “estado de dicionário”, que é lexical, ao sistema de diferenciações não apenas lexicológicas mas também morfológicas e sintáticas, da gramática de uma língua. Como afirma Simon Bouquet, “[...] tudo o que é sincrônico numa língua pode ser chamado de gramática”. A gramática é o sistema de formas arbitrárias que estruturam uma língua. Ora, a gramática, como diria Wittgenstein, está na lógica do “uso” ou no valor de “emprego” das palavras, pouco importando o que seja exterior a ela (ou como se diz, no jargão fenomenológico: “as coisas mesmas”). Isso quer dizer que não há mais as coisas na miragem da linguagem?

 Simon Bouquet chama atenção, corretamente, para a “generalidade do específico”. Esse conceito é retirado imediatamente da sincronia da língua, implicando ao mesmo tempo o fato de que as línguas são idênticas (pois realizam a mesma coisa: uma “gramática” ou um sistema de formas linguísticas) e a incomensurabilidade de uma em relação à outra. Há uma passagem do segundo capítulo de A Prosa do Mundo, “Ciência e experiência da expressão”, que ilustra esse fato (Merleau-Ponty aí cita Saussure):

Parece-nos que em francês a frase “o homem que eu amo” exprime melhor do que o inglês “the man I love”. Mas, nota com profundidade Saussure, isso é porque falamos francês. [...] “The man I love” não é menos eloqüente para um inglês. [...] É preciso pois se desfazer do hábito de “subentender” o pronome relativo do inglês: isso é falar francês em inglês, não é falar inglês. Nada está subentendido na frase inglesa, na hora em que eu a compreendo.[32]

O que é preciso levar em conta, nesse exemplo, é que eu só aprendo a falar inglês depois de ter falado francês e vice-versa. Isso significa que a segunda língua é vista a partir da primeira, que já formou o meu “espírito”, já me deu suas categorias lógicas e perfez meu pensamento. Saussure substitui a tese da primazia do conteúdo das ideias pela forma das ideias. As línguas são intraduzíveis ponto a ponto: seria preciso reconstruir, a partir do sistema de diferenciação que é a outra língua, o modo de dizer a mesma coisa. A tradução literal, aqui, só interessa a quem conhece as duas línguas. Se a “forma” vem primeiro, e depois o “conteúdo”, não são as ideias que contêm as palavras, são as palavras que contêm as ideias. Não é o sentido que contém o som, é o som que contém o sentido. Mais que isso, são simultâneos. Impossível pensar a experiência de uma forma aquém ou além do conteúdo, ou em um conteúdo que exceda à forma[33]. O conceito de generalidade do específico proíbe claramente a ideia de que seja possível ver além da(s) língua(s) que eu falo e pratico. Dessa maneira, o problema metafísico — o ser das coisas que falamos  — é descartado por Saussure. Ele não é um problema de linguística:

Em outros domínios podemos falar de diferentes pontos de vista, senão como coisas existentes nelas mesmas, ao menos como coisas que resumem coisas ou entidades positivas quaisquer a serem formuladas de outro modo (a menos que se leve os fatos aos limites da metafísica, ou da questão do conhecimento, isto de que entendemos fazer completa abstração); ora, parece que a ciência da linguagem está à parte: nisto que os objetos que tem diante dela não tenham jamais realidade em si, não há nenhum substrato para sua existência fora de sua diferença ou NA diferença […] e não na propriedade de seus termos. (Écrits, 65).

Este excerto vem dos novos textos, descobertos em 1996, a que Merleau-Ponty não teve acesso. Mesmo às edições críticas do Curso, como a de Robert Godel, de que se sabe, Merleau-Ponty não teve acesso. Entregue à sorte dos editores do Curso, que lhe deram o formato, por assim dizer, “popular”, livre das tensões internas de Saussure[34], Merleau-Ponty não pôde ver que, por exemplo, não é verdade a diferença entre “sincronia da linguagem” e “diacronia da língua”, como afirma A Prosa do Mundo. Mas isso não o impediu de reconhecer, através de sua leitura estratégica e filosófica, na ciência de Saussure, uma ontologia a ser descrita[35]. Como podemos ver na passagem que citamos, Saussure não se preocupa com a “realidade em si”, com as “coisas mesmas”, com o “ser”. A “vantagem” da linguística, se é que se pode dizer, está em não levar em conta senão os signos, constituídos, agora sim, essencialmente pela diferença ou na diferença, como o linguista enfatiza. A generalidade do específico é mais do que precisa para a ciência da língua: além da língua não estão as coisas, além da língua está a metafísica.

Se Saussure não ultrapassa os limites da ciência (ou ultrapassa “malgré lui”, isto é, os seus conceitos ultrapassam), não é por temer o que está do “outro lado”. Ao contrário, a tese da literalização dos signos evidencia claramente que não há como fugir do signo para lançar mão sobre o sentido. Segundo essa tese, a única marca do sentido é o próprio signo. Ao contrário do que pensa o senso comum, “[...] é o significante que se revela como a representação do significado, e não o contrário”[36]. A homologia ou o isomorfismo entre o som e o sentido significa que as palavras não são escadas, que uma vez usadas, são dispensadas, porque eu subi. Ver o mundo significa ver com as palavras ou através das palavras, sem a opção de ver alhures. Como ressalta Simon Bouquet:

Não é possível que a imagem de um espelho (a face sonora) se deforme independentemente do objeto que ela reflete (a face conceitual) sem que o próprio espelho (a linguagem) não seja culpado dessa deformação. Em outras palavras, se a linguagem é um espelho, é um espelho que deforma.[37]

O que devemos notar, nessa passagem, é que, SE a linguagem e a realidade se espelham, não é porque A REALIDADE é bem ou mal espelhada pela língua, mas porque A LINGUAGEM é única maneira de acedê-la e praticá-la. Portanto, se o mundo nos engana — como diria Drummond: “O mundo, meu bem, não vale/ a pena [...] Não é isto nem nada.[38] —, não é por estar aquém ou além da letra — literalmente avant la lettre, isto é, “antes das palavras. Esse tipo de tese, quer realista, quer idealista, Saussure não nega nem afirma. O que ele afirma, com o axioma da literalização do signo, é que o “mundo”, seja ele o que for, ideal ou real, pouco importa, só a linguagem pode abrir.

Françoise Gadet afirma que “[...] a relação entre o que se ouve (o som) e o que se entende (o sentido) é um problema onipresente na lingüística, mas a relação entre língua e realidade está suspensa pelos lingüistas marcados pela herança saussuriana, que colocam a realidade fora de sua disciplina”[39]. Polemizando esse debate, com que iniciamos o percurso deste ensaio, podemos ver que o axioma da literalização, segundo a leitura de Simon Bouquet, não deixa o mundo de lado. Pelo contrário, afirma literalmente que não há sentido além do signo. O que Saussure não discute, na verdade, é se ele é “falso” ou “verdadeiro”, regrado do problema metafísico. Mesmo porque Saussure não discute o mundo, mas a linguagem, e por isso a ontologia de Merleau-Ponty é o contraponto filosófico das teses do linguista. (Fica mais clara, agora, a razão deste diálogo: um linguista, Saussure, que vai da linguagem para o mundo, mas sem fazer ontologia, e um filósofo, Merleau-Ponty, que vai do mundo à linguagem, sem fazer ciência.)

4  O SiSTema

Saussure visa à língua como um sistema algébrico. Modelo de sistema ao mesmo tempo diferencial e arbitrário, os números só têm existência relacionados uns aos outros. De nada adianta, diria Fernando Pessoa, procurar o vinte e dois na realidade, e por isso as relações numéricas vivem de relações internas. O número 17 não diz nada em si mesmo, sem levar em conta o sistema de que faz parte. Retira toda a sua “essência” dos outros números, como o número 10 e o número 7, sustenta-se em relação a eles por diferenciação e distintamente em relação ao todo. Se os números não dizem nada em si mesmos, é o sistema que significa, a partir das relações que produz, como somar, subtrair etc. Assim também o jogo de xadrez, metáfora cara a Saussure[40], onde as peças não têm valores absolutos, mas relativos à função que desempenham em cada momento do jogo. A língua é um sistema de valores relativos onde os termos não são absolutos, mas dependentes uns dos outros:

Quando Diógenes diz a Alexandre: ‘Saia do meu sol!’, não há nada nesse sol senão a oposição à ideia de sombra. […] E cada uma dessas palavras apenas tem valor pela posição negativa em relação às outras. [...] Assim, jamais há numa palavra o que não estava antes fora dela; e essa palavra pode conter e encerrar em germe tudo o que não está de fora dela.” (Écrits, 74).

Dessa forma, há três conceitos-chave na teoria linguística de Saussure: a negatividade do sistema, o arbitrário do signo e o princípio do valor.

a)  NegaTividade dO SiSTema (SeguNdO OS NOvOS eScriTOS de 1996, deScOberTOS em geNebra):

Não existe a forma e uma ideia correspondente; menos ainda a significação e um signo correspondente. Há formas e significações possíveis (nunca correspondentes); há propriamente na realidade apenas diferenças de formas e diferenças de significações, assim como cada uma dessas ordens de diferenças (pelo fato de serem coisas negativas nelas mesmas) não existe senão como diferenças graças à união de uma com a outra. (Écrits, 42).

O princípio da negatividade, anunciado por essa e outras formulações que poderíamos encontrar ao longo das anotações de Saussure, não é apenas linguístico, mas ontológico (fato que marca a passagem da negatividade do signo para o sistema). O negativo não está na dificuldade de determinação positiva dos signos, tendo em vista os deslizamentos de sentido, as ironias, os recursos retóricos; não são os sinônimos das palavras; não é o sentido figurado, seja ele metonímico, seja metafórico. Tampouco ele é devido às “coisas”, como se o objeto sol exigisse a palavra sombra, por contraste. Como nota Saussure: “Há línguas em que não se pode dizer: ‘Vá ao sol!’” (Écrits, 267), não porque o astro “sol” não passe por aquelas redondezas, mas pelo fato de não possuírem a mesma gramática da língua. Se palavras não coincidem com os objetos, nem o significante com o significado, a negatividade é o fenômeno que define os signos que já nascem no sistema, isto é, marcados pela diferença. Não é isso que Saussure quer dizer com a seguinte frase? (Também dos novos escritos:) “Não há na língua nem signos, nem significações, mas DIFERENÇAS de signos e DIFERENÇAS de significações” (Écrits, 70). Porque, se estamos acertando a mão, a negatividade não é uma qualidade do signo (como praticamente todos os intérpretes sublinham), mas do sistema.

É verdade que os signos são negativos, na medida em que dependem de um sistema de diferenciação que eles próprios realizam. Todavia, mesmo se “[...] não há nada nesta palavra senão o que está de antemão de fora dela, e ela pode conter e encerrar em germe tudo o que não está fora dela” (Écrits, 75), não é dela o negativo, mas delas, isto é, das palavras do sistema que opera através dela, palavra escolhida, e todas as outras que se deixou de lado para o resultado da expressão bem sucedida. Como sustenta Saussure — grifado por ele: “(Muito importante:) A negatividade dos termos da linguagem pode ser considerada antes de se fazer uma ideia do lugar da linguagem” (Écrits, 64). Eis o grande problema (pouco considerado até o momento): o negativo não é um “lugar”, ou seja, um fator local, que encontramos com as palavras; ele é anterior, isto é, é a condição de possibilidade do sistema.

De fato, e isso é o que o sistema de diferenças nos ensina: é preciso outra palavra para compreender a palavra. Esse outro é fundamental.

b) arbiTráriO dO SigNificaNTe:

Na célebre passagem que abre A Prosa do Mundo, Merleau-Ponty escreve:

Sobre a face da terra fala-se há muito tempo, e a maior parte do que se diz passa despercebido. “Uma rosa”, “chove”, “o tempo está bom”, “o homem é mortal”. Esses são, para nós, casos puros de expressão. Parece-nos que ela atinge seu auge quando assinala inequivocamente acontecimentos, estados de coisas, ideias ou relações, porque então não deixa mais nada a desejar, não contém nada que não se mostre e nos faz passar o objeto que ela designa.[41]

Em outras palavras: “próximo é um país distante”. Merleau-Ponty pensa a linguagem da mesma forma que Saussure pensa o signo:

A natureza do signo é o mais desconhecido. É por isso que não vemos, à primeira vista (sem entrar no estudo profundo da língua), a necessidade de uma ciência semiológica, quando se trata da língua sob pontos de vista gerias, filosóficos, quando estudamos outra coisa com a língua. (Sources, 73).

Porque a linguagem perde-se no uso, só a reflexão é capaz de revelar seus paradoxos e problemas. Abstrair é tomar distância, fazendo do natural e do espontâneo objeto de estudo, não de uso. Só então somos capazes de ver a linguagem, ao invés de ver através dela. Se a maior parte do que se diz passa despercebido, é porque a linguagem atinge o objetivo, do emissor ao destinatário, completando o seu circuito. De onde nos vem a certeza de que a expressão exata atinge o objetivo? Por que a linguagem, pura a simples, não põe problemas ao princípio arbitrário do signo?

Cremos na linguagem, porque nos lança imediatamente ao mundo. Uma vez aí, no mundo natural, nenhuma razão para duvidar das coisas, nenhuma suspeita quanto aos seus desígnios. Ora, a linguagem, segundo Merleau-Ponty e Saussure, das duas uma: ou é a imagem de um mundo impecável e sem censura, consumido pela lida, ou o objeto de estudo mais obscuro. Conforme destaca Saussure, numa curiosa nota dos novos escritos: “É a diversidade que faz com que os povos tomem consciência de suas línguas, pode ser que de outra maneira não percebam que falam” (Écrits, 126). Pois a operação da fala não implica a representação ou a consciência desses atos. Pelo contrário, como diria Thomas Kuhn no memorável estudo sobre o funcionamento das ciências[42], o paradigma só perde força quando não resolve algum problema. “Uma rosa”, “chove”, “o tempo está bom”, como salienta Merleau-Ponty, não desafiam o sistema, e por isso acreditamos na linguagem sem considerá-la um problema.

No entanto, a fala e a escrita estão fundadas sobre o que Merleau-Ponty chamou de Erzeugung: produção humana, instituição. Nada autoriza a relação substantiva entre língua e realidade.

Pois que não há jamais na língua traço de correlação interna entre os signos vocais e a ideia, entre a ideia e seu instrumento. Os signos são abandonados a sua própria vida material de uma maneira completamente desconhecida nos domínios onde a forma exterior poderia reclamar o mais leve grau de conexão natural com a ideia. (Notes, 214).

Como lembra Françoise Gadet: “Vê-se então qual o papel desempenhado pelo signo: ao mesmo tempo definir uma ordem da língua, independente da ordem da realidade, e estabelecer que a língua é o laço entre som e ideia.”[43] Por som e ideia entendemos o princípio do arbitrário: não há nada fora dos signos capaz de garantir-lhes um fundamento natural ou metafísico. “Outras instituições”, diz Saussure, “podem ainda seguir mais ou menos a ordem natural das coisas, não a língua”. Se a natureza não exige esses signos, porque falamos línguas diferentes, também não é a razão que os institui através de uma intuição intelectual. Mais velhos do que nós, eles são frutos da transmissão coletiva e social através do tempo. Esse fenômeno diacrônico, segundo Saussure, que é a transmissão dos signos através do tempo, com os mais variados tipos de acidentes de percurso, afasta mais ainda o ideal de uma “linguagem pura”, falada pelos anjos.

Mas há também outro argumento, no que diz respeito ao arbitrário do signo: “A existência de fatos materiais é, assim como a existência de fatos, indiferente para a língua. Todo o tempo ela avança e se move com a ajuda da formidável máquina de suas categorias negativas, verdadeiramente libertas de todo fato concreto” (Écrits, 76). Em outras palavras, uma língua é um sistema voltado para dentro, não exige corpo a corpo. Toda diferença entre quem está fora e quem está dentro! Uma vez que eu falo, isto é, que a gramática da língua me pertence, pode-se dizer que eu tenho tudo: não preciso de outras línguas, nem de outro sistema de valores para “salvar os fenômenos”, quer dizer, de um mainframe que me diga por que a palavra vaca é melhor que cow ou kuh, pois que são todas arbitrárias [exemplo de Saussure]. Afinal de contas, conclui Saussure: “Vista de fora é evidente que a língua é incompleta, mas o grande erro é crer que haja paridade e simetria entre o lado exterior e o lado interior”(Écrits, 84). Ideia que nos atira, imediatamente, ao “Monólogo” de Novalis: “Com a linguagem se dá o mesmo que com as fórmulas matemáticas — Elas constituem um mundo por si — Jogam apenas consigo mesmas, nada exprimem a não ser sua prodigiosa natureza, e justamente por isso são tão expressivas — justamente por isso espelha-se nelas o estranho jogo de proporção das coisas.”[44] Há uma intransitividade rigorosa no texto da linguagem, que nos impede de passar a uma realidade que não seja autorreferente.

Ora, era mais ou menos isso que Simon Bouquet sublinhava, a propósito da teoria da referencialidade em Saussure: “[...] ao seguir as coisas, as palavras cobrem inteiramente o objeto de nossas buscas”[45], porque, se “[...] as coisas resistem a serem cobertas pelas palavras”, somos socorridos pela língua, “[...] maneira pela qual somos obrigados a exprimir os fatos”[46]. Contudo, essa é a ilusão da linguagem: a ideia de que as coisas nos são naturalmente dadas nas palavras. Como se vê claramente em Saussure, essa passagem não é natural, mas arbitrária e sujeita a toda sorte de contingências. Mais ainda, “[...] a relação que estabelecemos com as coisas através da linguagem não é preexistente às próprias coisas, e as determinam”[47]. Dessa forma, poderíamos estabelecer duas ordens inversas no que diz respeito às palavras e às coisas: a ordem lógica, que é a da língua, anterior à ordem das coisas [“longe de ser o objeto que precede o ponto de vista, é o ponto de vista que cria o objeto”(Cours, 23)]; e a ordem ontológica, que é a do ser, simultâneo à linguagem. Porém, como vimos antes, Saussure não recorre à ontologia. Quanto à língua, única “coisa” que interessa ao linguista, todos os seres são constituídos pela linguagem e ganham forma nela, só metaforicamente podemos dizer que esperam o dia de serem colhidos pela ceifa da linguagem.

c) O PriNcíPiO dO valOr:

Não estabelecemos nenhuma diferença séria entre os termos valor, sentido, significação, função ou emprego de uma forma, nem mesmo com a ideia como conteúdo de uma forma. É preciso reconhecer que o valor exprime melhor que outra palavra o fato, que está na essência da língua, de que uma forma não significa, mas vale: eis o ponto cardeal. Ela vale, e por conseqüência implica a existência de outros valores. (Écrits, 28).

Saussure é suficientemente claro ao ligar, por vias de causalidade, a significação e o sistema. Com efeito, quando usamos a palavra “sentido”, estamos dizendo: “diferença de formas”; e quando nos referimos a “diferença de formas”, estamos dizendo: “sistema de valores”. Doravante não existem mais “ideias”, “conteúdos”, “significações”, mas valores. A sinonímia de uma palavra é “infinita”. Impossível, assevera Saussure, distinguir o sentido próprio do sentido figurado. Ideia que se recusa a procurar a soma dos significados de uma palavra até chegar a um conceito. Consciente disso, o dicionário torna-se lexicográfico, pois leva em conta as diferenças das palavras. Uma língua tem a enorme capacidade de envolver o significado de uma palavra sem recorrer a ela. Se a ideia de valor não é exata, mas, acima de tudo, “plástica”, para usar um termo novo (que Saussure não utiliza), é porque não representa mais a essência, mas a “forma instável”, o relevo ou o desenho de um motivo em cada ato renovado de valor intrínseco. Como vimos brevemente, nos parágrafos anteriores, a palavra não depende de si mesma, isto é, descobre-se, a cada momento do discurso, diferente de si mesma.

Essa instabilidade da língua (ou “plasticidade”, que introduzimos), não é um fato negativo. Pelo contrário, com o conceito de “grandeza negativa”, de Kant e Fichte, os valores são operantes, ou seja, virtualmente positivos. É pensando esse problema — o de uma língua como sistema de valores negativos, sem significações puras — que Saussure declara: “Mas isso não seria compreender onde está a potência de uma língua, ao invés de lamentar sua inexatidão” (Écrits, 76), porque o princípio do valor, apesar de essencialmente negativo quanto ao processo de formação dos signos, carrega as virtualidades do sentido — que Merleau-Ponty chama de “boa ambiguidade”. Esse recurso “plástico” da língua[48], falha no coração do diamante (perda da coincidência ou do significado sem equívoco), agora, é positivo.

Mergulhemos em Merleau-Ponty, para ver por que, de acordo com Saussure, “[...] essa oposição de valores, que é um fato PURAMENTE NEGATIVO, se transforma em fato positivo”(Écrits, 87).

5  O TrabalhO dO NegaTivO

No Ensaio para Introduzir em Filosofia o Conceito de Grandeza Negativa, que pertence à segunda fase dos textos pré-críticos, Kant estabelece a oposição entre dois tipos de grandezas. Embora de uso na matemática, o conceito de grandeza negativa, “[...] muito pouco empregado em filosofia, ainda que absolutamente necessário”, deverá corrigir “[...] uma quantidade enorme de erros ou falsas interpretações da filosofia”[49]. “Pois as grandezas negativas” — prossegue Kant — “[...] não são negações de grandezas, como supõe a analogia da expressão, mas ao contrário, são qualquer coisa de verdadeiramente positivas em si, embora simplesmente opostas a outra grandeza positiva.”[50] Em que medida é possível que a grandeza negativa assuma a qualidade positiva? Qual é o alcance, em primeiro lugar filosófico, em seguida, linguístico, desse conceito?[51] Vejamos rapidamente os argumentos kantianos, no trabalho de distinção entre dois tipos de operação do negativo:

Duas coisas são opostas quando a posição de uma suprime a outra. A oposição é dupla: ela é lógica (por contradição), ou real (sem contradição). Consideramos até agora apenas a primeira oposição ou a oposição lógica. Ela consiste em afirmar e negar alguma coisa de um objeto ao mesmo tempo. Essa oposição lógica não é real (nihil negativum repraesentabile), como enuncia o princípio de contradição.[52]

Em outras palavras, a “representação do nada negativo” (nihil negativum repraesentabile) é “sem consequências”, segundo Kant, traduzido acima por “não real”, isto é, representável sim, mas, não existente. É a operação que representa o negativo lógico, conforme o princípio da contradição, ou seja, que algo seja anulado ou julgado sem efeitos analiticamente. Como exemplifica Kant: “Um corpo em movimento é qualquer coisa; um corpo que não está em movimento é também qualquer coisa; só um corpo que ao mesmo tempo estaria em movimento e repouso é nulo.”[53] Esse objeto não só não existe, como é anulado conceitualmente[54].

Vejamos o segundo caso:

A segunda oposição, a oposição real, é tal que dois predicados de um objeto sejam opostos, mas não contraditórios. Certamente um predicado substitui o que havia sido posto pelo outro, mas aqui a conseqüência é alguma coisa (cogitabile). A força motriz de um corpo tendendo para um lado e para o lado oposto não se contradizem e são possíveis como predicados de um mesmo objeto. A conseqüência é o repouso, e ele é alguma coisa (repraesentabile). [...] A conseqüência é igualmente nula, mas em outro sentido que o da contradição (nihil privativum repraesentabile).[55]

Quer dizer, a representação do nada privativo não é lógica ou contraditória em si mesma, ao contrário, é porque um corpo físico é pressionado com a mesma força em dois sentidos inversos que as forças se anulam, trazendo a consequência do repouso, de forma que nós temos, de um lado, o negativo como resultado da oposição lógica, de outro, o negativo real ou operante, pensados a partir do seguinte esquema:

Nihil negativum = conceitos vazios de objetos

Nihil privativum = objetos vazios de conceitos

Tomemos o exemplo do zero. Os números negativos, em matemática, são equivalentes aos números positivos, mas de sentido contrário. O resultado final da operação de soma entre números negativos e positivos de igual valor é zero. Este é um objeto numérico concreto, embora de valor nulo. A representação do “nihil privativum”, no caso do zero, não tem “conceito”, isto é, valor positivo numérico, sendo ele mesmo real e concreto. A representação do “nihil negativum”, ao contrário, anula-se no ato de seu pensamento. Segundo as palavras de Kant:

[...] na incompatibilidade lógica consideramos apenas a relação dos predicados de uma coisa e suas consequências se suprimem automaticamente pela contradição. A incompatibilidade real repousa igualmente sobre relações de dois predicados opostos de uma mesma coisa, mas difere essencialmente da oposição lógica. O que é afirmado por um predicado não é negado por outro, apenas seus efeitos se anulam.[56]

De acordo com esse novo modo de pensar o negativo, não lógico, mas relativo, não nulo analiticamente, mas conforme a situação em que age, podemos afirmar que: a) o “nihil negativum”, resultado do pensamento, é impossível de fato, mas possível de direito, pois se aniquila no ato de sua representação no espírito, e b) o “nihil privativum” não existe senão como negação de algo, em função de algo, e por isso pode ter efeitos positivos. Dessa maneira, através do trabalho do negativo, o resultado é qualitativo, ou seja, pelas palavras kantianas, “[...] a conseqüência [não é o nada, mas] é alguma coisa”[57]. Enfim, entre o negativo lógico e absoluto, pensado idealmente como pura condição de possibilidade dos objetos, sem efeitos sobre os fatos, e o negativo operante, que produz algo concreto, a distância é notória.

Em que medida esse conceito nos ajuda a pensar os fenômenos da linguagem? Podemos aplicar o conceito de grandeza negativa aos signos de Saussure, já que, se estamos acertando a mão, é esse conceito que já vinha sendo praticado pela maneira saussuriana de pensar a língua? Se é verdade que, segundo Kant, no mesmo ensaio, “a morte é um nascimento positivo”, “a queda uma ascensão negativa”, “o retorno uma viagem negativa”[58], etc., os conceitos verdadeiramente se comunicam, e esse intercâmbio, que aponta o comércio impuro das palavras, não é diferente do que Saussure entende por fenômeno de significação por diferenças. Se não é o que as palavras são, mas o que não são, que as determinam, é porque TODAS AS PALAVRAS são grandezas negativas, sem exceção.

Seria conveniente lembrar o conceito de Gestalt do último MerleauPonty, que já não conta com a positividade dos fenômenos, a objetividade descritiva e desdobrada da experiência, a figura sobre o fundo, dos seus primeiros textos, mas o fundo sob a figura, isto é, o “ar de família” dos conceitos no trabalho negativo da linguagem. O exercício poético não desvela mais a idealidade pura do sentido, mas “significações surdas”, o esforço e a necessidade de uma linguagem que “elide o sujeito e o objeto”, segundo A Procura da Poesia, de Drummond. No excelente trabalho de releitura que Renaud Barbaras faz de Merleau-Ponty, em A virada da experiência[59], não por acaso recai no último capítulo sobre a metáfora e seu estatuto ambíguo, corpóreo, não mecânico, articulado pelo movimento opaco e minimamente transluzido da consciência. À metáfora o papel de atar, através de infinitas vias, o pensado e o vivido, isto é, o sentido como um duplo (linguístico e sensível). Quiasma do mundo estético com o “lógos proferido”, há um recuo pré-teorético da linguagem em regime de grandeza negativa. Ela embaralha as dicotomias clássicas da metafísica, tais como o real e o ideal, o fato e a essência, e, por isso, a ontologia merleaupontyana procura a “carne” dos fenômenos, isto é, o meio formador do sujeito e do objeto, da consciência e das coisas, do eu e do mundo, ativados pelo “ser de verticalidade”, não disponível como objeto, mas em estado de latência, não manipulado, mas operante, não representado, mas “inconsciente” (conforme a ideia de “psicanálise da natureza”). Com efeito, o ser está presente sem ser esgotado pelos entes. O ser está “em toda parte e em parte alguma” — como o sistema de grandezas negativas de uma língua não se reduz aos signos, mas é a condição de possibilidade deles. O ser, já garantia Aristóteles, “se diz de muitas maneiras”, sem que alguma o complete.

Nas Notas do curso sobre A Origem da geometria de Husserl, MerleauPonty sublinha claramente o conceito de grandeza negativa: “[...] aqui, a síntese não é para mim efetiva de todo caminho seguido, mas possessão dos pivôs, charneiras, matrizes de possibilidades, equivalentes negativos ou traços de atos positivos, esquecimentos fecundos, i.e. negações operantes”[60]. “Equivalentes negativos”, “traços de atos positivos”, “esquecimentos fecundos”, “negações operantes” vão na direção do que estamos sublinhando: a anterioridade lógica do sistema sobre os signos. É essa “verticalidade” do sistema, operando virtualmente sobre cada signo, que não pode mais ser o objeto da ciência, pela razão de ser o meio, o horizonte e o campo formador do ser dos signos, assim como o ser vertical está em toda parte e em parte alguma, isto é, não se resume nem à soma nem a alguma de suas partes. Como afirma Merleau-Ponty: “Importância capital da noção de horizonte sobre a qual tudo isso entra em órbita”[61]. Com efeito, “[...] quando a humanidade compreende a linguagem (ela gehört [pertence] a esse horizonte) — linguagem que compreende a abertura ao horizonte (o horizonte depende da linguagem, é perfurada por ela) [embaixo:] endlos [sem saída].[62].

É porque o sistema de uma língua não é meu que eu sou dele, isto é, compreendo a linguagem através dele, condição de possibilidade dos signos como a diferença de formas, realizado em cada língua. No curso sobre A Origem da Geometria de Husserl, que foi também o último em vida, MerleauPonty estava lendo e discutindo Heidegger: “O Ser se serve (brachte) da essência do homem – mas isso quer dizer: tem necessidade. (Seinsfrage, p. 10) “Saber” do Ser – Gunst des Seins (Was ist Metaphysik? Nachwort, p. 49) cujo o pensar (Denken) é eco (Widerhall) – Canto (Ruf) do ser e orelha (Gehör) do homem.”[63] O homem é englobado verticalmente pelo ser, cuja verticalidade aparece através dele. Enfatiza Merleau-Ponty: “O ser é exige de nós criação para que dele façamos experiência”[64]. Tanto Heidegger quanto Merleau-Ponty privilegiam a experiência poética como “escuta do ser” (Heidegger) e “trabalho de expressão” (Merleau-Ponty). Apesar das diferenças de “objeto”[65], MerleauPonty concorda com Heidegger quanto à “[...] pertença primeira e profunda do ser e do pensar, sua separação não sendo senão o traço do ser ocidental”[66] — sob os efeitos (inevitáveis e danosos) do esquecimento do ser e da diferença ontológica. Mais próximo de Saussure, Merleau-Ponty visa ao projeto de “[...] elaborar uma psicologia da linguagem onde a dicotomia entre pensamento e linguagem é abandonada em benefício de uma concepção da linguagem onde o sentido é imanente à forma lingüística”[67]. Por isso, o ser vertical, como um sistema de grandezas negativas, é simultâneo à linguagem e acontece (Ereignis) nela. Círculo? Certamente. (Ainda mais à luz de Heidegger e da hermenêutica: através dela [a linguagem] vemos [os entes], através deles [os signos] fazemos metalinguagem.)

Onde se quer chegar com essas observações que aproximam MerleauPonty e Saussure? No lugar em que a linguagem ganha alcance ontológico, não só científico, já que o ser de verticalidade não é uma soma de objetos, mas a abertura para objetos, assim como a linguagem não era a coleção de nomes, mas a diferenciação dos nomes. Conforme ressalta Merleau-Ponty: “Desvelamento da Offenheit der Umwelt por oposição à infinidade dos objetos”[68]. Nesse momento, o sistema dos signos diacríticos deixa de ter uma função objetiva, que é dizer coisas, e passa a uma função não objetiva, que é dizer o mundo (onde as coisas já são parte). As coisas não são objetos disponíveis, esperando pelos nomes, não são “pré-mundanas”, mas “intramundanas”, isto é, só aparecem no tecido da linguagem que já pratica os entes[69]. Por isso, o ideal de uma “procura pela ursprünglishster Sinn – sentido originário – que condicionava as primeiras proposições, que abria seu espaço ontológico, que é pré-ideal[70]. Ora, antes das palavras há um sistema de diferenças como “espaço ontológico, pré-ideal”, preenchido pelos signos. A gramática da língua é tributária dessa lógica “que condicionava as primeiras proposições”. Se essa lógica não está nas coisas, porém, no sistema de grandezas negativas, não quer dizer que seja objetiva. Ela é ontológica, e é exatamente por isso que Wittgenstein conduzia as considerações de lógica para a filosofia. Os escritos de Saussure possuem o mesmo efeito, abrindo o caminho para pensar questões de ontologia.

6 cONcluSãO

Ao perseguir o negativo, ponto de partida para a concepção dos signos de Saussure, insistimos sobre a natureza ontológica e não científica do sistema. Essa natureza estava em que, enquanto generalidade do específico, o sistema de grandezas negativas é a condição de possibilidade do significado positivo. Com o deslocamento do negativo do signo para o sistema, estamos não só sustentando que ele não é empírico, no sentido de construído pela experiência, mas a condição de possibilidade dos signos, a partir da diferença. Ora, como vimos em outro lugar, os signos são grandezas negativas que pertencem ao imenso sistema virtual e operante, o qual atua em toda parte, sem reduzirse a alguma, realizado em cada língua. Só assim nós compreendemos que o essencial não está dito. Eis a bela frase de Merleau-Ponty, muito pouco citada pelos comentadores até o momento, que gostaríamos de sublinhar com muita ênfase: “Lei do escritor, — não compreendida por grande parte do público diante de uma obra nova,  — o essencial não está dito.”72 Certamente que não é negando, ou não dizendo, que eu digo, mas empenhando os signos de maneira a deixar a significação com ela, não com eles, que respondem alusiva e fora de toda medida. A diferenciação — possibilidade de diferenciação  — dos signos na linguagem é da mesma natureza que aquela do visível e o invisível, de Merleau-Ponty, noutro registro. Há uma zona de recuo [retrait] e possibilidade de espaçamento entre o vidente e o visível, exatamente como as palavras e as ideias não são claras, não são mapas, e essa imprecisão ou inequivalência, que torna a linguagem opaca ou não cristalina, não é o que fecha, mas o que abre, como horizonte ou função de fundo, dimensionalidade, possibilidade de distanciamento, ver mais do que ver (a figura e o fundo), dizer mais do que dizer (o essencial não está dito).

Se a significação não coincide com o que é dito, não está atrás, nem adiante, mas entre o dito e o não-dito, em pontilhado, no apelo ao inexprimível, que não responde senão na gramatura dos signos, nas sombras dos signos, no indizível[71]. A significação não pode mais ser garantida pelo princípio da identidade, mas da diferença, e essa “impossibilidade”, que era um fato puramente negativo, falha no coração do diamante, é positiva: o significado é co-originário à forma que apenas surge negativamente, ou seja, naquilo que não diz. Só assim o que é dito não está dito. Só assim o fato (positivo) da fala e o fato (negativo) do silêncio não são contraditórios, nem excludentes, porém, rigorosamente, complementares[72].

Nas Notas do curso sobre A Origem da geometria de Husserl, MerleauPonty afirma que “[...] o sentido sobre o qual refletimos não é uma quididade positiva [...] mas um fato pleno de um certo vazio (de um certo ‘olvido’), uma negatividade circunscrita, que pede então referência externa. [Na margem:] Um vazio determinado: uma falta, uma privação, uma dimensão (novo tipo de existência intelectual)”.[73] Ao comentar o surgimento da geometria, MerleauPonty acrescenta: “[...] há um ‘sentido’ mais amplo, mais ‘profundo’, sobre o qual seu pensamento abre, um campo que é prontamente visado, não envolvido por ele”.[74] Eis aqui o ponto fundamental em que o não-dito penetra a fala. Ela não é mais de “essência positiva”, e esse signo de inacabamento, essa impossibilidade de sentido sem equívoco, essa “falta”, essa “privação”, esse “novo tipo de existência intelectual”, onde se sugere o trabalho infinito do negativo, dá à linguagem o estado de equilíbrio instável e de exercício permanente.

Bem entendido, o negativo entra na condição da fala não porque foi dito, mas porque o dito está forrado pelo contradito internamente, ou seja, é “um fato pleno de um certo vazio”, “uma negatividade circunscrita”, “visada”, “não envolvida” por ele. Entre o ato da fala e a compreensão que lhe é devida, há sempre uma distância, subentendida pelas palavras que visam a algo, mas não alcançam, e a intencionalidade do outro, que também visa, não necessariamente, o mesmo alvo. É a distância percorrida, aonde o outro olha, que reunirá a potência expressiva do dizer. Latente e invisível, onde palpitam os signos desviados do significado, a significação não é direta e a compreensão não é total. Pois é da natureza da linguagem esse paradoxo, uma ironia e uma ambiguidade incompreensível via de regra, mas praticada desde sempre pela linguagem poética, não utilitária, da literatura, pelo menos.

Ao tratar da empresa poética (porque, como assegura A Prosa do Mundo: quem pode o mais, pode o menos[75]), Merleau-Ponty considerava o trabalho de Mallarmé:

Daí uma situação estranha: seu pensamento da coisa mesma é inédito porque visava fazer falar o silêncio, dizer o não-dito, explorar a linguagem além de sua destinação usual que está em dizer (Mallarmé) o que vai de si, o familiar.

prestar contas à vida que nos ultrapassa  tornar familiar o que é contrário ao familiar.

daí a distância máxima entre significante e significado, e acuidade dos problemas de interpretação e de generatividade espiritual.[76]

Qual a razão de provocar a “distância máxima entre o significante e o significado”? Por que fugir do “familiar”? Como prestar contas “à vida que nos ultrapassa”? Como “fazer falar o silêncio”, “dizer o não-dito” etc.? Por que perseguir o “estranho” [uma situação estranha]? Qual a situação especial da linguagem, no exercício poético?

Nas Notas de Curso, Merleau-Ponty enfatiza que a “[...] Filosofia é inseparável da expressão literária, isto é, da expressão indireta que não atinge a adequação – a possessão intelectual – mas que faz signo (winkt).”[77]Wink” é sinal, indicação. Todavia, que poderíamos traduzir por “signo”. Signo do quê? Do “significado da palavra”, em alemão Wortbedeutung, como o próprio Merleau-Ponty aponta, no mesmo texto: “A filosofia está em meu PrasenzFeld [campo de presença] sob a forma de dunkles Wissen [saber obscuro] e não de definição ou de Wortbedeutung. [...] Erro de crer que a filosofia são as ideias, ela é um campo com uma interrogação que não sabe o que ela mesma pergunta.”[78] Todo problema está no signo. Isso dito literalmente, pois se o signo se apaga, se não há mais distância entre o significante e o significado, isto é, se a linguagem atinge seu objetivo, também não levanta suspeitas sobre o que é ela, não problematiza o fato de nos livrar ao mundo. Familiar, sem perdas, em meu “campo de presença”, sem a forma de “saber obscuro”, definitiva, límpida e clara, não há mais nada que se possa interpor entre a palavra (Wort) e o significado (bedeutund), são meus. Não tenho um problema, menos ainda uma interrogação insegura e sem forma, que não sabe exatamente o que pergunta. Como assinala uma passagem de A Prosa do Mundo: “As palavras mostram o que são de maneira mais evidente se não soubéssemos ainda o que querem dizer, se nos limitássemos, como a criança, a assinalar seu vaivém, sua recorrência, a maneira como elas se freqüentam, se atraem ou se repelem, e constituem juntas uma melodia de estilo definido.”[79] É exatamente porque sabemos o significado das palavras que o signo não aparece, ou seja, é um utensílio[80]. Por isso, a palavra poética faz signo (winkt), isto é, explora os significantes das palavras, as raízes ocultas das palavras, “psicanalisa” a linguagem. Quando nos vemos realmente com os signos, o significado não é imediato e precisamos descobrir, sob a decalagem do significante e do significado, a intencionalidade operante que atravessa as palavras. O significado não está dito, apenas insinuado pelo trabalho do negativo das palavras. Se, em A prosa do mundo, Merleau-Ponty refere que “[...] o sentido está para além da letra, o sentido é sempre irônico”[81], é porque a empresa poética não está no dizer claro e lúcido da significação cotidiana, que já foi sedimentada, e a bem dizer não fala mais. Toda palavra tem uma história de metáfora, com o passar do tempo encerrada no rio do esquecimento, e por isso o esforço de reinventar a linguagem (que o filósofo também pratica).

Poderíamos repensar o trabalho do negativo na linguagem à luz do dunk les Wissen [saber obscuro] e não de definição ou de Wortbedeutung”, Porque “este não-saber é um saber”, segundo o último curso de Merleau-Ponty em vida[82]. “Wissen potencial”, “não frontal”, mas virtual e operante. De fato, “[...] o universo do pensamento, como aquele da percepção, é lacunar e barroco em si mesmo, pois que há uma evidência lateral, entre os atos, e não somente uma evidência progressiva e frontal, e tudo isso porque pensar não é ter, mas não ter.”[83] Se a realidade do pensamento é provocada pelo negativo (“porque pensar não é ter, mas não ter”), quanto mais a expressão poética penetra o universo do silêncio e do não-dito, mais as palavras serão, segundo Drummond, uma “[...] forma impura do silêncio, que preferiram[84]. Nesse lugar está a Procura da Poesia, de que retiramos livremente os seguintes versos:

Repara: ermas de melodia e conceito elas se refugiam na noite, as palavras.

Ainda úmidas e impregnadas de sono.

Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra com seu poder de palavra e seu poder de silênci [para aceitar] sua forma definitiva e concentrada no espaço.

ABSTRACT: This essay applies the concept of negative magnitude in Kant and Fichte to MerleauPonty’s philosophy of language, reopening a dialogue with the work of Saussure based on the latter’s Writings in General Linguistics, discovered in 1996 in an orangery in Geneva. Making use of the last course given by Merleau-Ponty during his lifetime, on Husserl’s The Origin of Geometry, the work of the negative in language is examined in light of a refined reading of Merleau-Ponty (philosophy) and Saussure (linguistics).

KEY WORDS: Merleau-Ponty. Ontology. Saussure. Linguistics.

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Recebido em: 30.07.2013

Aceito em: 26.03.2013



[1] Cristiano Perius é professor de filosofia na Universidade Estadual de Maringá. E-mail: cristianoperius@ hotmail.com

[2] BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. Este texto é uma fonte de referência sobre Saussure, publicado por quem desempenha atualmente, ao lado de Rudolf Engler, o papel de editor dos manuscritos do linguista.-

[3] GADET, Françoise. Saussure: une science de la langue. Paris: PUF, 1987.

[4] Empregaremos a edição crítica, com notas, introdução e biografia crítica de Tullio de Mauro. Cf. SAUSSURE, Ferdinand de. Cours de linguistique générale. Editado por Charles Bally e Albert Sechehaye. Notas críticas de Tullio de Mauro. Paris: Payot, 2005. [Daqui para frente denominado Cours].

[5] SAUSSURE, Ferdinand de. Cours de linguistique générale. Ed. critique de Rudolf Engler. Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1968. [Daqui para frente denominado Notes].

[6] SAUSSURE, Ferdinand de. Les sources manuscrites du Cours de linguistique générale de F. de Saussure. Ed. de Robert Godel. Genebra: Droz, 1957. [Daqui para frente denominado Sources].

[7] BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure..., p. 147.

[8] GADET, Françoise. Saussure: une science de la langue…, p. 4.

[9] Idem, p. 4.

[10] Idem, p. 4. Grifos e colchetes nossos.

[11]  Não é necessário citar o amplo espectro de filósofos, antropólogos e psicanalistas que descobriram, na teoria de Saussure, uma fonte de pesquisa, tal como Derrida, Lévi-Straus e André Green, respectivamente.

[12] SASSURE, Ferdinand de. Écrits de linguistique générale. Ed. de Simon Bouquet e Rudolf Engler. Paris: Gallimard, 2002, p. 83. (Daqui para frente denominado Écrits).

[13] Cf. “A originalidade dessa reflexão é ser articulada a uma teoria do espírito, a uma metafísica, mas Saussure esboça antes de mais nada uma epistemologia da gramática comparada.[...] Saussure emprega o adjetivo filosófico no sentido de epistemológico”. BOUQUET, Simon. Introdução..., p. 88.

[14] Razão pela qual adianta, desde o começo, que sua leitura “[...] deve ser qualificada de lingüística (havendo também outras leituras, semiológicas, filosóficas, históricas...)” dos cursos de Saussure.

GADET, Françoise. Saussure: une science de la langue…, p. 15.

[15] Sabemos, após a edição da Fenomenologia da Percepção, de 1945, que Merleau-Ponty toma conhecimento dos cursos de Saussure e passa, do final dos anos 40 a meados dos 50, a refletir sobre a linguagem de maneira mais aguda. A História da Filosofia de Merleau-Ponty dos anos de 1945-1955 marca a passagem dos trabalhos sobre psicologia e fenomenologia do corpo para a filosofia da linguagem, resultando nas duas coletâneas do intermezzo, Sens et Non-Sens e Signes. O “tournant linguístico de Merleau-Ponty” é o momento em que, passando ao largo da descrição do corpo próprio como enigma, levado a cabo na obra de 1945, descobre a linguística de Saussure e passa, em Sens et Non-Sens e Signes, à fenomenologia da linguagem. Ora, a descrição desse percurso, ponto a ponto, já foi feita e não é o interesse deste estudo. (Cf. tal itinerário em MOUTINHO, Luiz Damon. Razão e experiência: ensaio sobre Merleau-Ponty. São Paulo: Ed. UNESP, 2006.) Esse trabalho é inédito e não possui comentadores. Ele projeta, de maneira crítica, sobre o pensamento de Merleau-Ponty, os novos textos do linguista, sobretudo os Écrits, que Merleau-Ponty não conhecia, reabrindo o diálogo entre o filósofo e o linguista.

[16] Cf. “Língua e escrita são dois sistemas de signos distintos; a única razão de ser do segundo é representar o primeiro.” (Cours, 45); “Terminamos por esquecer que aprendemos a falar antes de aprender a escrever, e a relação natural é invertida” (Cours, 47); “O resultado evidente de tudo isto é que a escrita vela a vista da linguagem: ela não é um revestimento, mas um transvestimento.” (Cours, 50); “Mas a tirania da letra vai mais longe ainda: à forca de se impor à massa, influi sobre a língua e a modifica.” (Cours, 53).

[17] Cf. “Desde então não ousamos mais dizer: ‘a língua faz isso ou aquilo’, nem falar da ‘vida da linguagem’, etc., pois que a língua não é uma entidade, e não existe senão nos sujeitos falantes”. (Cours, 19).

[18] Cf. “Concebemos a língua como uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social, ela formaria uma parte da psicologia social e por conseqüência da psicologia geral... A lingüística não é

[19] DERRIDA, Jacques. De la grammatologie. Paris : Editions de Minuit, 1967, p. 93.

[20] Tullio de Mauro assinala, nas notas redigidas para o Curso, que a língua como “forma”, jamais “substância”, vem de Humbold, embora sem a mesma amplitude. Cf. nota 227 (Cours,  463).

[21] GADET, Françoise. Saussure: une science de la langue…, p. 34.

[22] BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure..., p. 263.

[23] Citação poética do filme Léolo, de Jean-Claude Lauzon. (Flach film: Studio Canal Plus: Québec,

Canadá): “O domador de versos tinha razão / havia um segredo nas palavras alinhadas.”

[24] BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure..., p. 287.

[25] BENVENISTE, Émile. Problèmes de linguistique générale. Paris: Gallimard, 1974, p. 227.

[26] Devemos entender os jogos de linguagem como regras lógicas da gramática, praticadas – não universalmente – por comunidades linguísticas.

[27] Tullio de Mauro, In: Cours, 439.

[28] Do filme de Peter Grenway, The pilow book, Macromedia, 1986.

[29] GENETTE, Gérard. Mimologiques. Paris: Seuil, 1976, p. 60.

[30] BÜHLER, Karl. L´onomatopée et la fonction représentative du langage. In: Essais sur le langage. Paris: Minuit, 1969, p. 198. [Nota: sem tradução na segunda parte, para o leitor acompanhar o movimento crescente das imagens.]

[31] PONGE, Francis. Fabrique du pré. In: Ouvres complètes II. Paris: Gallimard, 2002, p. 345. [“Prefixo dos prefixos / já presente no prefixo / já presente no presente. / Nenhum meio de sair das onomatopeias originais. / É preciso, então, voltar.”]

[32] MERLEAU-PONTY, Maurice. La prose du monde. Paris: Gallimard, 1969, p. 42.

[33] Uma notável prova de leitura fenomenológica do problema entre o conteúdo e a forma é O olhar e o excedente, de Jacques Taminiaux. (Cf. Le regard e le excédent. La Haye: Martinus Nijhoff, 1977). Com efeito, a fenomenologia em geral, e em particular Merleau-Ponty, vai procurar fundamentar de maneira ontológica os fenômenos e a transcendência, isto é, a possibilidade de conter, no visível, algo que o exceda, o invisível. Arild Utaker, no texto La philosophie du langage: une archéologie saussurienne (Paris: PUF, 2002), chama isso de “o idealismo” da fenomenologia, ocupada principalmente com o “conteúdo” da consciência e as manifestações da subjetividade. Porém, nós sabemos que, mesmo em Husserl, o carimbo de “idealista” não é simples. Merleau-Ponty idealista? Menos ainda. Tocaremos nesse ponto mais adiante.

[34] Cf. “Poderíamos lhes endereçar a censura de tentar apresentar um Saussure incensurável: eles [os editores do Curso] apagaram tudo o que podia aparecer como confuso, contraditório, ou mesmo tudo que revela um pensamento a procura, o pesquisador inquieto, que tendem a fazer um mestre.” GADET, Françoise. Saussure: une science de la langue…, p. 24.

[35] Como em outros momentos da filosofia merleau-pontyana (pensemos na “Gestalt” e na “física quântica”), trata-se de retirar, das ciências que descobriram esses conceitos, os efeitos filosóficos de suas descobertas.

[36] BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure..., p. 289.

[37] Idem, p. 75.

[38] DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p. 258.

[39] GADET, Françoise. Saussure: une science de la langue…, p. 33.

[40] Trata-se da principal imagem utilizada por Saussure, ao longo dos seus cursos.

[41] MERLEAU-PONTY, Maurice. A prosa do mundo. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, p. 23.

[42] KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna et al. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.

[43] GADET, Françoise. Saussure: une science de la langue…, p. 34.

[44] NOVALIS. Pólem: fragmentos, diálogos, monólogo. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Iluminuras, 1988, p. 195.

[45] BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure..., p. 72.

[46] BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure..., p. 72.

[47] Idem, p. 92.

[48] De fato, a obra de arte explora mais de um sentido...

[49] KANT, Emmanuel. Essai pour introduire en philosophie le concept de grandeur négative. Traduction et notes par R. Kempf. Préface de G. Canguilhen. Paris: J. Vrin, 1991, p. 15.

[50] Idem, 16.

[51] No ensaio: O invisível como negativo do visível: a grandeza negativa em Merleau-Ponty (Revista Trans/ Form/Ação. Volume 27(1). São Paulo: Editora na UNESP, 2004.), Luiz Damon Moutinho explora o alcance epistemológico do conceito kantiano de grandeza negativa, aplicado à ontologia do sensível de Merleau-Ponty. Trata-se aqui, de modo semelhante, de aplicar o conceito de grandeza negativa ao contexto da linguagem.

[52] Ibidem. Seguimos na tradução o “espírito”, não a “letra”, indicando a parte modificada em itálico.

[53] KANT, I., 1991, p. 17.

[54] Ele é “nihil negativum repraesentabile”, e não “nihil negativum irrepraesentabile”, como afirmou Mauro Carbone (Le sensible et l´excédent. In: Notes de cours sur L´origine de la géométrie de Husserl, suivi de Recherches sur la phénoménologie de Merleau-Ponty. Paris: PUF, 1998, p. 174). Trata-se de um erro gravíssimo, porque não confere com o texto kantiano. Carbone acreditou ganhar ao corrigir o texto kantiano, mas se esquecendo de que podemos, sim, pensar o nada absoluto em espírito, embora não possamos encontrá-lo, ou seja, Kant percebeu que o nada negativo é representável apenas para o pensamento.

[55] KANT, I., 1991, p. 17-18.

[56] Idem, p. 18.

[57] KANT, I., 1991, p. 19.

[58] Exemplos de Kant. Idem, p .25.

[59] Cf. BARBARAS, Renaud. Le tournant de l’expérience: recherches sur la philosophie de MerleauPonty. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1998. Este trabalho é a “segunda maturidade” da leitura de Renaud Barbaras de Merleau-Ponty, uma vez que já havia lhe dedicado um estudo sistemático em De l’être du phénomène: sur l’ontologie de Merleau-Ponty (Grenoble: Jérôme Millon, 1991).

[60] MERLEAU-PONTY, Maurice. Notes de cours sur L´origine de la géométrie de Husserl, suivi de Recherches sur la phénoménologie de Merleau-Ponty. Paris: PUF, 1998, p. 29. Grifos do autor.

[61] Idem, p. 43. Traduzimos por “entrar em órbita” a expressão verbal “pivote” [do fr. “pivoter”: girar em torno de um pivô].

[62] Idem, p. 44.

[63] MERLEAU-PONTY, Maurice, 1998, p. 44.

[64] MERLEAU-PONTY, Maurice. O Visível e o invisível. Trad. José Artur Gianotti e Armando Mora d’Oliveira. São Paulo, Perspectiva, 1984, p. 252.

[65] Embora a filosofia da linguagem de Merleau-Ponty seja acompanhada, como se sabe, de uma ontologia do sensível, podemos afirmar que Heidegger caminha para a ontologia e Merleau-Ponty para a filosofia da linguagem, se tomamos o critério apontado exatamente pela ciência da linguagem e a linguística de Saussure, que Heidegger não conhecia. Cf. MESCHONNIC, Henri. Le langage Heidegger. Paris : PUF, 1990.

[66] SOUCHE-DAGUES, Denise. Du Logos chez Heidegger. Paris : Million, 1999, p. 9.

[67] GREIMAS, A. J. De l´imperfection. Paris: Pierre Fanlac, 1987, p. 193.

[68] MERLEAU-PONTY, Maurice. Notes de cours sur l´origine…, p. 17.

[69] É bom lembrar que “ente”, do grego on, ontos, particípio presente do verbo ser, possui uma diferença (gramatical e ontológica) em relação ao ser.

[70] MERLEAU-PONTY, Maurice. Notes de cours sur ´origine…, p. 21. 72 Idem, p. 11.

[71] Note-se que temos aí três graus distintos de depósito verbal: A) os signos; B) o “impensado” dos signos, isto é, o que não dizem, mas provocam, apontam, acenam; e C) a miragem do indizível, como forma de limite.

[72] No ensaio de Luiz Damon Moutinho, já citado anteriormente (O invisível como negativo do visível: a grandeza negativa em Merleau-Ponty. Revista Trans/Form/Ação. Vol 27(1), 2004, p. 17, lemos: “O invisível não pode mais ser o contraditório do visível” (p. 16), pois, semelhante ao trabalho do negativo na linguagem, não se trata de contradição lógica, mas produtiva e operante. Outra frase do texto de Moutinho contém a mesma linha de sentido: “[...] não há percepção sem impercepção, e isto por razões de princípio. ‘Ver é sempre mais do que ver’, diz ele [Merleau-Ponty], há ‘o invisível do visível’, [pois] toda visibilidade comporta, necessariamente, ‘não-visibilidade’”.

[73] Idem, p. 21-22.

[74] Idem, p. 19.

[75] Cf. “Como é insólito começar o estudo da fala por sua função, digamos, mais complexa, e ir daí ao mais simples, temos de justificar o procedimento fazendo entrever que o fenômeno da expressão, tal como aparece na fala literária, não é uma curiosidade ou uma fantasia da introspecção à margem da filosofia ou da ciência da linguagem”. MERLEAU-PONTY, M. A prosa do mundo..., p. 37.

[76] MERLEAU-PONTY, Maurice. Notes de cours sur l´origine…, p. 13.

[77] MERLEAU-PONTY, Maurice. Notes de cours. Paris : Gallimard, 1996, p. 191.

[78] Idem, p. 86.

[79] MERLEAU-PONTY, M. A prosa do mundo..., p. 54.

[80] Daí toda diferença, em “A realidade e sua sombra”, entre a linguagem poética (cujo fim é ela mesma) e a cotidiana (meio para algo), neste texto em que Merleau-Ponty lembra Sartre e aquela distinção em “O que é a literatura?” Cf. MERLEAU-PONTY, M. Parcours. (1935-1951). Paris: Verdier, 1997, p. 123.

[81] MERLEAU-PONTY, M. A prosa do mundo..., p. 52.

[82] MERLEAU-PONTY, Maurice. Notes de cours sur L´origine…, p. 22.

[83] Idem, p. 30.

[84] DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p. 287.