a ironia na teoria do romance: da exigênCia normativo-ComPoSiCional do romanCe em goethe ao viver a arte em novaliS
RESUMO: O presente artigo busca explicitar o conceito de ironia na Teoria do romance. A explicitação do conceito de ironia se desdobrará num desenvolvimento duplo: como exigência normativocomposicional e como radicalização subjetiva que excede a normatividade. No primeiro sentido, a ironia configura subjetivamente uma totalidade na obra épica, partindo da sua fragmentação objetiva nas relações sociais modernas. Nessa acepção, a ironia se apresenta como uma manobra subjetiva a serviço da normatividade épica do romance, pois sua finalidade é harmonizar o ideal subjetivo com a objetividade histórica burguesa. Seu paradigma é representado, neste artigo, por Goethe. O outro sentido pelo qual a ironia romântica aparece é demarcado pela forma extremada da subjetividade. Esta, reconhecendo uma impossibilidade de realização de seu ideal harmônico na modernidade, porque o mundo moderno se lhe apresenta como uma efetividade oposta aos anseios subjetivos, refugia-se na própria interioridade e se distancia do mundo presente, buscando refúgio em tempos e lugares mais propícios à realização poética. Novalis é o modelo dessa ironia radicalizada. Essa forma irônica, ao contrário da “cadência irônica” de Goethe, aniquila a forma romance, uma vez que o aspecto subjetivo da pura reflexão, a lírica, se sobrepõe à objetividade histórica presente que o romance também necessariamente deve encerrar.
PALAVRAS-CHAVE: Jovem Lukács. Ironia. Romance. Goethe. Novalis.
Lukács começa a desdobrar o conceito de ironia, na Teoria do romance, afirmando sua “complexidade”, o seu caráter excessivamente intricado e complicado na consecução da determinação normativa épica do romance. Diznos ele que “[...] o conteúdo da ironia, a intenção normativa do romance” está “[...] condenada, pela estrutura de seus dados a uma extrema complexidade” (LUKÁCS, 2000, p. 85). A “complexidade” representada pela ironia, como elemento composicional do romance, pode ser sumariamente descrita da seguinte forma ou a partir da seguinte problemática: a subjetividade do escritor é aquela que deve fornecer “coesão” aos elementos “heterogêneos e descontínuos” (LUKÁCS, 2000, p. 85.) do romance, ou seja, é a intenção do sujeito que fornece unidade das relações entre os personagens, a conexão dos vários personagens com o fim do personagem principal e com o mundo circundante particularizado, o que significa dizer, em outras palavras, uma exigência de conexão que aponta para a hegemonia do processo formativo do autor.
Ora, mas essa subjetividade criadora pode transcender a forma do romance que, como gênero épico, deve configurar as relações sociais objetivas da sociedade fragmentária moderna, na medida em que a narração do mundo presente – do qual tanto o artista quanto o herói são partes – é um imperativo “normativo” do romance. O problema, portanto, assim se configura: como o artista do romance pode fornecer uma unidade épica de um mundo no qual a unidade não se encontra mais presente na “empiria da vida” e, manifestamente, como o artista, ao configurar um mundo unitário na obra, pode se precaver de se afastar desse momento histórico fragmentário que deve, igualmente, aparecer? Como não substituir a objetividade do romance por aspectos acentuadamente subjetivos, subtraindo dessa maneira a sua normatividade épica? Em outros termos, isso significa que, do ponto de vista da sua exigência de composição, o romance se move na contradição permanente entre o lugar subjetivo do autor – sua ação formadora, que aparece como princípio fundamental – e a exigência de que nesse formar se apresente, ao mesmo tempo, um mundo fragmentário que, por sua vacuidade de sentido, é oposto ao herói, à subjetividade, que também no interior da própria narrativa aparece como formadora, doadora de sentido.
O escritor e o herói modernos são, em Lukács, o paradigma para pensar a ironia como a “tentativa” do homem do romance em resolver a dissonância entre “eu e mundo”, ironia que assim aparece como um “não-querer-saber e [...] não-poder-saber” (LUKÁCS, 2000, p. 93) da falta de sentido do mundo. Contudo, esse não-querer-saber da falta de sentido não significa, quando a ironia se guia pela normatividade épica da forma romance, uma completa evasão para regiões mais próximas de sentido. A “manobra” normativo-composicional da ironia romântica, na sua relação com o mundo moderno, não é um artifício engenhoso capaz de efetivamente impregnar a objetividade com os conteúdos de sua aspiração subjetiva. Ela apenas pode, no interior da fragmentação moderna, encontrar uma totalidade e unidade ainda uma vez formal e abstrata, posto que se trata de uma realidade harmônica apenas na obra. O ainda uma vez, usado por nós, trata de enfatizar aquilo que para Lukács caracteriza o esforço irônico como manobra subjetiva: o fato de que ele é um esforço de “autocorreção” subjetiva, uma tentativa do sujeito irônico de superar a sua própria subjetividade – tentativa de superação que é ela mesma subjetiva, lírica e reflexiva – com a finalidade de garantir a configuração romanesca da objetividade do presente, a configuração do homem fragmentado que aspira a constituir sentido em um mundo igualmente fragmentado (LUKÁCS, 2000, p 86).
Para a configuração da forma romanesca, no que toca às suas leis normativas, a lírica e a reflexão do escritor devem vir mitigadas pela vigília da subjetividade em busca de configurar as relações objetivas burguesas. Isso significa, para Lukács, que a “autocorreção” e a “autossuperação” levadas a efeito pela ironia do escritor são, igualmente, líricas e reflexivas.[2] Isso aparece porque, tanto na obra como na vida (e aqui expediente artístico-estilístico não se separa da concepção irônica da vida), a ironia permanece presa à própria subjetividade, já que é este o princípio determinante que ainda pode dar algum sentido à vida.
Na obra épica romanesca, a subjetividade heroica precisa se exteriorizar no mundo, e sabe, de antemão, da não realização da resolução da dissonância entre subjetividade e objetividade. Esse saber é aplicado tanto aos personagens do romance que “[...] em puerilidade poeticamente necessária sucumbem na realização dessa crença”, quanto é aplicado “contra a sua sabedoria”, contra a própria subjetividade, “[...] obrigada a encarar a futilidade dessa batalha e a vitória definitiva da realidade” (LUKÁCS, 2000, p. 87). Essa vitória aparece no reconhecimento resignado do herói da impossibilidade de realizar os seus ideais subjetivos no mundo fragmentado burguês.
O romance é a configuração dessa batalha entre o “eu e o mundo” desprovido de sentido, a luta do indivíduo em tentar impregnar o mundo exterior com o seu sentido subjetivo. Todavia, o mundo exterior não se apresenta permeável aos anseios individuais da alma, porque no mundo vige uma lógica objetiva, na qual o sujeito e seus anseios aparecem apenas como uma parte ínfima na engrenagem do todo constituído. A ironia é, portanto, a docta ignorantia, segundo Lukács, dessa impossibilidade de realização dos anseios da alma subjetiva no mundo objetivo. Essa ignorantia permite que o herói, com seu fim subjetivo, saia a campo e se defronte com o mundo exterior. Essa mesma ironia, que permite na obra que o herói se exteriorize no mundo e trave uma luta com ele – o que garante a objetividade épica do romance –, reconhece que, ao final, essa luta está fadada a ter impreterivelmente apenas um vencedor, o mundo objetivo (LUKÁCS, 2000).
Na luta romântica do indivíduo com o mundo, Lukács salienta o aspecto negativo da ironia, a recusa da fragmentação burguesa que nela se apresenta. Porém, reconhece também e destaca o aspecto limitado, subjetivo, dessa negação. Tal limitação é a da própria subjetividade irônica, presa à mesma lógica fragmentária do mundo que a sustenta. A ironia é, assim, a única forma de recusa ainda possível ao indivíduo solitário do mundo burguês, dum “mundo sem Deus”, recusa que revela, de um lado, que a realidade não é a forma necessariamente existente e, por outro lado, ao reconhecer a realidade como vencedora na resignação do herói, que não consegue impregnar o mundo com os seus anseios, revela que a subjetividade é demasiado isolada e centrada em fins particulares para desenvolver uma saída que vá além do solo constitutivo dessa mesma subjetividade. (LUKÁCS, 2000, p. 95-96).
Os componentes constituintes da ironia, para Lukács, desdobram-se a partir da pergunta pela “legalidade artística” do romance, porque a épica moderna não se apresenta como exposição de uma “forma consumada”, mas como “ética do sujeito formador”, como determinação da criação ou do formar subjetivo. Na épica antiga, na epopeia, ao contrário, a ética do sujeito, outro termo de Lukács para designar a intenção do artista, “[...] é algo anterior à figuração” (LUKÁCS, 2000, p. 72). Na forma consumada da epopeia “[...] a ética é um pressuposto apenas formal” (LUKÁCS, 2000, p. 72), pois a unidade entre ser e essência ou entre herói e substância e a totalidade da obra já é determinada a priori pela forma, determinação que se encontra em consonância com o conteúdo histórico do qual ela é a expressão. O conteúdo interno da forma consumada da epopeia, incorporada pelo herói, não se determina de modo processual, mas o herói já é constituído como herói a priori, bem como o seu fim já aparece consumado de modo igualmente apriorístico. No romance, ao contrário, a intenção está presente tanto no arremate da totalidade e na unidade dos elementos da forma, como na constituição do próprio conteúdo. O herói da épica moderna, do romance, não “nasce” herói, tampouco o seu fim é determinado a priori, mas, diferentemente, tanto o herói como o seu fim, se constituem individualmente como “processo”, como “devir”.
Essa relação complexa entre forma e conteúdo no romance fez com que este fosse muitas vezes tachado (sem razão, acrescenta Lukács) de “semiarte (Halbkunst)” (LUKÁCS, 2000, p. 73). É justamente no argumento de Lukács para “salvar” o romance da categoria de “semiarte” que a complexidade da relação entre intenção artística e objetividade do conteúdo se desdobra na complexidade da ironia como fator determinante de uma tentativa de unidade entre ambas. O conteúdo da ironia aparece como uma tentativa de autocorreção ou como um duplo desdobramento da subjetividade. De um lado, a intenção do escritor não deve aparecer na sua integralidade no conteúdo – o que significaria um descambar para a pura lírica –, para não apagar a objetividade que o romance deve narrar. Por outro lado, essa objetividade não traz mais consigo, tal como na epopeia, uma objetividade na qual a totalidade de sentido está posta e em unidade com a ação do herói. Por isso, a subjetividade criadora deve fornecer o arremate capaz de pôr em “equilíbrio” ambos os complexos. Esse movimento, portanto, exige a vigília da subjetividade do escritor em não se tornar demasiado subjetiva ou, nas palavras de Lukács, esse movimento se manifesta como “[...] a reflexão do indivíduo criador” (LUKÁCS, 2000, p. 86) que busca corrigir o subjetivismo do qual ele mesmo é consciente. Assim, se o equilíbrio da forma, no romance, é perseguido subjetivamente, essa subjetividade que busca o equilíbrio deve se resguardar conscientemente de si mesma, a fim de garantir a objetividade épica exigida pelo romance. Essa reflexão do indivíduo criador caracteriza, enquanto busca de autocorreção da subjetividade, uma tentativa desta em manter-se em “silêncio” e “inexpressa” (LUKÁCS, 2000, p. 94) como condição para que a objetividade apareça.
A questão é que esse “silêncio”, na concepção de Lukács, é “[...] ainda mais subjetivo que a manifestação aberta de uma subjetividade claramente consciente, e portanto [...] ainda mais abstrata” (LUKÁCS, 2000, p. 74). Esse elemento abstrato, reflexivo, que mantém o equilíbrio entre a subjetividade épica criadora e o mundo fragmentário da forma romance é o que Lukács caracteriza, do ponto de vista normativo-composicional, como ironia. A ironia se apresenta, por conseguinte, como uma necessidade de “[...] esquecer as cisões insanáveis do mundo” (LUKÁCS, 2000, p. 35), olvidar-se da impossibilidade de reconciliação, na vida, do homem com esse mesmo mundo. Tal esquecimento da cisão, da impossibilidade de congruência entre homem e mundo, é a condição da criação e garantia da totalidade e unidade na forma, na obra.
E nesse sentido, para Lukács, a “cadência irônica” (LUKÁCS, 2000, p. 145) de Goethe, n’Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, conduz a uma unidade do todo na forma, isto é, realiza a forma romance harmonizando a subjetividade criadora do escritor com a objetividade fragmentária do mundo burguês. A ironia configura, desse modo, os homens agindo no próprio mundo das instituições burguesas. Ela é aplicada por Goethe visando à transformação, na obra, dos fins efetivos das estruturas burguesas. Estas, se na realidade são impermeáveis aos anseios da alma – impermeabilidade que a própria obra deve também apresentar, revelar (enthüllen), para usar o termo de Lukács – quando transfiguradas pela ironia, apresentam-se dotadas de um sentido doado pelo sujeito. Essa transfiguração do sentido é possível a partir das finalidades subjetivas dos personagens do romance que, por assim dizer, revestem as estruturas com um sentido que se origina na própria subjetividade, isto é, ela é uma “idealização” subjetiva presente no herói que fornece algum sentido à mediocridade e prosaísmo das instituições. Nesse movimento de transfiguração, o autor escolhe certas esferas da realidade como mais permeáveis a essa transmutação de sentido. Tal escolha, consequentemente, significa ao mesmo tempo a exclusão daquelas estruturas que são mais impermeáveis ao esforço de idealização.
Na “cadência irônica” de Goethe, a escolha de um cenário da vida agrária e de relações pré-capitalistas para expor a propriedade privada “humanizada” pelos ideais de Lothário, ou do teatro, como lugar que permite uma maior atividade criadora dos heróis, torna crível a busca dos personagens por dar sentido a estruturas prosaicas, transformando-as segundo suas finalidades subjetivas. As estruturas são configuradas como “pretexto” para realização de fins que se encontram além delas, uma “manobra” irônica do escritor que elabora uma “homogeneização prévia” (LUKÁCS, 2000) dos fins do personagem com a realidade sabidamente aprimorada pela subjetividade. Nessa homogeneização prévia, que funciona como a condição de realização da utopia do escritor na obra, encontra-se o caráter duplamente subjetivo da ironia: a criação de uma realidade formal em consonância com a objetividade da realidade presente fragmentária, criação capaz de, entretanto, apresentar também uma nova realidade harmônica na obra.
Quando essa ironia é radicalizada, isto é, quando se descola inteiramente da realidade histórica presente na tentativa de criar uma unidade harmônica na vida, de impregnar a vida prosaica com conteúdos poéticos da subjetividade, ela está, segundo Lukács, fadada ao fracasso, porque aniquila a forma romance “[...] sem criar realidade” (LUKÁCS, 2000, p. 160). A posição de Lukács em relação a Novalis, na Teoria do romance, é a que mais diretamente se refere a essa impossibilidade da ironia de criar realidade efetiva, ao aniquilar a forma romance pela ausência de sustentação épica. Conforme Lukács, a pretensão romântica de Novalis o afasta da forma épica romântica, porque ele não configura objetivamente o mundo fragmentário das relações burguesas, mas transporta, ao contrário, a configuração para outros lugares e tempos nos quais a harmonia está posta. Para Lukács, essa evasão do próprio tempo e lugar presentes faz com que Novalis esbarre na lírica, na pura reflexão, já que, ao deslocar a ação do tempo presente, a subjetividade do autor cria lugares e tempos inteiramente subjetivos, desvinculados da objetividade, perdendo assim o seu fundamento épico.
A polêmica desenvolvida por Novalis com Goethe ilustra bem a diferença apontada por Lukács entre a forma irônica posta a serviço da normatividade composicional do romance e a sua radicalização na pura reflexão. Trata-se, para Novalis, na sua polêmica com Goethe, que Lukács retoma nas páginas de sua Teoria do romance, de apontar no Meister de Goethe uma expressão apoética do mundo. Isso se daria justamente porque Goethe configura uma tentativa de unidade e harmonia entre alma e mundo, a partir e no interior das relações sociais prosaicas. “Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister [...]”, sentencia Novalis, “[...] são de certo modo inteiramente prosaicos e modernos. Nele o elemento romântico cai por terra [...]. Ocupa-se ele de coisas meramente corriqueiras [...]. É uma história burguesa e doméstica poetizada [...]. ateísmo artístico é o espírito do livro. [...] no fundo, ele é apoético (undichterisch) no mais alto grau, por mais poética que seja a exposição” (LUKÁCS, 2000, p. 146).
Ora, a coisa se dá da seguinte forma para Novalis: Goethe comete um “sacrilégio” contra a poesia, ao configurar a ação dos seus personagens tendo como ponto de partida um mundo social cujas estruturas em nada se adequam à ação poética. O “elemento romântico” que Novalis acusa haver caído por terra no Meister, a acusação da fraca força romântica de Goethe é, segundo a concepção de Lukács, a sua maior fortaleza, porque a ironia, outro termo para dizer do “elemento romântico”, aparece “regulada” pelo domínio da subjetividade vigilante que o impede de declinar para o extremo da pura reflexão, da pura lírica. Sob o ponto de vista da normatividade da forma do romance, Lukács concebe que o romantismo de Goethe está em seu lugar, pois a subjetividade irônica, que nele segue uma cadência ritmada pelo equilíbrio épico, garante a exposição da objetividade requerida pelo romance, ao invés de se configurar uma evasão do mundo presente, como ocorre na ironia de Novalis. O que Novalis acusa em Goethe é, assim, o que Lukács saúda, porque o que Novalis trata como “apoético” é, na verdade, para Lukács, a sua grande virtude poética, qual seja, o reconhecimento de que na modernidade só é possível uma totalidade harmônica e com um mínimo de sentido, quando realizada pela obra em separação com a vida, sem, contudo, deixar de lado, ao configurar, a própria vida presente.
Nesse sentido, podemos entender que, ao apontar a força normativa do uso da ironia por Goethe, Lukács também considera que o desenvolvimento da ironia em Novalis é a manifestação do seu mais alto grau de intensidade, diante da qual a ironia de Goethe é mesmo ainda fraca ou acanhada como quer Novalis, demarcando o prosaísmo de Goethe. É que a subjetividade radicalizada por Novalis – que se apresenta na criação subjetiva de tempos e lugares mais adequados à ação heroica, ao reivindicar uma completa poetização do mundo – é o desenvolvimento pleno da ironia romântica. Esse desenvolvimento, porém, recai antes na pura lírica do que no equilíbrio épico de Goethe.
O que tentamos explicitar com essa observação é um duplo aspecto contido nesse problema. Se é possível estabelecer a concordância de Lukács com Novalis, quanto ao que este nomeia como o “apoetismo” de Goethe, ou seja, quanto à fraqueza de sua ironia, isso está longe de significar uma concordância de Lukács com as conclusões que orientam a leitura de Novalis sobre Goethe. De um lado, como acabamos de apontar, no que se refere ao aspecto normativo-composicional, porque a ampliação do espaço do sujeito irônico reivindicada por Novalis significa romper o equilíbrio exigido pela forma épica romântica. De outro lado, quanto à própria questão de fundo, referente às possibilidades da subjetividade irônica reivindicada por Novalis.
Novalis é criticado por Lukács, porque sua poesia ou a harmonia configurada pela obra poética não se coloca como limite em relação à vida empírica presente, mas quer, antes, impregnar a realidade com o sentido harmônico que a obra configura. A ironia aqui aparece em seu pleno desenvolvimento, porque se refere exclusivamente ao eu, à falsa ilusão do “formalismo do eu”, à qual alude Hegel na Estética, de que é possível implementar conteúdos subjetivos no interior das relações prosaicas efetivas.[3] O eu irônico radicalizado olha para o mundo das relações burguesas e não encontra nele uma objetividade propícia à realização dos anseios subjetivos da alma poética. Olha para o casamento, por exemplo, e percebe que a relação de marido e mulher está fundamentada nas relações sociais burguesas: o homem é provedor do lar, a mulher se encarrega dos afazeres domésticos, os filhos são amados, porque são propriedades dos pais, como assevera Schlegel, em Lucinde.[4] Schlegel parece acertar, seguindo o raciocínio de Lukács, na sua recusa ao engessamento institucional do casamento burguês. E a ironia parece estar aqui a serviço do desvelamento da falta de sentido da prosa do mundo, característica da ironia valorada positivamente pelo autor da Teoria do romance. Entretanto, impossibilitado de transmutar as relações burguesas a partir da interioridade isolada, o romântico então se enclausura nessa interioridade. Nesse enclausuramento, contudo, o homem deseja, ainda assim, impregnar o mundo objetivamente constituído com conteúdos mais próximos à sua alma romântica. Neste segundo movimento, todavia, a ironia extrapola a normatividade épica porque tais conteúdos são resgatados de tempos e lugares passados – conteúdos constituídos subjetivamente, porque idealizados[5] –, nos quais ainda era possível, no caso do casamento usado como exemplo, o amor romântico em contraposição ao prosaísmo da institucionalização da afetividade.[6]
Se Lukács, distanciando-se de Hegel, pensa positivamente o aspecto de recusa do mundo institucionalizado e prosaico, presente na ironia romântica ao revelar a falta de sentido do mundo, ele pensa igualmente, por outro lado, que essa mesma ironia, em seu desenvolvimento pleno subjetivo – e aqui Lukács se aproximar da crítica de Hegel à ironia – surge como uma recusa isolada subjetiva que se refugia em alguma “realidade feérica” (LUKÁCS, 2000, p. 146).
Reconhecendo que a obra poética deve representar um limite em relação ao mundo, Lukács aponta que qualquer tentativa de impregnar o mundo com a harmonia da forma terá que cair inevitavelmente na tentativa de “panpoetiz[á-lo]” (LUKÁCS, 1975, p. 86), o que leva esse esforço ao âmbito da “pura reflexão”, a uma ambição subjetiva desmedida que não cria a forma épica nem transforma o mundo real. O limite da crítica do mundo efetivo pela obra demarca, assim, o próprio limite da recusa da subjetividade romanesca ao mundo presente, pois indica a fraca força da subjetividade isolada em opor-se ao mundo efetivo. A subjetividade que se autocorrige epicamente, em Goethe, assinala a consciência da força da objetividade do mundo efetivo, e esse limite aparece no reconhecimento pelo escritor da possibilidade de construir uma harmonia e totalidade apenas na obra. Essa ironia limitada epicamente, ao mesmo tempo, não deixa de denunciar a falta de sentido do mundo, embora reconheça a força efetiva deste, quando apenas ressignifica as próprias estruturas do mundo prosaico nas estruturas forjadas da obra.
No movimento irônico do escritor que constitui uma objetividade épica, mesmo que este mantenha intacta a realidade efetiva, revela-se também a falta de sentido desta, justamente porque a sua exposição artística constata que as estruturas sociais efetivas possuem fins e uma lógica própria não permeável aos anseios da alma, estruturas nas quais o menos fundamental é o homem e as aspirações essencialmente humanas. A fazenda de Lothário nos servirá para esclarecer essa problemática da capacidade, perceptível na ironia, de desvelamento da falta de sentido do mundo. Essa potência será pensada em relação ao problema do limite objetivo da ironia na transformação de fins explicitada no romance. O personagem de Goethe quer introduzir na estrutura social da propriedade privada rural, na relação econômica entre proprietário e empregado, finalidades mais “humanitárias”, pois pretende realizar uma distribuição mais generosa dos ganhos da fazenda com os seus trabalhadores. Isso se expõe na indagação de Lothário, na qual este se interroga deste modo: “[...] não devo conceder também àquele que comigo e para mim trabalha sua parte nos benefícios que os largos conhecimentos e o progresso de uma época nos proporcionam?” (GOETHE, 2006, p. 414).
A falta de sentido do mundo ou a sua incongruência com a aspiração subjetiva aparece configurada no mesmo diálogo quando Lothário, reconhecendo a limitação objetiva de sua generosidade, salienta que “[...] em muitos setores relacionados com a administração de minhas propriedades, não posso prescindir dos serviços de meus aldeões, e devo ater-me estritamente a certos direitos” (GOETHE, 2006, p. 414). Nesse trecho do diálogo do fidalgo Lothário com Jarno está focalizado o reconhecimento da impermeabilidade das estruturas sociais modernas aos ideais humanitários, reconhecimento da falta de sentido do mundo que permite ver que o indivíduo do romance é “[...] tão empírico, tão cativo do mundo e confinado à sua interioridade, quanto aqueles que se tornaram os seus objetos” (LUKÁCS, 2000, p. 75). A falta de sentido do mundo se expõe na impossibilidade do romance em transformar radicalmente o fim das estruturas efetivas, porque o ponto sobre o qual a recusa do sujeito do romance constrói seu ninho é o do indivíduo isolado da sociedade civil burguesa que reconhece a sua própria limitação. Sobre o aspecto limitado da idealidade do homem do romance, limitação que aparece na recusa irônica alicerçada a partir da lógica do indivíduo isolado, sublinha Lukács que,
[...] na medida em que configura a realidade como vencedora, a ironia revela não apenas a nulidade do mundo real diante de seu adversário derrotado, não apenas que essa vitória jamais pode ser definitiva e será reiteradamente abalada por novas ressurreições da idéia, mas também que o mundo deve sua primazia menos à própria força, cuja grosseira desorientação não basta para tanto, do que a uma problemática interna – embora necessária – da alma vergada sob ideais. (LUKÁCS, 2000, p. 87).
A realização do ideal, desse modo, somente pode aparecer como uma transformação delgada, constituída sob os fundamentos da realidade convencional, que apenas repõe a lógica teleológica econômica do mundo da convenção. O “complexo de sentido petrificado” (LUKÁCS, 2000, p. 64), outro nome para designar a convenção que vige nas relações sociais burguesas efetivas, permanece intacto por meio desse esforço irônico, restrito pela vigência objetiva das estruturas do mundo presente.
A prisão do sujeito do romance ao mundo burguês aparece na conservação, por parte dos ideais subjetivos de Lothário, das relações essencialmente econômicas e jurídicas que se estabelecem na realidade efetiva da convenção. O homem do romance permanece, para Lukács, “confinado” em seus próprios interesses subjetivos, visto que – ainda estamos falando de Lothário – mantém o foco nas “vantagens” individuais obtidas com a mudança de gestão em sua propriedade. Diz-nos ainda uma vez Lothário: “[...] vejo também que outras atribuições me são vantajosas [...] nem sempre se perde quando se abre mão de algo” (GOETHE, 2006, p. 414). Essa sentença do nobre personagem de Goethe revela, assim, a sua permanência no “ideal” do produtor individual de mercadorias, indivíduo privado da sociedade civil burguesa, descrito por Hegel “[...] como pessoas privadas, que têm por fim seu interesse próprio” (HEGEL, 2000, § 187). O romance possui esse limite, para Lukács, limitação da própria subjetividade constituída a partir da separação do mundo fragmentário.
Quando a subjetividade irônica se manifesta no seu desenvolvimento pleno, radicalizado, se afastando do solo histórico que lhe dá sustentação, como ocorre com Novalis, além de deixar intacta a realidade, ela perde de certa forma a capacidade, mesmo limitada, da ironia epicamente constituída, de retirar o véu da falta de sentido do mundo efetivo. Tal acontece porque a ironia, em sua ilimitação, configura a ação do homem distante de sua própria realidade, ou seja, porque essa subjetividade aparece sem limites objetivos diante do mundo prosaico real, porque o que ela configura ou forma é um outro mundo, contraposto poeticamente ao mundo presente. Em Novalis, o tipo analisado por Lukács como paradigmático dessa ilimitação subjetiva, não se trata de romantizar uma parte da realidade (que em Goethe aparece na escolha de certas estruturas permeáveis à transformação de sentido), mas de pretender romantizar toda a realidade. Trata-se de retirar o solo histórico presente da realidade prosaica e de transportar a totalidade épica para regiões que estão “além da problemática” da separação entre homem e mundo, regiões adequadas à forma poética requerida pela subjetividade. Novalis recorre a uma configuração que remonta à época da cavalaria e, desse modo, pretende criar uma “totalidade terrena fechada” (LUKÁCS, 2000, p. 146) em total contraposição à realidade prosaica moderna.
A transcendência ao mundo presente que Novalis quer “tornar manifesta” – que pretende restituir em sua construção a ação do herói justificada pela unidade com a substância – não pode mais existir, segundo Lukács, de forma “espontânea”, mas somente pela subjetividade lírica, “puramente reflexiva”, isto é, baseada numa subjetividade que, de forma imaginária, se transporta para “além” da realidade presente. Se a “cadência irônica” de Goethe obtém sucesso pelo menos em parte, acrescenta Lukács, na tentativa de configurar uma unidade entre subjetividade e objetividade, em Novalis, ao contrário, “a cadência irônica” aparece no descompasso de uma ironia que quer “romantizar a realidade”, que não se deixa limitar por ela.
A radicalização da subjetividade por Novalis, nessa perspectiva, se o afasta da obtenção de sucesso em constituir uma unidade épica romântica,[7] não o afasta da ironia, mas, ao contrário, a aprofunda, ao reivindicar essa romantização da realidade, a ponto de fazer desaparecer a realidade problemática moderna que é o seu pano de fundo histórico. Sobre isso, afirma Lukács que “[...] nessa cadência irônica de configuração romântica da realidade jaz o outro grande perigo dessa forma romanesca, ao qual apenas Goethe, e mesmo ele somente em parte, logrou escapar: o perigo de romantizar a realidade até uma região de total transcendência à realidade ou, o que demonstra com máxima clareza o verdadeiro perigo artístico, até uma esfera completamente livre e além dos problemas [...]” (LUKÁCS, 2000, p. 145). O que se acentua, na leitura por Lukács da posição de Novalis, em última análise, é a dificuldade deste em conceber a arte como uma forma autônoma, autonomia da forma que é revelada por Goethe na constituição de uma totalidade na obra apartada da realidade efetiva. Trata-se da recusa de Novalis em aceitar que na modernidade a arte se tornou apenas uma dentre tantas outras esferas e que seu conteúdo e forma não coincidem mais, imediatamente, com as relações prosaicas. O caráter formal e autônomo da arte apresenta a impossibilidade da experiência artística de impregnar o mundo efetivo com suas determinações. Na Alma e as formas, afirma Lukács (citando Novalis) que, para o primeiro romantismo alemão, “[...] a poesia é o modo de ação peculiar do espírito humano”, não é nenhuma “arte pela arte”, senão “panpoetismo” (LUKÁCS, 1975, 86).
Tem-se aqui, talvez, a herança mais importante da Estética de Hegel na teoria literária do jovem Lukács, aquela que dá consistência à separação entre os loci antigo e moderno, focalizada na Teoria do romance: porque Lukács, com Hegel, pensa que não é mais possível impregnar o mundo moderno de um conteúdo poético, tal como querem os românticos, o que significa nos termos de Lukács, a compreensão da evasão da substância no mundo moderno, o exílio de sentido em que se encontra a subjetividade, que é impossível cumprir o programa de um “viver poeticamente” de Novalis. O esforço de Lukács em demarcar a diferença entre os “loci” antigo e moderno e as suas correspondentes épicas ocorre em razão da exigência do reconhecimento (frisado por Hegel, em sua crítica aos românticos, e retomado por Lukács) de que o próprio mundo não é mais poético e de que nele não é mais possível viver e agir poeticamente, no sentido do poetizar antigo, uma vez que o próprio poetizar moderno, diferentemente do antigo, é produzido por uma subjetividade isolada e problemática que tem como pressuposto a separação entre seu poetizar e o mundo efetivamente existente.
A criação da forma artística a partir da subjetividade, em Novalis, se encontra de tal modo radicalizada que dissolve completamente os liames entre o mundo criado e o mundo efetivo. Há, em Novalis – e esta é também uma posição que Lukács retoma de Hegel – uma espécie de “má-consciência” dessa subjetividade irônica radicalizada, que consiste em realizar um duplo movimento: de um lado, ela reconhece a separação sob a qual está ancorada, separação que dá o seu próprio estatuto de sujeito diante (e contra) o mundo moderno fragmentado e antipoético. Isso aparece no movimento de transportar a objetividade para outra época mais rica de sentido, mais poética, o que significa, em negativo, a admissão do prosaísmo presente como condição do sujeito irônico. De outro lado, esse reconhecimento da efetividade é simplesmente formal, porque o sujeito volta inteiramente as costas a esse mundo objetivo, movimento que é tão formal quanto o seu reconhecimento. Ora, se o irônico imagina e constrói uma totalidade paradisíaca oposta ao mundo prosaico, a objetividade do mundo presente permanece inteiramente inalterada por este movimento de dela subtrair-se. O problema, para Lukács, está situado no fato de que o sujeito irônico radicalizado experimenta aquela má-consciência, porque ele reconhece e assume a subjetividade como um produto do mundo moderno, da reflexão, a sua própria, que por isso reconhece ainda o mundo do qual quer se separar enquanto este é um imenso nada de sentido. Esse reconhecimento da especificidade moderna, da “profundidade e grandeza subjetivas”[8] do seu próprio eu, o obriga, nessa desproporção com o vazio de sentido do mundo, a recorrer a um mundo no qual essa consciência subjetiva ou essa grandeza não estava posta. Essa desproporção, se é uma hipertrofia da subjetividade, é ao mesmo tempo uma autonegação, pois projeta o sentido que é produto de sua criação num mundo passado no qual o sentido, como “prontamente existente” era incompatível com essa subjetividade criadora.[9]
O valor absoluto dado à arte por Novalis é a tentativa de conceber a realidade com base na experiência artística, na possibilidade de restauração efetiva de um mundo no qual a ação heroica esteja aclimatada. Isso significa não a construção de uma “obra acabada e perfeita” ou de uma tentativa artísticocomposicional de uma totalidade harmônica apenas na obra, mas a exigência de que aquela manobra transborde na própria vida. Enfatiza Lukács que a “idade do ouro”, na qual a ação heroica estava alicerçada na substancialidade de um mundo comunitário, não aparecia apenas como um “sonho” distante, mas era, para os românticos, “[...] a meta a alcançar, a qual é dever de todo o mundo” (LUKÁCS, 1975, p. 86-7).
Em outras palavras, isso significa a crença de que a arte e o artista são capazes de mudar a vida, o que, aos olhos de Lukács, vem como uma “hipóstase [...] da estética em pura metafísica” (LUKÁCS, 2000, p. 35) e, desse modo, uma hipóstase da pura reflexão, da pura subjetividade. Em Novalis, a ironia aparece na sua acepção acabada. Essa ironia romântica não simplesmente “esquece” as fissuras do mundo e a sua (do mundo) aversão à consecução dos quereres individuais, esquecimento que torna possível a unidade e totalidade na obra, tal como a ironia de Goethe, que obtém sucesso na constituição da normatividade épica do romance, mas a ironia de Novalis é o próprio “desejo” de “aniquilar”, sob o ponto de vista do individuo isolado, a fissura e a separação na própria vida. O problema de Novalis, para Lukács, não está na tentativa de aniquilar a fissura na própria vida, mas no reconhecimento de que esse aniquilamento não pode se constituir pela reflexão individual do artista, e que tal reflexão é ainda mais abstrata e irônica do que a reflexão romântica equilibrada de Goethe, porque se aparta completamente da realidade objetiva e paira sobre o seu presente fragmentário, para constituir apenas reflexivamente uma realidade pretensamente mais adequada aos anseios da alma. O “viver poeticamente” que Novalis reivindica, como bem expressa sua crítica a Goethe, atribui à poesia uma potência que ela não mais possui: a de impregnar com sentido, através do sujeito isolado, lírico, tanto a vida individual (do herói e do artista) quanto o mundo. A hipótese de Lukács, na Teoria do romance, sobre um “novo mundo” dostoievskiano em oposição ao mundo moderno, que interroga sobre uma subjetividade que iria além dessa recusa ainda lírica ao mundo prosaico, aponta para o limite dessa crítica romântica a partir do sujeito isolado.
O que Lukács enxerga em Dostoiévski não é mais a subjetividade isolada, “monológica”, lírica, que procura realizar um sentido no mundo, pelo conteúdo individual da alma, mas, ao contrário, é a possibilidade de configuração de um sentido constituído com base numa comunidade de homens, na qual a subjetividade separada não aparece como a doadora isolada de sentido. Lukács reconhece que, enquanto a recusa do mundo se constituir a partir do sujeito fragmentário lírico, ela será uma negação formal da objetividade presente, negação que confirma o mundo moderno ao invés de negá-lo, uma vez que este se assenta justamente na autonomia formadora do sujeito. A negação formal de Novalis, assim, confirma o isolamento e formalismo do sujeito lírico, pois a sua potência poética consiste em produzir um mundo apenas imaginado em oposição ao mundo prosaico. A panpoetização ou a ação alicerçada na unidade imediata entre a alma poética e sua existência tornou-se impossível neste mundo que não mais autoriza a ação heroica em imediata unidade com a vida, restando-lhe apenas a apartação ilimitada da realidade prosaica, na qual a possibilidade dessa alma poética existir apenas pode se apresentar na “bela alma” em exílio do mundo real.
ABSTRACT: The present work intends to explain the concept of irony in the theory of the novel. The explication of the concept of irony unfolds in a double process: as a normative-compositional requirement and as a subjective radicalization that exceeds normativity. In the first sense, irony conceptually configures a totality in an epic work, based on the objective fragmentation in modern social relations. In this sense, irony is presented as a subjective move that serves the epic normativity of the novel, as its purpose is to harmonize the subjective ideal with historical bourgeois objectivity. Its paradigm is represented, in this article, by Goethe. The other sense in which Romantic irony appears is demarcated by the extreme form of subjectivity. This sense of irony, recognizing the impossibility of the realization of its harmonious ideal in modernity because the modern world presents itself as an effectivity opposed to subjective longing, takes refuge in its own interiority and distances itself from the present world, seeking refuge in times and places more propitious to poetical realization. Novalis is the model of this ironic radicalization. This ironic form, contrary to “ironic cadence” of Goethe, negates the novel form, because the subjective aspect of pure reflection, the lyrical, superposes the objective historical present that the novel inevitably must leave behind.
KEYWORDS: Young Lukács. Irony. Novel. Goethe. Novalis.
GOETHE, J. W. von. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Tr. Nicolino Simone Neto; apresentação de Marcus Vinicius Mazzari; posfácio de Georg Lukács. São Paulo: Editora 34, 2006.
HEGEL. G. W. F. Cursos de Estética, vol. I. Tr. Marco Aurélio Werle. – 2. ed. rev. – São Paulo: EDUSP, 2001.
______. Linhas fundamentais da filosofia do direito. A Sociedade Civil. Tr. Marcos Lutz Müller. Campinas: IFCH/UNICAMP, 2000.
KIERKEGAARD, S. O conceito de ironia. Constantemente referido a Sócrates. Tr. Álvaro Luiz Montenegro Valls. Petrópolis: Vozes, 1991.
LUKÁCS, Georg. A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. Tradução, posfácio e notas de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.
______. El alma y las formas. Tr. Manuel Sacristán. Barcelona; Buenos Aires; México, D. F: Grijalbo, 1975.
Recebido em: 02.01.2012
Aceito em: 23.02.2012
[1] Doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo. Autor do livro Poesia e prosa. Arte e filosofia na Estética de Hegel. E-mail: antoniovieira@usp.br.
[2] “[…] o romance, reunindo em si todas as formas, assimil[a] em sua estrutura a pura lírica e o puro pensamento” (LUKÁCS, 2000, p. 80-1).
[3] “No ponto de vista em que se encontra o eu do artista que estabelece tudo a partir de si mesmo e o desfaz, para o qual nenhum conteúdo aparece à consciência como absoluto e em si e para si, mas somente como aparência feita por ele mesmo e passível de ser destruída,, tal seriedade não pode encontrar lugar, já que é atribuída validade apenas o formalismo do eu” (HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética, vol. I. Tr. Marco Aurélio Werle. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2001, p. 82).
[4] Cf. apud KIERKEGAARD, S. O conceito de ironia. Constantemente referido a Sócrates. Tr. Álvaro Luiz Montenegro Valls. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 248.
[5] No que se refere à idealização romântica dos tempos passados, ou seja, da reconstrução a partir da “invenção” ou idealização de um mundo mais adequado às aspirações da alma romântica, enfatiza Kierkegaard que, “[...] propriamente, não é o helenismo que ele reconstrói, mas ele inventa um continente desconhecido” (ibid, p. 249, grifo meu).
[6] Kierkegaard trava uma longa polêmica com o romance Lucinde, de Schlegel; um dos aspectos dessa polêmica é a concepção do amor romântico em oposição ao “amor” institucionalizado do casamento prosaico (Cf. ibid, p. 247 ss).
[7] Para os românticos, “[...] não podia ser meta última nenhuma produção de uma obra de arte perfeita (vollendeten Kunst)”. (LUKÁCS, 1975, p. 86).
[8] “Belas almas buscam os seus próprios instantes sublimes, instantes fugazmente efêmeros, nunca apreensíveis, de uma sonhada tranquilidade por trás dessas máscaras taciturnas, caladas para sempre, esquecendo que o valor desses instantes é a sua fugacidade, que aquilo de que fogem para buscar abrigo junto aos gregos é a sua própria profundidade e grandeza” (LUKÁCS, 2000, p. 27).
[9] O problema com base no qual os românticos devem ser “julgados”, segundo Kierkegaard, é o da oposição ao tempo presente, a partir da reconstrução de tempos passados. Nisto Kierkegaard acompanha a crítica de Hegel aos românticos e, como estamos vendo, Lukács os acompanha a ambos. De acordo com Kierkegaard, a reivindicação romântica de tempos e lugares passados significa que, “[...] se fosse possível reconstruir um tempo desaparecido” teria que ser erguido “[...] em toda a sua pureza, [...] em toda a sua ingenuidade”. Isso significa a abolição da própria subjetividade, que estava ausente ou em vias de aparecimento nas sociedades pré-modernas, reclamada pelos românticos como a sua medida, diante da qual o mundo circundante é denunciado em sua vacuidade. Diz-nos, então, Kierkegaard, que é com a reconstrução romântica de tempos paradisíacos, em sua contraposição às relações sociais prosaicas, “[...] que se situa a dificuldade, e é a partir desse ponto de vista que se devem julgar todas as tentativas de Schlegel e da nova e antiga geração romântica. Aqueles tempos já passaram, e mesmo assim a nostalgia romântica recua até eles, rumo aos quais empreende não peregrinationes sacras, mas profanas. Se fosse possível reconstruir um tempo desaparecido, então se deveria reconstruílo em toda a sua pureza, e desse modo o helenismo em toda a sua ingenuidade” (KIERKEGAARD, 1991, p. 249).