A COLONIZAÇÃO É AQUI E AGORA: Elementos de presentificação do racismo

 

Fabiano Veliq[1]

Paula Magalhães[2]

 

Resumo: O racismo, enquanto problema estrutural e estruturante de nossa sociedade, afeta-nos cotidianamente, de formas muito profundas e nem sempre visíveis. A modernidade é frequentemente associada a suas conquistas de independência político-econômica, no território europeu, mas dificilmente é associada a seus atos nefastos, que são condições sine qua non para seu surgimento. São eles o engendramento do capitalismo, da colonização e, portanto, do racismo. O presente artigo tem por objetivo analisar os modos a partir dos quais o racismo se faz presente, em nossa sociedade, enquanto Sul Global e herdeira do sistema escravista. Sendo esses modos muito diversos e impossíveis de serem tratados de maneira completa, foram definidos aqui três eixos principais para abordá-los: 1) a colonialidade como base da modernidade, 2) a precarização da força de trabalho no neoliberalismo e 3) as imagens paradigmáticas e aprisionadoras da mulher negra, na sociedade brasileira. Para dar conta dessa proposta, fez-se uma análise comparativa e dialógica de elementos específicos das obras de Frantz Fanon, Achille Mbembe e Lélia Gonzalez. Dessa forma, o trabalho pretende mostrar que todos esses eixos se relacionam de modo não ocasional, mas repetitivos e sistemáticos, em torno das categorias de capital, raça e objetificação sexual.

 

Palavras-chave: Racismo. Capitalismo. Colonialidade. Objetificação sexual.

 

Sinto-me uma alma tão vasta quanto o mundo, verdadeiramente uma alma profunda como o mais profundo dos rios, meu peito tendo uma potência de expansão infinita. Eu sou dádiva, mas me recomendam a humildade dos enfermos [...]. Ontem, abrindo os olhos ao mundo, vi o céu se contorcer de lado a lado. Quis me levantar; mas um silêncio sem vísceras atirou sobre mim suas asas paralisadas. Irresponsável, a cavalo entre o Nada e o Infinito, comecei a chorar.

Frantz Fanon, Pele negra, máscaras brancas

 

INTRODUÇÃO

“Descolonização” é um conceito que surgiu durante a Guerra Fria e que visava à independência de países da África e Ásia (MIGNOLO, 2017), como Angola, Botswana, Cabo Verde, Congo, Namíbia, Camboja, para citar apenas alguns poucos. Muitos desses países deixaram de ser colônia formalmente, há menos de setenta anos. Grifamos “formalmente”, porque a assinatura de um tratado de independência de certos países, como Portugal, França, Bélgica etc., é insuficiente para dar conta da realidade material e imaterial ainda dependente de formas socioeconômicas, políticas, subjetivas e epistêmicas da metrópole. Tal realidade podemos denominar “Sul Global”, a qual “[...] não pode ser vista simplesmente como um grupo de países não modernos e não desenvolvidos localizados na zona ex-colonial do globo.”[3] (BALLESTRIN, 2020, p. 1, tradução nossa). Por detrás dessa hierarquia civilizados-incivilizados, há uma relação fundamental e sistemática de dominação, que muitas vezes não é visível, em nosso cotidiano.

Apesar de algumas conquistas na luta pela libertação de uma dominação capitalista-colonial – seja na redução de horas dos trabalhadores da fábrica na Revolução Industrial europeia, seja na abolição da escravidão –, desde a modernidade e a formação do capitalismo, a opressão não acabou; ela é reinventada de maneiras cada vez mais violentas (DAVIS, 2016). O trabalhador, ao passar da servidão ao assalariamento, vai ao “inferno colorido” (MARX, 2013). Paralelamente, a Lei Áurea foi insuficiente para dar condições dignas de vida aos povos negros (ALMEIDA, 2019; NASCIMENTO, 1978). Ainda, do mesmo modo, a independência formal dos países americanos, africanos e asiáticos continua a atestar o servilismo, a prostração e o desespero nos quais se encontram aqueles que vivem em condições periféricas (CÉSAIRE, 1968; FANON, 2008). Para sintetizar essas questões, pode-se dizer que “[...] a colonização é aqui e agora”, como o faz Ailton Krenak (MITsp, 2020).

Nesse sentido, o presente texto parte da pergunta fundamental: como o racismo se faz presente, nos dias de hoje? E a desdobra em outras perguntas, que giram em torno desse eixo central. São elas: por que temos dificuldade em perceber esse problema? Como o racismo e o capitalismo se relacionam historicamente? Como esse problema afeta, em especial, as mulheres negras, as quais estão na base da pirâmide do sistema? Para tentar dar conta delas, mesmo intelectualmente, há muito a se fazer. A começar pela identificação e recriação dos pensamento e conduta viciados, que relegam até o presente o ser negro, indígena e periférico ao não ser. É, portanto, da tentativa de análise decomposição do fenômeno histórico que é a colonização, aliada ao capitalismo periférico, e de seus efeitos, que até 2020 nos conferem uma “[...] identidade política subalterna” (BALLESTRIN, 2020, p. 1), da qual este trabalho tratará. Cabe notar que processos de desumanização do homem e da mulher negros foram formados por dispositivos discursivos e materiais muito sofisticados (KILOMBA, 2019; GONZALEZ, 1984; MBEMBE, 2014). Para esmiuçá-los e criar alternativas a eles, contribuindo para as resistências que existem há muito (NASCIMENTO, 1978) – pois, onde há opressão, há também resistência –, precisamos recorrer a diversas lentes e categorias de análise, o que requer constante leitura, esforço crítico e autopercepção.

A partir do olhar de uma alteridade (o lugar do negro colonizado) e posicionando-a como identidade (espaço autêntico de produções epistêmicas, políticas e socioeconômicas), construímos, no presente trabalho, o desiderato de explorar os modos como a escravidão do povo negro se reatualiza a cada dia (KILOMBA, 2019). Faremos isso, com base em três eixos principais: (1) “[...] processo de invisibilização e o recalcado: colonialidade, a irmã apagada da modernidade”, perscrutando, pela exposição do trauma recalcado da escravidão, as diversas feridas não manifestas, porém, cruciais, que ela gera; (2) a partir da noção de “devir-negro do mundo”, de Achille Mbembe, a qual evidencia o fato de que o capitalismo tardio, ao promover a precarização do trabalho, semelhante à condição desumanizante dos negros escravizados, enfatizamos as marcas dos processos de subjetivação, conforme feito por Frantz Fanon; (3) o exame de uma forma não romantizada da condição da mulher negra brasileira, que é relegada pelo capital e pela objetificação sexual latente à condição de extrema vulnerabilidade, mas. ao mesmo tempo, tem resiliência histórica, em função da chave teórica fornecida por Lélia Gonzalez.

 

1 PROCESSO DE INVISIBILIZAÇÃO E O RECALCADO: COLONIALIDADE, A IRMÃ APAGADA DA MODERNIDADE

A “colonialidade” é um neologismo introduzido, na década de 1980, pelo sociólogo peruano Anibal Quijano (2000) e se refere à lógica que vem por baixo, não manifesta claramente, do desdobramento da “civilização ocidental” desde o Renascimento até hoje, da qual as colônias têm sido uma dimensão fundamental e constituinte, ainda que silenciada. Em outras palavras, não há modernidade sem colonialidade, e essa é a tese mais poderosa de tal investigação. A diferença entre esse termo e “colonização” é precisamente a significação de trazer ao campo de visão de todos o que estava submerso e que é a pedra angular de todo o período moderno, o qual entendemos como libertador do homem (ALMEIDA, 2016; MIGNOLO, 2017).

Na abordagem do que foi obliterado na modernidade, utiliza-se o método psicanalítico, aplicado não a uma pessoa, mas a um grande processo histórico.[4] A colonização é o inconsciente da modernidade, aquilo que é sua base e aquilo que a move. Ambas se desenvolvem juntas, uma visível e outra invisivelmente, como na relação consicente-inconsciente freudiana. É nesse sentido que Fanon (2008) coloca a raça como uma ficção útil, que visa a mascarar uma dinâmica social latente. Da mesma forma que o sonho, para o pai da psicanálise, tem um conteúdo manifesto e um conteúdo latente[5]; podemos dizer que a colonização se apresenta como conteúdo latente, porque é o ponto primeiro que irá se manifestar na colonização como manifestação de desejo de domínio, por parte da civilização europeia.

Nessa mesma linha, o livro de Achille Mbembe, Crítica da razão negra,[6] traz um excelente panorama de como a noção de modernidade está calcada na noção de colonização. O chamado “devir-negro do mundo” remete exatamente a essa condição de produtor explorado das riquezas europeias, agora alargada no contexto do capitalismo tardio. Afirma Mbembe:

Mais característica ainda da potencial fusão do capitalismo e do animismo é a possibilidade, muito distinta, de transformação dos seres humanos em coisas animadas, em dados digitais e em códigos. Pela primeira vez na história humana, o nome Negro deixa de remeter unicamente para a condição atribuída aos genes de origem africana durante o primeiro capitalismo (predações de toda a espécie, desapossamento da autodeterminação e, sobretudo, das duas matrizes do possível, que são o futuro e o tempo). A este novo carácter descartável e solúvel, à sua institucionalização enquanto padrão de vida e à sua generalização ao mundo inteiro, chamamos o devir-negro do mundo. (MBEBME, 2014, p. 18).

 

É exatamente nesse sentido que o nome “Negro” e, juntamente com ele, a ideia de colonização adquirem um status diferente. Logo, “[...] o Negro é, na ordem da modernidade, o único de todos os humanos cuja carne foi transformada em coisa, e o espírito, em mercadoria – a cripta viva do capital.” (MBEMBE, 2014, p. 19). Por isso, temos a “[...] personificação da coisa, e coisificação da pessoa.” (MARX, 1863, p. 1). Para Mbembe (2014), o “Negro” escrito em maiúsculo representa uma categoria específica dentro das relações de poder e não é mera adjetivação fenotípica. Mbembe deixa claro isso, em seu texto, quando assevera:

No grande quadro das espécies, géneros, raças e classes, o Negro, na sua magnífica obscuridade, representa a síntese destas duas figuras. O Negro não existe, no entanto, enquanto tal. É constantemente produzido. Produzir o Negro é produzir um vínculo social de submissão e um corpo de exploração, isto é, um corpo ínteiramente exposto à vontade de um senhor, e do qual nos esforçamos para obter o máximo de rendimento. Mercê de trabalhar à corveia, o Negro é também nome de injúria, o símbolo do homem que enfrenta o chicote e o sofrimento num campo de batalha em que se opõem grupos e facções sociorracialmente segmentadas. (MBEMBE, 2014, p. 40).

 

A proposta de Mbembe tem como pano de fundo as propostas foucaultianas de uma análise do poder, ou seja, aquilo que depois Foucault chamará de “biopolítica”.[7] Achille Mbembe proporá uma complementação aos estudos foucaultianos, focando na noção de colonização. A colonização teria funcionado como uma espécie de laboratório para aquilo que acontecerá posteriormente, no holocausto. Para Mbembe, a colonização é um evento planetário que se fundamentaria em uma separação drástica entre sociedades “úteis” e “civilizadas”, de um lado, e sociedades “supérfluas” e “selvagens”, de outro.

A “modernidade” é uma narrativa que desenvolve o panorama do que denominamos Ocidente, hoje, por meio da celebração de suas conquistas, como, por exemplo: o humano adquire valor primordial no centro da vida, por oposição ao divino; o surgimento dos Estados-nação; a prática do livre-comércio (POLANYI, 2000). Tais conquistas frequentemente são as únicas características nas quais pensamos, pelo menos num primeiro momento, quando se alude a Idade Moderna. A diferença comercial praticada nessas geografias do “Novo Mundo” é que a mercadoria era o homem e a mulher negros, livre comércio aqui é igual à livre exportação de bens obtidos a partir da exploração predatória da natureza e o trabalho assalariado não é garantido àquelas pessoas que fornecem e realizam as condições para o enriquecimento dos países metropolitanos. É preciso visibilizar essas distorções, pois a modernidade “[...] precisa ser assumida tanto por suas glórias quanto por seus crimes.” (MIGNOLO, 2017, p. 4).

Tais eventos emancipadores têm seus significados radicalmente transformados, nas Américas, na Ásia e na África: a vida humana se torna dispensável, por explicações visíveis imediatamente aos olhos – a cor da pele. No entanto, ainda que a tonalidade do corpo seja um marcador visual, o racismo não é biológico. A raça é uma categoria artificial, no sentido de que é construída por determinados seres humanos, em função de determinadas relações de poder:

Branco não é uma cor. Branco é uma definição política que representa históricos privilégios sociais e políticos de certo grupo que tem acessos às estruturas dominantes e instituições da sociedade. Branquitude representa a realidade e história de certo grupo. Quando nós falamos sobre o que significa ser branco, então falamos sobre políticas e absolutamente não sobre biologia. Assim como Negro corresponde a uma identidade política que se refere à historicidade das relações políticas e sociais, não à biologia. (QUIANGALA et al, 2015).

 

De modo complementar, o racismo “[...] funciona através de um regime discursivo, uma cadeia de palavras e imagens que, por associação, se tornam equivalentes: africano - África - selva - selvagem - primitivo - inferior - animal – macaco.” (KILOMBA, 2019, s/p). O curioso é que os povos negros e originários, sob quem a raça incide diretamente, visto que são tratados como “minorias étnicas” pela sociedade, são supostamente os únicos que possuem etnias. O europeu ocidental, por sua vez, é tratado como a epítome do ser humano universal, sem etnia. Portanto, os estudos do Sul Global têm a intenção de provincializar as referências europeias, não negando seus potenciais, obviamente, mas as vendo como o particular que elas são, a fim de tornar visível a multiplicidade.

Para Mbembe (2014) e Grada Kilomba (2019), o conceito de raça se torna uma ficção útil, ou seja, se colocará como eixo norteador que justifica uma guerra, um extermínio desse outro ameaçador. Mascara um medo, um temor desse ser-outro que é o negro. O conceito de raça, nesse sentido, tem como objetivo provocar uma cisão, um princípio de separação. A necropolítica vem como efeito daquilo que Foucault chamava de biopolítica. O racismo de Estado é onde se manifesta a reativação os mecanismos de soberania de produção da morte contra as ameaças à saúde da nação. Nasce aqui a noção de um extermínio moderno, ou seja, mata-se em nome da preservação da vida (FOUCAULT, 1976).

Disso podemos concluir que não há projeto antirracista que se sustente com medidas neoliberais. Mutatis mutandis, não há projeto neoliberal que não seja ele mesmo um projeto racista, pois, em nome da austeridade fiscal, que é o corte de financiamento dos direitos sociais, a fim de reduzir gastos estatais e transferi-los para o setor financeiro privado, decorrente da crise do Estado de Bem-Estar Social, populações inteiras são “[...] abandonadas à própria sorte, anunciando o que muitos consideram o esgotamento do modelo expansivo do capital.” (ALMEIDA, 2019, p. 126-127). Assim como não podemos naturalizar a pobreza, não podemos achar que o lugar natural do negro seja nas favelas, cortiços e alagados (GONZALEZ, 1984). Não há, de modo algum, condição transcendente para isso. Com efeito, acatar a contingencialidade da história nos dá condições para alterá-la.

Mbembe (2014), na esteira de Aimé Césaire (1978), defende a ideia de que o nazismo é uma expansão daquilo que aconteceu na colonização; é nesse sentido que a colonização marca o lugar da violência moral, em nome do processo civilizatório, em nome da vida. Mas que vida é essa? – precisamos perguntar. Vida de quem? A vida dos povos tidos como civilizados, da Europa ocidental, os quais teriam a incumbência divina de trazer tal civilidade aos bárbaros, primitivos, os quais não viviam como eles. Temos aqui a imagem do parasita e a colonialidade como o lado mais escuro da modernidade (MIGNOLO, 2017). Por “colonialidade” entende-se “[...] a lógica subjacente da fundação e do desdobramento da civilização ocidental desde o Renascimento até hoje, da qual colonialismos históricos têm sido uma dimensão constituinte, embora minimizada.” (MIGNOLO, 2017, p. 2). Tratar desse assunto, portanto, é pensar em apagamento e invisibilização.

Para irmos ainda mais a fundo, Morrison (2019) defende que o racismo e o fascismo são irmãos gêmeos, cujo pai é o capitalismo. A escravidão é uma prática corrente na história da humanidade: “[...] se você é judeu, contaram-se escravizados entre os seus; se é cristão, contaram-se escravizados entre os seus; se é muçulmano, os escravizados lhe dizem respeito.” (MORRISON, 2019, p. 7). A diferença, porém, está no surgimento do capitalismo, em meados do século XVI, momento quando passou a se configurar o conceito de raça (ALMEIDA, 2019, p. 16), que articula relações de poder e históricas, atribuídas em paralelo ao que se denomina homem universal, cuja figura paradigmática é o europeu ocidental de gênero masculino. Assim, o conceito de raça não serviu somente à classificação do conhecimento filosófico e antropológico, mas também serviu “[...] como uma das tecnologias do colonialismo europeu para a submissão e destruição de populações das Américas, da África, da Ásia e da Oceania.” (ALMEIDA, 2019, p. 18, grifos nossos). De modo complementar, tem-se:

Não apenas as origens, mas as consequências da escravidão nem sempre são racistas. O que é “peculiar” na escravidão do Novo Mundo não é sua existência, mas sua conversão à tenacidade do racismo. A desonra associada a ter sido escravizado não condena inevitavelmente os herdeiros de alguém à vilificação, à demonização ou ao suplício. O que sustenta isso é o racismo. (MORRISON, 2019, p. 8).

 

2 PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO DO RACISMO: O CORPO E A CONSCIÊNCIA

A partir do exposto até o momento, podemos perceber que a localização do negro no lugar que ocupa é uma construção fruto direto do capitalismo, desde o século dezesseis, no qual o processo de colonização é a marca multiplamente visível de diversos processos invisíveis, inscritos nos corpos eles mesmos. As crescentes crises do capitalismo tardio intensificam e escancaram essas cicatrizes. Neste ponto, focaremos nossos esforços em explicitar como o racismo incide sobre a subjetividade dos povos colonizados, conforme descreve, principalmente, Frantz Fanon.

“Para o negro, há apenas um destino. E ele é branco.” Essa expressão explica o título do livro Pele negra, máscaras brancas, de Fanon (2008), psiquiatra de origem antilhana e francesa do século XX. A explicação do trecho citado consiste no fato de que negros, para terem condições minimamente dignas e serem tratados com respeito, sendo reconhecidos, têm que se passar por brancos, agir como brancos, viver como brancos. Em termos filosóficos, os movidos pelo banzo ocupam, desde o período em que seus corpos passaram a ser troca de mercadoria entre os povos chamados “civilizados”, a posição do não ser, contra a qual lutam para ser, ser sujeitos (KILOMBA, 2019), no sentido forte, através dos hábitos já estabelecidos pelos europeus. Sobre esse bloqueio de manifestações, afirma intensamente Fanon (2008, p. 121):

[…] não foi eu quem criou um sentido para mim, este sentido já estava lá, pré-existente, esperando-me. Não é com a minha miséria de preto ruim, meus dentes de preto malvado, minha fome de preto mau que modelo a flama para tocar fogo no mundo: a flama já estava lá, à espera de uma oportunidade histórica.

 

Nessa passagem, o autor denota o encontro com uma rede de comportamentos racistas, os quais o aprisionam e o impedem de se expressar, antes mesmo que ele possa se manifestar de qualquer forma, no mundo. A maneira como se sentem os milhões de homens que foram inculcados no espaço do não ser é o que Fanon tem por objetivo de examinar, por vias psicológicas e psiquiátricas, seguindo sua formação profissional. Porém, ele tem a clareza de que não é possível observar essa questão sem dar a ver o fato de que

[…] a verdadeira desalienação do negro implica uma súbita tomada de consciência das realidades econômicas e sociais. Só há complexo de inferioridade após um duplo processo: inicialmente econômico; em seguida pela interiorização, ou melhor, pela epidermização dessa inferioridade. (FANON, 2008, p. 28).

 

Sofrendo ele próprio da subserviência escravagista que perdura ainda hoje, imprime suas emoções de um modo significativamente original e sensibilizante. A escravização da subjetividade, que ele também viveu, é o tema principal da obra; no entanto, a desalienação – a retomada de sua consciência, que fora exteriorizada – do negro implica o exercício da compreensão das estruturas econômicas e sociais, sem as quais não teria surgido o processo de inferiorização das maneiras de exprimir aquilo que é particular do sujeito ou de sujeitos de grupos identitários específicos.

            A linguagem é um modo simbólico e eficiente de invalidar os emblemas desses povos. Nesse sentido, a inviabilização do racismo passa também pela criação de uma nova linguagem:

A língua, por mais poética que possa ser, tem também uma dimensão política de criar, fixar e perpetuar relações de poder e de violência, pois cada palavra que usamos define o lugar de uma identidade. No fundo, através das suas terminologias, a língua informa-nos constantemente de quem é normal e de quem é que pode representar a verdadeira condição humana. (KILOMBA, 2019, s/p, grifos da autora).

 

Façamos uma abordagem a partir da perspectiva do grande Eu sobre o Não Eu, o colonizador e o colonizado: não há diferença entre o que ele é e o que eu conheço dele. Eu conheço-o melhor do que ele conhece a si mesmo, eu sei o que fazer para que ele se desenvolva, logo, eu o infantilizo, torno-o criança. Agora, o portador da voz é o Não Eu: pelo mero fato de se encaixar em um pacote de autoridade, o Outro, que é o grande Eu, a Europa, tem uma autoridade automaticamente estabelecida sobre mim, que sou o eu, o Não Eu, maior do que a minha própria autoridade sobre mim mesmo. A colonizadora salva o colonizado, aquela faz este se desenvolver até um certo ponto, pois ele nunca será tão pleno como Eu. O Não Eu é menos que uma criança, pois, pelo menos, ela poderá crescer e ser autônoma.

“Quanto mais assimilar os valores civilizados da metrópole, mais o colonizado escapará da sua selva. Quanto mais ele rejeitar sua negridão, seu mato, mais branco será” (FANON, 2008, p. 34), afirma esse filósofo radical sobre o crescimento do negro ser reconhecido enquanto ser humano autárquico. No dia a dia, isso se expressa na adoção de coisas usadas pelos europeus, como roupas da última moda, no floreio da linguagem nativa com expressões europeias, uso de frases pomposas – tudo calculado, para se obter um sentimento de igualdade com o europeu e seu modo de existência. Porém, o homem branco europeu, como epítome do capital e da colonialidade, jamais considerou o negro como seu igual.

O branco só dá atenção ao negro quando está cansado de ver as mesmas coisas; recorre, pois, à cultura deste, a qual acredita ser mística, honrosa da naturalidade e da natureza, lúdica, feliz e sadia:

Quando estivermos cansados da vida em nossos arranha-céus, iremos até vocês como iremos a nossas crianças... virgens... atônitas... espontâneas. Iremos até vocês que são a infância do mundo. Vocês são tão verdadeiros nas suas vidas, isto é, tão folgados [...]. Deixemos por alguns momentos nossa civilização cerimoniosa e educada e debrucemo-nos sobre essas cabeças, sobre esses rostos adoravelmente expressivos. De certo modo, vocês nos reconciliam com nós próprios. (FANON, 2008, p. 120).

 

Trata-se de uma crença idealizada e racista, uma vez que a característica do exótico, que, segundo o dicionário, é o estrangeiro, o extravagante, o esquisito, é sempre justificação para a dominação (KILOMBA, 2019). Essa imagem, a qual vai do exótico, primitivo, ao sensual, recai diretamente sobre as mulheres negras, que eram sistematicamente estupradas nas colônias, pois os donos de escravos fizeram o raciocínio de que era muito mais barato gerar mão de obra no próprio território colonial, ao invés de importá-lo da África. “O capital é trabalho morto, que, como um vampiro, vive apenas da sucção de trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga” (MARX, 2013, p. 307), e isso aparece de inúmeras formas, inclusive incidindo diretamente sobre o corpo.

Como afirma Angela Davis (2016, p. 26), “[...] o estupro, na verdade, era uma expressão ostensiva do domínio econômico do proprietário e do controle do feitor sobre as mulheres negras na condição de trabalhadoras.” O colono é parasita incontável daquilo que é imaterial e material da mulher negra. Para citar apenas alguns pontos, ele explora seu corpo, sua liberdade sexual, sua dignidade, sua mão de obra e a produção da força de trabalho: seus filhos, os quais serão trabalhadores sob a forma de escravos, que são mercadoria e não humanos.

Ou, ainda, como pontua Mbembe (2014 p. 28):

O Resto - figura, se o for, do dissemelhante, da diferença e do poder puro do negativo - constituía a manifestação por excelência da existência objectal. A África, de um modo geral, e o Negro, em particular, eram apresentados como os símbolos acabados desta vida vegetal e limitada. Figura em excesso de qualquer figura e, portanto, fundamentalmente não figurável, o Negro, em particular, era o exemplo total deste ser-outro, fortemente trabalhado pelo vazio, e cujo negativo acabava por penetrar todos os momentos da existência - a morte do dia, a destruição e o perigo, a inominável noite do mundo.

 

3 IMAGENS PARADIGMÁTICAS E APRISIONADORAS DA MULHER NEGRA, NA SOCIEDADE BRASILEIRA: MULATA, DOMÉSTICA E MÃE PRETA

“Uma mulher negra diz que ela é uma mulher negra, uma mulher branca diz que é uma mulher, um homem branco diz que é uma pessoa.” (MITsp, 2016). Teorias são sempre feitas por pessoas, e as pessoas vêm de um determinado lugar e possuem uma determinada história. É preciso destituir a ideia de uma teoria isenta de pressupostos; neutralidade axiomática inexiste. No entanto, como já exposto, esse ponto de vista muito raramente é explicitado por quem o expressa, se quem diz é um homem branco, porque os espaços de poder estão cheios deles, de modo que não é preciso que se diga quem está dizendo. Ora, historicamente, eles são autorizados a ocupar o lugar de senhores, por isso, não precisam se explicar, quando chegam a tais lugares. O mesmo não acontece para os corpos diferentes deste. Diz-se sobre a mulher (branca) e sobre o negro (homem). Mas e a mulher negra? Ela se encontra na síntese conectiva entre a mulher e o negro. Do ponto de vista do falso universal, ela é o outro do outro, o que a coloca em posição de extrema vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, de resistência histórica.

Lélia Gonzalez, em Racismo e sexismo na sociedade brasileira (1984), examina a posição da mulher negra, que sofre duplamente com o racismo e a violência de gênero. Construindo um exame das posições da mulata, doméstica e mãe preta e com o suporte epistemológico da psicanálise, a autora vai muito além da “[...] reprodução e repetição dos modelos” (GONZALEZ, 1984, p. 225) que nos são oferecidos para (in)visibilizar as afrodescendentes.

Por que o negro é isso que a lógica de dominação tenta (e consegue muitas vezes, nós o sabemos) domesticar? E o risco que assumimos aqui é o do ato de falar com todas as implicações. Exatamente porque temos sido falados, infantilizados (infans é aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, porque falada pelos adultos), que neste trabalho assumimos nossa própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa. (GONZALEZ, 1984, p. 225, grifos nossos).

 

Seguindo a esteira da desnaturalização do racismo, Gonzalez aponta que nós, enquanto sociedade, estamos acostumados a ver pessoas negras ocupando posições servis e miseráveis, como se irresponsabilidade e incapacidade intelectual fossem características pertencentes ao grupo, as quais justificassem sua marginalização. O que produz essa imagem falaciosa é a prática da classe dominante, que atua de modo a impedir o acesso à cultura e educação do povo negro. “Na realidade, é claro, a população negra sempre demonstrou uma impaciência feroz no que se refere à aquisição de educação.” (DAVIS, 2016, p. 108). Cultura e educação de qualidade produzem consciência crítica, o que vai diretamente contra os valores capitalistas e racistas da sociedade. Daí a tentativa sistemática de apagar as mulheres e os homens negros que construíram resistência à escravização e à precarização das condições de trabalho.

Na cultura brasileira, o carnaval é um momento típico de hipersexualização dos corpos das mulheres negras. Na música “Mulata Assanhada”, de Ataulfo Alves (1969), podemos ver isso muito bem, nos seguintes trechos: “[...] mulata deusa do meu samba”, [...] que passa com graça / fazendo pirraça / fingindo inocente / tirando o sossego da gente.” “É nos desfiles das escolas de primeiro grupo que a vemos em sua máxima exaltação. Ali, ela perde seu anonimato e se transfigura na Cinderela do asfalto, adorada, desejada, devorada pelo olhar dos príncipes altos e loiros.” (GONZALEZ, 1984, p. 228). Mas isso não dura muito tempo e é sintoma da grande violência simbólica a que elas estão submetidas:

Pois o outro lado do endeusamento carnavalesco ocorre no cotidiano dessa mulher, no momento em que ela se transfigura na empregada doméstica. É por aí que a culpabilidade engendrada pelo seu endeusamento se exerce com fortes cargas de agressividade. É por aí, também, que se constata que os termos mulata e doméstica são atribuições de um mesmo sujeito. (GONZALEZ, 1984, p. 228).

 

Os serviços domésticos, do início da importação de escravos africanos até o fim da independência das Américas, por exemplo, eram atribuídos a uma certa “natureza” – justificativa para tornar a espoliação como algo trivial – das mulheres negras (DAVIS, 2016, p. 100); as poucas mulheres brancas que realizavam esse trabalho eram pagas por ele, diferentemente das primeiras. A “mucama”, palavra muito utilizada durante os três séculos de escravidão no Brasil, significa “[...] a escrava negra moça e de estimação que era escolhida para auxiliar nos serviços caseiros ou acompanhar pessoas da família e que, por vezes, era ama-de-leite.” (GONZALEZ, 1984, p. 229).

Até hoje, pouco mudou. Em 2018, 5,7 milhões de pessoas que trabalhavam em serviços domésticos eram mulheres. Dessas, 3,9 milhões eram negras (BOND, 2019). A doméstica é a profissional que presta bens e serviços à sociedade de herança escravocrata, a qual não passou por uma revisão e reformulação históricas de sua memória, o que deixa intactas as posições de quem faz o trabalho reprodutivo. Sem a reestruturação da dinâmica do lar – e isso significa que todos, inclusive e principalmente o homem branco, participam das tarefas domésticas –, não há melhoria de vida para a sociedade, pois as mulheres brancas que trabalham fora de casa continuam a ser sinhás e parasitas das mulheres negras. Estas são como “[...] o burro de carga que carrega sua família e a dos outros nas costas.” (GONZALEZ, 1984, p. 230). É por isso que,

[…] quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo. (DAVIS apud ALVES, 2017).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em virtude do que foi exposto, é preciso estimular a(s) luta(s) para pôr fim ao racismo com o qual vivem os povos colonizados e responsabilizar os colonizadores. Isso, na medida em que os primeiros sempre são interpelados à força pelos segundos, interpelações essas que eles são sempre obrigados a incorporar, dentro de suas estruturas de compreensão e conduta no mundo. O esquema é assimétrico, porque as elaborações são sempre feitas de um lado, o da identidade fixa, rígida e parasita. A alteridade está constantemente negada, mas é preciso reconhecer o óbvio: ela também é produtora de universos e, sem ela, não há identidade, visto que uma só pode se formar graças à relação com a outra.

Ora, se nos referimos a práticas excludentes, mesmo após muitos anos ou séculos, dependendo da história específica de cada país, das independências das colônias, é porque de fato elas continuam colônias. Permanecem subordinadas a um tipo de produção geral que vem de um centro delimitado, o qual possui uma série de contingências históricas nem sempre perceptíveis imediatamente. Portanto, é para que a superestrutura – inventividade, subjetividade, manifestações da cultura em geral – e, principalmente, a infraestrutura – a organização social – dos povos marginalizados sejam valorizadas e introjetadas nas teorias, as quais vêm permanentemente com um conjunto de práticas, que a luta dos estudos decoloniais se faz, não sem uma crítica arguta ao sistema capitalista, cujas maiores posições de poder, inevitavelmente, são ocupadas por homens brancos.

Em se tratando de uma problemática nada simples, que envolve muitas camadas de opressão (institucional, econômica, psicológica, social, para citar algumas), como já frisamos, a nossa pretensão aqui não é dar conta de sua totalidade, visto que é impossível. Nosso desiderato se dá a partir da pergunta central de como o problema do racismo se presentifica, em sociedades colonizadas, as quais erroneamente se chamam de Novo Mundo – como se este não tivesse existência anterior à chegada dos europeus. Para chegar ao âmago da questão, foi necessário abordar também sua invisibilização, o porquê e o como ela não é exposta. Visibilizar essas questões, portanto, é trazer à tona o retorno do recalcado, a partir da sensibilidade ímpar fanoniana inscrita em seu próprio corpo, sensibilidade essa que trata de um problema social e não individual.

Além disso, não é possível aludir ao cenário contemporâneo sem mencionar a crise instaurada no capitalismo tardio, na qual é predominante o corte com os gastos sociais e a presença do Estado laissez-faire, expressão que significadeixar o mercado fazer”. Esse conceito denota a brutalização intensificada dos trabalhadores, cuja condição geral agora é semelhante à condição dos negros escravizados durante a colonização. A isso chama Mbembe (2014) de “devir-negro do mundo”.

Por fim, foi reservado um espaço dedicado à crítica do imaginário colonial e patriarcal vigente que incide sobre os corpos das mulheres negras, as quais ocupam a base do sistema, segundo os recortes da perspicaz Lélia Gonzalez (1984). Sem mudanças efetivas na vida dessas mulheres, não há mudanças efetivas na vida de todos, na medida em que a perspectiva mais particular, íntima dos oprimidos (e ao mesmo tempo resistentes) nos fornece uma visão lúcida do todo.

 

“COLONIZATION IS HERE AND NOW”: Elements of presentification from racism

 

Abstract: Racism, as a structural and structuring problem in our society, affects us daily in very profound and not always sought ways. Modernity is associated with its achievements of political and economic independence in European territory, but it is hardly associated with its nefarious acts, which are sine qua non for its emergence. They are the engine of capitalism, colonization, and therefore racism. This article aims to analyze the ways in which racism is present in our society, as the Global South and heir to the slave system. Since these modes are very diverse and impossible to be fully addressed, three main axes have been defined to address them: 1) coloniality as the basis of modernity, 2) precarious workforce in neoliberalism and 3) paradigmatic images and imprisonment of black women in Brazilian society. To account for this proposal, a comparative and dialogical analysis of specific elements of the works of Frantz Fanon, Achille Mbembe and Lélia Gonzalez was carried out. In this way, the work intends to show that all these axes are related in an occasional way, but repetitive and systematic around the categories of capital, race and sexual objectification.

 

Keywords: Racism. Capitalism. Coloniality. Sexual objectification.

 

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Recebido: 26/8/2020

Aceito: 29/01/2021

 



[1] Professor Adjunto I do Departamento de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/Minas), Belo Horizonte, MG – Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6273-1333 E-mail: veliqs@gmail.com.

[2] Bolsista do Núcleo de Ações Educativas do Espaço do Conhecimento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG – Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3907-0036. E-mail: paulacbm1@hotmail.com.

[3] No original: “[…] the Global South cannot be seen simply as a set of non-developed and non-modern countries localized in the ex-colonial zones of the globe.” (BALLESTRIN, 2020, p. 1).

[4] Sobre a apropriação da Psicanálise para análises de processos históricos, o próprio Freud, no desenvolvimento de sua vida, procurou aplicar a Psicanálise em contextos para além do mero tratamento clínico. Os textos Totem e Tabu (1913) e Mal-estar da civilização (1930) são dois exemplos desse autor aplicando os conceitos psicanalíticos em uma dinâmica social.

[5] Cf. FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. ESB 2006 V. 4 -5, especialmente o capítulo 7, no qual Freud faz, de maneira muito clara, a separação entre conteúdo latente e manifesto dos sonhos como realização de desejo.

[6] O nome “razão negra” é explicado pelo próprio Mbembe: “Por este termo ambíguo e polémico, designamos várias coisas ao mesmo tempo: imagens do saber; um modelo de exploração e depredação; um paradigma da submissão e das modalidades da sua superação, e, por fim, um complexo psiconírico. Esta espécie de enorme jaula, na verdade uma complexa rede de desdobramentos, de incertezas e de equívocos, tem a raça como enquadramento.” (MBEMBE, 2014, p. 35) Para Mbembe, no capitalismo tardio, os corpos são cada vez mais tratados no paradigma colonial, ou seja, o corpo é explorado, transformado em coisa, em máquina produtora. Assim, ocorreria uma universalização da condição negra no neoliberalismo – e isso é profundamente marcado pela dimensão de um Estado que funciona a partir de uma necropolítica.

[7] O conceito de biopolítica é bastante amplo, na obra de Foucault, e não cabe no escopo deste artigo uma pormenorização a esse respeito. Para os nossos propósitos, basta ressaltar que a biopolítica é entendida como a forma como o poder se desenvolve e passar a conduzir a vida dos sujeitos em sociedade, de forma a gerir os diversos aspectos da vida do indivíduo. A biopolítica funciona como uma espécie de conjuntos de estratégias de gestão dos viventes. Tal conceito é formulado por Foucault, em 1976, em seu curso “Em Defesa da Sociedade” e a publicação do primeiro volume de História da Sexualidade. Mas é apenas com Segurança, Território e População (1978) e, posteriormente, em Nascimento da Biopolítica (1979), que o tema se desenvolve por completo.