Para além da dúvida corporal: a dúvida como problema existencial e sua relevância para a psiquiatria[1]

Marcelo Vieira Lopes[2]

 

Resumo: Recentemente, o conceito de dúvida corporal foi proposto como modelo de descrição da experiência da enfermidade. A dúvida acerca das capacidades corporais determinaria, assim, toda e qualquer experiência de enfermidade, seja somática, seja mental. Não obstante, a fenomenologia dos transtornos mentais apresenta uma série de perturbações experienciais que vão além da dúvida, no nível corporal. A hipótese a ser investigada, neste trabalho, diz respeito à formulação de um conceito de dúvida adequado do ponto de vista desses transtornos. No mais das vezes, pacientes psiquiátricos experimentam sua condição de sofrimento primariamente nos termos de uma dúvida a propósito da totalidade de suas experiências, e não apenas relativamente ao elemento corporal. Por outro lado, elementos cognitivos, afetivos e comportamentais também desempenham um papel fundamental na determinação dos transtornos mentais. No intuito de identificar as peculiaridades da noção de dúvida, nesse âmbito, o presente texto parte da reconstrução e análise da literatura fenomenológica sobre enfermidade somática e mental, bem como de abordagens não reducionistas da cognição (4EA cognition) e seus transtornos.

 

Palavras-chave: Fenomenologia da enfermidade. Filosofia da psiquiatria. Dúvida corporal.

 

INTRODUÇÃO

Questões inerentes à prática médica e o estatuto da própria medicina, enquanto ciência, têm sido historicamente tratados sob a rubrica da teoria da medicina, um campo que se estabelece em conexão com a própria instauração da medicina moderna. Da mesma forma, o debate sobre a natureza da enfermidade, a distinção entre saúde e doença (Boorse, 1975), assim como o normal e o patológico (Canguilhem, 1991), desempenham um papel central nesse contexto. A enfermidade também cumpre um papel substancial na constituição de uma existência humana plena (Svenaeus, 2021). Parece difícil imaginar o curso completo de uma vida completamente desprovida dos processos de adoecimento e suas consequências práticas para aqueles que a experimentam. Nessa direção, a teoria da medicina abarca ainda abordagens que fornecem um tratamento estritamente fenomenológico, com vistas à formulação de problemas propriamente relacionados ao domínio da experiência da enfermidade (Reis, 2016).

A abordagem fenomenológica em teoria da medicina se destaca, assim, pela atenção ao domínio experiencial do paciente, tendo em vista tanto a descrição do campo fenomênico da experiência da enfermidade quanto a descrição das estruturas que constituem a experiência enferma. Dentre suas principais características, destaca-se a relevância teórica e epistêmica atribuída à perspectiva em primeira pessoa, no contexto da enfermidade, assegurando à perspectiva pessoal dos pacientes um papel relevante no contexto clínico, quer diagnóstico, quer terapêutico (Reis, 2016). Em contraste com as chamadas abordagens bioestatística (Boorse, 1975) e holística (Nordenfelt, 1987), em teoria da saúde, a abordagem fenomenológica da enfermidade apresenta, por sua vez, uma concepção de saúde estritamente normativa, fornecendo um aparato conceitual que vai além de elementos meramente descritivos, na qual se agregam aspectos mais complexos da existência humana, como, por exemplo, elementos afetivos, corporais, linguísticos e compreensivos da experiência enferma (Reis, 2016).

Na fenomenologia da enfermidade, o chamado “paradigma do corpo vivido” (Toombs, 1988, p. 202-207), por exemplo, refere-se à unidade experiencial afetada nos casos de enfermidade, e é composta por, ao menos, cinco elementos: o ser-no-mundo corporificado, intencionalidade corporal, organização contextural, imagem corporal e exibição gestual. Com essa noção, Toombs oferece a possibilidade de uma descrição da enfermidade para além dos termos de um organismo disfuncional, incorporando elementos estruturais da descrição da experiência enferma. O que se tem agora, com o paradigma do corpo vivido, é um construto teórico que permite identificar os níveis experienciais afetados pela doença, de modo que sua ocorrência impacta também a própria identidade, bem como a totalidade do mundo experiencial do paciente em questão. É importante salientar que a formulação de paradigmas fenomenológicos, dentre os quais o paradigma do corpo vivido é apenas um, apresenta não apenas resultados teóricos importantes, mas incorpora em si a possibilidade da obtenção de resultados práticos, como no caso da interação médico-paciente, com implicações relativas a práticas clínicas e terapêuticas (Reis, 2016).

Nesse contexto teórico, Havi Carel (2016) acrescenta um elemento adicional ao paradigma fenomenológico de descrição da enfermidade. A autora examina um tipo de experiência nuclear da enfermidade em geral, a chamada dúvida corporal. O surgimento da dúvida corporal, no contexto da enfermidade, indica, por contraste, o rompimento da certeza tácita do funcionamento normal do corpo, em face do surgimento de processos patológicos (2016, p. 86). A emergência da dúvida corporal implica uma modificação radical da experiência comum, ao pôr em questão capacidades básicas inerentes ao funcionamento e experiência do próprio corpo. Internamente a essa ruptura promovida pela enfermidade, tem-se uma série de modificações, as quais serão descritas nos termos de um conjunto de perdas, como continuidade, transparência e fé no próprio corpo (p. 88). Um ponto relevante a ser destacado é que a abordagem de Carel se pretende suficientemente ampla para dar conta do elemento de dúvida inerente à enfermidade, tanto somática quanto mental. A seguir, elaboro mais especificamente alguns aspectos fenomenológicos característicos dos transtornos psiquiátricos, tendo em vista uma possível diferenciação entre os tipos de dúvida, sob diferentes condições.

 

1 A FENOMENOLOGIA PECULIAR DOS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS

Transtornos de ordem psiquiátrica, por sua vez, exibem uma série de peculiaridades, as quais se apresentam na especificidade mesma do diagnóstico e tratamento psiquiátrico (APA, 2013). Por outro lado, o próprio histórico de interação do método fenomenológico com a psiquiatria exibe uma série de desenvolvimentos que não devem ser ignorados, no contexto de investigação do fenômeno destacado por Carel.

Situando o problema de maneira mais específica, a abordagem fenomenológica em psicopatologia tem uma longa e bem consolidada tradição, a qual, por vezes, se confunde com a história do próprio movimento fenomenológico (Stanghellini et al., 2019). Enquanto empreendimento filosófico, a fenomenologia diz respeito ao estudo da experiência humana, com um foco especial na identificação de suas estruturas (Fernandez; Køster, 2019). O campo da psicopatologia fenomenológica, por outro lado, apresenta um foco mais restrito na busca das estruturas, essências ou Gestalten da experiência humana desordenada (Parnas, 2011), com um notável grau de aplicação na resolução de problemas da psiquiatria contemporânea. Dado o foco descritivo em elementos estruturais pré-reflexivos da experiência, tais como a natureza do eu, intencionalidade, temporalidade, corporeidade, intersubjetividade etc., a fenomenologia rapidamente emergiu como um parceiro metodológico óbvio, a fim de alcançar algum tipo de compreensão dos distúrbios psicopatológicos (Jaspers, 1968).

As múltiplas abordagens fenomenológicas em psicopatologia possuem em comum a ideia de que a experiência humana é, de alguma forma, vulnerável a mudanças estruturais, e que estas constituem diferentes patologias. Por sua vez, essas mudanças podem ser identificadas através da atenção às estruturas subjacentes que suportam as descrições em primeira pessoa do que significa enfrentar tais condições. A psicopatologia de inspiração fenomenológica consiste, assim, em fornecer importantes ferramentas para o diagnóstico, classificação e nosologia dos distúrbios mentais, com um alto grau de precisão metodológica e epistemológica, através da busca de descrições cada vez mais refinadas do traço fenomenal e estrutural desses transtornos. Abordagens clássicas e contemporâneas da psicopatologia de orientação fenomenológica têm historicamente fornecido ainda uma série de importantes descrições relativas a distúrbios específicos, tais como a esquizofrenia, depressão, mania, distúrbios alimentares (Stanghellini et al., 2019) e, mais recentemente, o abuso de substâncias (Messas, 2021).

 

2 SENTIMENTOS EXISTENCIAIS E O PROBLEMA DA DÚVIDA CORPORAL

No contexto mais recente da investigação de matriz fenomenológica dos transtornos psiquiátricos, Matthew Ratcliffe (2005, 2008, 2009, 2012, 2015) chamou a atenção para uma classe fenomenológica, até então inexplorada, de sentimentos estruturantes de nossa vida intencional, cuja experiência permanece indissociada de nossas “[...] formas de encontro no mundo” (2005, p. 53). A essa dimensão muito básica, sobre a qual nossa vida intencional repousa, Ratcliffe dá o nome de sentimentos existenciais (existential feelings). Sentimentos existenciais englobam simultaneamente sentimentos corporais e orientações de fundo que condicionam e estruturam nossas possibilidades de interação no mundo (Ratcliffe, 2008, p. 2). Esses dois aspectos correspondem respectivamente à natureza e à função desses sentimentos, os quais podem ser descritos de um ponto de vista fenomenológico, seja em termos estruturais, seja em termos experienciais. Isso significa que, para além da função estruturante desses sentimentos, se aceita que seus aspectos tácitos possam fenomenalizar-se, ganhando relevância na experiência.

Em virtude de seu caráter estruturante, esses sentimentos permanecem no background experiencial em situações comuns e são responsáveis pelo senso geral de realidade que articula e estrutura a experiência de si, dos outros e do mundo. A dificuldade de acesso a esses sentimentos, entretanto, não constitui impedimento para a sua identificação e diferenciação, a partir de descrições em primeira pessoa.[3] Afirma-se que os sentimentos existenciais constituem, por um lado, o background de toda experiência intencional e, por outro, que toda experiência intencional é condicionada por um estrato afetivo básico e irredutível. Esse estrato afetivo básico, por sua vez, caracteriza-se em grande medida por seu caráter tácito na experiência cotidiana. No caso dos transtornos psiquiátricos, em especial, haveria uma ruptura nessa dimensão afetiva primitiva, ocasionando distúrbios na estrutura da experiência. Indica-se, assim, a perspectiva privilegiada do campo psiquiátrico na manifestação desses sentimentos: são as rupturas aparentes nesses transtornos que põem em evidência esse estrato afetivo básico.[4]

A ruptura da continuidade e normalidade, no âmbito dos sentimentos existenciais, seria responsável, segundo Ratcliffe, pela alteração fenomenal experienciada por pessoas, em casos psiquiátricos. Uma importante contribuição de Ratcliffe, nesse caso, diz respeito à percepção de que grande parte, senão todas as descrições pessoais de ordem psiquiátrica, envolvem, de maneira constitutiva, o recurso à noção de sentimento. Porém, diferentemente de um mero sentimento corporal, a alteração experiencial sofrida por pessoas em contextos de sofrimento psiquiátrico normalmente vem acompanhada de uma alteração nas possibilidades disponíveis para a pessoa em questão. Assim, a ruptura na continuidade dos sentimentos existenciais faz com que a pessoa que a experimenta se sinta muitas vezes incapaz de desempenhar tarefas básicas e corriqueiras, o que é apresentado nos termos de uma alteração no domínio do campo de possibilidades experienciais desses indivíduos (Ratcliffe, 2012, 2015).

Nesse caso, o senso de incapacidade e impossibilidade pode derivar tanto de uma disfunção que se manifesta no nível corporal, como a depressão, quanto em certos distúrbios, como a esquizofrenia, os quais colocam em questão o próprio senso de realidade do indivíduo enfermo (Kusters, 2020). Transtornos psiquiátricos, assim, parecem estar na base do surgimento de sentimentos severos de impotência e incapacidade, que podem ser paralisantes para a pessoa em sofrimento. Além disso, alguns distúrbios apresentam sintomas físicos graves, muitas vezes comparáveis com a sintomatologia da enfermidade somática (Ratcliffe et al., 2013).

Como vimos, segundo Havi Carel (2016), o tipo de ruptura experiencial aparente nesses casos poderia ser descrito nos termos de uma dúvida corporal. No contexto de uma descrição fenomenológica da experiência enferma em geral, Havi Carel discute modos nos quais um senso corporal de dúvida pode emergir e determinar a experiência da enfermidade. Baseada no trabalho de Ratcliffe, Carel aborda a noção de dúvida corporal como um sentimento de tipo existencial (2016, p. 89). A dimensão e extensão da dúvida na enfermidade, seja ela somática seja mental, indica que esta, mais do que uma dúvida sobre capacidades corporais corriqueiras, deve ser entendida como uma dúvida de tipo pervasivo, persistente e severo, condicionante das experiências particulares de enfermidade (2016, p. 86).[5] Por outro lado, o seu contrário, a certeza corporal desempenha um importante papel na manutenção cotidiana de nossas vidas, na medida em que nos sentimos cotidianamente confiantes e seguimos, sem questionar a capacidade de nossos corpos em manter seu funcionamento adequado, da mesma maneira como ocorreu no passado (2016, p.101).[6] É justamente esse traço tácito e inconspícuo de certeza que a dúvida corporal, emergente na enfermidade, por sua vez, coloca em evidência. Operamos, assim, sob condições normais, com a crença de que nossos pulmões continuarão a respirar, nossos olhos a ver, e de que nossa capacidade motora e cognitiva seguirá intacta. São os casos de enfermidade somática e mental que, de acordo com Carel, exibem um “senso de incapacidade” e colocam em questão a certeza corporal com a qual comumente habitamos o mundo (2016, p. 86).

Nesse sentido, a dúvida corporal desempenha um papel metodológico significativo, pois aponta para o colapso da certeza corporal ordinária que subjaz à nossa experiência comum:

Uma maneira de tornar visível a certeza corporal que está na base da experiência humana comum é olhando para os casos de ruptura, ou seja, a enfermidade. Em muitos distúrbios somáticos e mentais, o senso de certeza e confiança que temos em nosso próprio corpo é profundamente perturbado (Carel, 2016, p. 92, tradução e ênfase minha).

 

É justamente através desse colapso da certeza corporal que se torna aparente o sentimento de confiança, familiaridade e continuidade de nossa constituição, enquanto entes corporificados. Ainda nas palavras de Carel, trata-se de uma

[...] perturbação do senso mais fundamental de alguém estar no mundo. A dúvida corporal dá origem a uma experiência de irrealidade, estranhamento e desprendimento. De um sentimento de habitar um mundo familiar, a pessoa enferma é jogada na incerteza e na ansiedade (2016, p. 92, tradução minha).

 

De acordo com Carel, a dúvida corporal ocorre em graus, os quais podem variar em duração, intensidade e especificidade (2016, p. 93). A ideia central é de que uma mudança radical no âmbito da certeza corporal, culminando no seu oposto, a dúvida, conduz a uma modificação da própria estrutura da experiência. A dúvida corporal pode ainda ser pervasiva, ou relacionada a aspectos específicos do funcionamento corporal. Em ambos os casos, no entanto, o que se perde é o senso tácito e cotidiano de familiaridade com nossos corpos e suas interações cotidianamente estabelecidas.

Carel apresenta ainda três componentes essenciais da dúvida corporal, nos termos de um conjunto de perdas, os quais exponho a seguir:

 

1       Perda da continuidade: Na maior parte das vezes e em situações normais, a vida humana se caracteriza pela continuidade da experiência e pela ação direcionada a propósitos. Nesse caso, a emergência de processos patológicos e a consequente dúvida corporal daí emergente surge como um elemento de interrupção do fluxo contínuo da experiência. A experiência da enfermidade envolve, assim, uma experiência de descontinuidade com a experiência saudável prévia, tornando antigos hábitos cotidianos objeto de atenção e esforço consciente, uma vez que o senso de normalidade foi perdido, a partir do surgimento do processo patológico (2016, p. 97). Com a emergência da dúvida corporal, a experiência se torna descontínua, no sentido de que certas capacidades, habilidades e disposições corporais já não se revelam como disponíveis, ainda que temporariamente. Uma tal descontinuidade, portanto, evidencia e coloca em questão a possibilidade de que nossos corpos continuem a funcionar da mesma forma que funcionavam no passado (2016, p. 89).

2       Perda de transparência: O caráter de transparência do corpo, no contexto da experiência saudável, tem sido reiterado na literatura fenomenológica acerca dos fenômenos da saúde e da doença. A transparência, pode-se dizer, é a marca da saúde e do funcionamento normal do corpo (Carel, 2016, p. 59). Já nos casos de enfermidade, o corpo cessa de ser o locus invisível de projetos pessoais e adquire o caráter de objeto, como foco de um estado disruptivo, o qual demanda urgência. Essa forma de atenção negativa, perturbada, direcionada ao corpo foi nomeada por Leder (1990) como um estado dys, indicando, através do prefixo grego, um estado disfuncional da experiência corporal, uma forma de aparecimento do corpo como enfermo, avariado, estranho. No caso da emergência da dúvida corporal, o caráter transparente do corpo como que desaparece, dando lugar à tematização explícita do corpo como um problema.

3       Perda da fé no próprio corpo: A continuidade e normalidade da experiência saudável dependem ainda de um “conjunto tácito de crenças” que sustentamos sobre nossos corpos. Em linhas gerais, temos um tipo de fé ou certeza inarticulada de que nossos corpos funcionarão de modo adequado, possibilitando levar a cabo projetos e desempenhar as mais diversas tarefas e funções que constituem uma vida saudável. A perda de fé ou confiança no próprio corpo e suas funcionalidades aponta, assim, para uma dimensão de contingência e mesmo de falibilidade de nossos corpos, enquanto um conjunto de capacidades orgânicas. O papel da confiança também aparece aqui como um elemento difuso, que opera tacitamente, fornecendo um senso de segurança operante entre nossos corpos e o mundo. A confiança pode ser considerada, assim, como um tipo de atitude não proposicional, um sentimento básico que permeia nossa interação com os outros, com o mundo e com nós mesmos (Carel, 2016, p. 101).

 

Por fim, Carel sublinha ainda o papel metodológico dos casos de enfermidade, ao revelar estruturas experienciais tácitas que, na experiência saudável, são tomadas por certas. Nesse sentido, a ampla gama de experiências de enfermidade compartilha entre si características comuns e torna, assim, a experiência da dúvida corporal filosoficamente reveladora, ao expor a estrutura da experiência saudável (Carel, 2016, p. 93).[7] Ainda, um ponto apenas sugerido, mas não completamente explorado por Carel, é em que medida o conceito de dúvida corporal pode ser suficientemente generalizado para todos os tipos de enfermidades. Dito de outra forma, a questão diz respeito a se o conceito de dúvida corporal pode ser justificadamente estendido também para as enfermidades de tipo psiquiátrico.

 

3 Da dúvida corporal para a dúvida existencial

A seguir, pretendo explorar em maior detalhe a segunda assunção defendida por Carel, relativa à extensão do conceito de dúvida corporal. Seguindo essa direção, encontramos, por exemplo, a célebre definição de transtorno mental do DSM-5, na qual ganham proeminência elementos cognitivos, afetivos e comportamentais. O transtorno mental é assim definido:

Uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo, que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental (APA, 2013, p. 20, tradução minha).[8]

 

O ponto é sensível, pois, mesmo que não se assuma uma descontinuidade arbitrária entre mente e corpo, há uma diferença fenomenológica inquestionável entre enfermidades somáticas e mentais. E, embora, desde o ponto de vista de uma perspectiva da mente enquanto corporificada e não restrita ao cérebro, seja indiscutível a dependência corporal das faculdades cognitivas, afetivas e comportamentais[9], parece inegável que o tipo de dúvida a propósito dessas faculdades não se esgota em termos meramente corporais. Ainda que aplicável, o conceito de dúvida corporal proposto por Carel não parece estender-se completamente às características definidoras dos transtornos mentais.

Casos de transtornos psiquiátricas aparecem, assim, como relevantes para a elucidação do conceito de dúvida, no âmbito de uma fenomenologia da enfermidade, na medida em que estas apresentam um tipo de dúvida e instabilidade bastante significativa, com um conjunto de perdas relevantes, ainda que não completamente redutíveis à dimensão da experiência corporal. No âmbito de uma fenomenologia da enfermidade, essa última afirmação merece ser justificada.

Do ponto de vista fenomenológico, sugere-se que a busca pela dimensão e extensão do sofrimento humano não deve se restringir apenas ao aspecto corporal (Aho, 2019). Para além das vulnerabilidades relativas a nossos corpos, somos também criaturas psiquicamente vulneráveis, suscetíveis a períodos de aflição e instabilidade que, embora possuam em sua fenomenologia e causalidade componentes estritamente corporais, não se reduzem a estes, mas se referem, antes, a capacidades especificamente “mentais” e cognitivas (Graham, 2010). Aqui, a analogia proposta por Carel, no contexto da diferenciação entre doença e enfermidade, pode ser elucidativa: se uma pessoa possui câncer não diagnosticado, ela está adoecida, mesmo não enferma, já que existem processos corporais subjacentes que determinam a subsequente experiência da enfermidade. Por outro lado, se uma enfermidade como a depressão não envolve lesão cerebral correspondente, a pessoa depressiva está enferma, sem estar necessariamente doente (2016, p.17). Nesse caso, os componentes de aflição e de sofrimento, nas enfermidades mentais, embora exibam elementos corporais, são classicamente determinados em virtude de elementos tradicionalmente entendidos como “mentais”, muitas vezes em oposição a “corporais”.

Um outro exemplo: de acordo com o DSM-5, a pedra angular dos distúrbios depressivos é o surgimento do chamado “episódio depressivo maior" (major depressive episode), no qual um humor depressivo e uma perda de interesse ou prazer precisam estar presentes a maior parte do dia, quase todos os dias, por pelo menos duas semanas, para que alguém possa ser diagnosticado com depressão. Além disso, pelo menos três dentre sete critérios devem ser preenchidos, tais como mudança significativa de peso, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou perda de energia, sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada, diminuição da capacidade de pensar ou se concentrar e pensamentos recorrentes de morte. Os sintomas em questão também devem causar algum grau de angústia ou prejuízo clinicamente significativo em contextos sociais, ocupacionais ou outras áreas importantes de funcionamento, e não devem ser causados imediatamente por medicação ou luto, no caso da perda de um ente querido (APA, 2013, p. 168).

Alguns aspectos afetivos e cognitivos, como, por exemplo, os sentimentos de inutilidade e culpa, a diminuição da capacidade de pensamento e concentração exibem, por conseguinte, transtornos que podem ser facilmente tomados como colocando um tipo de dúvida sobre capacidades que não são exata e unicamente corporais. Aspectos da mente de uma pessoa podem eventualmente colapsar ou desorganizar-se em um sentido clínico-psiquiátrico. Quando isso ocorre, algumas capacidades podem desajustar-se na direção de uma incapacidade prejudicial ou dolorosa, promovendo, muitas vezes, algum tipo de disfunção ou deficiência. Por exemplo, pensamentos se tornam obsessivos, preferências aditivas, percepções alucinatórias, crenças delirantes, a amnésia pós-traumática pode levar à ignorância do próprio passado, a ansiedade fóbica pode paralisar as pessoas, e a depressão pode desengajar as pessoas de seus projetos pessoais (Graham, 2010).

Nessa direção, entendo que o conceito de dúvida corporal, tal como formulado por Carel, parece enfrentar dificuldades em termos de extensão para todos os tipos de enfermidade. Em primeiro lugar, ele não parece ser completamente generalizável, a ponto de englobar todos os tipos de enfermidade, incluindo o espectro da saúde mental. Da mesma forma, uma vez que enfermidades mentais não parecem depender única e exclusivamente do elemento fenomenológico-corporal para sua definição, o conceito parece não ser completamente coextensivo à enfermidade mental.

No que concerne à psicopatologia de corte fenomenológico, e também na recente interação entre fenomenologia e filosofia da psiquiatria, já está bastante estabelecida a ideia de que a determinadas entidades psicopatológicas correspondem determinados tipos de alteração das estruturas experienciais, tais como a temporalidade, a espacialidade, a interpessoalidade etc. (Fernandez; Køster, 2019). A corporeidade, no entanto, corresponde a apenas uma dessas estruturas. Por outro lado, alterações no âmbito da autoconsciência, como distúrbios afetivos, delírios, alucinações, fobias, embora possuam elementos corporais, não se reduzem a termos exclusivamente corporais, como determinantes das enfermidades mentais.

Por exemplo, no contexto dos chamados transtornos do self, transtornos da hiperreflexividade e diminuição da autoafecção aparecem como alterações experienciais determinantes do espectro esquizofrênico (Sass; Parnas, 2003), muitas vezes nos termos de uma perda da evidência natural (Blankenburg, 2001). Nessa mesma direção, alterações na cognição e fluxo de consciência, autoconsciência (self-awareness), perda ou permeabilidade do limite entre self e mundo, reorientação existencial e solipsismo aparecem como determinantes, no âmbito das experiências anômalas de si (Parnas et al., 2005), da mesma forma que a experiência do espaço e objetos, tempo e eventos, outras pessoas, linguagem etc., aparecem como determinantes no âmbito das experiências anômalas de mundo (Sass et al., 2017). Alterações na experiência da própria realidade, nos termos de um “pararrealismo”, também são comuns nas descrições em primeira pessoa (Kusters, 2020). Ou ainda, no contexto dos chamados transtornos de humor, algumas possibilidades de ação aparecem como não mais atraentes, como aumentadas ou diminuídas, abertas ou limitadas, uma experiência que pode ou não ser acompanhada por diversas mudanças corporais (Ratcliffe et al., 2013; Fuchs, 2005; Svenaeus, 2013), mas também por sentimentos de desesperança, de culpa, distúrbios no senso de agência, alterações temporais, dificuldades na experiência interpessoal, e assim por diante (Ratcliffe, 2015).

A hipótese, portanto, é de que um conceito mais amplo de dúvida, dessa vez não restrito ao âmbito corporal, parece ser mais adequado ao estatuto teórico e ontológico das enfermidades especificamente mentais, como se referindo não apenas à sua dimensão fenomenológico-corporal, mas à totalidade experiencial, afetada na maioria dos casos de enfermidade mental, a ser qualificada como dúvida existencial. Nesses casos, a dúvida emerge como um componente central das descrições psicopatológicas em primeira pessoa, e o que entra em questão não é apenas a certeza sobre a continuidade, transparência ou fé nas capacidades corporais previamente possuídas, mas, antes, acerca da totalidade de relações do indivíduo, seja consigo mesmo, com os outros, ou com o mundo (Ratcliffe, 2008, 2015). Nesse sentido, caso se considere a dicotomia confiança/dúvida como uma característica essencial da enfermidade, em geral, faz-se necessário, portanto, uma adequação à especificidade das enfermidades de ordem mental, no que diz respeito à fenomenologia da dúvida emergente nesses casos.

Ainda segundo essa hipótese, um conceito de dúvida em conformidade com a fenomenologia dos transtornos mentais deve estar de acordo com e basear-se em suas características definidoras, como no caso dos componentes cognitivos, afetivos e comportamentais desses transtornos, bem como a sua relação entre si. Nesse sentido, o desenvolvimento e elucidação do conceito de dúvida existencial parece duplamente útil: tanto no que concerne a uma formulação adequada da noção de dúvida no âmbito das enfermidades mentais, quanto no que tange a uma qualificação do papel dos sentimentos existenciais na consolidação do elemento de certeza e dúvida corporal, no âmbito de uma distinção entre saúde e enfermidade.

O qualificativo “existencial” já foi utilizado por Merleau-Ponty (1963), no contexto do estudo do famoso caso Schneider. Após sofrer uma lesão cerebral, Schneider levava uma vida aparentemente normal, sob vários aspectos, trabalhando e vivendo de forma independente. Schneider, no entanto, sofria de algumas limitações significativas, como, por exemplo, ser incapaz de modificar autonomamente sua rotina diária ou de iniciar relações sexuais, embora seu funcionamento sexual estivesse intacto. Na formulação de Merleau-Ponty, "existencial" designa, assim, um conjunto de possibilidades que foram, de alguma forma, perdidas, no transcurso da enfermidade. O campo das modalidades aparece, logo, como um âmbito visivelmente afetado nas patologias em geral (Fernandez, 2017). Para certos autores, como Carel (2016) e Ratcliffe (2015), por exemplo, o qualificativo existencial refere-se, da mesma forma, ao afunilamento de possibilidades experienciais, uma vez que, concomitantemente ao surgimento de processos patológicos, algumas possibilidades são aumentadas, diminuídas ou perdidas. Na tradição fenomenológica, de maneira geral, o qualificativo existencial alude ainda a um tipo de relação que somente entes dotados do modo de ser da existência possuem, como uma característica inerente e específica dos seres humanos. Heidegger (1962), por sua vez, caracteriza esse traço inerentemente humano, sublinhando que somos entes cujo ser está sempre em questão e, que por isso mesmo, nos relacionamos de maneira significativa com nossa própria existência.

 No contexto recente de um tratamento não reducionista da psiquiatria, Sanneke de Haan (2017, 2020) aborda a importância da dimensão existencial para a compreensão dos transtornos psiquiátricos. Nessa perspectiva, a dimensão existencial refere-se à capacidade humana de nos relacionarmos conosco mesmos, nossas experiências e nossa situação. Isso significa que a dimensão existencial apresenta uma camada de complexidade adicional da experiência humana, na medida em que nós não experienciamos apenas coisas e objetos em geral, mas podemos também tomar uma posição sobre tais experiências, nós mesmos e nossa situação particular. Da mesma forma, algumas posições em psiquiatria sustentam que é essa própria capacidade autoavaliativa que contribui como uma pré-condição para o surgimento de transtornos mentais (Fuchs, 2011, 2013). Essa relação autoavaliativa, por sua vez, pode desempenhar um papel bastante significativo no âmbito psiquiátrico, pois se assume que esta pode coconstituir a transtorno, ser afetada pelo transtorno ou, ainda, modular o curso do transtorno (de Haan, 2017, 2020).

Vê-se, assim, que a dimensão existencial, isto é, a dimensão da relação dos pacientes com suas experiências desordenadas, é suscetível de codeterminar, sob muitos aspectos, o próprio curso do distúrbio em questão. A identificação dos diferentes modos de relação com a enfermidade mental se insere aqui, portanto, como um elemento crucial no estabelecimento do papel da dúvida existencial.

Nesse caso, a formulação e adequação de um conceito de dúvida relativo ao domínio da existência, no âmbito dos transtornos mentais, nos parece, por conseguinte, filosófica e praticamente relevante. Uma vez que o domínio existencial desempenha um papel fundamental na emergência e manutenção dos transtornos mentais (de Haan, 2017, 2020; Fuchs, 2011, 2013), o surgimento da dúvida nesse domínio, nos parece, necessita ser mais bem elucidada. Importantemente, a escolha do qualificativo existencial também se justifica, visto que não promove uma dicotomia mente-corpo como interna aos transtornos mentais (Graham, 2010; Fuchs, 2005; Fuchs; Schlimme, 2009).

Diferentemente do conceito de dúvida corporal, a dúvida de tipo existencial revela a extensão de nossa vulnerabilidade enquanto entes que possuem mentes, não apenas corporificadas, mas também imersas em contextos socioculturais, estendidas em direção ao ambiente e enativas (Newen; De Bruin; Gallagher, 2018). Encontrar-se vulnerável, nesse sentido mais geral e dinâmico, envolve, portanto, identificar diferentes loci de manifestação da dúvida, nas quais ela “[...] derruba nossas suposições mais básicas sobre a regularidade, previsibilidade e benevolência do mundo" (Carel, 2016, p. 94).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Meu objetivo, neste trabalho, foi investigar a maneira como o conceito de dúvida corporal, tal como elaborado por Carel (2013, 2016), no contexto de uma fenomenologia da enfermidade em geral, pode ser adequadamente refinado para descrever experiências de enfermidade especificamente mentais. Nesse sentido, sugeri a delimitação de um conceito de dúvida, cuja extensão abarque a perturbação da relação a si, aos outros e ao mundo, na experiência dos transtornos mentais. Em outras palavras, busquei formular e elucidar um conceito de dúvida existencial. Para tanto, examinei o conceito de dúvida corporal e sua adequação ou inadequação, no quadro de um exame das características definidoras dos transtornos mentais, levando em conta, para isso, abordagens fenomenológicas e não reducionistas dos transtornos mentais (Ratcliffe, 2005, 2008, 2012, 2015; de Haan, 2017, 2020, 2021).

É importante salientar ainda que a distinção entre enfermidades somáticas e mentais, com base unicamente na sua fenomenologia corporal, pode, muitas vezes, fracassar (Ratcliffe et al., 2013). Nesse caso, o conceito de dúvida existencial revela impactos significativos para a conceitualização e distinção entre enfermidades somáticas e mentais, cuja possibilidade se encontra justamente na apresentação de um núcleo conceitual capaz de capturar as particularidades e nuances da experiência mentalmente desordenada, em função do elemento da dúvida. Da mesma forma, com a formulação de um conceito de dúvida existencial, a identificação de elementos qualitativos e estruturais dos transtornos mentais enriquece a possibilidade de uma fenomenologia comparada entre os diversos tipos de transtorno, fornecendo um denominador comum, a partir do qual as diversas transtornos podem ser avaliadas e investigadas (Sass; Pienkos, 2013a, 2013b).

 

Beyond bodily doubt: Doubt as an existential problem and its relevance to psychiatry

Abstract: The concept of bodily doubt has been proposed as a model for describing the experience of illness. According to this model, bodily doubt determines any experience of illness, whether somatic or mental. However, the phenomenology of mental disorders presents a series of experiential disturbances beyond doubt at the bodily level. The hypothesis to be investigated in this article concerns the formulation of an adequate concept of doubt from the point of view of these disorders. Often, psychiatric patients experience their condition of suffering primarily in terms of a doubt about the totality of their experiences, and not just in relation to the bodily aspect. On the other hand, cognitive, affective and behavioural elements also play a fundamental role in determining mental disorders. In order to identify the peculiarities of the notion of doubt in this context, this paper sets out to reconstruct and analyze the phenomenological literature on somatic and mental illness, as well as non-reductionist approaches to cognition (4EA) and its disorders. 

 

Keywords: Phenomenology of illness. Philosophy of psychiatry. Bodily doubt.

 

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Submissão: 30/06/2024 – Decisão: 26/09/2024

Revisão: 30/09/2024 - Publicação: 07/11/2024



[1] O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - Brasil, processo n. 150724/2022-5).

[2] Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS – Brasil. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasília, DF - Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3038-735X. E-mail: marcelovieiralopes16@gmail.com.

[3] Uma importante questão metodológica concerne aos modos de acesso e levantamento de relatos em primeira pessoa que suportam as afirmações teóricas a respeito dessa dimensão afetiva. A abordagem de Ratcliffe é plural e admite uma variedade de formas de acesso. Por exemplo, Ratcliffe (2005) recorre a buscas na ferramenta de busca Google, a fim de identificar complementos para a expressão “o sentimento de ser…” (the feeling of being…). Os resultados da busca se encaixam diretamente naquilo que o autor atribui à categoria de sentimentos existenciais, como, por exemplo, o sentimento de ser/estar “completo”, “imperfeito” “indigno”, “humilde”, “em casa”, “sobrecarregado”, “abandonado” etc. Já em Ratcliffe (2008), é patente o uso de narrativas autobiográficas, memórias e exemplos literários. Ratcliffe (2015), além de relatos autobiográficos e exemplos literários, apresenta um questionário on-line (depression questionnaire), no intuito de reunir descrições em primeira pessoa de casos de depressão com base em questões abertas.

[4] Dentre os transtornos considerados por Ratcliffe, ganham maior atenção a esquizofrenia (2008), as síndromes de Cotard e Capgras (2008) e a depressão (2015).

[5] Carel sublinha que o termo “enfermidade”, nesse contexto, designa condições graves e severas, crônicas ou potencialmente fatais, em vez de estados mais comuns e transitórios, como no caso de um resfriado (Carel, 2016, p. 86).

[6] Carel aponta ainda a proximidade entre a certeza corporal que habitual e tacitamente sustentamos sobre nossos corpos com a crítica de Hume ao processo de indução, ambas como epistemicamente infundadas (Carel, 2016, p. 102).

[7] Mais recentemente, Carel (2021) investigou o sentido no qual as patologias podem ser entendidas como uma ferramenta metodológica importante, sugerindo que a enfermidade, ela mesma, pode ser desenvolvida com um componente do método fenomenológico propriamente dito. O estudo de casos diversos de patologia sugere, por conseguinte, a possibilidade de elucidar não apenas as experiências de enfermidade, mas também do funcionamento saudável e do contexto tácito que o sustenta.

[8] O DSM-5, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, elaborado pela American Psychiatric Association, é atualmente o manual mais utilizado para fins de diagnóstico de transtornos mentais; ele é também alvo de inúmeras críticas da ala fenomenológica da psiquiatria, justamente por desconsiderar consideravelmente a dimensão subjetiva e a avaliação das descrições em primeira pessoa como determinantes do diagnóstico psiquiátrico (cf. Andreasen, 2007).

[9] Sobre o tema da corporificação e não restrição da mente aos confins cerebrais, cf. Varela, Thompson e Rosch (1991); Thompson (2007); Gallagher (2005).