ENTREVISTA

 

Entrevistado: Alfredo Pereira Jr.[1]

Entrevistador: Leonardo Ferreira Almada[2]

 

Resumo: Trata-se, o presente texto, de uma entrevista concedida pelo Prof. Dr. Alfredo Pereira Jr. ao Dr. Leonardo Ferreira Almada, por ocasião da chamada para publicação de entrevistas com distintas/os filósofas/os brasileiras/os. Atendendo ao objetivo da chamada da revista Trans/Form/Ação, buscou-se realizar uma entrevista em que um professor doutor com carreira consagrada apresenta alguns elementos de suas histórias pessoais e acadêmicas, bem como esclarece pontos importantes de sua pesquisa, algumas de suas teses e visão de mundo, a partir de questões propostas por um outro professor doutor, parceiro histórico de pesquisa e profundo conhecedor da carreira do entrevistado.

 

Palavras-chave: Alfredo Pereira Jr. Leonardo Ferreira Almada. Metafísica. Ontologia.

 

Introdução

Na entrevista que se segue, o Prof. Dr. Alfredo Pereira Jr. responde a perguntas do Prof. Dr. Leonardo Ferreira Almada. Entrevistador e entrevistado se conhecem há aproximadamente 16 anos. Em 2008, o Prof. Leonardo, ainda no final de seu Doutorado, procurou o Prof. Alfredo para lhe solicitar supervisão de pós-doutorado, o que ocorreu entre os anos de 2009 e 2011, no Instituto de Biociências da UNESP de Botucatu. Desde então, uma sólida parceria entre os pesquisadores foi firmada, o que garante a fluidez da entrevista que se segue. Nessa entrevista, o Prof. Dr. Alfredo Pereira Jr. trata de alguns elementos de suas histórias pessoais e acadêmicas, bem como esclarece pontos importantes de sua pesquisa e algumas de suas teses e visões de mundo.

 

Entrevista

LFA: Como você gostaria de iniciar nossa entrevista?

APJ: Gostaria de iniciar a entrevista falando um pouco de minha atitude em relação à Filosofia. Minha motivação para o fazer filosófico é existencial, ou seja, é um enfrentamento das questões que permeiam a existência humana. Esse fazer naturalmente se direciona para uma investigação sistemática, que desemboca na Metafísica, em uma solução de continuidade, como busca dos princípios geradores da experiência humana. Nunca me interessei pela análise filosófica de tópicos isolados. Minha ambição, em quase 50 anos de trabalho com a Filosofia da Ciência, sempre foi a de construir um sistema, uma Ontologia Interdisciplinar, que, por sua vez, nos remete aos problemas da Metafísica.

 

LFA: O que seria uma Ontologia Interdisciplinar?

APJ: É uma teoria sobre o Ser da Realidade, a partir de suas manifestações em nossas vivências, incluindo aqui a experiência científica e tecnológica, a qual expressa paradigmaticamente o estágio evolutivo atual da humanidade. O Ser da Realidade pode ser abordado enquanto princípio gerador — o “Ser enquanto Ser” da Metafísica propriamente dita — e também como modos de existência que se atualizam nas vivências humanas, o que seria assunto da Ontologia. Entendo que, mesmo havendo uma diferença entre Ser e os processos que se apresentam na nossa vivência pessoal, tudo o que se expressa necessariamente pertence ao Ser. Talvez minha maior motivação filosófica seja a de mostrar essa continuidade entre os processos da vida e o Ser, evitando o apelo a um Ser transcendente para explicar problemas da existência humana. Parte do apelo ao transcendente advém da própria ambiguidade da palavra “Ser”, que pode ser usada como verbo e como substantivo. Como verbo, pode ser aplicado a diversas categorias lógicas, como estudado por Aristóteles, no Organon; como substantivo, já em Aristóteles e na abordagem contemporânea dos sistemas dinâmicos, se refere tanto às "substâncias autossubsistentes" (os seres ou sistemas com que nos deparamos, na experiência) quanto ao "Ser enquanto Ser", o qual, por sua vez, é suscetível de duas interpretações: como princípio que se situa nos processos vivenciados, ou como princípio transcendente. Em uma Ontologia Interdisciplinar, recorre-se às ciências para identificar essas categorias, concernentes aos sistemas auto-organizados, que compõem o processo evolutivo do Ser da Realidade. No caso de Aristóteles, ele mesmo trabalhou como cientista empírico, tomando as Formas como identificadoras das espécies biológicas e criando a área de estudos biológicos, chamada Morfologia. Meu trabalho se insere nessa linha de investigação, a qual nega o valor da explicação por princípio(s) transcendente(s) e busca os princípios subjacentes aos seres ou sistemas presentes na experiência humana.

 

LFA: Como a Ontologia Interdisciplinar se conjuga com a Metafísica stricto sensu?

APJ: Este é evidentemente um assunto muito difícil, mas felizmente encontrei uma solução satisfatória no Aristóteles interpretado por Pierre Aubenque (que li por conta própria, após a graduação) e nas referências usadas pelo Prof. Sylvio Barata, com quem estudei, no período do Mestrado, na UFMG (1983-1985). Aristóteles não teria uma teoria acabada sobre o “Ser enquanto Ser”, mas o colocava como problema a ser abordado empiricamente, a partir das Formas presentes na Physis. Com base nesse manancial, sustentei que o que existe são os sistemas autossubsistentes, caracterizados pelos princípios “Matéria” e “Forma”. O “Ser enquanto Ser”, ou o Abrangente, seria o repertório de Formas possíveis, consideradas em seu todo, no estado potencial. Os sistemas correspondem às possibilidades do Ser que se atualizam na experiência humana. De certo modo, o Vir-a-Ser da realidade como transição da potência ao ato também subjaz à interpretação de Hegel pelo Pe. Henrique Cláudio de Lima Vaz, cujos cursos na UFMG assisti por dois anos, como aluno regular. Em Hegel, a totalidade em estado potencial corresponde à Ideia, como verificamos no início da Enciclopédia; temos, na Ciência da Lógica, um processo dialético que perpassa diversas etapas, como Qualidade, Quantidade e Medida; Ser, Presença e Ser para Si; Quantidade Pura, Quantum e Grau. Em ambos os filósofos, o repertório de Formas ou Ideias é finito e eterno. O grande tema da Metafísica, acredito, é o de mostrar como o mundo da vida, e as próprias pessoas que vivenciam esse mundo, derivam daquele repertório finito e eterno do Princípio uno, gerador de toda a realidade. Em Hegel, esta é a função da dialética: mostrar como as Ideias limitadas interagem e superam as aparentes oposições, em um processo que culmina com a emergência da consciência humana e da filosofia, entendidas como uma reflexão do produto do processo (o Espírito) sobre os momentos que compõem esse mesmo processo. Em Aristóteles, esse processo evolutivo é concebido de modo mais simples, como passagem da potência para o ato, sem a necessidade de superar contradições, ou de se assumir uma tendência do processo rumo ao pleno autoconhecimento da Razão. Esse tipo de abordagem, tanto aristotélica quanto hegeliana, foi pouco desenvolvida no contexto científico contemporâneo. De certo modo, Friederich Engels queria fazer isso, na Dialética da Natureza. O livro de Eugene Fleishmann, A Lógica Universal, que estudei no mestrado por sugestão do Pe. Vaz, procura mostrar que as categorias hegelianas são compatíveis com os conceitos fundamentais das ciências. Na linhagem aristotélica, talvez a abordagem mais próxima seja a teoria de processos de Alfred North Whitehead, inclusive quando ele retoma um conceito de natureza próximo ao conceito de Physis.

 

LFA: Em um sobrevoo sobre a História da Filosofia Ocidental, como você identifica a origem dos chamados "Problemas Metafísicos"?

APJ: Em minha abordagem, sem dúvida a origem está em Sócrates/Platão. Os pré-socráticos investigavam a Physis, procurando causas naturais para processos naturais, e os mitólogos operavam no plano simbólico, mas Sócrates/Platão introduziram matrizes supernaturais para explicar processos naturais. Isso, paradoxalmente, agradou quem queria um princípio transcendente, como o Brahma hindu. Eu só consigo entender a persistência do platonismo, em nossa história, inclusive formatando o cristianismo medieval, como sendo devido à vontade de muitos filósofos de ter um Deus para chamar de seu. Entretanto, quem investigava a Physis em seus princípios próprios, ou seja, os verdadeiros cientistas, como Aristóteles (não os criptoteólogos, tomando de assalto a filosofia), não poderiam ficar contentes com isso. Aristóteles retomara as contribuições dos pré-socráticos, fazendo uma síntese poderosa, de caráter científico enciclopédico, a qual teve de ser sutilmente distorcida por São Tomás, para caber dentro de uma teologia de princípio transcendente. Ambas as abordagens fizeram escola, pois correspondem a duas grandes tendências da mente humana. Os Modernos, com Descartes, assumiram oportunisticamente a crítica que os cientistas empíricos faziam de algumas partes da Física aristotélica, para retomar o platonismo, na forma do Dualismo Corpo-Mente. Acontece que aquela crítica era interna a uma construção do conhecimento na linhagem aristotélica, e não uma autorização para introduzir o transcendente na ciência! Infelizmente, ainda hoje temos muitos criptoteólogos à espreita, inclusive na comunidade científica, para tentar introduzir um Deus transcendente ( o "Deus das Lacunas") para cada lacuna epistemológica das ciências. A confusão persiste até hoje, com as interpretações idealistas da Física Quântica, e até do Teorema da Incompletude de Gödel! Quando Espinosa critica o dualismo cartesiano, ele o faz após ter engolido e digerido o Brahma do platonismo, de modo que Deus já se confundia com a Natureza. Hegel é uma figura sui generis, nessa controvérsia, pois conseguiu conciliar platonismo e aristotelismo, em seu Idealismo Absoluto. Quem faz o devido contraponto à tradição platônica é Hume e, depois, parcialmente, Kant, nos levando a reavaliar a importância do ceticismo. O ceticismo não radical pode ser entendido como estratégia para se evitar o apelo a um Brahma, sem, necessariamente, negar a validade de uma teoria do conhecimento de tipo aristotélico. No Brasil, eu me lembro das palestras do Prof. Oswaldo Porchat, nos primeiros encontros da ANPOF, trazendo essa ponderação saudável do ceticismo, sem negar a possibilidade de um realismo aristotélico. No plano da História da Filosofia Ocidental, quem melhor acabou resgatando a filosofia científica sintetizada pelo aristotelismo foi Karl Marx, possibilitando a tentativa frustrada de Engels acima citada. Marx, inclusive, baseia seu edifício teórico na distinção aristotélica entre valores de uso e de troca. Como a História da Filosofia caminha de distração em distração, atribui-se a um enganador chamado Friederich Nietzsche a crítica à tradição que se embebeu de Brahma até o ponto de não mais notar seu estado alterado de consciência. Porém, Nietzsche atribuiu a culpa da alienação humana à religião judaico-cristã, que segundo ele estaria em crise e, com isso, toda a Metafísica baseada em um Deus opressor desmoronaria. Nada mais falso, pois a humanidade está cada vez mais religiosa; a religião está, como sempre esteve, bem aceita pelo povo. O problema, mais bem identificado por Marx, é que não se trata de uma invasão da filosofia pela religião, mas, pelo contrário, são os filósofos mesmos, como Sócrates/Platão, que foram buscar o fundamento da realidade em um princípio transcendente à Physis. Não vou entrar aqui na discussão da relação entre filosofia e política, onde também se pode fazer um paralelo entre o Aristóteles democrático e o Platão antidemocrático. Por essas e por outras, é irritante quando encontramos marxistas que metafisicamente são platônicos ou, pior, nietzschianos, e se colocam contra o aristotelismo. É correto que sejam contra o Neo-Tomismo, que no Brasil inclui ramos da direita e extrema-direita, mas é preciso entender de onde vem a filosofia de Marx, e para onde ela leva.

 

LFA: O que é a Matéria da Phsyis, na filosofia de Aristóteles?

APJ: Em Aristóteles, parte-se da experiência humana na Physis. O ponto de partida delimita o ponto de chegada, como nos lembrava Hegel, o qual partia de uma suposta supremacia da Razão na História Ocidental e concluía que o Real é Racional. Em Aristóteles, partindo da experiência na Physis, a Matéria é concebida como o receptáculo necessário para que as Formas passem do estado potencial para uma atualidade presente em nossa experiência. Há uma ação recíproca, da Forma na Matéria, a Energeia, e da Matéria na Forma, a Dynamis. O Vir-a-Ser da Realidade é uma energia dinâmica, resultante dessa ação recíproca. Por isso, a melhor forma de se interpretar Aristóteles, na contemporaneidade, seria por meio da Teoria de Sistemas Dinâmicos (TSD). Na abordagem que desenvolvo, incorporo resultados da Epistemologia da Física, com base no trabalho pioneiro do físico-filósofo Ludwig Boltzmann sobre a irreversibilidade. Também é importante levar em conta a interpretação do "Princípio da Menor Ação" (implícito na metafísica de Leibniz), a qual foi feita por Feynman (https://www.feynmanlectures.caltech.edu/II_19.html), evidenciando que os processos espontâneos da natureza se organizam de modo eficiente e eficaz, por meio desse Princípio, conferindo uma direção aos processos da realidade em nível atômico (Eletrodinâmica Quântica), juntamente com a Segunda Lei da Termodinâmica tratada por Boltzmann, que opera em nível chamado “macroscópico” (ou seja, em uma descrição probabilística coarse grained – “de grão grosso”).

Estudo isso há mais de 40 anos, começando com o saudoso Prof. Célio Garcia, no Mestrado em Filosofia da UFMG, início dos anos 1980, e o grupo que ele aglutinava, inclusive com o Dr. Evando Mirra, que foi Presidente do CNPq. Continuo o estudo da Teoria da Auto-Organização com os colegas do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da UNICAMP, criado pelo saudoso Prof. Michel Debrun, e atualmente coordenado pela competentíssima Prof.ª Ítala D'Ottaviano. Esta é uma teoria de sistemas dinâmicos em que se busca o processo de organização de sistemas naturais conforme seus próprios princípios, sem apelar a um fator organizador externo (que caracterizaria o que o Prof. Michel Debrun chamava de "Hetero-Organização"). Essa corrente de pensamento tem sido uma importante reação de filósofos e cientistas de todo o planeta contra os abusos metafísicos praticados na elaboração de modelos científicos, nos quais se apela para fatores explicativos que não se aplicam ao tipo de sistema estudado; por exemplo, quando se postula princípio próprio da racionalidade humana, a representação matemática de um problema, para explicar como um pássaro pescador leva em conta a difração da luz na água, ao mergulhar para pegar um peixe.

 

LFA: Mas, se o Ser da Realidade é uma coleção de Formas, então a Matéria não pertence ao Ser?

APJ: Esta talvez seja a pergunta mais difícil de todas, que pode conduzir ao Idealismo ou ao Dualismo. Minha solução é que a Matéria se encontra no Ser, em estado potencial, como Forma Elementar da Matéria, conceito que explico em seguida. No Monismo de Triplo Aspecto (MTA), que elaborei com colegas (Pereira Jr. et al., 2018), a Energia se trifurca em três aspectos, a Matéria (como atualidade, ou seja, na experiência corporal), a Forma dos seres (a qual, na experiência, ao ser transmitida no espaço, de um a outro substrato material, é chamada de "Informação") e o Sentimento (como experiência temporal). O MTA é uma Teoria da Consciência, sustentando que os três aspectos são necessários e conjuntamente suficientes para a consciência. Na Metafísica do MTA, a Matéria é uma potência do Ser da Realidade, não como "matéria-prima" (matéria totalmente desprovida de forma), porém, como uma das Formas Elementares que constituem o Ser. Para isso, é preciso considerar todo o processo evolutivo do Ser da Realidade; as Formas que compõem o Ser enquanto Ser são possibilidades a serem atualizadas, por meio de combinações entre si. Defendo o Monismo Neutro, a hipótese de que o Ser da Realidade não seja Ideal nem Material, mas possua um estado primitivo neutro, isto é, indeterminado, o qual chamei de Energia com E maiúsculo. A indeterminação consiste na coexistência de todas as Formas Elementares possíveis, em estado potencial. À medida que determinadas combinações das Formas Elementares se atualizam, ocorre uma Evolução Cósmica. As Formas que se atualizam em determinado momento não esgotam as possibilidades do Ser, pois outras permanecem recessivas e podem vir a se atualizar, em seguida. Esse "Jogo do Ser", em que se mostra e se oculta, foi abordado, dentre outros, por Eugene Fink e Kostas Axelos, a partir de Heidegger. Desse modo, a solução me parece ser considerar que, no estado potencial do Ser da Realidade, a Matéria se insere como uma Forma possível, isto é, haveria a Forma Elementar da Matéria, a qual, combinada com as demais Formas Elementares do repertório do Ser, geraria o mundo da experiência, ou seja, o mundo no qual ocorre a atualização das potencialidades para seres capazes de apreendê-las. A Matéria seria uma Forma Elementar que limita as demais, fazendo com que as atualizações sejam singulares, isto é, fazendo com que os entes autossubsistentes que resultam do processo de atualização de possibilidades tenham uma individualidade. Já o Sentimento seria um "estado afetivo" no sentido literal, quer dizer, resultaria da Forma afetando a Matéria em uma substância individual, isto é, em um corpo vivo, que assim (por meio da Sentiência, a capacidade de sentir) se torna consciente.

 

LFA: Então, não seria preciso considerar o “Vazio”, como em Demócrito, ou o “Nada”, como em Sartre, ou, ainda, o “Infinito Atual”? Também seria dispensável a noção de um Deus Criador ou Grande Arquiteto? Seria também dispensável a noção de “Acaso”?

APJ: Exato, essas noções seriam dispensáveis, pois denotam lacunas do conhecimento que devem ser preenchidas com explicações naturalistas, não por princípios transcendentes ou misteriosos. Quando a Deus, defendo (Pereira Jr., 2024b) que emerge da consciência humana, situando-se no destino do processo evolutivo, e não em seu início. A noção de "Acaso Absoluto" também é dispensável. Só precisamos do conceito de “Acaso Relativo”, no sentido de Cournot, resgatado pelos teóricos da Auto-Organização (vide Lungarzo; Pereira Jr., 2009), o qual se refere à imprevisibilidade e criatividade do processo evolutivo, pois, quando as Formas Elementares se recombinam, geram atualizações inéditas. A combinatória dessas Formas finitas gera, na prática, infinitas possibilidades (uma progressão ao infinito, e não o “Infinito Atual”).

 

LFA: Como seria, pois, a relação entre a Ciência e a Metafísica, no MTA?

APJ: No plano da vivência do Ser, são experiências diferentes que não podem ser fundidas. Tal relação poderia ser estabelecida no plano da representação do Ser da Realidade. Mais à frente, trato da distinção entre vivências e representações. No plano da representação do Ser, a Metafísica seria reconstruída utilizando-se a ferramenta de Espaço de Estados, cujo uso remonta à interpretação da Segunda Lei da Termodinâmica por Boltzmann e à reconstrução da Mecânica Estatística feita por Paul e Tatiana Ehrenfest (vide Pereira Jr., 1998). O Ser da Realidade seria a totalidade das possibilidades de existência (ou seja, de diferentes atualizações). Ao invés dos átomos ou moléculas referidos por Boltzmann, temos as Formas Elementares, de modo semelhante à Teoria das Cordas, na Física (Greene, 2001). A coleção de todas as Formas Elementares compõe o Espaço de Estados do Ser da Realidade. Portanto, o Abrangente aristotélico seria agora entendido como um espaço de estados N-dimensional que contém todas as Formas Elementares, no qual o processo evolutivo do Ser da Realidade pode ser traçado, contendo não só as trajetórias de atualização efetivas, como também todas as combinações possíveis que não são atualizadas, mantendo-se em estado recessivo.

O processo evolutivo, tal como apreendido na experiência humana no planeta Terra, corresponde a uma trajetória complexa e não linear, nesse espaço, sendo gerado por meio da recombinação das possibilidades eternas (Formas Elementares), em um processo estocástico com memória (vide Pereira Jr.; Vimal; Pregnolato, 2016). Isso significa que cada configuração global obtida influencia a seguinte, de forma não determinista, devido ao acaso, no sentido de Cournot. Na ciência atual, usa-se a Regra de Bayes (ou seja, o conceito de probabilidade condicional) para descrever esse tipo de situação, na qual a probabilidade de um evento depende de determinadas condições, às quais também são atribuídos valores de probabilidade. Os processos mentais, na abordagem do influente grupo de Karl Friston, se constituem em uma dinâmica bayesiana, na qual se considera que a mente opera com probabilidades condicionais para construir o mundo fenomênico.

Assim como na Gramática Generativa de Chomsky, teríamos um “alfabeto” e respectivo “vocabulário” (ambos finitos) de Formas Elementares, que se combinam e recombinam para gerar os processos espaço-temporais. Essas Formas Elementares substituem os átomos e moléculas da formulação materialista mecanicista de Boltzmann. Entretanto, é preciso ressaltar que tais Formas Elementares são vivenciadas em composições que se formam no processo evolutivo, presentes no sentir consciente. Podem ser representadas formalmente, todavia, não se deve confundir a representação com a vivência. As vivências, no mundo fenomênico, são vivências de composições complexas, como, por exemplo, as formas biológicas ou musicais. Por isso, fala-se tanto em sistemas complexos, atualmente.

Como resultado do processo evolutivo, temos, no Planeta Terra, tanto os seres conscientes, os "experimentadores" (chamados de "observadores", na Filosofia da Ciência), quanto os seres ou sistemas que aparecem nos fenômenos por nós experimentados, sobre os quais elaboramos representações fidedignas, as teorias científicas. Portanto, a Metafísica estuda, de modo especulativo,  o Ser da Realidade em seu estado potencial total, e as Ciências estudam o Ser em suas atualizações locais, no espaço-tempo gerado pelo próprio processo de desdobramento do Ser da Realidade. A Ontologia Interdisciplinar opera a posteriori, coletando os resultados científicos para formar um quadro de categorias e relações que possam oferecer um entendimento global da realidade experienciada. A Metafísica que deriva de uma Ontologia Interdisciplinar é um tipo de “engenharia reversa”, na qual se parte dos fenômenos vivenciados pelas pessoas e estudados pelas ciências, para se identificar suas “condições de possibilidade”, a saber, o(s) Princípio(s) do Ser da Realidade, aqui concebido como uma coleção de Formas Elementares, representadas por um espaço de estados N-dimensional. Por conseguinte, a Metafísica, nessa abordagem, seria uma filosofia transcendental a posteriori, mas nunca uma filosofia do transcendente.

 

LFA: Não haveria um conflito entre o método filosófico e o método científico moderno?

APJ: Tenho a impressão de que os conflitos ocorrem entre os cientistas e os filósofos, e não entre a Ciência e a Filosofia. Quanto aos métodos, não identifico uma incompatibilidade. De fato, a partir da importante distinção de Thomas Nagel entre Perspectivas de Primeira e Terceira Pessoa, é conveniente considerar a complementaridade entre as ciências que atuam na Perspectiva de Terceira Pessoa (PTP) e a Metafísica Pós-Moderna (como defendida por Yannaros, 2004), a qual atua na Perspectiva de Primeira Pessoa (PPP). Eu entendo que a PPP é a da apreensão das Formas em nossas vivências, como discutido por Martin Heiddeger, no livro Princípio de Razão. Ao sentir o cheiro de uma flor, estamos em contato direto com o Ser da Realidade (há um “desvelamento do Ser”). Já na Ciência, elaboramos representações que se referem ao Ser, mas não propiciam tal experiência direta (as representações da Ciência e da Técnica “re-velam” o Ser).

As Formas que compõem o Ser da Realidade podem ser apreendidas na experiência pessoal e tematizadas na Metafísica (como, por exemplo, o fez Goethe, ao tratar do círculo das cores), e também podem ser estudadas na PTP, por meio de representações feitas a partir das experiências dos cientistas (no exemplo, uma teoria sobre diferentes frequências das ondas eletromagnéticas correspondendo às cores). No caso fictício sobre a neurocientista Mary, elaborado por Frank Jackson, a vivência qualitativa das cores, na PPP, não é redutível à representação científica, a qual enfoca as frequências de ondas que geram as cores. Isso se aplica a todas as nossas vivências. O sabor de um vinho não pode ser deduzido com base em sua composição físico-química, por mais detalhada que seja essa descrição. Não é uma questão computacional, de se encontrar um algoritmo que possibilite deduzir as qualidades de nossas vivências pessoais de substratos físicos; trata-se, antes, da própria diferença entre PPP e PTP. Como a PTP é, em última análise, derivada da PPP, ou seja, uma construção sofisticada com base em hipóteses oriundas da PPP dos cientistas, usando a linguagem representacional, sujeita a comprovações empíricas ou formais, então, deduzir as características vividas das vivências na PPP apenas com base nas formulações linguísticas feitas na PTP seria impossível.

 

LFA: Como seria a distinção entre Vivência do Ser e Representação do Ser?

APJ: “Vivência do Ser” aqui se refere ao sentir, isto é, a tudo a que se aplica o verbo "sentir", como sentir o cheiro de uma flor (Heiddeger, 1956), o sabor de uma bebida; estados afetivos e emocionais, como sentir alegria ou tristeza, o "sentimento de conhecer" (Burton, 2008), a atribuição de significado à linguagem e a elaboração de um “sentido da vida”. “Representação do Ser” corresponde, primeiramente, à representação do Ser enquanto Ser, mas também ao uso mais comum do termo "Representação", para a Representação de Entes. Usamos a linguagem denotativa para descrever ou mapear características dos objetos e processos com os quais nos deparamos, na experiência. As teorias científicas se inserem nessa prática. Tanto a Vivência do Ser quanto a Representação dos Entes se referem às Formas aristotélicas, mas de modos diferentes. A Vivência do Ser é a atualização, em uma Pessoa, de uma complexa combinação de Formas Elementares; é uma experiência vivida das Formas que compõem o Ser, que ocorre diretamente, sem intermediários, como na teoria da percepção de J. J. Gibson. Uma Representação de Ente é uma mediação linguística e/ou imagética de Formas Elementares do Ser, ou de combinações dessas Formas. No âmbito da Representação, e apenas neste, se deve usar os métodos formais da lógica e da matemática, ou o método analítico cartesiano, explicando a Representação de Formas Complexas a partir de Representações de Formas Elementares mais simples.

 

LFA: Seria correto dizer que uma Representação é um não ser, ou um inexistente?

APJ: Não. A Representação tem um modo próprio de ser: o modo intensional. Ela se constitui como uma construção mental, usando uma linguagem (ou processo sígnico semelhante à linguagem), cujo resultado é projetado para o objeto intensional, no sentido de Meinong. As experiências pessoais de Representação não são desprovidas de Ser, contudo, nesse caso, o acesso das pessoas ao Ser da Realidade é indireto, isto é, mediado pela linguagem ou “semeiose”. Podemos conceber as Representações como janelas, transparentes ou opacas, que “re-velam” o Ser da Realidade. Isso é possível, porque a Representação é uma modalidade do Ser; porém, a experiência da Representação não é uma experiência das Formas Elementares do Ser ou, como diz o ditado, “o mapa não é o território”.

Devido à finitude das Pessoas, ou seja, devido à limitação de nossos sistemas perceptivos e de ação (além da finitude intrínseca a todos os sistemas vivos, os quais têm a morte como desfecho inevitável), uma Vivência da totalidade do Ser (isto é, de todas as Formas em todas as suas combinações) é impossível, pois o sistema formado pelas Formas Elementares e todas suas combinações possíveis é praticamente infinito. Entretanto, podemos, na Metafísica, elaborar uma Representação do Ser, em sua totalidade. Retomo aqui a definição feita no início da entrevista: a Ontologia Interdisciplinar é uma teoria sobre o Ser da Realidade, a partir dos seres ou sistemas que se manifestam em nossa experiência, incluindo aqui a experiência científica e tecnológica, a qual expressa o estágio evolutivo atual da humanidade. A abordagem do Ser enquanto Ser se faz por meio de uma Metafísica especulativa, como a Metafísica do Monismo de Triplo Aspecto. O estado primitivo, indiferenciado, desse processo evolutivo é referido pelo termo Energia, sendo que desse estado indiferenciado se formam os três aspectos fundamentais da vida e da consciência, a saber: a Matéria, a Informação e a Sentiência (que se atualiza em Sentimentos).

 

LFA: O que você entende por Metafísica Pós-Moderna (MPM)?

APJ: Eu fiz uma compilação de oito teses que compõem a minha versão da MPM:

1) A MPM possibilita a construção de conhecimento filosófico a respeito das vivências humanas atuais, enfocando os modos de atualização das qualidades do Ser, nas vivências individuais singulares;

2) Enquanto a metafísica moderna enfoca as ideias, conceitos e representações da realidade, a MPM enfoca as vivências (Erlebniz) pessoais, consideradas como complementares e irredutíveis ao conhecimento científico;

3) As vivências pessoais não são consideradas fenômenos puramente subjetivos, mas eventos (Er-eignis) nos quais ocorre o desvelamento do Ser, na experiência pessoal. Cada experiência pessoal é singular, expressando um modo do Ser;

4) O Ser é concebido como espaço de possibilidade das Formas que se expressam nas substâncias individuais (atualmente chamadas de "sistemas") e não como Ser supremo transcendente (Deus, Ideia Absoluta ou Consciência Universal);

5) O Ser se desvela para as pessoas como qualidade das Formas das substâncias individuais, por exemplo, o cheiro de uma flor, o sabor de um vinho, a dor da perda de uma pessoa querida, o prazer do orgasmo ou a sensação de cansaço da depressão. O conhecimento metafísico é construído a partir do vivido, isto é, do desvelamento do ser na experiência pessoal;

6) Aquilo que se manifesta (fenômeno) não expressa a totalidade do Ser, mas apenas modos do Ser afins à perspectiva de cada pessoa, no seu “aqui e agora”;

7) A diferença ontológica entre o Ser e suas expressões ônticas se faz dentro do próprio Ser. A constituição dos sistemas com que nos deparamos, na experiência, não é um processo causal (autocausação), mas, uma expressão de potencialidades, ou seja, há passagem da potência ao ato de formas que jazem no espaço de possibilidades do Ser;

8) O Ser é a totalidade das formas possíveis, tomadas em sua unidade, no estado potencial. O processo de evolução do Cosmos consiste na atualização alternada das formas possíveis. Enquanto algumas se expressam, outras permanecem recessivas. Portanto, o Ser nunca é dado em sua plenitude como fenômeno, e suas expressões não são idênticas no tempo, porque as notas qualitativas que se expressam em um determinado momento permanecem recessivas, em outros momentos.

 

LFA: Quais seriam suas principais publicações, representativas da evolução de seu pensamento?

APJ: Vou fazer uma lista, e depois você pode perguntar sobre cada item. Primeiro, há meu livro sobre Tempo e Irreversibilidade, publicado pela Editora UNESP, o qual resultou da minha Tese de Doutorado sobre a filosofia do físico-filósofo Ludwig Boltzmann, defendida na UNICAMP, em 1994. Em seguida, o livro sobre Questões Epistemológicas da Neurociência Cognitiva, que foi o resultado de meu pós-doutorado no MIT, entre 1996 e 1998, que só foi publicado mais recentemente, pois não consegui aprová-lo na própria editora do MIT, como era minha intenção. A partir de 2000, cito os artigos e livros neurofilosóficos em colaboração com o neurocientista Armando Freitas da Rocha, que teve grande influência na minha evolução intelectual. Desde 2009, como produto de um trabalho com o pós-doutorando Fábio Furlan e com o apoio essencial do psiquiatra inglês Dr. Chris Nunn, comecei a publicar sobre a função dos íons de cálcio nos astrócitos, um tipo de célula glial, na geração de estados de consciência. Nesse momento, entendi as consequências filosóficas do que estava fazendo e, a partir de workshops internacionais que organizei, no site interativo da revista Nature, formulei o MTA e organizei um livro internacional com Dietrich Lehmann, finalizado durante minha visita à Universidade de Zurich, em 2012. Paralelamente a isso, destaco as colaborações com minha esposa, Maria Alice Ornellas Pereira, na Filosofia da Psiquiatria. No site ResearchGate, ela consta como a autora ou colaboradora mais frequente nas minhas publicações, enquanto, no Google Acadêmico, um de nossos artigos é o segundo mais citado. Para entender melhor as contribuições das três neurociências (Cognitiva, Afetiva e da Ação) para a Teoria da Consciência, formulei o que chamei de "Teoria Projetiva da Consciência", em número especial da Revista Trans/Form/Ação, da Filosofia da UNESP. Tanto essa abordagem quanto o próprio MTA se inspiraram no trabalho do neurocientista, psicólogo e filósofo Max Velmans, da Universidade de Londres, o qual participou dos seminários que organizei na Nature (vide Pereira Jr. et al., 2010). No meu período na Universidade de Londres, em 2019, eu trabalhei no que se tornou um número especial do Journal of Consciousness Studies, sobre “Sentiência e Consciência”, editado pelo caro entrevistador e ex-orientando de pós-doutorado, Leonardo Ferreira Almada, juntamente com a igualmente querida colega Karina Linnell, do Departamento de Psicologia da Universidade de Londres, com prefácio de Antônio e Hanna Damásio, publicando o Target Paper, um artigo complementar, e respostas a 10 comentadores. Nesse ínterim, organizei, com dois colegas, um livro internacional sobre Auto-Organização, que resulta de trabalhos do grupo de estudos do CLE-UNICAMP, o qual existe desde a década de 1980, inicialmente coordenado pelo Prof. Michel Debrun e, posteriormente, pela Professora Ítala D’Ottaviano. Eu apenas submeti o projeto do livro à editora Routledge e coorganizei a publicação. Retomando minhas investigações filosóficas na área de Administração Pública (além da formação em Filosofia, em todos os níveis, sou também graduado em Administração, registrado no CREA-MG), organizei com Francisco Sousa um livro, Princípios para a Governança, o qual saiu pela editora Springer Nature, no ano passado. Destaco, finalmente, uma série de artigos recentes, em que tive a ousadia senil de propor uma nova ciência, a Sentiômica, e uma Metafísica da Consciência, a Qualiômica, que foram apresentadas em parceria com o ex-orientando Vinicius Jonas Aguiar, em número especial da Trans/Form/Ação, sobre filosofia autoral brasileira, organizado por Marco Antônio Alves e Gustavo Leal Toledo.

 

LFA: Como transcorreu seu doutorado na UNICAMP?

APJ: Comecei a estudar na UNICAMP no primeiro semestre de 1985, antes da defesa de minha dissertação de mestrado na UFMG, em setembro desse ano, pois precisava da continuidade da bolsa de estudos. O Prof. Zeljko Loparíc havia organizado um excelente grupo de Epistemologia e Filosofia da Ciência, que contava com Harvey Brown, já famoso internacionalmente, Steven French, o qual começava sua carreira acadêmica e que se tornou meu orientador, Michel Ghins, Roberto de Andrade Martins, José Oscar Marques (com quem tinha homéricas polêmicas sobre o trabalho de Carl Hempel), Carlos Lungarzo (um lógico versátil, com quem cheguei a publicar dois artigos de Filosofia da Ciência) e Sílvio Chibeni. Entretanto, esse grupo foi logo desfeito pelo próprio Loparíc, o qual se dedicava a uma interpretação de Kant que o conduziu para a Filosofia Existencial e Psicanálise.

Fui obrigado a cursar disciplinas na graduação em Física, o que foi útil para entender o trabalho de Boltzmann. Infelizmente para mim, o Prof. Steven French, um dedicado e competentíssimo orientador, com quem mantive contato até recentemente, teve de sair da UNICAMP, indo para os EUA e, posteriormente para o Reino Unido, onde (felizmente) se tornou um expoente da Filosofia da Ciência. Fiquei sem orientador formal, período em que foi de vital importância a ajuda do Prof. Osvaldo Pessoa Jr., indicando-me o trabalho dos Ehrenfests sobre Boltzmann, a melhor “dica” que alguém poderia me ter dado. Também o Prof. Celson Pereira, da UFMG, em visita à UNICAMP, me ajudou a debulhar o artigo de quase cem páginas de Boltzmann, no qual apresentava sua teoria da irreversibilidade física, o chamado “Teorema H”. Este foi o maior desafio intelectual pelo qual passei, no período formativo. Ao final, ainda tinha dúvidas sobre a validade de minha abordagem, mas, por sorte o Prof. Romeu Guimarães, naquele momento colega na UNESP de Botucatu, me sugeriu inscrever o texto elaborado para o Prêmio Anual da SBPC, que acabei ganhando. Isso me deu força para a reta final da defesa, quando o Prof. Michael Wrigley, mesmo não sendo da área de Filosofia da Ciência, assumiu a posição de orientador, conquistando minha gratidão eterna.

 

LFA: Como um filósofo foi parar no Departamento de Ciências do Cérebro e da Cognição do MIT?

APJ: Bem, primeiro é preciso dizer que, nesse Departamento, o qual já não existe mais, não havia preconceito contra a Filosofia e as Ciências Humanas. Esse Departamento havia sido criado como um Departamento de Psicologia. Jerry Fodor havia sido o chefe; inclusive, lembro-me de uma placa na parede da entrada, advertindo que, em caso de emergência, se deveria falar com ele. A FAPESP estava priorizando a concessão de bolsas de pós-doutorado no exterior. Eu comecei a fazer contatos com grandes universidades americanas, usando o computador da Diretoria da Faculdade de Medicina de Botucatu, o único que dispunha de e-mail aqui em Botucatu. Depois de muitas recusas, recebi a atenção da Prof.ª Suzanne Corkin, do MIT, que me encaminhou para o Prof. Stephan Lewis Chorover, o qual, por sua vez, aceitou ser meu supervisor. Eu tive muita sorte, pois ele era do grupo de Hans-Lukas Teuber, que fundou o Departamento de Psicologia do MIT, no início dos anos 1960, e foi pioneiro na aproximação entre Psicologia e Neurociência (vide o ilustrativo vídeo, que possibilita ter uma noção da importância desse inicialmente pequeno departamento para as Neurociências Cognitiva, Afetiva e da Ação contemporâneas: https://vimeo.com/130275044). Chorover foi um humanista, trabalhando com Educação e interessado na obra de Paulo Freire. Foi com ele e seus colegas da “velha guarda” do departamento que aprendi os fundamentos da Neurociência Cognitiva. Todo o meu esforço, em dois anos de pós-doutorado, foi voltado para produzir um livro, o qual ainda teria colaborações de colegas, como o de João Fernandes Teixeira, com quem convivi nesse período, Peter Cariani, John Symons e Armando Rocha, de quem vou falar daqui a pouco. O livro era o relatório que enviei ao final do período para a FAPESP, e também submeti para a editora do MIT; porém, apesar de receber elogios dos pareceristas, não foi aceito, devido à falta de mercado consumidor para esse tipo de obra. Eu acabei publicando os capítulos como artigos e, por ocasião da minha livre-docência na UNESP, em 2000, retomei o texto, vertendo-o para o português. A convite de uma pequena editora que produz por demanda, a Scholars’ Press, finalmente publiquei o livro em inglês, em 2019. Aproveito aqui para agradecer à FAPESP o financiamento do pós-doutorado e outras viagens de trabalho.

 

LFA: Como foi sua colaboração com o Dr. Armando Rocha?

APJ: Eu estava em um congresso da Cognitive Neuroscience Society, em San Francisco, e, na fila do almoço (em um bandejão), apareceu o Armando atrás de mim. Não nos conhecíamos. Ele olhou para meu crachá e foi puxando assunto. De repente, já estávamos colaborando em um artigo para a prestigiosa revista Progress in Neurobiology. Em pouco tempo, publicamos vários outros e também um livro pela Springer. Com o Armando eu aperfeiçoei muito meus conhecimentos de neurociência, pois ele é um cientista que trabalha tanto na teoria quanto na prática, tendo feito milhares de eletroencefalogramas (EEG). Não tenho dúvidas de que é o maior expoente da Neurociência brasileira, embora seja menos reconhecido que seus colegas. Ele fez parte do grupo de orientados do Prof. Cesar Timo-Iaria, na Faculdade de Medicina da USP. Nos trabalhos que fizemos, conseguimos conectar teorias sobre processos quânticos iônicos com conhecimentos empíricos de mecanismos moleculares das sinapses e da dinâmica macroscópica captada pelo EEG.

 

LF: E como foi sua transição para o estudo dos Astrócitos?

APJ: Em determinado momento, compreendi que processos relevantes para se entender a formação dos estados afetivos ocorria na onda de cálcio astrocitária e nos efeitos das alterações de amplitude dessas ondas na ação do potássio extracelular. Isso aconteceu inicialmente, via discussão por e-mail com o Dr. Jim Robertson, que havia publicado um paper com o que chamou de “Hipótese Astrocêntrica” (o astrócito como o ponto final do processamento neural relevante para a consciência). Em seguida, comecei a interagir com o psiquiatra inglês Chris Nunn, que já conhecia dos tempos de uma lista de discussão dos anos 90, intitulada Quantum Mind. Chris deu um apoio decisivo para publicar minhas revisões bibliográficas sobre o íon cálcio no tecido neural, o que se tornou meu foco principal, quando Fábio Furlan, que havia sido meu aluno de Filosofia da Ciência, na graduação, veio fazer pós-doutorado sob minha orientação. Com o Fábio, escrevi vários artigos, dentre eles, o mais citado, Astrocytes and Human Cognition, de 2010, também na Progress in Neurobiology. Esse artigo abriu muitas portas, nacional e internacionalmente.

No Brasil, consegui a Bolsa de Produtividade do CNPq, na área de Psicologia, enfocando a sinapse glutamatérgica, a qual desencadeia processos neuronais e astrocitários relacionados ao processamento da informação que se torna consciente. Fui visitar a Dr.ª Maiken Needergaard, em Rochester, onde conheci o Dr. Fushun Wang, com quem também publiquei. Por meio deles, conheci o Dr. Alexei Verkhratsky, da Universidade de Manchester, possivelmente a maior autoridade mundial em astrócitos, com quem passei a me corresponder. Apresentei minhas conclusões sobre o papel das ondas iônicas astrocitárias para o processamento dos conteúdos mentais em vários congressos internacionais e publicações em periódicos de amplo alcance.

 

LFA: Como essa pesquisa desembocou no MTA?

APJ: Minha perspectiva, ao estudar os astrócitos, era a de um Filósofo da Neurociência. Nessa perspectiva, com o advento das novas tecnologias de microscopia que desvelaram a fisiologia dessas células, não poderia deixar de perguntar, como muitos pesquisadores fizeram, a partir de 1990: qual seria a função da onda de cálcio astrocitária? Os cientistas não encontraram uma resposta satisfatória a essa pergunta, até recentemente, quando alguns notaram que ela aumenta de amplitude e sua energia se propaga, no tecido neural, quando ocorre a passagem do sono sem sonho para o estado consciente. Mesmo assim, não tiraram as devidas conclusões, o que eu tentei explicitar em minhas publicações. Até 2010, eu sabia, pelos resultados experimentais, que essa onda teria uma função cognitiva, de formação de memórias, todavia, já no paper da Progress in Neurobiology, especulamos que não seria uma função cognitiva propriamente dita, mas de processamento de sentimentos. Ao estudar a Neurociência Afetiva (inclusive quando eu orientei o caro entrevistador, no Pós-Doutorado na UNESP de Botucatu), notei que os estados afetivos deveriam ser gerados por processos bioquímicos, com a participação de moléculas, como os neuropeptídeos, os quais tinham papel central na teoria de Jaak Panksepp (livro Affective Neuroscience, de 1998). As ondas iônicas são ondas químicas, fisicamente diferentes dos pulsos neuronais (potenciais de ação). Assim, concluí que, além das operações propriamente cognitivas efetuadas pela rede neuronal, o processo consciente precisaria das ondas químicas astrocitárias para gerar os estados afetivos, já destacados por António Damásio, nos seus livros da década de 1990, e pelo próprio Panksepp, como necessários para a consciência.

Na gênese do MTA, teve papel central um grupo de discussão (Consciousness Researchers Forum) que eu organizei, no site interativo da revista Nature, ao final da década de 2000, e a partir de dois outros grupos, um deles coordenado pelo Dr. Hans Ricke. Nesse grupo, que contava com importantes teóricos da consciência, chegamos a um certo consenso em torno do Monismo de Duplo Aspecto de Max Velmans, que participava do grupo (sobre esse consenso, vide Pereira Jr. et al., 2010). Em 2012, fui para Zurich, trabalhar com o Dr. Dietrich Lehmann, em um livro que seria o resultado final dos trabalhos desse grupo (Pereira Jr.; Lehmann, 2010). Nesse ínterim, eu me dei conta de que minhas pesquisas sobre astrócitos e a própria orientação da Neurociência Afetiva de Panksepp e Damásio apontavam para a necessidade de se ter em vista um terceiro aspecto, além da Matéria e da Informação. Faltava, nessa abordagem, o componente afetivo, o qual seria necessário para que um corpo capaz de processar informação fosse também consciente.

 

LFA: E como se estabeleceu sua parceria com a Maria Alice?

APJ: Eu comecei a ajudar na redação dos artigos dela, na área de Reabilitação Psicossocial, identificando categorias nas pesquisas empíricas qualitativas, e também resumindo e traduzindo para o inglês sua tese de doutorado, que estava inédita. Quando passei a orientar na PG em Saúde Coletiva, da Faculdade de Medicina da UNESP, havia uma demanda dos alunos por pesquisas qualitativas, as quais eu passei a assumir. Eu não esperava que essas colaborações fossem se integrar com minhas pesquisas sobre astrócitos, contudo, uma convergência acabou acontecendo, porque evidências a respeito da função da rede astrocitária em processos afetivos e emocionais, confirmando minha hipótese de 2010, surgiram justamente na área de Psiquiatria Biológica, em estudos de correlatos cerebrais dos transtornos de humor e ansiedade.

 

LFA: Por que você elaborou uma “Teoria Projetiva da Consciência”?

APJ: O MTA diz respeito às condições necessárias e suficientes para a consciência, mas não trata do modus operandi da consciência. Das críticas que recebi ao MTA, a mais relevante foi que nem sempre o sentimento em ato é necessário para a consciência. As controvérsias sobre o conceito de sentimento foram tratadas em um número especial da Revista Kinesis, organizado por meu ex-orientando Samuel Bellini Leite. Tentei argumentar que o sentimento não é apenas um estado afetivo ou emocional, porém está igualmente presente na percepção, na atribuição de significado linguístico e na busca de um sentido da vida. Entretanto, não pretendia defender que cognição, sentimento e ação seriam separados em compartimentos estanques. Precisava, então, mostrar como essas três funções mentais, estudadas, respectivamente, pelas Neurociências Cognitiva, Afetiva e da Ação (Enativa), interagem na geração dos estados conscientes.

Além disso, também tinha que tratar do problema de Teoria do Conhecimento a respeito do status da consciência, evitando tanto o Idealismo (subjetivo ou objetivo) e o Realismo ingênuo. Minha posição, como a de Velmans, sempre foi do Realismo Crítico, e isso é bem explicado na teoria dele, por meio do conceito de projeção perceptiva, o qual supera as duas posições clássicas da Teoria do Conhecimento. Para Velmans, existe um sinal físico que vem do estímulo até nosso cérebro, onde são elaboradas imagens ou representações fenomênicas, que são projetadas de volta para o espaço-tempo do estímulo, de sorte que vemos os objetos e processos onde eles realmente estão, no domínio numenal. Desse modo, contempla-se tanto a parte de verdade do Idealismo quanto a do Realismo, estabelecendo-se uma conexão parcial entre os domínios fenomenal e numenal.

Entretanto, em nossas correspondências, Velmans não concordava com a necessidade do componente afetivo na consciência, e deixou isso implícito no comentário que publicou no número especial da Trans/Form/Ação (cf. Pereira Jr., 2018). A inovação que fiz em relação à teoria dele é a proposta de que, além da projeção externa, voltada para o estímulo não pertencente a nosso corpo, haveria também a projeção interna, interoceptiva, voltada para os estados somáticos, correspondendo em parte ao “marcador somático” de Damásio. As projeções externas dariam origem ao Sentido de Mundo, e as projeções internas dariam origem ao Sentido de Eu.

 

LFA: Como foi sua experiência trabalhando com a Teoria Projetiva na Universidade Londres, em 2019?

APJ: Como Velmans já estava aposentado, vivendo afastado de Londres, na cidade de Totnes, ele me encaminhou para ser supervisionado pelo Dr. Devin Terhune, um dos editores da revista Consciousness and Cognition, ligada à Association for the Scientific Study of Consciousness. Nunca consegui publicar nessa revista, por considerarem meu trabalho como sendo não científico (aliás, com razão, minha abordagem sempre foi de Filosofia da Neurociência). Devin não aceitou minha explicação de que “sentimento” engloba mais que estados afetivos e emocionais. Ele me fazia perguntas do tipo: “o que há de sentimento em 2 + 2 = 4”? Notei, então, que, no MTA, não deveria me referir a “Sentimento”, mas a uma capacidade mais geral, como componente necessário para a consciência.

Nesse ínterim, havia recebido um convite do Dr. Steven Harnad, para comentar sobre um artigo a respeito de Sentiência de peixes, na revista Animal Sentience, que ele criou depois de editar a revista Brain and Behavioral Sciences, por anos. Ironicamente, eu havia submetido um artigo sobre astrócitos a essa revista, e a nova editora-chefe, além de recusá-lo, também recomendou que eu nunca mais fizesse submissões àquela revista... Ao escrever o comentário para a nova revista de Harnad, eu me deparei com a definição de Sentiência, de Allen e Tretsman (2016), como sendo a capacidade de sentir. Isso foi decisivo para mim. Não seria o sentimento em ato, porém, a capacidade de sentir, que seria necessária para a consciência em geral. Por exemplo, quando estamos dormindo, sem sonhar, somos sentientes, porque temos a capacidade de sentir, mesmo que não a estejamos exercendo, naquele momento. Isso é muito importante na discussão sobre consciência em máquinas, porque os sistemas vivos têm a capacidade de sentir, enquanto as máquinas não a têm.

Passei a fazer a distinção entre capacidade de sentir e sentimento, correspondendo a uma distinção de tipo aristotélico entre sentir em potência e sentir em ato. Todos os sistemas vivos são sentientes, mas apenas a espécie humana tem determinadas capacidades cognitivas, como a elaboração matemática, a projeção de um Deus e a autoconsciência explícita. As capacidades cognitivas potencializam a Sentiência. Dessa maneira, consegui melhorar o MTA, colocando a Sentiência como condição necessária, em vez do sentimento em ato.

Escrevi então o artigo que veio a ser publicado como Target Paper no Journal of Consciousness Studies, que você me ajudou a organizar. Nesse artigo, desenvolvi a seguinte linha de argumentação:

a) Sentiência é a capacidade de sentir, a qual pode ser estudada na PTP, enquanto o sentimento em ato é restrito à PPP;

b) Há biomarcadores para a Sentiência, notadamente uma onda química gerada na rede astrocitária (onda hidroiônica, como a batizei em um artigo publicado com a Prof.ª Vera Maura Fernandes). Quando estamos conscientes, há um aumento de amplitude e espalhamento da onda no tecido neural (neural = neuronal + glial);

c) A Sentiência é necessária para a Consciência.

Paralelamente, eu fazia uma discussão com colegas, como os Drs. Gustavo Maia Souza e José Wagner Garcia, sobre Sentiência das plantas e da floresta, levando-me a propor, nos anos seguintes, a ciência da Sentiômica, para dar conta dos processos mentais inconscientes, amplamente distribuídos na natureza viva, necessários para a geração dos conteúdos conscientes.

 

LFA: E como foi a retomada da sua formação em Administração?

APJ: Fiz dois cursos de graduação: em Filosofia, com aulas de manhã, e em Administração, com aulas à noite. Nesse período, tentei conciliar ambos, escrevendo um livro de Filosofia da Administração, em que propunha uma administração pública democrática socialista. Esse livro está inédito até hoje, mas esporadicamente trabalho com o texto, para torná-lo publicável.

Quando estava em Londres, li o livro Banking on the People, de Ellen Brown, que me impactou profundamente, levando-me a retomar o projeto que havia pensado, há 40 anos, agora com um novo conhecimento, a respeito do sistema financeiro. Pouco antes do retorno ao Brasil, em dezembro de 2019, fiz uma palestra nessa temática, no seminário da Goldsmiths (área de humanas da Universidade de Londres), organizado pela Karina, que já tinha me convidado para falar sobre Filosofia da Neurociência. Pensei que iria ser defenestrado pela plateia, contudo, ao contrário, minhas propostas foram consideradas muito moderadas, por ativistas que se encontravam presentes. Isso me animou a fazer um projeto para uma bolsa Radcliffe, em Harvard, a qual foi negada, mas o projeto frutificou e acabou sendo o ponto de partida para o livro Principles for Governance, que saiu pela Springer, em 2023. Isso só se tornou possível pela colaboração com diversos colegas, especialmente com Francisco Sousa, que é um gênio da articulação política, residente nos EUA. Estamos militando por uma convergência democrática internacional, incluindo desde a democracia política americana clássica até a democracia econômica chinesa. Isso se tornará possível, a partir do momento em que o povo usar as redes sociais de forma mais madura, ou seja, para resolver seus problemas de modo cooperativo, mesmo que haja polarizações e conflitos de interesse de classe.

 

LFA: E como se originou seu trabalho atual sobre Sentiômica e Qualiômica?

APJ: Além dos precursores acima, foi decisiva minha participação no Grupo Katholou, criado e dirigido pelo Dr. Manuel Moreira da Silva. O trabalho inicial foi publicado com meu ex-orientando no mestrado em Filosofia, Vinicius Jonas Aguiar, que também é músico e estava fazendo doutorado em Portugal. Saiu no número especial da Trans/Form/Ação dedicado à Filosofia Autoral Brasileira. O amadurecimento da Qualiômica, que é uma Metafísica da Consciência, ocorreu nos seminários Katholou. Os resultados disso estão em dois artigos que acabo de publicar  (Pereira Jr., 2024a; Pereira Jr., 2024b).

 

LFA: Como você avalia o reconhecimento de seu trabalho pela comunidade filosófica brasileira?

APJ: Devido ao fato de não ter tido apoio de grupos consolidados e de ter trabalhado em uma área rarefeita, a Filosofia da Neurociência, tive de fazer minha carreira à margem dos grandes centros filosóficos brasileiros, o que, no fim das contas, acabou sendo interessante, pois tive liberdade de escolha de caminhos e certa facilidade em conseguir financiamento para meus projetos e publicação dos resultados em boas revistas internacionais. Em uma época quando publicações em Filosofia não tinham fator de impacto 1, uma única publicação minha tinha fator de impacto 10. É claro que os avaliadores da área de Filosofia não poderiam aceitar isso; diziam que meu trabalho não era de Filosofia, com exceção dos avaliadores da FAPESP, os quais aceitavam meus trabalhos, na área de Epistemologia.

Por 35 anos, ministrei (muitas) aulas de Filosofia da Ciência, na UNESP de Botucatu, na PG em Filosofia de Marília e na PG em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UNESP de Botucatu, sem conseguir penetrar na elite da filosofia brasileira, apesar de ter convivido com muitos desses colegas. Daí que chegou uma hora em que deixei de ter disposição de participar da ANPOF e de congressos de Filosofia, concentrando-me na linha de investigação que eu mesmo inventei. Desde que concluí o doutorado, em 1995, nenhuma de minhas solicitações à área de Filosofia do CNPq foi aprovada, o que me causa uma certa frustração. Isso está relacionado com um descaso com o Mestrado em Filosofia da UNESP, o qual recebeu nota 3 da CAPES por muitos anos, impedindo a criação do Doutorado. Com isso, o número de alunos decaiu com o tempo, em parte pela precariedade do apoio financeiro. Durante esse tempo, eu concluí todas as minhas orientações e ainda orientei alunos que haviam se desentendido com o orientador inicial. Contra minha vontade, fiquei por um tempo sem orientandos, mas essa situação muda, com a recente aprovação do Doutorado.

 

LFA: Como você gostaria de encerrar a entrevista?

APJ: Não posso deixar passar esta oportunidade de agradecer publicamente a todos os colegas que tornaram possível minha carreira filosófica. Estou ciente de que o caminho que escolhi, a partir da Filosofia da Ciência, investindo na interdisciplinaridade do conhecimento, é diferente do caminho escolhido pelas figuras dominantes da Filosofia no Brasil. Entretanto, com o apoio que recebi de algumas pessoas, desde a graduação, consegui fazer uma carreira satisfatória na UNESP, com as interações internacionais que tive a felicidade de estabelecer, conseguindo publicar mais de 300 artigos e livros, seguindo linhas de pensamento que me parecem ser coerentes e relevantes para a evolução do pensamento, em nossa época. Dedico-me agora à publicação de três livros: um deles com o trabalho de Filosofia da Administração, escrito na graduação, devidamente revisado; o segundo, um livro autobiográfico, com uma reflexão sobre minha trajetória de vida; e o terceiro, semificcional, propondo um novo conceito de Democracia Sociocrática (para evitar confusão com o "Socialismo Real" estalinista), que utiliza, de modo construtivo, as maravilhas da tecnologia contemporânea, como as redes sociais e a moeda digital.

 

Interview

Abstract: This text is an interview given by Prof. Dr. Alfredo Pereira Jr. to Leonardo Ferreira Almada, on the occasion of the call for publication of interviews with different Brazilian philosophers. In response to the goal of the Trans/Form/Ação journal call, we sought to carry out an interview in which a PhD professor with an established career presents some elements of his personal and academic stories, as well as clarifies important points of his research, some of his theses and vision of the world based on questions asked by another professor, a historical research partner, and in-depth knowledge of the interviewee's career.

 

Keywords: Alfredo Pereira Jr. Leonardo Ferreira Almada. Metaphysics. Ontology.

 

REFERÊNCIAS

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Submissão: 14/06/2024 – Decisão: 14/08/2024

Revisão: 30/08/2024 - Publicação: 25/11/2024



[1] Livre-Docente na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Marília, SP – Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5960-041X. E-mail: alfredo.pereira@gmail.com.

[2] Professor Associado IV da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia, MG – Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9777-5667. E-mail: umamenteconsciente@gmail.com.