Perder a mãe: uma categoria colonial?

 

Elzahrã Mohamed Radwan Omar Osman[1]

 

Resumo: O presente artigo recupera algumas das reflexões realizadas por diferentes autoras e discursos feministas sobre a relação materialidade-maternidade, na história da filosofia, mais precisamente, a partir do empreendimento colonial-moderno. Nesse sentido, o texto vale-se da obra de Saidiya Hartman, Perder a mãe, como um fio metafórico sobre a destruição de laços com a terra, de parentesco, de memória, para concluir pela perda irrecuperável de toda e qualquer mãe – também nos termos da psicanálise lacaniana –, a fim de contemplar a recuperação da mãe como um mater-nar[2] a opacidade, por meio da produção escrita de mulheres. Na primeira parte do texto, apresenta-se a metáfora materna no debate filosófico; na segunda parte do texto, as referências à colonialidade da figura materna, em função da investigação sobre o trabalho das mulheres negras escravizadas, na constituição das sociedades modernas, via feminismos negros e decoloniais, e, logo em seguida, também através do debate da psicanálise lacaniana sobre a inscrição da letra no corpo de suas filhas; para, finalmente, na quarta parte, fechar o texto com algumas considerações sobre como imaginar o que seria um trabalho de escrita realizado com base na recuperação de um corpo forcluído pela colonialidade.

 

Palavras-chave: Colonialidade. Maternidade. Opacidade. Feminismo. Escrita.

 

Na era do tráfico, os escravizados eram forçados a esquecer a mãe; agora, seus descendentes têm sido encorajados a fazer o impossível para reivindicá-la. Hartman (2021, p. 205)

 

Por que tão poucos textos? Porque, por enquanto, apenas poucas mulheres conseguem recuperar seus corpos. É preciso que a mulher escreva através do seu corpo, que ela invente a língua inexpugnável que aniquila as divisórias, classes e retóricas, regulamentos e códigos, que ela submerja, transpasse, atravesse o discurso de reserva última, inclusive aquele que ri de si mesmo ao ter que pronunciar a palavra “silêncio”, aquele que, mirando o impossível, para imediatamente face à palavra “impossível” e a escreve como “fim”. Cixous (2022, p. 62)

 

Introdução

A metáfora materna na obra Perder a mãe, da historiadora estadunidense Saidiya Hartman (2021), será um leitmotiv a partir do qual nós derivaremos algumas reflexões sobre a catástrofe da perda – dos laços de parentesco, da terra, do passado mitificado, devido à ausência de memória e de tradições de um tempo mítico, quando era ainda possível ser feliz. A catástrofe da perda aqui se refere à tragédia concernente à “Passagem do Meio”[3], essa que vai referendar igualmente a obra de outro importante pensador, o caribenho Édouard Glissant, de quem emprestaremos a ideia de opacidade também como um mote para pensarmos o que resta depois da perda da mãe. A perda da mãe é a própria catástrofe em si – é, pois, a perda do lugar no qual a memória se constituiu e a partir de onde era possível recuperá-la, embora de forma espectral.

Assim, o artigo fora pensado de modo que, em um primeiro momento, pudéssemos desenhar a problemática filosófica em torno do gênero da matéria, ou seja, das inúmeras recorrências da matéria relativas ao feminino, não apenas na história da filosofia, mas também nos feminismos da diferença francês e italiano que o recuperam. Nesse primeiro momento, é apresentada também a metáfora relativa à perda da mãe, na obra de pensadoras negras estadunidenses, uma vez que esse exercício será importante para situarmos a (im)possibilidade da ocorrência materialidade-maternidade, em sociedades coloniais onde o gênero não se estende às mulheres não brancas. Portanto, na segunda parte, valendo-me da literatura sobre os feminismos do Sul e decoloniais, bem como da tradição dos feminismos negros estadunidenses, procuro compreender a que corpo, ou carne, é possível recorrer, ao pensarmos no gênero da matéria, essa que fora bastante associada à maternidade branca e a uma maternidade negra defectiva, conforme nos mostrarão, mais à frente, Saidiya Hartman e Hortense Spillers.

Recorro, na terceira parte, à psicanálise lacaniana, pois ela é o substrato de onde partem os feminismos em questão, mas também porque busco entender como se darão as inscrições (da letra) forcluídas em sociedades coloniais, quer dizer, como é possível imaginarmos a produção de uma narrativa (escrita) realizada por mulheres que foram continuamente retiradas do âmbito do simbólico. O caminho escolhido para imaginarmos o que resta depois da perda da mãe será por meio do desenvolvimento de uma compreensão da perda (irrecuperável) da mãe e por um consequente processo ativo de mater-nagem dessa perda, como o próprio da opacidade. A metáfora materna será, por conseguinte, um dos modos possíveis de pensarmos tanto catástrofes coletivas quanto aquela relativa à castração, a qual nos obriga a lidar com a perda da mãe simbólica, a fim de nos constituirmos sujeitos de desejo derivativos – como tem de ser – dos processos de emancipação do desejo do outro. Daí que o texto vai da perda da mãe até à conformação de uma narrativa concernente à opacidade, uma mater-nagem ativa da opacidade, um apelo à escrita de mulheres.

 

1 Sobre a Metáfora Materna

Ainda mais do que uma metáfora, a “perda da mãe”, quase uma categoria na obra de Hartman, autoriza a autora a refletir sobre as modificações relacionadas às constituições familiares sob a escravidão. Tal temática é bastante desenvolvida pelo feminismo negro estadunidense – e aqui estou me referindo ao clássico Mulheres, raça e classe, de Angela Davis (2016), mas também aos ensaios de Patricia Hill Collins, principalmente “As mulheres negras e a maternidade” (2019), bem como ao primeiro capítulo do livro inaugural de bell hooks (1983), Ain’t I a Woman? e ao texto de Hortense J. Spillers (2021), “Mama’s baby, papa’s maybe”. Por enquanto, é importante notarmos que, para essas pensadoras, a dinâmica de proibição dos laços familiares, ou o esforço que sempre foi necessário para mantê-los, é inicialmente originada por essa perda da mãe de que nos fala Hartman. Em sendo assim, é possível pensarmos que a perda da mãe, na acepção acima, não é metafórica. A proibição do cultivo da memória transformará uma legião de pessoas em “fantasmas de si mesmas”. Uma vez que não possuiriam uma ancestralidade a que recorrer, não contarão sua história e não se saberão herdeiras de nada. Segundo ressalta Hartman, “[...] roubados de seus parentes e com sua linhagem negada, os escravos eram uma tábula rasa. É como se eles tivessem aparecido no mundo sem nunca terem nascido, sem nunca terem conhecido sua mãe ou pai” (2021, p. 244-245). Desterrados e exilados, eles precisarão forjar uma origem (sempre fantasiosa) e uma existência que lhes seja suportável, mesmo depois da escravidão.

Várias vezes, em entrevistas, Hartman tratou sobre a importância do romance Amada (2007), de Toni Morrison, para sua própria obra. E aqui em Perder a mãe, ela retoma o romance para falar da marca da escravidão, “a marca da mercadoria” como uma marca materna, pois era nesse corpo que a escravidão se inscrevia de maneira contínua, inscrevia as “marcas da despossessão” e da “condição desonrada”, marcas tidas sempre como indiscerníveis da marca da escravidão. Posteriormente, o nome do pai se constituirá como um interdito. Relativamente aos homens brancos que geravam filhos e que, por vezes, davam a eles seus nomes, tais nomes lembravam a prole de que o pai era também o dono da linhagem, fosse ele um escravocrata ou não. Hartman (2021a, p. 101) aponta:

A marca da mãe, não o nome do pai, determinava o seu destino. Nenhum punhado de falas sobre pais podia suturar a ferida do parentesco ou contornar os fatos brutais. O patronímico era uma categoria vazia, “uma paródia inexpressiva”, uma ficção de que senhores podiam ser pais e amantes desobedientes mais do que “procriadores de filhos”, era também o substituto dos pais negros banidos.

 

Logo, temos a marca da mãe, ora performando uma saída da desonra, ora lembrando a própria desonra. Ora perdemos a mãe – e o pai negro –, ora precisamos mater-nar o que Hartman (2021a, p. 101) chama de “[...] uma teia de intimidade e filiação fora da lei da sanção paterna”. Trata-se de uma linhagem que será continuamente reivindicada pelas mulheres, por meio do acalanto de histórias, de uma mater-nagem de nossa própria opacidade, a fim de que a linhagem da mãe prevaleça sobre a do pai, que a vergonha seja extirpada pela graça da marca da mãe, pois, segundo Hartman (2021, p. 101), “[...] as lições que elas transmitiam tentavam afirmar essa herança materna e fazer disso algo diferente da monstruosidade”. Retomo tais questões, porque quero pensar “a perda da mãe” como uma categoria tanto metafórica quanto material, assim como mais um modo de compreendermos a colonialidade, inscrevendo-se tanto nos nossos familismos quanto na própria impossibilidade da família dos outros. Mais ainda: quero imaginar que, ainda que percamos a “mãe” de forma contínua e progressiva, é-nos possível mater-nar nossas inscrições, mesmo quando são totalmente opacas a nós mesmos.

Atentemo-nos um pouco mais a uma possível metáfora relacionada ao materno, ao material, ao mater-nar, à mãe em si. Recentemente, Alice de Barros Gabriel defendeu uma tese de Doutorado no Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB), intitulada Materialidade, maternidade e outras matrizes (2022). Traçando uma linha que vai até Aristóteles, mas partindo do “feminismo da diferença” estadunidense/europeu de autoras como Luce Irigaray, Gabriel procurou recuperar as relações construídas pela filosofia ocidental entre aquilo que se refere ao corpo e à matéria e, em consequência, ao feminino. Ao apresentar uma ginealogia – termo cunhado na tese, para se referir a uma genealogia realizada através do corpo feminino das relações concernentes à metáfora maternidade-materialidade –, Gabriel se propõe pensar o “pressuposto não pensando” e trivial como aposto na obra de Irigaray: o fato de termos nascidos de outros corpos e imaginar o que o “[...] esquecimento do nascimento enquanto origem material do sujeito” (2022, p. 9) significa para uma concepção de matéria “[...] para além da metáfora materna do substrato” (2022, p. 9). Junto à denúncia ao falogocentrismo, como aposto por Irigaray, Gabriel afirma que “[...] esquecer o nascimento é matar simbolicamente a mãe” (2022, p. 10). Segundo Gabriel, a esse aspecto Irigaray chama de “matricídio” – aquilo que servirá de base para a filosofia ocidental –, opondo-se à discussão da obra de Freud sobre o parricídio constituir o mito fundante da cultura. Gabriel (2022, p. 10) enfatiza que,

[...] para a filósofa, Freud apaga um ato mais antigo, mas fundamental, que é a morte da mulher-mãe, este seria o real fundamento da cultura e de toda a linguagem. O matricídio primevo seria re-encenado através do corte com o continuum material materno, implicado pela lei paterna [...].

 

Na concepção de uma das comentadoras de Irigaray, Adriana Cavarero, o matricídio constituiria uma desrealização da realidade da diferença sexual e, portanto, na atopia do feminino não englobado como sujeito neutro/universal; segundo a leitura de Gabriel sobre a obra de Cavarero (2022, p. 21), a marca que o distingue do masculino, “[...] a marca da feminilidade é sensível, um fato nu e cru, e, por isso mesmo, irreal e atópico, segundo a lógica herdada de Platão, isto é, sem lugar”. Segundo Gabriel (2022, p. 22-23), o matricídio, ao apagar a nossa primeira relação, ao postergar uma ontologia material da relacionalidade ao impensado e ao não dito, instaura não apenas uma hierarquia de gênero e a consequente desvalorização da matéria pela tradição filosófica desde Platão, mas também a somatofobia, o apagamento do corpo que gesta, que promove a própria noção de indivíduo, bem como a construção da subjetividade, pelo esquecimento da mãe. Ao longo de seu texto, Gabriel apontará aquilo que as autoras chamam de “construção simbólica do feminino”, por meio de um espelhamento entre mulheres, e também para além do que ela própria nomeia de “desprendimento do projeto da diferença sexual”, rearticulado a fim de escapar aos processos naturalizantes do cis-heteropatriarcado. Quer dizer: é possível escapar às reificações concernentes a leituras essencializantes sobre a diferença sexual?

Em atenção crítica aos feminismos da diferença, italiano e francês, ou aos feminismos culturais norte-americanos, o texto “De la diferencia como identidad: génesis y postulados contemporâneos del pensamiento de la diferencia sexual”, de Luisa Posada Kubissa (2006), comenta que Irigaray acredita que a única diferença universal, aquela que nos identificaria ao gênero humano, seria a diferença sexual; nesse sentido, a diferença do feminismo da diferença é recepcionada como a outridade do Mesmo. É uma diferença fora da ordem logo-falo-cêntrica; escapa a ela, porque a ordem do logos e a ordem fálica não a contemplam totalmente. Uma vez que o matricídio a expulsa da ordem do discurso, ela escapa e se descentra da “Lei do pai” ou do significante fálico. O desejo feminino – pré-simbólico, essência pré-discursiva – estaria liberado dessa Lei e poderia se reinscrever por meio de sua “exterritorialidade”. Tal ontologia e ética da diferença sexual seria, portanto, não redutora à identidade do mesmo masculino, não colocada em oposições binárias opostas, visto que sobrevivente “às margens da construção simbólica patriarcal”. A diferença sexual, feminina, é então o fundamento do ser feminino, quase um desvelamento de ordem metafísica e mística.

Desse modo, é possível percebermos não apenas uma relação articulada que existe entre matéria e feminino, construída desde a Antiguidade ocidental, como também o fato de que os feminismos da diferença, segundo Kubissa – embora procurem imaginar o lugar forcluído[4] do feminino em um pressuposto patriarcado universal –, comumente reinscrevem as mesmas asserções, princípios, papéis e expectativas sobre o feminino já prescritas pela tradição que buscam rechaçar. Trata-se daquelas legadas pelo patriarcado como assunções sobre a complementariedade entre os sexos, e de que o corpo é o lugar do espírito. Ademais, segundo a crítica de Kubissa, nós já possuiríamos o lugar da “diferença essencial”; restaria reconhecer que isso não significa uma existência essencialmente diferente.

Uma das expoentes dessa mesma linha argumentativa, Teresa de Lauretis, em seu texto Tecnologia de gênero (1987; s.d.)[5], reafirma algo já bastante reconhecido pelos feminismos do Sul: a falácia de se apostar na diferença sexual como a única e/ou principal diferença existente entre as diversas mulheres; em sendo assim, as diferenças entre as mulheres (raça, classe etc.) não podem ser compreendidas como acessórias à diferença sexual, e eu complementaria: mas também como diferenças partilhadas por meio de uma generificação conduzida pela modernidade.

A discussão de Lauretis sobre as diferenças sexuais é aprofundada em seu ensaio intitulado Imaginario materno y sexualidad (1992), no qual ela se vale da metáfora materna para revisar os pressupostos de uma mater-nidade universal, bem como de uma diferença sexual universal, além de se perguntar (1992, p. 286): “[...] qual é o imaginário efetuado ou promovido pelo simbólico feminino? Quais fantasmas a mãe simbólica dá à luz? Quais são as dissimulações eróticas da dívida simbólica que contraímos com ela?”[6] Para a autora, os feminismos da diferença francês e italiano informam o feminino da diferença sexual como relacionado ao materno. A sexualidade inscreve-se para produzir o gênero e a reprodução social e não necessariamente se centra no desejo sexual heterossexual ou lésbico. Segundo ela (1992, p. 4), “[...] o corpo, as pulsões e a sexualidade são confinados para dar lugar ao eu-em-relação e à diferença de gênero”.[7]

Assim, dirá Lauretis, o que se produz como uma possibilidade do sujeito feminino (entendido somente como simbólico, compacto e indiviso) seria a contraparte do sujeito masculino cartesiano, já que o componente imaginário, pulsional ou erótico-sexual do simbólico feminino, na acepção lacaniana, é deixado de lado nas assunções sobre o feminino da diferença sexual. A impossibilidade de as mulheres serem sujeitas do seu próprio desejo sexual depende, segundo Lauretis, tanto da perda da mãe quanto do impedimento de assumirem o corpo e o desejo feminino. Quer dizer: depende do descentramento do significante paterno, do desejo e da “Lei do pai”. Aqui, a lesbiandade aparecerá como signo de resistência feminista ao imaginário simbólico falogocêntrico. Conforme a autora, os fantasmas gestados pela mãe simbólica reescrevem o feminino aposto pelo patriarcado. Voltaríamos, assim, ao lugar da “mãe fálica”, a mãe forte que reproduz com amor compassivo a prole que lhe cabe. Estaríamos às voltas com a nostalgia da unidade pré-edípica – “amando a mãe”, como Lauretis nos lembra, ao comentar a obra da feminista Luísa Muraro e projetar o fantasma da unidade e das fantasias feministas de irmandade sem dissensões.

Embora essa não seja a ideia da materialidade a que este texto se alinha, essa discussão me interessa por duas razões: a primeira delas se refere à circunstância de que estou de acordo, sim, com a forclusão do feminino relativamente àquilo que fora produzido com o nome de “filosofia”. Esse argumento tautológico serve apenas para reafirmar o fato de que não existe um sujeito do conhecimento. E que, se apenas a uma metade da população fora dado o direito de produzir pensamento e acessar uma arena pública – ainda quando aquilo que era do âmbito do privado possuía participação, de forma indireta –, há ainda inúmeros capítulos do saber a serem (re)(ins)escritos; e porque, apesar de ser insidiosa essa metáfora (matéria-materna), como demonstra Lauretis – e aqui temos a segunda razão –, ainda quero recuperá-la,  a partir de outra possibilidade de nos havermos com essa perda da mãe.

 

2 A colonialidade da figura materna

A perda da mãe é uma figura da colonialidade. Não é possível perder a mãe apenas nas acepções já apresentadas anteriormente: perdemo-la também nos casos nos quais ela é gestada como o próprio arsenal da racialidade (Silva, 2007), quando a perda se refere à forclusão da presença das mulheres negras na constituição das sociedades coloniais. Perdemos a mãe, quando os discursos relativos à prevalência do nome-do-pai excluem comunidades a partir das quais a tríade patriarcal freudiana parece se inscrever de modo inadequado, legando àquelas constituições familiares a pecha de “anômalas” (Spillers, 2021); perdemos a mãe, quando somente resta a mãe e mais nada, quando é o nome e a marca da mãe que nos inscrevem, apontando a falta irremediável do pai. Aí perdemos a mãe, porque não mater-namos a opacidade, porque não nos alinhamos às ausências como a matéria própria do que nos constitui. E somente podemos nos alinhar às ausências, quando é a função materna que nomeia o nome-do-pai.

Em “O Édipo negro”, a antropóloga Rita Segato (2021) se vale de um assombro, para iniciar inquirições que darão ensejo ao trabalho em análise. Ao realizar uma visita ao Museu Imperial, em Petrópolis (Rio de Janeiro), a autora é surpreendida por um amplo quadro no qual uma ama de leite negra acolhe em seu seio um bebê branco. Ela se assombra pelo fato de que uma imagem dita de um tempo passado, de uma era colonial, parece-lhe quase a representação das babás contemporâneas. Seu assombro também advém da ausência de autoria do quadro e dos nomes dos modelos em questão. Essa história me anima, pelo fato de uma investigação tão relevante ter sido inspirada por certa compreensão sobre a circularidade do tempo, e porque aquilo que se dispunha como um quadro, em um museu, foi suficiente para que a autora se implicasse como uma jovem mãe, entre outras mães, as quais se valiam do trabalho de reprodução social das mulheres negras. Em função desse afeto, Rita Segato promoverá uma investigação, quase falha, devido à ausência de arquivos, sobre as amas de leite, as amas secas e as babás contemporâneas, realizada em compêndios sobre as histórias das mulheres, no Brasil. No entanto, sua investigação consegue – também por meio da ausência de material – rememorar a presença dessas mulheres nos assim chamados, como ressalta Hartman, “arquivos da escravidão”.

Embora fosse indispensável aos trabalhos de cuidado e aleitamento dos estratos sociais altos e médios do Brasil colonial, embora fosse presença obrigatória nas inúmeras imagens fotográficas de família da elite brasileira, uma vez que era essa a mãe à qual o bebê recorria, para permanecer calmo, durante o longo tempo necessário para que um negativo recebesse a inscrição daquela imagem, a mãe-negra foi paulatinamente eliminada dos arquivos e dos registros fotográficos. Primeiramente, ela desaparece como personagem, mesmo que suas mãos ainda fossem acalentadoras, ainda segurassem o bebê por trás de um manto negro. Citando a estudiosa Rafaela de Andrade Deiab[8], que analisa a obra de um fotógrafo especializado no registro de crianças e suas babás, Segato (Deiab apud Segato, 2005, p. 40) cita o seguinte trecho:

As amas negras passam a existir nas fotografias como rastros: uma mão, um punho, até serem completamente banidas das imagens [...] a princípio mostrada com orgulho, de rosto inteiro, depois escondida, em segundo plano, desfocada e retocada, até ser completamente retirada no quadro nacional. No entanto, mesmo encoberta, ela persistia nos hábitos consolidados durante três séculos.

 

Eu me pergunto se elas não eram orgulhosamente apresentadas apenas e, se não como uma propriedade, somente enquanto mais um dos objetos do mobiliário da sala, que perdeu sua importância decorativa com o passar do tempo e se tornou o rastro por detrás da cortina. Posteriormente, o discurso higienista, de acordo com Segato (2021, p. 237) – modernizador e racista – sobre a (má) origem do leite materno ofertado aos bebês pelas mulheres negras e a “provável” má conduta das cuidadoras advindas das classes baixas, quando já havia sido proclamada a libertação das pessoas escravizadas, foi transformando a ama de leite – presente até metade do século XX – na ama seca; e, mais ainda, reduziu a importância dessa inscrição a que todas nós estivemos expostas como a de um fantasma a ser banido. É interessante notar que o discurso de Segato se inicia quer por apresentar algumas das aproximações entre Psicanálise e Antropologia, presentes na literatura, quer por – com base em seu próprio trabalho etnográfico – realizar uma aproximação entre o “caráter duplo do vínculo materno” na sociedade brasileira – e, eu diria, provavelmente em todas as sociedades coloniais –, a partir de duas figuras maternas representadas por dois diferentes orixás: Iemanjá e Oxum. É o que ela denomina “[...] o espelho mitológico das duas mães brasileiras” (Segato, 2021, p. 219).

Para Segato, a primeira representa a mãe de direito, aquela que, na tradição do candomblé, é vista como uma mãe nem sempre justa, porque detentora do poder de manutenção da ordem familiar e social. Ela também é vista com ressalvas, porque trouxe milhares de pessoas, através do Oceano Atlântico, para a escravidão. Conforme Segato (2021, p. 222), “[...] como divindade associada ao mar, diz-se ainda que ela compartilha suas qualidades. É ‘traiçoeira’ e ‘falsa’ como o mar”. Por seu turno, Oxum representaria aquela maternagem que gostaríamos de ter recebido e imaginamos poder oferecer, caso venhamos a maternar: a da cuidadora, boa, compassiva, generosa e compreensiva mãe. Podemos afirmar, por conseguinte, com tal metáfora, que, nas sociedades coloniais, no caso das elites, a existência do caráter duplo do vínculo materno instaura uma dupla inscrição – aquela da mãe de direito (biológica e jurídica) e aquela da mãe de fato. Se ampliarmos essa compreensão, podemos concluir que ambas são forcluídas pelo discurso patriarcal: a primeira, porque deve se conformar em oferecer ao patriarca uma casa estável, com filhos fortes; sua ascendência sobre a prole deve se resignar a ser apenas a genética, restando-lhe a sustentação do nome-do-pai e do desejo do chefe de família, conforme nos diz também hooks (1983).

A ama negra, que é quem efetivamente se encarrega do trabalho laboral, é tomada apenas como mão de obra barata, pois, assim ressalta Segato (2021, p. 229), “[...] arranca-se a mãe não branca e oculta-se sua possibilidade de inscrição que ainda perdura codificada e criptografada, como sempre acontece na psique [...]”. A partir do uso do termo lacaniano como apropriado por Butler[9], Segato denomina esse estado de coisas “forclusão do nome-da-mãe”. Esse termo não se refere a uma simples repressão ou denegação de algo relativo à psique, mas quer apontar, na visão de Segato (2022, p. 241-242), para uma “[...] expulsão antecipada da possibilidade de um desejo”, em sendo assim, para a impossibilidade de acedermos ao afeto, o qual não é reconhecido para ser rechaçado, mas, antes, habita uma ausência de inscrição:

Uma ausência que, contudo, determina uma entrada defeituosa no simbólico, ou, dito em outras palavras, determina a lealdade a um simbólico inadequado que levará certamente a um colapso quando ocorrera a irrupção do real, ou seja, de tudo aquilo que não é capaz de conter e organizar.

 

A essa forclusão do gênero e da raça, que Segato interpreta como própria ao caso brasileiro, se configuraria a origem de uma misoginia relacionada ao corpo materno, compreendido como corpo para a função-trabalho, e ao racismo relativo ao que é próprio do corpo negro – assinalando, portanto, de uma só vez, o ódio racial e ao gênero. Em sendo assim, Segato (2021, p. 234, grifo no original) frisa que “[...] o que se forclui na babá é, ao mesmo tempo, o trabalho de reprodução e a negritude. Trata-se de uma forclusão de um desconhecimento simultâneo do materno e do racial, da negritude e da mãe”. Aqui, a forclusão da maternidade não é uma metáfora. Mais ainda: mãe e maternidade não aparecem enquanto universais reais, como utilizados nas obras das feministas da diferença, as quais buscam no real de uma experiência compartilhada – em tese, de modo homogêneo por todas as mulheres do mundo – algo com que pensar um feminino como a outridade do mesmo masculino. Aqui, a mãe é perdida mais de uma vez, não apenas a Mãe África, mas também a mãe de fato e sua inscrição racial. Segato assevera (2021, p. 229):

No entanto, há algo mais: nesse desprendimento que se vê, prenuncia-se essa grande perda, o duplo desprendimento no qual se sacrificam ao mesmo tempo a mãe, o escuro da pele e a África originária. Isso tem consequências idiossincráticas na emergência de um sujeito que vai ter que operar uma dupla obliteração, cuja ferocidade será nada mais nada menos que inversamente proporcional ao apego que ali havia.

 

A tese da autora, portanto, é a de que é impossível pensarmos o arsenal racial no Brasil sem entendermos que ele também está eivado da misoginia inscrita no corpo materno e negro. No Brasil, a ontologia do homem branco se constituiria de forma dupla, tanto pela mãe branca quanto pela mãe que é, antes, uma propriedade denegada por sua racialização. Ao fazê-lo, o sujeito deveria se ver com sua contraparte racial, aquela que ele rejeita como outra e não de si, e cuja consequência instaura a “impossibilidade fundante de instalar a negritude da mãe no discurso”. Segundo Segato (2021, p. 237, grifo no original),

[...] uma vez que uma criança branca, portanto, mesmo no caso pouco frequente de que não tivesse rastros de uma mestiçagem ocorrida nas três últimas gerações em sua genealogia, será também negra por impregnação de origem fusional com um corpo materno percebido como parte do próprio território.

 

Essas são injunções a que a psicanalista e feminista antirracista brasileira Lélia Gonzalez (2020)[10] também chegará, em seu artigo “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, ao analisar a função da mulata (mulher negra objetificada sexualmente pela sociedade) amalgamada com a da doméstica– quer dizer, a figura colonial da “mucama” –, para discutir como o racismo é constituinte do sexismo, na sociedade brasileira. Antes, porém, ela (2020, p. 87) nos lembra da figura da “mãe preta” que, inadvertidamente, dará uma “rasteira na raça dominante”:

Ela, simplesmente, é a mãe. É isso mesmo, é a mãe. Porque a branca, na verdade, é a outra. Se assim não é, a gente pergunta: quem é que amamenta, que dá banho, que limpa cocô, que põe para dormir, que acorda de noite pra cuidar, que ensina a falar, que conta história e por aí afora? É a mãe, não é? Pois então. Ela é a mãe nesse barato doido da cultura brasileira. Enquanto mucama, é a mulher; enquanto “bá”, é a mãe. A branca, a chamada legítima esposa, é justamente a outra, que, por impossível que pareça, só serve para parir os filhos do senhor. Não exerce a função materna. Esta é efetuada pela negra. Por isso a “mãe preta” é a mãe. E quando a gente fala em função materna, a gente tá dizendo que a mãe preta, ao exercê-la, passou todos os valores que lhe diziam respeito para crianças brasileiras, como diz Caio Prado Jr. Essa criança, esse infans, é a dita cultura brasileira, cuja língua é o pretuguês. A função materna diz respeito à internalização de valores, ao ensino da língua materna e a uma série de outras coisas mais que vão fazer parte do imaginário da gente. Ela passa pra gente esse mundo de coisas que a gente vai chamar de linguagem. E graças a ela, ao que ela passa, a gente entra na ordem da cultura, exatamente porque é ela quem nomeia o pai. Por aí a gente entende por que, hoje, ninguém quer saber mais de babá preta, só vale portuguesa. Só que é um pouco tarde, né? A rasteira já está dada (Gonzalez, 2020, p. 88-89).

 

Se a metáfora materna tem alguma relevância, nesse contexto, é aquela que nos remonta à categoria da ausência: a perda da mãe é e não é metafórica – perde-se a mãe, de fato, bem como aquilo que nos constituiu, perde-se a mãe, novamente, a outra mãe, aquela cuja inscrição fora forcluída, e que, portanto, terá sua entrada no simbólico realizada de modo defeituoso (Segato, 2021). No entanto, os rastros dessa ausência, aquilo que irrompe o real e a que é quase sempre impossível conferir sentido, ainda poderá ser mater-nado como opacidade.

Escrevendo a partir do contexto estadunidense, Hortense J. Spillers, em seu já clássico e incontornável ensaio “Mama’s Baby, Papa’s Maybe: An American Grammar Book   (“Bebê da mamãe, talvez do papai: gramática estadunidense”[11], na recente tradução brasileira), produzirá uma peça sobre a desgenerificação da mulher negra norte-americana, aquela que fora inicialmente escravizada e que ainda hoje lida com a ausência da linhagem paterna, e o que isso significaria para uma prole não inscrita nem pelo Nome nem pela Lei do pai. Se Lauretis aponta como alguns feminismos da diferença pretenderam substituir o nome do pai pelo corpo da mãe, Spillers nos lembra da impossibilidade de mitificação de um corpo feito “carne”: locus de reprodução de uma prole que não lhe é devida à “mãe” nem ao “pai”, e que muitas vezes se torna o fato consumado do aumento da riqueza do dono de escravos, quando não é ele próprio o genitor dessa prole.

Assim, no texto de Spillers (2021, p. 30), deparamo-nos com o fato concreto de as pessoas negras escravizadas terem sido forçadas “[...] a uma estrutura matriarcal”. Mas onde se daria, então, a perda da mãe? Exatamente porque, para essa mulher, a maternidade não estava inicialmente disponível, pois a maternidade somente é possível a um corpo, generificado e detentor do direito ao desejo. Esse corpo generificado é próprio apenas a um tipo de mulher, e mesmo a ela cabe seu quinhão de alienação e despossessão de suas produções. Inscrevemo-nos, assim, como as outras mulheres ou as outras não mulheres. A que possibilidades de parentesco seria possível acorrer, nos casos nos quais o corpo foi feito carne e mercadoria? Como poderíamos utilizar o léxico habitual da sexualidade, pergunta-se Spillers (2021, p. 56), se “reprodução”, “maternidade”, “prazer” e “desejo” são possibilidade disponíveis somente a um tipo de corpo? Que possibilidade de memórias e compartilhamento de afetos o sujeito social depreenderia de uma dinâmica comunitária, se o parentesco lhe é negado? “Se a humanidade da criança se espelha inicialmente nos olhos de sua mãe ou na função materna, então podemos ser capazes de adivinhar que o sujeito social apreende toda a dinâmica de semelhança e parentesco por meio da mesma fonte”. A perda da mãe é, por conseguinte, a própria perda do corpo, pois, de acordo com Spillers (2021, p. 33),

[...] a condição diaspórica marcou um roubo do corpo, um corte intencional e violento (e inimaginável desta distância) do corpo cativo de sua força de vontade, de seu desejo ativo. Sob essas condições perdemos pelo menos a diferença de gênero [...].

 

E, novamente, uma inscrição ausente.

Assim, destaca Spillers (2021, p. 65) – talvez reverberando alguns dos feminismos em análise –, embora a mulher escravizada também detenha o poder da reprodução (social e da prole), “[...] nós não lemos o ‘nascimento’ neste caso como uma reprodução da maternidade precisamente porque a mulher, assim como o homem, foi roubada do direito parental, da função parental”. Se não há nascimento, voltamos ao problema apontado por Lauretis: não haveria razão quanto a se falar de relação – essa categoria restaria tão ilegítima quanto a de “mãe”. E acrescenta (2021, p. 65):

A mulher afro-estadunidense, a mãe, a filha torna-se historicamente a evocação poderosa e sombria de uma síntese cultural há muito evaporada – a lei da mãe – apenas e precisamente porque a escravização legal removeu o homem afro-estadunidense não tanto da vista quanto da visão mimética como um parceiro na ficção social prevalecente do nome do Pai, a lei do Pai.

 

A situação dessa “mãe” e “escravizada”, “como categorias indistintas do ilegítimo”, remonta à ausência do pai. Retomemos aqui as observações de Hartman sobre a marca infligida à prole da mãe escravizada. Tanto a linhagem deverá ser marcada pelas gerações seguintes, como a ausência de memória romperá a possibilidade de transmissão transgeracional. Se nem a maternidade, e menos ainda a possibilidade de reivindicação do filho existem, como poderíamos falar de um empoderamento feminino da mãe-mulher-forte, como nos lembra Hill-Collins, por meio do qual, segundo Spillers (2021, p. 65), “[...] o feminino, nesta ordem de coisas, invade a imaginação com uma força que marca tanto uma negação quanto uma ilegitimidade”? Daí Lauretis conceder a real possibilidade de pensarmos a “metáfora materna” apenas quando analisa o texto de Spillers, uma vez que haveria, nas condições da mulher negra afro-estadunidense – e será que não de todas as mulheres inscritas em um sistema colonial de gênero (na acepção de Maria Lugones (2008)?) –, o imperativo de reivindicação de um corpo sexuado materno (Lauretis, 1992, p. 296), “[...] desde sempre expropriado e perdido”, em suas inscrições e memórias; portanto, um sujeito do desejo feminino.

De fato, como vimos, esse lugar vazio, ocupado por uma ausência, é também o substrato da impossibilidade de reconhecermos a partir de onde se informa a linhagem, a subjetividade da prole e suas memórias – que, quando muito, são somente a lembrança de uma perda. Afirma Lauretis (1992, p. 295-296):

O seu corpo, portanto, não é o lugar da reprodução social do homem (e portanto da humanidade), mas o ponto de passagem do humano para o não-humano. Não é portanto corpo mas “carne”, não significante, ou seja, está fora das categorias de gênero (masculino ou feminino) e nomeação, ou seja, fora do simbólico[12].

 

Será que aí, nesse “afora” do simbólico e das correspondentes categorias de gênero, haveria alguma possibilidade liberadora? Ou o corpo transformado em carne, tornado uma inscrição retida ao significante, apenas nos rememora a ausência da memória? Até agora tratamos de inscrições, sem nos remetermos ao uso do termo na Psicanálise, principalmente a de origem lacaniana, a qual tem sido mobilizada aqui. Parece-nos impossível não delinear, ao menos de forma tangencial, os materiais que nos inspiraram a pensar com elas. Não apenas Rita Segato parte de pressupostos psicanalíticos, mas também os textos de Lauretis e Spillers se utilizam de categorias psicanalíticas, para compreender a formação do psiquismo e seus efeitos na formação do sujeito e da subjetividade e, portanto, remetem-se ao termo em uso. Por ora, procuraremos delinear brevemente o conceito de “inscrição-letra” e sua importância relativa à categoria de “perda da mãe” e naquilo que chamamos de “mater-nar a opacidade”.

 

3 A inscrição da letra

Aqui, acorro à tese de Doutorado da psicanalista Julieta Jerusalinky, intitulada A criação da criança: letra e gozo nos primórdios do psiquismo (2009)[13], na medida em que a autora se propõe ler a inscrição da letra no corpo do bebê – quer dizer, em que medida o enlace materno produz inscrições no psiquismo do Outro.  Jerusalinky (2009, p. 5-6) salienta que é necessário que um eu-encarnado, portador do “engaste da função materna”, produza hipóteses sobre o corpo do outro, articule ao “real orgânico” o “gozo do vivo a uma estrutura linguageira”. Isso a que a autora chama de “maternidade” é o nome da transmissão repetitiva entre gerações do saber inconsciente. No entanto, “[...] não há verdadeiramente agente da função materna sem referência ao nome-do-pai. Só assim o filho é objeto de desejo e só assim, então, a mãe inscreve (escreve?) no corpo dele as marcas do simbólico”. 

Assim, vemos novamente corroborada a tese da perda da mãe enquanto perda de inscrição no simbólico, como nas obras de Spillers e Segato. Essa é uma das facetas da transmissão psíquica performada por meio das inscrições, a que Lacan chamará de “letra”.  Segundo a autora (2009, p. 2), um outro encarnado deve portar e materializar “[...] um desejo não anônimo ao bebê para que este se constitua como um falasser (parl’être)”. Dessa maneira, o conceito de letra como inscrições psíquicas deve ser entendido como a articulação de um saber inconsciente intergeracional em linguagem, gozo e percursos pulsionais sustentados inicialmente pela mãe no laço com o bebê, tendo a possibilidade de se ver de algum modo em representação, seja por meio de uma repetição, seja por meio de uma leitura realizada, segundo Jerusalinky (2009, p. 12-13) pelo “[...] funcionamento corporal subjetivado no organismo do bebê”, pois, (em um consultório psicanalítico), “[é] a mãe quem provisoriamente sustenta, a partir do crivo de seus próprios traços inconscientes, a possibilidade de que o que acomete o organismo do bebê ganhe o estatuto de uma representação”. Acrescenta Jerusalinky (2009, p. 26):

A dimensão significante não se reduz apenas à palavra falada. O corpo comparece no ato de enunciação, organização pulsional, o dado a ver do sintoma como um enigma que cifra no corpo do bebê os efeitos de inscrição do outro. O dado a ver no corpo não está em uma dimensão pré-linguística, daí que é possível interpretar desde uma rede simbólica, desde o saber que se faz possível pela linguagem.

 

E, entretanto, a “[...] transmissão da letra não ocorre pela via positivada de um código” (2009, p. 14). Temos acesso às inscrições psíquicas através do sentido implicado no jogo significante, mas também no “sem-sentido do gozo”, isto é, para além daquilo que a produção do sujeito representa na linguagem, dar a ver-ler o que comparece por meio de manifestações corporais não imanentes, pois sempre em constituição com esse Outro. Em sendo assim, Jerusalinky enfatiza (2009, p. 73):

O inconsciente não está dado por herança de modo constitucional. É a partir do laço com o Outro que o dado a ver no corpo do bebê será articulado à rede do discurso e capturado em algum retorno do recalcado materno e/ou familiar, passando à dimensão de manifesto de um inconsciente em formação – e, portanto, revelando a não correspondência entre corpo e sujeito nos primórdios do psiquismo.

 

Ora, a psicanalista, a partir de sua prática clínica, propõe-se pensar a função materna, mais especificamente o que a mãe “inscreve-escreve” no corpo do bebê, que é passível de ser lido, recuperado, trazido à linguagem como um jogo duplo: a inscrição materna se lê por meio daquilo que o bebê, em função de uma passagem lógico-temporal, torna visível em sua devolutiva como sujeito; não apenas uma matéria bruta na qual algo se inscreve, contudo, como um sujeito em formação que pode afirmar ou negar as hipóteses que a analista levanta sobre ele. Ao comentar a forma como as ideias de memória, traços mnemônicos, marcas, inscrições e rastros aparecem na obra de Freud, Jerusalinky (2009, p. 48-50) resume a questão do seguinte modo: 

Nem tudo aquilo a que estamos expostos produz marca [...] mesmo daquelas experiências que nos marcam, nem tudo se inscreve, o que se inscreve a partir delas são traços e tais traços não guardam correspondência representacional com o que representam, de modo que não guardam correspondência fixa com os objetos do mundo, com o referente, nem têm uma significação intrínseca [...] como as experiências vividas não são registradas integralmente, já que, a partir delas, se recortam quantitativa e qualitativamente algumas percepções que passam a ser inscritas como traços. [...] A inscrição produzida [...] não é uma marca que se assemelha à realidade, não é uma cópia direta da experiência, que se decalcaria em nosso aparelho psíquico.

 

Daí Lacan definir três momentos da inscrição psíquica como “pegada”, “apagamento” e “rastro”; daí também a letra “[...] comportar a dimensão do enigma”, como ressalta Jerusalinky (2009, p. 51). E, embora possa ser remetido a um significante – uma rememoração como um saber e um ser falado –, não necessariamente tal traço poderá ser evocado, visto que o traço remete a uma ausência. O traço é o rastro do apagamento de uma pegada como marca. A marca, se pensada como uma experiência que deixou suas inscrições, não é intercambiável por um objeto no mundo nem por uma realidade representável. Embora essa sulcagem signifique que o traço pode ser evocado, porque esteve ali algum dia como marca, ele poderá permanecer para sempre como um enigma – o funcionamento significante estabelecido “[...] a partir de um traço, de uma pegada apagada, de uma marca rasurada” (2009, p. 53) – ou, em outros termos, o sulco deixado por uma pegada implica que os rastros dessa pegada produzem os traços como letra, razão pela qual nela comparece a tendência à repetição no aparelho psíquico e, assim, pode dar testemunho da passagem de algo que não está mais ali. Em resumo, afirma Jerusalinky que (2009, p. 51):

O traço enquanto inscrição é então um sulco e não uma marca impressa. E o vestígio deixado por uma passagem e não por uma ocupação positivada. A inscrição, para se produzir, exige uma oposição presença-ausência, tampouco se trata de um decalque ou internalização global do objeto no psiquismo – já que traço também significa cortar em pedaços. As inscrições psíquicas são, nesse sentido, recortes dos acontecimentos, mas recortes que transformam a percepção recebida de um sistema de inscrições compostos de traços.

 

Se nem tudo o que está inscrito pode ser evocado, associado ou religado, então talvez estejamos diante de uma das facetas da opacidade. Isso importa na discussão sobre a memória e a “perda da mãe” exatamente pelo fato de que as inscrições são, ao mesmo tempo, aquelas que inserem o corpo no simbólico – aquilo que falta à mulher-racializada –, mas também como letra: elas são aquilo que, embora possa nos dizer sobre uma ausência, não significa a perda completa, pois, em sulco, possibilita uma abertura ao real do gozo. Gosto de pensar em um possível deslocamento de uma filosofia da consciência para uma filosofia da memória, essa que nos apresentam Glissant e demais pensadoras e pensadores que se veem obrigados a situar a discussão quase sempre em função da diferença racial. Também no mesmo artigo já citado, Gonzalez propõe o “discurso da consciência”, o discurso dominante da democracia racial, como um discurso de ocultação da racialização da população brasileira. A esse discurso ela opõe o que denomina “[...] rasteira à cultura dominante”, “[...] as marcas da africanidade que a constituem” (Gonzalez, 2020, p. 78). Gonzalez (2020, p. 78-79) acrescenta:

A gente tá falando das noções de consciência e de memória. Como consciência a gente entende o lugar do desconhecimento, do encobrimento, da alienação, do esquecimento e até do saber. É por aí que o discurso ideológico se faz presente. Já a memória, a gente considera como o não saber que conhece, esse lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita, o lugar da emergência da verdade, dessa verdade que se estrutura como ficção. Consciência exclui o que a memória inclui. Daí, na medida em que é o lugar da rejeição, a consciência se expressa como discurso dominante (ou efeitos desse discurso) numa dada cultura, ocultando a memória, mediante a imposição do que ela, consciência, afirma como a verdade. Mas a memória tem suas astúcias, seu jogo de cintura; por isso, ela fala através das mancadas do discurso da consciência.

 

Mais ainda: é nesse impossível da recuperação dos rastros da inscrição que nos vemos compelidas a romper com o lugar estrito do nome-do-pai – o significante fálico – para recepcionar a letra como a possibilidade de uma Outra. Não aquela inscrita na relação binária eu–outro, na qual facilmente nos veríamos outra vez reificando o Nome e a Lei do pai, subscrevendo-nos ao seu desejo, mas da própria possibilidade inscrita na disjunção entre corpo e fala(o). Se a letra como traço é uma ligação com algo que se perdeu, então, não mais é preciso nos aferrarmos apenas aos traços representáveis, pois sabemos da possibilidade de irromper o real para além de qualquer traço, que também se ins(es)creve. A discussão sobre a letra – a letra como inscrição psíquica – será desenvolvida na obra de Lacan, de modo a ter seu sentido modificado para dar conta de pensá-la também por meio da escrita e da lalíngua, aquilo que escapa à linguagem como dito. Jerusalinky enfatiza (2009, p. 48):

A letra vai adquirindo sucessivas formalizações ao longo de sua obra, nas quais inicialmente é próxima, quase indiferenciada do significante, e mais ao final, vai se aproximando do real e do gozo, dizendo respeito ao que não cessa de não se inscrever na repetição pulsional.

 

Portanto, mater-nar a opacidade é narrar a perda da mãe, acolhê-la como inscrições que deixaram rastros com os quais eu me torno sujeito, ao implicar-me em novas produções. Mater-nar essa ausência-presença, como descreve Jerusalinky, compreendendo que, ainda que faltante, nela podemos contar com a letra para a irrupção do real.

 

Considerações finais

Ins(es)crevo a narração e a mater-nagem como categorias da opacidade. Mais ainda, como produtoras da opacidade. Ambas possuem como precedência inscrições-ausentes – a perda da memória e a perda da mãe – e ambas precisam produzir opacidade, porque apenas de modo espectral é possível maternar/narrar o que foi perdido. A materialidade que se materna é, assim, a própria opacidade. A Lei do Pai instaura uma presença-ausente; a função materna, uma ausência-presente – parodiando Glissant (2021), é por aí que devemos começar...

É Hélène Cixous (2021), entre outras, quem procurará imbuir a escrita feminina da corporalidade que falta à mulher – melhor dizendo, da corporalidade que a ela sobra (da mulher branca?) como possibilidades reivindicatórias do gozo com o corpo, por meio da escrita: ela nos diz (2022, p. 44): “Escreva! A escrita é para você, você é para você, seu corpo lhe pertence, tome posse dele”. A tese da filósofa, leitora e amiga de Lacan, é a de que as mulheres foram afastadas tanto da escrita quanto de seus corpos. O corpo que escreve não deve ser tomado como aquele único apto a fazê-lo como sujeito do conhecimento kantiano: o corpo que escreve pode gestar e sangrar, pode ainda se desfamilializar – deve, talvez, para sempre, ter de lidar com a perda da mãe –, sem que para isso deva se reorientar a uma hierarquia de gênero, na qual o gênero masculino sempre tenha a precedência. Sobre isso, Cixous (2022, p. 74-75) afirma:

É você que deve romper os velhos circuitos. Será dever da mulher e do homem fazer perecer a antiga relação e todas as suas consequências; conceber o lançamento de um novo sujeito, com vida, com des-familialização. Des-mater-pater-nalisemos em vez de, para disfarçar a cooptação da procriação, privar a mulher de uma apaixonante era do corpo. Desfetichizemos. [...] Nós não avançaremos mais à marcha à ré; nós não iremos recalcar algo tão simples como a vontade de vida. Pulsão oral, pulsão anal, pulsão vocal, todas essas pulsões são a nossa força, e, entre elas, a pulsão da gestação – assim como a vontade de escrever: uma vontade de se viver por dentro, uma vontade do ventre, da língua, do sangue.

 

Será então que é esta uma saída possível, do nome do pai para o corpo da mãe, à perda irremediável da mãe, à volta ao corpo, não apenas como inscrição do simbólico, mas também das inscrições-letras, as letras-ausentes, e a própria escrita sendo mater-nada como opacidade, sendo performada por meio do corpo-escrita, de um corpo que revela a disjunção entre corpo e sujeito e, por isso, se ins(es)creve. Restemos junto ao impossível, então. Contentemo-nos com a impossibilidade de dizer o que a coisa é. Restemos com o enigma da subjetivação e com sua concorrente opacidade – é aí, dirá Cixous (2022, p. 58), que nos veremos prontas a gozar dos “agentes do sentido” e a voar (voler). Se somos seres opacos, formados em uma relação de dependência, e se é essa mesma relação que nunca poderá ser recuperada, qual outra metáfora, senão a da mater-nagem, melhor condiz com a produção do opaco?

Toda e qualquer mater-nagem é mater-nagem da opacidade: mater-nar o desconhecido e o que é do âmbito do impossível, mater-nar aquilo a que não temos acesso, por meio da transmissão intergeracional, mater-nar o que chega na forma de enigma. Mater-nar a opacidade para sairmos da bruma do esquecimento, produzindo com o outro a opacidade de si mesmo. Mater-namos a opacidade, quando a narramos. Quando a autonarrativa – ou autodeterminação – advém, não das certezas inscritas no nome-do-pai, daquilo que se conforma às normas da Lei; quando a relação paterna com a consciência, segundo Gonzalez (2020 p. 78), “[...] o lugar do desconhecimento, do encobrimento, da alienação, do esquecimento e até do saber” se subsume à narrativa que rememora “[...] o não saber que conhece, esse lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita, o lugar da emergência da verdade, dessa verdade que se estrutura como ficção”, como já realçou Gonzalez (2020, p. 78-79).

Narramos para fugir da transparência, para forjar a memória como ficção, ficcionalizar nossas inscrições, narrar a opacidade da mãe – sua perda e sua reinscrição – no corpo de suas filhas e no corpo do texto de suas filhas. Não apenas ensaiar a escritura feminina como estratégia revolucionária, não apenas ensaiar a saída do falogocentrismo para a expressão do mundo, não apenas propor um método criativo para outras formas de pensar, escrever e existir, mas produzir a opacidade, através da narrativa – quer dizer: seguindo a lição das autoras aqui tratadas, empenharmo-nos na produção de texto, vida e existência que cada uma de nós realiza, ao liberar, segundo Silva (2016a, p. 59), “[...] o pensamento das amarras da certeza” e abraçar “[...] o poder da imaginação para criar a partir de impressões vagas e confusas”, a partir daquilo que nos constitui – e que, se deixado às brumas do esquecimento, nos retira a precedência sobre as possibilidades de dizer o mundo. Trata-se de substituir o conhecimento com certeza, aquele advindo do privilégio ontológico pressuposto pela tese da transparência, para forjarmos a opacidade como o próprio do conhecimento. A narrativa é, claro está, o modus como podemos fazê-lo. É ela que nos imbui na lida com o que não há, com o que se perdeu.

Mater-nar, não uma identidade feminina, mas a própria opacidade, não pensar que com isso seremos capazes de abandonar o gênero ou a diferença sexual. Queremos abrir mão do gênero ou das generificações racializadas ou, ainda, deixar de ver o gênero onde elas não existem? Forjar-nos mulheres em contextos coloniais – de modo a sair da universalidade – é abrir mão das hierarquias do Ser e das hierarquias de gênero, em nome da opacidade? E por que a letra deveria ser vista como pertencente ao âmbito do feminino? Ela não o é, em absoluto, mas o é, na medida em que o engaste ou a função materna enleva a formação dos traços psíquicos, porque o feminino é ainda o abscôndito, aquilo que se oculta, que margeia e que irrompe como o forcluído; e assim o é também porque somos sociedades coloniais.

Desse modo, recuperemos nossos corpos e o nosso lugar de sujeitas desejantes; recuperemos o direito de inscrever o simbólico e toda a cadeia significante vinculada a ele; recuperemos nossa inscrição, não no humanismo ou no universal, porém, naquilo que, ao romper as categorias e categorizações, reinscreve o nosso próprio impossível. Independentemente da nossa dupla inscrição na maternidade, ambas são e estão forcluídas. Ambas deveriam ser mater-nadas.

É necessário mater-nar o rastro de uma inscrição ausente, a fim de que possa de maneira recorrente nos devolver a algum lugar– ao não local, expressão de Silva (2005). Mater-nar é, então, estar às voltas com o passado como direito a uma memória. Mater-nar a letra, o feminino, a inscrição psíquica advinda dos primórdios, sabendo já que a mãe nunca será recuperada, mas que a mater-nagem ativa – não mais a da nossa precedência, mas a nossa própria –, como reivindicação do desejo de escrita do corpo, nos retira de um lugar no qual somos ditos para o lugar onde podemos nos dizer. Mater-nar a opacidade é viver com a certeza de que somos enigmas, de que qualquer narrativa de si e do outro será sempre fantasmática e espectral – para nós mesmos e para a nossa escrita –, e que cada uma de nós comporta algo de uma opaca différance, que se ins(es)creve e escreve o mundo.

 

Lose your mother: a colonial category?

 

Abstract: This article recovers some of the reflections made by different feminist authors and discourses on the materiality-maternity relationship in the history of philosophy, but precisely from the colonial-modern enterprise. In this sense, the text uses Saidiya Hartman's work Lose your Mother as a metaphorical thread about the destruction of ties to the land, of kinship, of memory, to conclude on the irrecoverable loss of any and all mothers - also in Lacanian psychoanalytic terms - in order to realize the recovery of the mother as mothering the opacity through the written production of women. In the first part of the text, we present the maternal metaphor in the philosophical debate; in the second part of the text, we present references to the coloniality of the maternal figure from the investigation of the work of enslaved black women in the constitution of modern societies, via decolonial and black feminisms, and also, in the next section through the Lacanian debate on the inscription of the letter on the body of their daughters. In the last section, we finalize the text with some considerations in order to imagine how a work of writing would be like when is carried out from the recovery of a body forcluded by coloniality.

 

Keywords: Coloniality. Motherhood. Opacity. Feminism. Writing.

 

Referências

CIXOUS, H. O riso da Medusa. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2022.

COLLINS, P. H. As mulheres negras e a maternidade. In: COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019.

DAVIS, A. Classe e raça no início da campanha pelos direitos das mulheres. In: DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.

GABRIEL, A. B. Materialidade, maternidade e outras matrizes. 2022. 197 f. Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2022.

GLISSANT, E. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005.

GLISSANT, E. Poética da relação. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

HARTMAN, S. Perder a mãe: uma jornada pela rota atlântica da escravidão. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

HOOKS, B. Ain’t I a woman? Black women and feminism. London: Pluto, 1983.

JERUSALINKY. A criação da criança: letra e gozo nos primórdios do psiquismo. 2009. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.

KUBISSA, L. P. De la diferencia como identidad: génesis y postulados contemporáneos del pensamiento de la diferencia sexual. Araucaria – Revista Iberoamericana de Filosofia, Política y Humanidades, Espanha, n. 16, p. 108-133, dez. 2006.

LACAN, J. O seminário, livro 23: o sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

LAURETIS, T. Technology of Gender. In: LAURETIS, T. Technologies of Gender. Bloomington: Indiana University Press, 1987. p. 1-30. [Texto Tecnologias de gênero traduzido em: Tendências e Impasses, s.d.]. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5673685/mod_resource/content/4/DE%20LAURETIS%2C%20Teresa.%20A%20Tecnologia%20do%20G%C3%AAnero%20%281987%29.pdf. Acesso em: 10 set. 2022.

LAURETIS, T. Imaginario materno y sexualidad. Texto para el encuentro de Bolonia. Centro de Documentación de las Mujeres. Cuadernos Desde el Diván, 26-28 nov. 1992.

LUGONES, M. Colonialidad y género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101, jul./dez. 2008.

MORRISON, T. Amada. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SEGATO, R. L. O Édipo negro: colonialidade e forclusão de gênero e raça. In: SEGATO, R. L. Crítica da colonialidade em oito ensaios e uma antropologia por demanda. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

SILVA, D. F. da. Bahia Pêlo Negro: Can the Subaltern (Subject of Raciality) speak? Ethnicities, v. 5, n. 3, p. 321-342, 2005.

SILVA, D. F. da. Toward a Global Idea of Race. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2007.

SILVA, D. F. da. Sobre a diferença sem separabilidade. In: VOLZ, J.; REBOUÇAS, J. (ed.). 32ª Bienal de São Paulo: incerteza viva. Catálogo da mostra. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2016a.

SILVA, D. F. da. Em estado bruto. Ars, São Paulo, a. 17, n. 36, 45-56. Pub. original: Revista E-Flux, n. 93, set. 2018.

SILVA, D. F. da; DESIDERI, V. Leituras (po)éticas. Cadernos de Subjetividade –Revista PUC-SP, n. 19 – Da afasia aos gritos,  2016b. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/cadernossubjetividade/issue/view/1965. Acesso em: 10 set. 2023.

SPILLERS, H. J. Bebê da mamãe, talvez do papai: uma gramática estadunidense. In: BARZAGHI, C.; PATERNIANI, S. Z.; ARIAS, A. (org.). Pensamento radical negro. São Paulo: Crocodilo; N-1 Edições, 2021.

 

Recebido: 15/10/2023 – Aprovado: 16/05/2024 – Publicado: 10/07/2024



[1] Pesquisadora-Tecnologista do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Brasília/DF – Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9419-1877. E-mail: assaddaka@gmailcom.

[2] Utilizo o neologismo “mater-nar”, inspirado na tese de Alice Gabriel (2022), de modo a pontuar, junto à autora, a relação existente na história da filosofia entre o feminino e a matéria. Trata-se, no caso presente, de uma desconfiança em relação ao gênero da materialidade, ao passo que o conceito procura operacionalizar os traços, rastros de inscrições ausentes, de algo que talvez pudesse ter sido do âmbito do material, mas não o é. Trata-se, portanto, de mater-nar a opacidade.

[3] “Passagem do Meio” ou Middle Passage – trata-se da travessia das milhares de pessoas trazidas do continente africano pelo Atlântico, para morrer nas plantations, sistema de monocultura destinado à exportação, que utilizava mão de obra escravizada.

[4] Esse termo é emprestado do artigo “O Édipo Negro”, da antropóloga Rita Laura Segato, e será discutido logo mais adiante.

[5]Lauretis (1987). Aqui, eu utilizo a versão traduzida para o português pela Tendências e Impasses, Lauretis (s.d.).

[6] No original: “¿Cuál es el imaginario efectuado o promovido por el simbólico femenino? ¿A qué fantasmas da a luz la madre simbólica? ¿Cuáles son los ocultamientos eróticos de la deuda simbólica que hemos contraído con ella?

[7] No original: “El cuerpo, las pulsiones y la sexualidad se acantonan para dar cabida al yo-en-relación y a la diferencia de género”.

[8] DEIAB, Rafaela de Andrade. A memória afetiva da escravidão. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 1, nº 4, p. 36-40, out. 2005.

[9] BUTLER, Judith. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

[10] Agradeço a Alice Gabriel a lembrança desse artigo e dessa passagem, no texto da autora.

[11] No já citado artigo de Gonzalez, a autora recorda um ditado variante desse mesmo citado por Spillers: “Filhos de minha filha, meus netos são; filhos do meu filho, serão ou não” (Gonzalez, 2020, p. 89).

[12] No original: “Su cuerpo, por lo tanto, no es el lugar de la reproducción social del hombre (y por lo tanto de la humanidad) sino el punto de pasaje de lo humano a lo no humano. No es por lo tanto cuerpo sino ‘“carne’”, no significante, o sea, está afuera de las categorías de género (masculino o femenino) y de la nominación, es decir, afuera de lo simbólico”.

[13] Agradeço ao amigo, acadêmico e psicanalista, Marcos de Jesus Oliveira a indicação desta obra.