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Comentário a “Contextualismo e relativismo na ética”: CONTEXTUALISMO E RELATIVISMO NA ÉTICA


Léo Peruzzo Júnior1


Referência do texto comentado: MENDONÇA, W. Contextualismo e relativismo na ética. Revista Trans/Form/Ação, v. 46, n. esp. “Filosofia Autoral Brasileira”, p. 627-668, 2023.



Em linhas gerais, o contextualismo é uma teoria epistêmica para a qual aquilo que é expresso em um enunciado depende, parcialmente, de algo no contexto do atribuidor, isto é, algo relativo ao contexto e no qual este é discutido. Obviamente, entre as várias correntes que há, no contextualismo, é sobressaliente a visão de que os valores de verdade das atribuições de conhecimento dependem do contexto e, assim, à medida que nossas apostas aumentam e, consequentemente, as dúvidas céticas ficam mais intensas, o padrão contextual se torna cada vez mais exigente. Por isso, algumas das abordagens contextualistas apontam que, em alguns contextos, por exemplo, se requer mais daquele que está na posição de atribuidor para expressar uma verdade.

Uma rápida digressão histórica, pois, permite visualizar que o contextualismo e seus problemas encontram sua origem filosófica em autores como o Wittgenstein tardio e seu “conceito” de “jogos de linguagem”, Austin e sua sensibilidade ao contexto, Searle e sua teoria do background, Brandon e a posição de que a semântica deve responder à pragmática, Grice e a significação não natural e suas implicaturas, entre outros. A questão fundamental está, segundo eles, no conteúdo de uma enunciação, isto é, “o que é dito” (what is said) em um contexto determinado, seus padrões de correção, além de nossas intenções e expectativas.

Em outras palavras, a provocação do contextualismo situa-se entre o conteúdo da sentença proferida e o mobiliário [ou arsenal metafísico] que o falante precisa movimentar, para comunicar tal sentença, uma vez que é necessário expurgar o aparato que mantém vivo o ceticismo e suas consequências. Assim, uma das apostas analíticas para desestimular o fantasma da metafísica que ronda o contextualismo alude à fixação do valor de elementos indexicais, a fim de determinar o significado de uma sentença e estabelecer o processo de comunicação.

De qualquer forma, o problema do contextualismo não está situado nos casos em que o falante tenciona exprimir aquilo que a frase significa. Ao contrário, ele está presente na inadequação entre a sentença expressa e o contexto comunicativo, pois é justamente ali que o conteúdo semântico precisa ser reconhecido como compatível ou não, de sorte que a inferência do falante tenha condições de verdade. Paul Grice (1975), por sua vez, pondera que a solução está na necessidade de um esforço de desambiguação entre o uso de uma sentença e a compreensão do que é dito, isto é, a significação.

O autor propõe, assim, um exemplo para explicar os efeitos do sentido que vão além do que é dito: A está conversando com B sobre C. A pergunta a B sobre a situação de C, em seu emprego, e B, então, responde: “Oh! Muito bem, eu acho; ele gosta de seus colegas e ainda não foi preso.” (GRICE, 1975, p.43). Parece claro, portanto, que o diálogo apresenta pelo menos duas formas de significação: ou C está bem, embora sua prisão pudesse ter acontecido; ou C está bem, embora possa fazer algo que o leve à prisão. O prognóstico para a questão, segundo ele, é a necessidade de dois tipos básicos de implicaturas e, portanto, de uma solução para a incompatibilidade entre semântica e pragmática (GRICE, 1989).

Outras abordagens semânticas ao contextualismo, como aquela proposta por Kaplan (1989), procuram argumentar que precisamos associar a qualquer sentença que contenha indexicais um caráter [uma função cujo valor, em qualquer contexto, deve ser o conteúdo proposicional daquela sentença naquele contexto ou, então, o significado linguístico público] visualizado como uma espécie de função para mapear contextos de uso a conteúdos. Para isso, a linguagem da lógica de Kaplan é uma lógica modal de predicados de primeira ordem, contendo operadores de tempo e outras adições, que incluem um predicado distinto (Exists), um predicado binário (Located), uma constante distinta (I), uma constante distinta (Here) e um function-term (dthat).

Assim, cada contexto tem um agente, um tempo, uma posição e um mundo possível associados, o que permite mostrar que as proposições possuem valores de verdade em relação às circunstâncias de avaliação e, por conseguinte, possam ser verdadeiras em relação a uma circunstância e falsas em relação a outra. A proposta de Kaplan, logo, pode ser expressa na asserção de que um contexto determina o conteúdo de uma sentença e esta última, por sua vez, determina um valor de verdade, em um mundo possível (ALMONG; LEONARDI, 2009).

Assim, o contextualismo indexical de Kaplan lida tanto com o possível conteúdo verofuncional como também com a compreensão de uma sentença, a partir de vários fatores contextuais e de sua variação de um contexto de uso para outro. Ao que parece, aqui está a significativa aposta dessa nova abordagem frente às epistemologias clássicas: admitir o contextualismo como teoria epistêmica é relutar contra a noção de universalidade, pois uma crença diante de um contexto x pode não sê-la, em um ambiente y. A partir disso, torna-se necessário, portanto, compreender de que modo a tarefa semântica é capaz de descrever como os valores semânticos das sentenças conseguem determinar o valor de verdade em contextos e circunstâncias de avaliação.

Tendo isso em mente, o autor de “Contextualismo e Relativismo na Ética” procura, por consequência, analisar o contextualismo indexical na ética e mapear se o proferimento do falante tem de valer também para o proferimento do autor, uma vez que os proferimentos morais, por um lado, seriam centrados e, por outro, haveria vários centros possíveis. Obviamente, sua tese é que o contextualismo não indexical seria preferível, para explicar alguns dados relevantes do desacordo, como argumenta, enquanto o relativismo de apreciação acomodaria melhor alguns outros problemas discursivos presentes nos debates morais. O percurso construtivo do texto, como o/a leitor/a poderá observar, tem um critério interno de sucesso, na medida em que se afasta de Kaplan e mostra que, no contextualismo não indexical, a definição de verdade em circunstâncias de avaliação envolveria uma coordenada perspectivista.

Invariavelmente, não é suficiente intuir que a ocorrência de uma sentença moral, em um contexto, varia com o padrão normativo que entra na individuação do contexto de uso. O contextualismo (indexical e não indexical) precisa demonstrar por que os vários aspectos do contexto conversacional são responsáveis por fixar a extensão, mesmo quando tal extensão dependa de suposições, pressuposições e outros itens implícita ou explicitamente acordados. E isso, por sua vez, não é uma questão adstrita ao desacordo moral, mas aos efeitos da distinção tradicional entre semântica e pragmática e, ainda, à fixação do valor de elementos indexicais.

Ignorar tais consequências significa ignorar a existência de vários tipos de desacordo e, evidentemente, aceitar – intuitivamente – que os valores semânticos de predicados morais possam ser determinados de forma análoga aos dos valores semânticos de expressões indexicais da linguagem (“eu”, “aqui”, “agora” etc.), muito embora essa leitura do relativismo indexical possa acomodar a irrepreensibilidade dos desacordos morais de uma maneira aparentemente satisfatória.

O presente artigo finaliza, apontando que “[...] contra os contextualistas indexicais e os contextualistas não-indexicais, [...] o tratamento adequado do uso de sentenças morais requer o endosso do ponto de vista relativista radical.” (MENDONÇA, 2023, p. 664). Entretanto, competirá ao leitor um novo escrutínio diante de tais implicações e um constante exercício de logicidade, em face das armadilhas da linguagem natural e de uma leitura comum dos desacordos morais.


Referências

ALMONG, J.; LEONARDI, P. (ed.). The Philosophy of David Kaplan. Oxford: Oxford University Press, 2009.

GRICE, H. P. Logic and Conversation. In: COLE, P.; MORGAN, J. L. (ed.). Sintax and Semantics. New York: Academic Press, 1975.

GRICE, H. P. Studies in the Way of Words. Cambridge; London: Harvard University Press, 1989.

KAPLAN, D. Demonstratives: an essay on the Semantics, Logic, Metaphysics, and Epistemology of Demonstratives and Other Indexicals. In: ALMONG, J.; PERRY, J.; WETTSTEIN, H. (org.). Themes from Kaplan. Oxford: Oxford University Press, 1989.

MENDONÇA, W. Contextualismo e relativismo na ética. Revista Trans/Form/Ação, v. 46, n. esp. “Filosofia Autoral Brasileira”, p. 627-668, 2023.



Recebido: 21/05/2023

Aceito: 30/05/2023



1 Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR/FAE Centro Universitário. Email: leo.junior@pucpr.br.