Comentário a “Fundamentos e aplicações da sentiômica: a ciência da capacidade de sentir”: o lugar e a função dos afetos e das emoções: uma crítica psicanalítica dos fundamentos e aplicações da sentiômica


Manuel Moreira da Silva1


Referência do artigo comentado: Pereira Jr., A.; Aguiar, V. J. de. Fundamentos e aplicações da sentiômica: a ciência da capacidade de sentir. Trans/Form/Ação: Revista de filosofia da Unesp, v. 46, Número especial “Filosofia Autoral Brasileira”, p. 57- 86, 2023.


I Posição do Problema

É sempre um acontecimento alvissareiro, quando companheiros de caminhada trazem à luz os resultados de suas investigações científicas, sobretudo enquanto estes se mostram sob a proposição de uma nova ciência. Esta é a Sentiômica, apresentada como tal, em sua diferença em relação à Qualiômica, no artigo “Fundamentos e aplicações da Sentiômica: a ciência da capacidade de sentir”2, de Alfredo Pereira Júnior e Vinícius Jonas de Aguiar, publicado neste número da Trans/Form/Ação. Nas palavras dos autores, a Sentiômica teria por tarefa a “[...] identificação e análise dos padrões temporais universais que caracterizam a sentiência”, razão pela qual essa ciência “[...] poderia se beneficiar de uma interação construtiva com a Psicanálise.”

Este artigo, porém, se limita a um brevíssimo comentário sobre a proposição de uma interação construtiva entre a Sentiômica e a Psicanálise. Os autores referem-se a essa interação na seção V de seu trabalho, intitulada “Sentiômica e ontologia monista”, mais precisamente quando assumem como pressupostos da Sentiômica a “[...] existência de padrões de informação universais inconscientes.” Tais padrões seriam “potencialidades do sentir consciente” e se distinguiriam dos padrões conscientes porquanto estes, como objeto da Qualiômica, constituiriam as “qualidades (qualia) atuais da experiência”, as quais, porque atuais, uma vez vivenciadas, poderiam deixar marcas no inconsciente. Assim, para os autores, “[...] em cada pessoa se estabelece uma complexa dinâmica que perpassa os dois modos da experiência, inconsciente e consciente, formando uma identidade a posteriori, o Eu, que persiste existindo apenas enquanto há experiência.” Desses pressupostos, os autores chegam às seguintes conclusões:

1. Impossibilidade de um “Eu Consciente” universal;

2. Existência de padrões de informação universais inconscientes, que conferem ao cosmos a possibilidade de emergência de seres conscientes em qualquer lugar e tempo. (grifos dos autores).

A respeito dessas duas conclusões, este artigo se debruça unicamente sobre a segunda. Questiona, portanto, a proposição da existência de padrões de informação universais inconscientes, tomada pelos autores como fundamento da Sentiômica, e, no caso da confirmação de tal existência, questiona ainda a proposição dela decorrente, a saber, de que padrões de informação universais inconscientes conferem ao cosmos a possibilidade de emergência de seres conscientes em qualquer lugar e tempo. No caso de uma única dessas proposições não se sustentar, sua fundamentação se mostrará falsa ou pelo menos falha ou insuficiente.

Nessa perspectiva, o presente artigo assume a forma de uma crítica psicanalítica dos fundamentos e aplicações da Sentiômica, de modo mais preciso, das duas proposições supracitadas, constituintes da segunda conclusão dos autores, mais acima enumerada. A crítica em tela, no entanto, consiste em um discernimento da questão ela mesma – em rigor, da assim chamada experiência inconsciente –, quando esclarece em que medida a Psicanálise pode contribuir assertivamente para a fundamentação e a aplicabilidade da Sentiômica. Isso implica, porém, a exigência de a Sentiômica se depurar de todos os seus outros pressupostos, os quais, porventura, estejam em conflito com o aqui explicitado.


II Sobre a existência de padrões de informação universais inconscientes

Quando os autores se referem à “existência de padrões de informação universais inconscientes”, eles como que apenas invertem a proposição pretensamente refutada, a de que um “Eu Consciente” universal ou uma Consciência universal seria possível. Isso porque se mantém o discurso e, portanto, a pressuposição de que há padrões de medida universais passíveis de fazer emergir seres conscientes em qualquer lugar e tempo, embora tais padrões universais sejam negados precisamente a um “Eu Consciente” universal ou a uma Consciência universal. Quanto a isso, nunca é demais lembrar-se das palavras de Hegel (1807/2002), em sua Fenomenologia do Espírito, segundo as quais a consciência se faz para si o seu próprio padrão de medida; assim como do homem-medida de todas as coisas de Protágoras ou, ainda, do Deus-medida de Platão.

Além disso, a proposição que afirma a “existência de padrões de informação universais inconscientes” contém nela mesma uma contradição de termos; porque, se tais padrões são inconscientes, eles não podem ser universais. O universal, em qualquer sentido que se lhe tome, é ele mesmo uma qualidade (um quale) e, portanto, pertence aos padrões conscientes ou às qualidades (qualia) atuais da experiência; se, para estes, é possível estabelecer uma forma universal abstrata, essa possibilidade não se aplica aos padrões inconscientes. Disso se depreende que os autores assumem, de saída, sub-repticiamente, a pressuposição segundo a qual “padrões de informação universais inconscientes” são eles mesmos qualia ou se constituem de um modo ou de outro como qualidades; isso se comprova, quando afirmam que “os padrões inconscientes consistem em potencialidades do sentir consciente”. Se isso é precisamente assim, então padrões inconscientes são ou, antes disso, têm que ser apenas qualidades indeterminadas, qualia que ainda não se apresentaram como tais, mas que necessariamente se apresentarão “em qualquer lugar e tempo”. Se isso é precisamente assim, há que se repetir, então: a Sentiômica ora proposta permanece refém da concepção hegeliana do ser.

Na Grande Lógica, em rigor, no início da seção Qualidade, embora aceda à percepção do ser sem reflexão e sem qualidade, Hegel (1812/2021, p. 121) perde-o de vista, porquanto o designa como ser indeterminado; a saber, como o ser que ainda não recebeu uma determinação, sendo a indeterminação, para aquele filósofo, em oposição ao determinado e ao qualitativo, a sua determinidade imediata. Ora, a concepção do ser sem reflexão e sem qualidade em Hegel e a concepção dos “padrões de informação universais inconscientes” da Sentiômica em tela possuem um ponto de partida comum, cujo início, pura e simplesmente pressuposto, permanecera impensado em ambas, tal como em seu ponto de partida comum.

Este consiste na concepção aristotélica da forma e da matéria, ou do ato e da potência, como constituintes da substância sensível; caso em que a potência ou a matéria contém dentro de si a forma ou o ato da coisa mesma – isto é, da essência – que lhe plasma e conforma, donde a concepção estoica do universal in re, assim como, posteriormente, as respectivas concepções pré-moderna e moderna do Conceito formal do ente, em Francisco Suárez, a de Realidade formal da ideia, em Descartes, ou a de Conceito subjetivo, em Hegel. Todavia, convém perguntar: e aquilo que se constitui como o Início – a Arché – dessas concepções, que dele partem, mas que o ignoram por completo?

Ao que tudo indica, em nenhum momento da história conhecido até aqui, nem a filosofia nem as ciências particulares experienciaram a coisa mesma, isto é, o ser sem reflexão e sem qualidade, sem lhe apor uma forma ou determinação qualitativa externa a ele. Se, em algum momento, uma experiência originária com a coisa mesma se mostrou o caso, este foi esquecido na medida mesma em que se lhe apusera um quale, mesmo sendo aquele a origem – ou, antes –, o Início propriamente dito deste.

Ora, desde seus inícios, a Psicanálise investiga os processos psíquicos inconscientes, logo, primários, que estruturam a experiência originária com a coisa mesma, sem lhe apor qualquer forma abstrata, mas antes, de modo a verificar a ruptura ou a dissociação da forma concreta do ser e do ser ele mesmo. Em vista disso, para se compreender algo como a capacidade de sentir, assim como até que ponto uma experiência se torna consciente, é necessário assumir como campo de investigação um âmbito ainda mais básico que o do sentir, esse que se mostra, ora como o âmbito dos afetos, ora como o âmbito das emoções, ora como o das experiências afetivas, ora o das experiências emocionais.

Os autores intuem esses âmbitos mais básicos que o do sentir, quando, no início da seção IV, intitulada “Da sentiência à consciência, e vice-versa”, afirmam:

Os padrões pré-conscientes dinâmicos (plano de fundo) e consciência experiencial (primeiro plano) podem mudar sua posição no processamento. O que está no fundo pré-consciente (e pertence à sentiência) pode vir para o primeiro plano e ser experimentado conscientemente, e vice-versa: o que é experienciado conscientemente pode ser retido em um engrama de memória inconsciente, que pode ou não ser lembrado no futuro.


O trecho acima traduz de maneira assaz adequada, embora tão só em um nível fenomenológico-formal, o funcionamento do aparelho psíquico formulado por Freud, na assim chamada Primeira Tópica. Essa descrição representa uma relação intrínseca de figura e fundo, respectivamente, entre a consciência experiencial e os padrões pré-conscientes dinâmicos; quando o “fundo pré-consciente” é corretamente identificado com a sentiência e o inconsciente é dado a conhecer apenas indiretamente, quando algo “[...] experienciado conscientemente pode ser retido [a saber, reprimido, recalcado ou ainda encravado]3 em um engrama de memória inconsciente, que pode ou não ser lembrado no futuro.”

Se isso é precisamente assim, se o inconsciente se forma por via de uma retenção do que, em princípio, seria experienciado conscientemente – mas retido de modo inconsciente –, dado que essa retenção não segue um padrão universal, não é adequado afirmar, sem mais, a “existência de padrões de informação universais inconscientes”. Porém, há que se descobrir como e por que ocorre tal retenção e em que medida ela implica um funcionamento distinto do aparelho psíquico em cada indivíduo humano, em especial, no concernente às suas respectivas experiências emocionais. Estas, uma vez que ainda não foram elaboradas e, portanto, ainda não passaram ao âmbito do pensamento, mesmo em seu nível mais elementar, sentiente, esse que os autores também designam o fundo pré-consciente.

Em vista do exposto até aqui, é possível conceder aos autores a “existência de padrões de informação universais pré-conscientes”, contudo, de modo algum, a “existência de padrões de informação universais inconscientes”. Isso devido à natureza mesma do sistema pré-consciente e do sistema inconsciente, respectivamente, em sua relação com o sistema consciente e em seu desligamento completo em relação a este último sistema, quando, o que vem à tona do inconsciente ao consciente, só o vem por intermédio do pré-consciente e, de certa forma, traduzido ou elaborado por este. Se o pré-consciente falha em seu trabalho de tradução, experiências emocionais são impossibilitadas de se transformarem em pensamentos, e pensamentos podem se cristalizar, o que interrompe justamente a fluidez da sentiência e a dinâmica entre os sistemas acima referidos.


III Padrões universais inconscientes versus emergência de seres conscientes

Do exposto na seção anterior resultaram duas conclusões. A primeira consiste no fato de a proposição que afirma a “existência de padrões de informação universais inconscientes” conter nela mesma uma contradição de termos; porque, se tais padrões são inconscientes, eles não podem ser universais. A segunda, acrescida a esta, mostrou que a proposição de padrões de informação universais inconscientes é incompatível com a afirmação segundo a qual tais padrões “[...] conferem ao cosmos a possibilidade de emergência de seres conscientes em qualquer lugar e tempo.” Isso porque, conforme assumido pelos próprios autores, no início da seção IV, intitulada “Da sentiência à consciência, e vice-versa”, “[...] o que é experienciado conscientemente pode ser retido em um engrama de memória inconsciente, que pode ou não ser lembrado no futuro.” Donde a comprovação de que a emergência de seres conscientes não está atrelada a padrões de informação universais inconscientes.

Se “[...] o que é experienciado conscientemente pode ser retido em um engrama de memória inconsciente, que pode ou não ser lembrado no futuro”, a proposição que sustenta a possibilidade de emergência de seres conscientes, a partir de padrões de informação universais inconscientes, não se constitui senão como um círculo vicioso. Da mesma forma, se a proposição que afirma a “existência de padrões de informação universais inconscientes” contém nela mesma uma contradição de termos – porque, se tais padrões são inconscientes, eles não podem ser universais –, então, além de um círculo vicioso, a proposição que pressupõe a possibilidade de emergência de seres conscientes, a partir de padrões de informação universais inconscientes, se baseia em um fundamento inconsistente. Porém, não há inconsistência em se afirmar a emergência de seres conscientes, a partir de séries paralelas de padrões de informação singulares inconscientes, o que é compatível tanto com as diversas teorias da consciência quanto com as teorias psicanalíticas do inconsciente.

Desde Kant (1798/2006, § 3), três elementos se mostram como os constituintes fundamentais da consciência, a saber: a atenção (attentio), a abstração (abstractio) e a universalização. Os dois últimos elementos, porém, se fundam eles mesmos no primeiro e, assim, se apresentam como sua formalização; daí a necessidade de uma consideração mais adequada da própria atenção, no tocante à sua natureza. Como não é possível estender-se aqui, devido aos limites deste trabalho, considere-se apenas o significado etimológico da palavra attentio, de attendere, literalmente “tender para”, formado por “ad”, que se assimila a “at”, e por “tendere”, que se associa à raiz “ten” (tender, esticar, tensionar), também presente no grego “tonos” (tensão, tono).

Nesse sentido, mais do que uma função da consciência ou do Eu, a atenção figura como o elemento mais fundamental destes, mas também como o da própria memória, a qual registra as “tensões” experimentadas pelo indivíduo e as aloca nos sistemas inconsciente, pré-consciente ou consciente, segundo a intensidade das tensões – ou dos conflitos psíquicos – em jogo e a suportabilidade do indivíduo em cada caso em questão. Em vista disso, há que se reconhecer, na chamada “capacidade de sentir”, não apenas a faculdade biologicamente determinada ou determinável da sentiência, mas, antes, também o poder suportar uma tensão psíquica extraordinária e, desse modo, organizá-la mediante as instâncias do inconsciente, do pré-consciente ou do consciente, bem como nos respectivos sistemas assim designados. Mas de onde vêm as tensões acima aludidas?

No que diz respeito aos organismos vivos complexos, quaisquer que sejam eles, toda tensão implica uma carga que, em dado momento, precisa ser descarregada. De outra forma, o indivíduo mostra-se incapaz de manter a constância de seu meio interno, o assim chamado equilíbrio homeostático; este é lembrado pelos autores, em pelo menos três momentos, todavia, não investigado em profundidade para além sua apresentação como um mecanismo de regulação biológica. Tanto o carregamento quanto o descarregamento de uma tensão consiste antes de tudo em eventos afetivos e emocionais que sempre se dão no contexto de uma “tempestade emocional”, para usar aqui um termo de Bion (1979/1987, p. 322), a qual, por sua vez, se evidencia quando do encontro de dois indivíduos igualmente incertos um em relação ao outro. No âmbito de uma tempestade emocional assim descrita, não há elaboração possível e, portanto, nem passagem à consciência; em rigor, à linguagem e ao pensamento.

No entanto, isso ainda não é tudo. Emoções e sentimentos consistem na interpretação de afetos, caso em que estes – em sentido próprio – dificilmente passam do inconsciente ao consciente, se não transformados em emoção, assim como esta também não passa, se não traduzida (via pré-consciente) em algum sentimento. Isso pode ser exemplificado na medida em que, quando alguém sente algo, geralmente se diz que sente alegria, tristeza, medo, raiva ou nojo etc. – estas, por exemplo, as chamadas cinco emoções básicas –, razão pela qual se pode afirmar que todo sentimento é, de algum modo, sentimento de uma emoção, por si mesma refratária à interpretação e à simbolização. O mesmo ocorre com os afetos – em especial a angústia, o amor e o ódio, o prazer e o desprazer, o gozo e a dor, o amparo e o desamparo etc. –, os quais só se dão a conhecer mediante a mudança de sua forma por intermédio das emoções, que, então, se lhes sobrepõem. Por isso, Green (1973/1975, p. 16) se perguntou se seria possível falar do afeto em sentido próprio, isto é, de seu centro, o qual, tal como o inconsciente, nos permanece de fato desconhecido.

Em contraste, o afeto também é reconhecido – pela Filosofia e pela Psicanálise – igualmente como memória. O que, tal como acontece com o inconsciente, permite sua investigação por si mesmo e sua distinção em relação à emoção e ao sentimento, de sorte a se poder chegar às suas camadas mais profundas, propriamente pulsionais, nas quais o psíquico e o somático permanecem indistintos, e, assim, fazer emergir uma ciência da capacidade de sentir fundada em um solo adequado e consistente com o que tal ciência se põe como fim. Nesse caso, porém, as pesquisas das mais diversas ciências, inclusas a Sentiômica e a Psicanálise, devem convergir para a memória, âmbito mais amplo que o da consciência e que, certamente, poderá contribuir de modo auspicioso na explicação de sua emergência. Sentiômica e Psicanálise têm aqui seu ponto de partida comum, o experienciado retido em um engrama de memória inconsciente.


Conclusão

A proposição da Sentiômica como ciência da “capacidade de sentir” e sua fundação no que os autores designam “genes do sentimento”, isto é, “[...] padrões dinâmicos inconscientes capazes de gerar sentimentos conscientes”, mostra-se um acontecimento alvissareiro. Embora os autores apresentem a Sentiômica nos limites da linguagem da concepção tradicional, moderna, da ciência – exemplificada na perspectiva da terceira pessoa –, ao buscarem a mediação entre essa perspectiva e a da primeira pessoa, a qual se volta para o estudo dos qualia, pressupõem um tipo novo de fundamento, que possa levar a termo a referida mediação. Se tal fundamento consiste nos “padrões dinâmicos inconscientes capazes de gerar sentimentos conscientes”, por conseguinte, a Psicanálise se constitui como um modelo epistêmico essencial para a fundamentação da ciência ora proposta.

Infelizmente, não há espaço, neste brevíssimo comentário para que se possa explicitar adequadamente a Psicanálise como modelo epistêmico da Sentiômica. Não obstante, assim como a Psicanálise já se mostrou como uma abertura para a proposição de uma metafísica pós-moderna, no caso, em Yannaras (1993/2004, 2004/2011) e Silva (2017; 2019), bem como se revela um elemento constitutivo fundamental para as mais diversas disciplinas – a exemplo da Antropologia –, a assunção dos chamados “genes do sentimento”, ou de “padrões dinâmicos inconscientes capazes de gerar sentimentos conscientes” pela Sentiômica, faz da Psicanálise e de seu regime epistêmico o modelo e o fundamento adequados daquela ciência. Para isso, entretanto, a Sentiômica tem que assumir, igualmente, não apenas o bônus, mas também o ônus de seu empreendimento.

Isso implica a necessidade de ocupar-se dos “genes do sentimento” – objeto da Sentiômica –, antes que se gerem sentimentos conscientes e que estes se mostrem na experiência consciente como qualia – objeto da Qualiômica –, os quais constituem tais sentimentos. É necessário, pois, ocupar-se de um âmbito do real – isto é, do ser, mas não já da realidade, que é sua representação ou qualidade – no qual os próprios qualia ainda não existem; o que só é possível, na medida em que se assume a existência de séries paralelas de padrões de informação singulares inconscientes, em suma, de afetos e de emoções, enquanto estes ainda não passaram por um processo de qualificação. Algo inteiramente compatível com a tarefa de “[...] identificação empírica e análise dos padrões temporais universais que caracterizam a sentiência” própria da Sentiômica.


Referências

BION, W. R. (1979). Making the best of a bad job. In: BION, W. R. Clinical seminars and others works. London: Karnac Books, 1987. p. 321-331.

GREEN, A. (1973). La concepción psicoanalítica del afecto. Mexico; Madrid; Buenos Aires: Siglo XXI, 1975.

HEGEL, G. W. F. (1807). Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista: USF, 2002.

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KANT, I. (1798). Antropologia de um ponto de vista pragmático. Tradução de Clélia Aparecida Martins. São Paulo: Iluminuras, 2006.

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PEREIRA JÚNIOR, A.; VINÍCIUS, V. J. de. Fundamentos e aplicações da Sentiômica: a ciência da capacidade de sentir. Work in Progress. 2023. (Versão manuscrita).

SILVA, M. M. da. A Psicanálise como Abertura à Metafísica Pós-Moderna. Observações preliminares em torno da apropriação ontológico-relacional da psicanálise lacaniana pela metafísica pós-moderna de Christos Yannaras. In: COLÓQUIO ONTOLOGIA E PSICANÁLISE, 2017, Campinas. Caderno de resumos. Campinas: IBPW, 2017, v. 1, p. 52-53.

SILVA, M. M. da. Pensar em imagens, pensar no Abrangente. Introdução ao pensar na pós-modernidade, ao pensar do Abrangente, ao pensar pré-consciente. Eleuthería, v. 4, p. 112, 2019.

YANNARAS, C. (1993). Postmodern Metaphysics. Translated by Norman Russel. Massachusetts: Holy Cross Orthodox Press, 2004.

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Recebido: 05/03/2023

Aprovado: 10/03/2023

1 Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, (Unicentro), Guarapuava, PR – Brasil. Psicanalista, Analista Membro da Escola, AME, membro fundador e Coordenador Geral da Sociedade Brasileira de Daseinspsicanálise – Instituto de Daseinspsicanálise (SBDp-ID). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1108-0280. E-mail: immanuelmoreyra@gmail.com.

2 Este comentário tem por objeto a primeira versão (ainda manuscrita) do referido artigo, portanto, sem as modificações incorporadas na versão publicada.

3 O acréscimo em colchetes é do autor deste artigo.