perverso, insidioso, obstinado, teimoso, de uma questão responsável por arruinar, levando
inclusive à morte, muitas existências; de uma questão responsável por toda uma história de
horror, no que concerne ao fantasma do “verdadeiro sexo”.
Mesmo que atualmente se possa reconhecer – para alguns, ainda com muita dificuldade
– a possibilidade de um indivíduo adotar um sexo livre das determinações biológicas, ainda que
as pessoas estejam mais abertas às afetividades e aos corpos dissidentes que transgridem as
normalizações de gênero, parece que ainda hoje a questão “do verdadeiro sexo” não deixou de
nos compor. Nesse sentido, a “vontade de saber” debruçada insistentemente sobre a verdade do
sexo não cessou de reatualizar os fantasmas e as fantasias mais monstruosas que se esconderiam
sob nossos, até então, insuspeitos e fortuitos prazeres.
Uma vontade de saber que, de certo modo, foi e continua sendo responsável em fazer
recair sobre os corpos dissidentes os piores olhares, identificando-se neles algo de errado, de
nebuloso, de doentio, de desconcertante e de “anormal”. Nas próprias palavras de Foucault, é
como se do sexo despontasse “[...] a ameaça do mal; o fragmento da noite que cada qual traz
consigo.” (FOUCAULT, 1988, p. 79).
Por todas essas artimanhas da vontade de saber do verdadeiro sexo, Foucault parece
identificar que, diante disso tudo, uma peça incontornável nos teria sido pregada, a saber: as
existências humanas, suas dores e delícias, passariam a ser tributárias de uma verdade
constituída paulatinamente. Estando às voltas com essa “peça” que nos fora pregada, Foucault,
na entrevista Sobre a história da Sexualidade (FOUCAULT, 2011, p. 243-276), acentua o papel
social e político do que designou como “dispositivo da sexualidade”, dispositivo ocupado não
apenas no controle, mas na produção de subjetividades.
Sobre isso, comenta Maria Rita César, no artigo “O dispositivo da sexualidade ontem e
hoje: sobre a constituição dos sujeitos da anomalia sexual”:
A nominação e classificação dos sujeitos da sexualidade se deu a partir de uma
engenharia conceitual e institucional que escrutinou os corpos e descreveu
minuciosamente práticas sexuais, hierarquizando a ambos entre normais ou anormais.
Numa palavra, uma vez constituído o dispositivo histórico da sexualidade, o sexo
(com seus misteriosos desejos, com sua fisiologia complexa, com suas aberrações
assustadoras) se tornou uma instância privilegiada de determinação da verdade mais
íntima dos sujeitos e de sua classificação enquanto pertencentes à classe das anomalias
ou da normalidade, separando-se os indivíduos e as populações entre os que
constituem perigos a serem socialmente disciplinados, vigiados, castigados e os que
fornecem o parâmetro para as boas sociabilizações. (CÉSAR, 2017, p. 244).
Desse modo, pelas engrenagens capciosas desse dispositivo que até hoje parecem se
operar, apesar de sua dinâmica de poder se infiltrar em diversos espaços, dada toda sua
complexidade heterogênea, “[...] não somente de textos, mas de imagens e práticas; não