COMENTÁRIO A “CONSTELAÇÃO, PARATAXE E ENSAIO: OS ARCANOS DO PENSAMENTO DA NÃO IDENTIDADE”
Referência do artigo comentado: França, Fabiano Leite. Constelação, parataxe e ensaio: os arcanos do pensamento da não identidade. Trans/Form/Ação: Revista de Filosofia da Unesp. v. 45, n. 4, p. 33-54, 2022.
O objetivo do texto de França (2022), intitulado “Constelação, parataxe e ensaio: os arcanos do pensamento da não identidade”, é compreender como Theodor W. Adorno tem um modelo de pensamento próprio e a importância de pensar a realidade, não mais com categorias fechadas e absolutas, mas articulando a relação entre o não idêntico e o movimento do conceito às três categorias (constelação, parataxe e ensaio). Adorno introduz e conduz o leitor a uma tensão dialética e a uma articulação permanente entre pensamento filosófico e a realidade, para além do itinerário habitual com o qual se é acostumado a interagir e se confrontar. Por isso, o conceito está em relação e em mediação ao não conceitual, voltado para o não idêntico, caráter constitutivo de um pensamento crítico e de uma filosofia que não se submete à identidade da totalidade.
É recorrente que a potência dialética emerge na experiência da alteridade que o pensamento do não idêntico – força com elemento constituinte de sua relação em uma tensão dialética permanente – postula numa integração não violenta, mas integradora entre o real, o mundo e a possibilidade de ser alcançável frente o inatingível. O conceito possui seu momento de irracionalidade, ausência de consciência, perda da identidade própria e da identificação da realidade. O nervo vital da dialética negativa não está nos objetos apreendidos e classificados por um sistema lógico de conceitos, livre de quaisquer contradições ou formas racionais, contudo, em contrapartida, o telos da filosofia, o aberto e não coberto é antissistemático quanto a sua liberdade de interpretar fenômenos com os quais ela se confronta desarmada, em que a sua liberdade está em ser heterogêneo enquanto sistema, interpretação da realidade e na sua experiência de relação não consciente, de não identidade irreconciliável com a objetividade do mundo.
Nesse sentido, pensar A filosofia como exercício de abertura ao não-idêntico é acompanhar o itinerário filosófico de Adorno e perceber a atualidade e a potencialidade do pensamento crítico que se constitui de modo dinâmico e aberto, em seus múltiplos contextos. Ademais, pretende-se aprofundar a crítica filosófica de Adorno, assegurando que seu pensamento é de suma importância para se entender e fazer uma (re)leitura da realidade contemporânea, enfocando o papel importante que a filosofia possui, em seu modo próprio de pensar o mundo e os conceitos, sem ter a pretensão abarcadora e última da verdade. Dessa forma, é no desencantamento do conceito que se preserva a heterogeneidade da realidade. O conceito não esgota a realidade em si, mas está em permanente processo de contradição. Por conseguinte, a crise do idealismo está relacionada à sua pretensão filosófica, isto é, à busca de compreender a totalidade, por intermédio do conceito.
Essa crítica também se endereça àqueles pensadores ou correntes filosóficas que procuraram recuperar o conteúdo, a partir de categorias lógicas, com rigor e propriedade, vinculando o progresso filosófico ao das ciências e à corrente filosófica do naturalismo, o qual nada mais é do que expressão e julgamento psicológico, em função de um irracionalismo orientado. A crítica de Adorno é direcionada à filosofia ocidental, de maneira ímpar a Hegel e Marx, que buscaram construir e fundamentar seus pensamentos com base em um sistema no qual qualquer argumentação, por mais fundamentada que seja, encontra dificuldades de estabelecer uma relação de liberdade com a realidade. Adorno reconhece os limites do pensamento filosófico na busca do conhecimento e sua pretensão de reler a realidade e interpretá-la, de modo desvinculado do sistema.
Por fim, a tarefa árdua da filosofia consiste no esforço crítico para pensar sobre as feridas que são fruto de uma racionalidade instrumentalizada e os mecanismos velados e subjacentes às ideologias, que definem as variadas formas de alienação e de aniquilação da vida. Nessa perspectiva, aborda-se a vida, embora consciente de sua complexidade conceitual, suas implicações e significações, no panorama atual de danificação e barbarização. Outrossim, cabe tecer uma reflexão crítica capaz de resistir a esse déficit emancipatório que a racionalidade instrumentalizada impõe e determina à realidade, em suas variadas compreensões. Isso não é uma tarefa fácil.
Frente ao exposto, percebe-se a importância de um pensamento crítico que compreende a realidade em sua não identidade, em que o não idêntico potencializa um conhecimento em sua constelação. No exercício do filosofar é que se faz a experiência do encontro entre a realidade e o pensamento, as formas diversas de conhecer o mundo e seus diversos desdobramentos de possibilidades sui generis. Mas essa relação não se fundamenta num abandono do conceito.
Referência
França, Fabiano Leite. Constelação, parataxe e ensaio: os arcanos do pensamento da não identidade. Trans/Form/Ação: Revista de Filosofia da Unesp. v. 45, n. 4, p. 33-54, 2022.
Recebido: 21/07/2022
Aceito: 07/08/2022
[1] Pós-Doutorado em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo – Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9026-0644 E-mail: olmaro2017@gmail.com.