Embora haja controvérsia entre os estudiosos de Sexto, a interpretação mais plausível, a
meu ver, sustenta que o fenômeno (o que aparece) não é uma mera entidade mental,
contudo, é o objeto que aparece. Se isso for correto, pode-se dizer que, assim como o mel
aparece doce, uma maçã aparece vermelha.
Com relação à parte física, convém lembrar que Sexto investiga o que está nas
doutrinas dogmáticas, e são estas que definem os tópicos a serem investigados, não o
cético. Nesse sentido, quem exclui as cores como um assunto privilegiado a ser
investigado pela filosofia é o dogmático, não o cético. A nenhum momento vemos Sexto
traçar alguma distinção entre tipos de qualidades dos objetos, tal como estamos discutindo
aqui, ou tratar as cores e outras qualidades de modo diferente das assim chamadas
qualidades primárias. Seguindo os dogmáticos, Sexto ordena sua investigação de outra
maneira, em torno de noções como princípios ativos e passivos, corpóreos e incorpóreos.
Tudo leva a crer que essa distinção entre qualidades primárias e secundárias é, a seu ver,
uma distinção dogmática, cujo representante na Antiguidade é o dogmatismo atomista de
Demócrito. Essa é, portanto, uma distinção de um dogmatismo particular, não uma
distinção relevante (naquele contexto) para ordenar uma investigação geral sobre a parte
física da filosofia. O cético pirrônico faz um ataque metódico ao dogmatismo, não se
preocupando, em geral, com doutrinas dogmáticas particulares (2000, 2.21, 2012, 1-3).
Os céticos modernos viram-se confrontados com a distinção entre qualidades
primárias e qualidades secundárias como um tópico central da filosofia moderna. Hume
chega mesmo a dizer que “[...] o princípio fundamental dessa filosofia é a opinião a
respeito das cores, sons, sabores, aromas, calor e frio, os quais afirma serem apenas
impressões na mente, derivadas das operações dos objetos externos e sem qualquer
semelhança com as qualidades dos objetos.” (2004, 1.4.4.3). Após referir-se à
importância de Gassendi na retomada do ceticismo antigo, Bayle deixa esse ponto muito
claro: “Hoje, a nova filosofia tem uma linguagem mais positiva: o calor, o odor, as cores
etc. não estão nos objetos de nossos sentidos, são modificações de minha alma, sei que os
corpos não são como me parecem.” (2005, “Pirro”, B).
Como essa distinção foi empregada por diversos filósofos, para sustentar uma
visão dogmática da realidade, a saber, que os objetos físicos seriam essencialmente
extensos e suas propriedades (forma, movimento etc.) poderiam ser matematizadas, os
céticos modernos trataram de atacar essa distinção:
[...] gostar-se-ia de excluir a extensão e o movimento, mas não se pode, pois,
se os objetos dos sentidos nos parecem coloridos, quentes, frios, cheirosos,
embora não o sejam, por que não poderiam parecer extensos e figurados, em