Como não haveria realidade moral, portanto também não haveria valores básicos.
Se não há valores básicos, não há uma concepção objetivista da política que a funde num
certo valor. Assim, o que pode haver é apenas o interesse de cada um. Assim, creio que
em nossa visão de mundo, a fundamentação do Estado e da política poderia se dar bastante
adequadamente em termos de auto-interesse racional. Queremos a política, pois não
queremos ser dominados por outras pessoas e porque queremos sair desse estado de
perigo e de medo, que parece ser natural a um grupo de pessoas não organizado, pensando
hobesianamente. Uma sociedade que politicamente justifique nosso autointeresse,
levando em consideração uma tentativa de paz entre as diversas concepções morais, é
uma sociedade aonde as diversas concepções de bem não são restritas umas pelas outras,
i.e., são todas razoáveis (no estilo de RAWLS, 2001, e CID, 2010, In: MACIEL et al,
2020, p. 65-96), ou, ao menos, obrigadas a serem razoáveis pelo leviatã, dado que se não
forem, serão punidas pela violência que cometem. Apenas vale a pena racionalmente
entrar num Estado quando ele não é mínimo e nem máximo, e quando ele leva em
consideração o interesse dos mais fracos e dos mais fortes (por favor, leia CID, 2020a,
para uma justificação mais completa dessa concepção política, que faz a razoabilidade
fazer parte do nosso interesse racional).
Mas qual a forma política que deveríamos seguir? Isso é difícil, mas as pessoas se
reúnem numa sociedade, pois, além de escapar do estado de natureza social, querem viver
bem, com tranquilidade e, na medida do possível, com uma ampliação progressiva da sua
qualidade de vida (i.e., o desenvolvimento), medida em termos de uma ampliação
progressiva do conjunto capacitatório das pessoas (conjunto de capacidades para realizar
funcionamentos que temos razões para realizar – para uma melhor compreensão dos
termos técnicos, ver o trabalho de SEN, 2000 e 2001). Assim, só uma sociedade
preocupada com o aumento da qualidade de vida é uma sociedade política que realmente
satisfaz o nosso autointeresse, por evitar as inseguranças sociais, econômicas e políticas,
com mecanismos de prevenção de desastres nessas áreas (SEN, 2000a, 2001a; CID,
2020a). Isso é importante, pois é do nosso autointeresse ter uma sociedade que se afaste
do estado de natureza em qualquer uma dessas áreas. Portanto, ainda que nossa ética seja
ontologicamente antirrealista e de prática moral expressivista, tentamos fundar a política
não numa ética realista, a qual não temos, mas no autointeresse e contratualismo, que
prescinde de uma realidade moral. Sabemos que talvez nossa concepção política seja a
mais frágil desse texto, pois não está claro o caminho do auto-interesse racional. Há ainda
muito que se discutir, para que tenhamos uma visão de mundo completa e sistemática.