O PERSPECTIVISMO NEUTRO E A FUNÇÃO BIOLÓGICA DE EXPERIÊNCIAS FENOMÊNICAS1


Sofia Inês Albornoz Stein2


Resumo: Neste artigo, argumenta-se em favor de uma posição acerca da natureza da mente humana que não é um fisicalismo reducionista e nem tampouco qualquer tipo de dualismo, seja de substância, seja de propriedade. Sustenta-se o perspectivismo neutro, inspirado no monismo neutro, de teor cientificista e materialista, que permite incluir experiências fenomênicas conscientes como parte de cadeias causais de processos perceptivos, emocionais, cognitivos e deliberativos. Embora não existam ainda teorias, leis e dados que possibilitem uma decisão final sobre qual o papel das experiências fenomênicas conscientes em processos físico-químicos do corpo, evidências coletadas, nas últimas décadas, não apenas fortalecem nossa crença na correlação entre eventos físico-químicos e experiências qualitativas conscientes como também aumentam o número de razões em favor da tese de que essas experiências realmente têm um papel funcional importante nos processos de coleta e uso de informações pelo organismo.


Palavras-chave: Perspectivismo neutro. Experiências fenomênicas conscientes. Teorias da percepção. Biologia evolucionista. Neurociências.



1 Um pouco de história: do empirismo ao perspectivismo neutro

Durante o século XX e ainda neste início de século XXI, os filósofos estiveram muito ocupados refletindo acerca da questão do significado linguístico. Isso influenciou inclusive a decisão por métodos filosóficos mais criteriosos, pois não só havia, entre analíticos e filósofos da ciência, uma preocupação com critérios de significado e de verdade para afirmações científicas, como uma atenção especial foi dada às asserções da própria filosofia. Como avaliar quais são significativas e quais são, além do mais, verdadeiras? A semântica foi decisiva para o desenvolvimento de uma nova epistemologia, no final do século XX, e para o surgimento de uma nova filosofia da mente, em meados do século. Ambas levavam em conta que juízos de conhecimento são expressos gramaticalmente e fazem parte de contextos linguísticos permeados por aspectos pragmáticos. Na filosofia da mente, passou a ser relevante pensar como (por qual método teórico ou empírico) alcançar asserções sobre a mente própria e alheia e de que forma justificar as asserções alcançadas.

Enquanto essas áreas da filosofia se desenvolviam de modo renovado, as ciências exatas, como a ciência da computação e a inteligência artificial, davam passos largos na direção de uma maior compreensão dos processos de pensamento computacionais de máquinas e humanos. E a essas se somavam as ciências naturais e empíricas, as quais examinavam o sistema neurológico e psicológico do ser humano. A neurologia, a psicologia do desenvolvimento e a genética, com seus métodos de observação e instrumentos de investigação, permitiram fazer o que nunca antes ocorrera: determinar princípios do desenvolvimento funcional e cognitivo de seres humanos e, concomitantemente, observar processos fisiológicos que os acompanham. Desde o final do século XX até os dias atuais, ciências cognitivas e neurociências — áreas de pesquisa por natureza multidisciplinares, nas quais a neurologia e a psicologia encontraram um lugar privilegiado — influenciam as renovações teóricas de quase todas as áreas do conhecimento. Não à toa, o século XXI foi chamado de século do cérebro.

Filósofos, principalmente na segunda metade do último século, passaram a integrar equipes de investigação que se propunham descobrir os padrões da percepção e da cognição humanas, durante a ontogênese. A proposta de naturalização da própria filosofia da mente se deu, em muitos casos, em cursos de ciências cognitivas, embora até hoje tenhamos presente o debate entre aprioristas e naturalistas a respeito de qual método os filósofos deveriam utilizar: o de poltrona ou o de jaleco?

Será que o problema da causação mente-corpo poderia ser resolvido por meio de análises conceituais? A metafísica acerca do mental continua vigente em muitos âmbitos, e as análises detalhadas sobre possíveis maneiras de explicar a relação entre eventos chamados de mentais e eventos chamados de físicos continua. Muitas teorias sobre a mente convivem no ambiente filosófico e das ciências, em geral. Dois fatos são inquestionáveis: até hoje não foi possível elaborar uma linguagem que dispensasse predicados mentalistas ou psicologistas e tampouco se pode negar a existência de duas perspectivas do mental, a de primeira pessoa e a de terceira pessoa. Por isso, é plausível sustentar, sob influência do monismo neutro do início do século XX, um perspectivismo neutro, que não se posiciona metafisicamente sobre a substância última do que é chamado de mental ou do que são as propriedades mentais. Todavia, é factível afirmar que o mental seja parte do mundo investigado pelas ciências e seja algo contido nas cadeias causais explicadas pelas leis utilizadas por cientistas.

Muito foi dito e debatido sobre os qualia das vivências de primeira pessoa, isto é, sobre as experiências qualitativas conscientes apenas detectáveis pelo indivíduo que as tem. Essas experiências se tornaram justificativas para visões metafísicas, que as colocam em um âmbito da realidade distinto de todos os outros fenômenos investigados pelas ciências. Uma forte razão para a multiplicação das argumentações filosóficas metafísicas é que pensadores não acatam a limitação de qualquer investigação científica humana, incluindo a investigação a propósito da mente. Eu, ao contrário, pressuponho que Kant (1983 [1781, 1787]) tivesse razão, ao asseverar que a matéria do conhecimento empírico são os fenômenos que nos alcançam pela sensibilidade e não a coisa em si.3 É, principalmente, a pretensão de conhecer a natureza última da mente que leva à defesa de teorias metafísicas sobre fenômenos mentais e que os retira do escopo dos objetos da ciência.

O perspectivismo neutro que proponho resolve vários dos problemas filosóficos gerados pela “lacuna explicativa” entre o relato de primeira pessoa e o de terceira pessoa, afirmando que existe apenas uma mudança de perspectiva entre esses relatos e não de substância ou de propriedade do objeto relatado. Mesmo assim, se considerarmos como exemplo a apreciação estética individual de um quadro impressionista, como o Jardim em Giverny, de Claude Monet, o mais difícil de um ponto de vista filosófico, inclusive do ponto de vista do perspectivismo neutro (o qual leva em conta conhecimentos científicos acerca da percepção), seria chegar a um acordo sobre o papel causal da experiência estética consciente no processo perceptivo, emotivo, cognitivo e deliberativo. Seria a experiência um mero epifenômeno, sem qualquer poder causal? Ou deveríamos supor sua intervenção no processo cognitivo, como parte da cadeia que vai do reflexo da luz no quadro à incidência de luz na retina, até a formação da imagem na mente e de sua interpretação e utilização?

Visões materialistas conseguem muitas evidências a favor de uma autonomia dos processos físico-químicos corpóreos em relação à experiência consciente, o que desembocaria em uma visão eliminativista. Porém, também existem evidências a favor de se considerar a experiência consciente como, ela própria, um processo físico-químico, o qual participaria da cadeia causal como um todo.

Uma maneira inicial de desafiar visões metafísicas é argumentar a favor das vantagens que uma ciência da mente ou do mental pode trazer às pesquisas sobre fenômenos psicológicos humanos e às suas aplicações terapêuticas ou cotidianas. Ou seja, seriam critérios pragmáticos metacientíficos que norteariam, em última instância, a nossa posição filosófica sobre a natureza da mente. Além disso, outra chave da questão me parece ser mostrar, de um ponto de vista científico, qual seria a utilidade desse processo qualitativo consciente para a percepção, a emoção ou a cognição. Uma resposta quase evidente seria dizer que experiências qualitativas conscientes, tais como imagens, são algo primordial para relembrar representações memorizadas. Como poderíamos relembrar a imagem e as impressões deixadas por ela, em nossa mente, sem a elaboração consciente dessa imagem? A imagem, pois, poderia ser vista como um alias do objeto, da pintura, e isso explicaria sua função biológica.

O perspectivismo neutro é uma teoria sobre a mente humana que sustenta as seguintes afirmações:

  1. A realidade é uma só.

  2. A ciência é capaz de investigar fenômenos que denominamos mentais e de estabelecer leis ou princípios que se aplicam a eles.

  3. Eventos mentais podem ser observados ou vivenciados desde mais de uma perspectiva, assim como acontece com outros eventos investigados pelas ciências.

  4. A neutralidade do perspectivismo neutro reside em não precisarmos determinar exatamente a natureza última de eventos mentais, desde que logremos explicá-los, ou seja, incluí-los em cadeias causais abarcadas pelas leis científicas usadas.

  5. Ainda está por ser decidido se as experiências qualitativas fenomênicas de primeira pessoa são apenas um efeito residual de processos físico-químicos ou parte da cadeia causal perceptiva, emocional, cognitiva, deliberativa e de ação do ser humano. Talvez algumas dessas experiências sejam residuais e algumas sejam parte necessária de cadeias causais.


2 A representação mental na filosofia e na biologia

Nas últimas décadas, um dos debates centrais na filosofia da mente foi o debate sobre a existência ou não de representações, durante processos de cognição do mundo à volta. Nelson Goodman (1990 [1978]), Richard Rorty (1979), Humberto Maturana (2001 [1992]) e Francisco Varela (2001 [1992], 1993) e muitos outros pensadores conseguiram evidenciar, nas últimas décadas, que havia uma ingenuidade fundamental em nossa visão dos conteúdos da cognição como espécies de espelhos da natureza. Embora o realismo nas artes tenha sido superado já no início do século XX — sendo o Impressionismo um dos fenômenos artísticos que demonstram essa superação —, e na filosofia tenhamos lidado com visões relativistas em relação a descrições da realidade, manteve-se, inclusive como referência dos debates, a ideia de que, pelo menos a percepção permitia a formação de imagens fidedignas da realidade. Mesmo pontos de vista relativistas, como os de Goodman ou Rorty, não questionaram a formação de imagens perceptivas iniciais, no processo de cognição. O que foi, sim, questionado foi a interpretação dessas imagens.

Os conhecimentos recebidos da biologia evolucionista, da fisiologia e da neurologia, gradativamente, revelaram a ilusão presente na visão ingênua de que os sistemas perceptivos, com seus complexos processos fisiológicos, tinham como resultado uma reprodução quase perfeita do mundo exterior. Embora a modernidade, em especial por meio das obras dos empiristas britânicos e do idealismo alemão, tenha debatido longamente a possibilidade de uma representação mental fidedigna e verdadeira do mundo externo, seguindo as discussões iniciadas na antiguidade grega, qualquer posição que ambicionasse a justificação da verdade de afirmações cotidianas ou científicas tinha de aceitar que, apesar de toda dificuldade existente no acesso ao mundo externo, no final, a representação mental seria uma espécie de reprodução desse mundo.

A mediação entre inputs sensórios e outputs judicativos sempre se mostrou complexa nas explicações dos empiristas e idealistas. Entretanto, embora inclusive o princípio de causalidade tivesse sua correspondência com a realidade externa questionada, o caráter representacional de juízos não chegava a ser disputado. Até hoje, mantém-se, nas teorias da percepção e da representação, a interrogação sobre qual seria, afinal, o momento no qual, durante o processo cognitivo, temos uma representação mental mais fidedigna da realidade externa. Seria durante a formação de imagens ou de vivências multissensoriais? Ou seria no momento da formação de juízos conceituais acerca dessas vivências? Qual o papel dos conceitos na nossa “reprodução” da realidade?

A essas reflexões foi acrescentado, principalmente ao final do século XX, por meio de uma naturalização forte da filosofia — a qual foi bem além da naturalização iniciada por David Hume (1980 [1748]) —, o conhecimento adquirido de que nossos sistemas perceptivos naturalmente, por meio de processos evolutivos e ontogenéticos, recebem, codificam e utilizam informações e permitem ao sistema nervoso responder a essas informações, sem a necessidade constante de criar imagens ou reproduções do meio circundante. As descobertas das ciências naturais, portanto, fortaleceram a afirmação de que, ao fim e ao cabo, “interpretamos” a realidade. Todavia, o evolucionismo embutido no novo naturalismo do século XX contém também um novo pragmatismo: sistemas orgânicos têm como objetivo principal a sobrevivência, logo, todos os sistemas perceptivos e suas informações, embora não necessariamente representacionais, precisam prover o organismo com informações necessárias à manutenção da vida. Ou seja, essa necessidade seria o limite do relativismo.


3 Um exemplo: a correlação entre as experiências de cores e os processos físicos

Como afirmamos anteriormente, interessa-nos investigar se experiências qualitativas conscientes são partes necessárias das cadeias causais perceptivas e cognitivas ou se seriam apenas subprodutos dessas cadeias causais. Seria possível identificar utilidades indispensáveis dessas experiências? Tal qual mencionado, aparentemente o processo de memorização necessita de representações que chamamos de experiências qualitativas conscientes. Lendo Jesse Prinz (2004) e Andy Clark (1998), embora nem sempre estejam discutindo a existência dos qualia, fica claro que representações auxiliam nos processos de reidentificação de objetos de uma determinada categoria, assim como nos raciocínios que envolvem o “relembrar” de objetos e de suas relações em eventos.

Byrne e Hilbert (2003), ao avaliarem possíveis teorias acerca da percepção visual, auxiliam a pensar sobre todo o processo perceptivo, sobre suas causas e sobre seus resultados. Se, nesse processo, conseguimos identificar as experiências qualitativas conscientes, será que elas seriam parte do processo causal ou meros epifenômenos (quase-ilusões)? Acreditamos que o perspectivismo neutro que sustentamos tenha razão em não pensar essas experiências como algo ontologicamente diferente dos restantes eventos investigados pelas ciências, e que a “entificação não fisicalista” dessas experiências seja um passo em falso no raciocínio filosófico, assim como seria um passo em falso a consideração de que propriedades mentais sejam algo essencialmente diferente de outras propriedades investigadas pelas ciências.

Seguindo as análises de Byrne e Hilbert, aparte de teorias que incluiriam os qualia, teríamos algumas opções teóricas relativas a como entender o que são as cores, enquanto parte daquilo que consideramos ser o processo perceptivo visual. Levarei em conta aqui duas das opções que os autores apresentam, alternativas às teorias que aceitam os qualia, relativas à natureza das cores. A primeira seria o eliminativismo, isto é, seria negar existência às cores, o que equivaleria a tomar as experiências qualitativas de cores como epifenômenos. O eliminativismo se traduz ou a) num projetivismo, o qual nega existência física às cores e afirma que nem mesmo no cérebro ou na mente cores existem, pois, embora sejam propriedades psicológicas de nossas experiências visuais, nem sensações nem experiências visuais são coloridas, ou b) numa teoria da refletância que encontra, entre as causas de experiências visuais de cores, propriedades microfísicas de superfícies, porém, que nega a existência de cores no mundo físico.

Um dos principais problemas do eliminativismo seria o fato de se poder criar uma correspondência entre os índices de refletância de superfícies e as experiências psicológicos de cores, o que indica uma cadeia causal entre a superfície e os conteúdos mentais que não pode ser ignorada cientificamente. Uma segunda alternativa seria o fisicalismo que identifica cores à refletância ela própria ou a propriedades microfísicas. O fisicalismo não consegue explicar a estrutura fenomêmica do espaço de cores, nem como as cores aparecem a nós ou por que as experiências de cores variam, dada uma mesma superfície.

Sem entrar aqui na solução relacional apresentada por Byrne e Hilbert, é importante salientar que a naturalização das investigações filosóficas a respeito da percepção, de seus conteúdos e de como esses se “transformam” internamente em conhecimento — muitas vezes conceitual —, exige, hoje, a admissão de que a investigação sobre as cores passa pela investigação de causas físicas desse fenômeno, sem ignorar, em nenhum momento, as experiências perceptivas. E, mesmo assim, não é necessário separar ontologicamente processos físicos de processos psicológicos.

Embora seja inegável uma primazia epistemológica de primeira pessoa em relação às experiências de cores, está provada empiricamente a correlação entre fenômenos físicos de superfícies ou de ondas luminosas e essas experiências. Por isso, todas as variadas pesquisas sobre cores, nas ciências cognitivas, sobre espaço de cores (que analisa relações de similaridade entre cores), sobre variações em cores percebidas de uma pessoa a outra ou em momentos diversos da percepção individual, sobre a constância na percepção de cores (a qual exige correção psicológica de inputs sensoriais), sobre o fenômeno do espectro invertido, entre outras, nunca utilizam apenas detecção de propriedades físicas de objetos ou ondas. Os relatos ou reações de primeira pessoa são sempre requisitados, a fim de relacionar propriedades físicas observadas a experiências psicológicas relatadas.

Obviamente, hoje temos, além disso, a possibilidade de produzir gráficos ou imagens das ativações neuronais que acompanham as experiências qualitativas conscientes. Como Rebecca Saxe e Kevin Pelphrey (2009) deixam claro, os avanços neurocientíficos e instrumentais das últimas décadas permitem estabelecer, de forma cada vez mais precisa, as correlações entre funções biológicas (corpóreas e psicológicas) e ativações neuronais.

Figura 1 – Anomalias semânticas

Gravação de mapa topográfico de N400 Effect (ERP negativo a 400 ms) de experimento envolvendo anomalias semânticas em testes de eprime, com software Netstation, replicando metodologia de KUTAS et al. (1980), no Laboratório de Filosofia Experimental e Estudos da Cognição (LABFIC, Unisinos, 2015).

Fonte: PERERA (2017).


Isso significa que podemos dispensar os relatos de primeira pessoa? Hoje não podemos responder positivamente a essa questão, pois os dados coletados nas neurociências não são, obviamente, suficientes para “ler a mente” alheia de sorte a um terceiro relatar suas experiências fenomênicas. Mas não é impensável a interpretação científica, anatômica, funcional e computacional de ativações neuronais que torne possível um relato de terceira pessoa de, pelo menos, algumas das experiências de primeira pessoa (cf. KIMBERLEY, 2018).

A seguir, demonstrarei que o perspectivismo neutro não precisa nem sustentar um dualismo de propriedades que aceita a possibilidade de correlacionarmos ativações neuronais a experiências fenomêmicas (cf. CHALMERS, 2010), nem um redutivismo fisicalista, que mantém as experiências fenomênicas de primeira pessoa apenas como um subproduto de relações físico-químicas ou fisiológicas. Se expandirmos a visão dos processos perceptivos e cognitivos, pensando o corpo humano (no qual temos o sistema nervoso como parte) enquanto incluído em sistemas dinâmicos naturais mais abrangentes, torna-se mais fácil interrogar tanto acerca da função biológica da consciência fenomênica privada quanto acerca de sua possível dispensabilidade na cadeia causal natural.


4 As bases biológicas da mente: experiências conscientes são parte de processos naturais

Nós e outros animais temos predisposições inatas, que não sabemos ainda exatamente quais são e como funcionam. Por exemplo: i. Nós separamos naturalmente, inatamente, a refletância de superfícies da iluminação de cantos e limites, como as sombras que incidem sobre objetos. ii. Nós corrigimos as linhas de perspectiva resultantes de nosso sistema visual. Em vez de ver um triângulo, vemos um caminho e duas paredes simétricas (percepção de Canal Aberto).

De modo similar, hoje sabemos que conseguimos simular os conteúdos mentais alheios em sentido amplo. Temos neurônios-espelho que, ao verem outros seres humanos — assim como outros animais, especialmente mamíferos — agirem ou se emocionarem, em contextos determinados, simulam suas emoções ou sensações:

A descoberta, no início de 1990, de MNs [neurônios-espelho] no cérebro de macacos […] e a subsequente descoberta de mecanismos-espelho (MMs) no cérebro humano (ver Gallese et al. 2004b; Rizzolatti e Sinigaglia 2010) demonstram que uma modalidade direta de acesso ao significado do comportamento alheio está disponível, uma modalidade que é diferente da atribuição explícita de atitudes proposicionais. (GALLESE, 2016, p. 301, tradução nossa).


Se sairmos da filosofia da mente em sentido estrito e formos na direção das ciências cognitivas e da biologia evolucionista, encontramos a hipótese do cérebro social de Robin Dunbar (1998). A hipótese do cérebro social afirma que “[...] restrições no tamanho do grupo surgem da capacidade de processamento de informações do cérebro dos primatas, e que o neocórtex desempenha um papel importante nisso.” (DUNBAR, 1998, p. 184). Porém, segundo Dunbar, essa afirmação pode ser interpretada de várias maneiras, quando tentamos encontrar evidências para ela. Ou seja, quais seriam exatamente as capacidades de processamento de informação do neocórtex que restringiriam o tamanho do grupo, se não estivessem presentes? Dunbar elabora uma possível lista dessas capacidades: 1. Capacidade de reconhecer e interpretar sinais visuais que permitem identificar indivíduos e seus comportamentos; 2. Capacidade de memorizar faces; 3. Capacidade de lembrar quais são as relações diádicas presentes no grupo (quem se relaciona com quem); 4. Capacidade de pensar sobre essas relações diádicas; 5. Capacidade de processar informações emocionais, em especial a capacidade de reconhecer os estados emocionais alheios e de ser capaz de agir de acordo com esses (DUNBAR, 1998, p. 184).

Precisamos, portanto, por exemplo, reconhecer faces e expressões faciais (Onde os olhos estão focados? A testa está franzida?), para sermos capazes de distinguir entre parentes, amigos, ameaças, possíveis agressores ou emoções variadas que nos informam sobre o que podemos fazer para auxiliar, para cooperar (Devemos ajudar a carregar? Devemos abrir uma porta?). O reconhecimento de faces é necessário para ser possível a convivência social. Por meio do reconhecimento de faces e da identificação das relações diádicas, conseguimos responder: Quem acompanha quem? Quem precisa de auxílio? Quem está só? Quais estão em perigo? Com quais devo colaborar? Quais são os grupos com os quais desejo ou preciso interagir? O reconhecimento de faces, entre outras capacidades sociais inatas, exige uma complexidade neurológica imensa, milhões de sinapses ocorrendo simultaneamente.

As interações sociais múltiplas às quais alude Dunbar podem ser consideradas, usando a terminologia de Maturana e Varela (2001 [1992]), “acoplamentos estruturais não-destrutivos.” O jogo de interações produz “transformações internas congruentes” dos sistemas operacionalmente independentes, durante a ontogênese. A evolução e a ampliação da “plasticidade estrutural” requerida para mais e mais transformações internas congruentes, que mantêm cooperações sociais cada vez mais complexas, podem ser explicadas, a posteriori, pelo conceito de “variações aleatórias”. Quer dizer, variações aleatórias em indivíduos, que facilitam transformações internas congruentes, podem propiciar a uma espécie a possibilidade de expandir interações sociais.

Concomitantemente, esses mecanismos relacionados às habilidades sociais, os quais evoluíram ao longo de alguns milhões de anos, incluem uma habilidade central, que é descrita pela “hipótese da inteligência maquiavélica original”. Essa hipótese, hoje já confirmada por inúmeros experimentos (cf. PERERA; STEIN, 2018), afirma que seres humanos são capazes de “ler a mente” alheia, isto é, são capazes de deduzir os pensamentos, verdadeiros ou falsos, de outros seres humanos. O adjetivo “maquiavélica” se deve à habilidade não apenas de deduzir o que outros estão pensando, a partir de seus comportamentos, porém, de ser capaz de induzir pensamentos falsos em outras pessoas. A chamada Teoria da Mente (ToM) seria a habilidade, que cada ser humano pode desenvolver durante a infância e que depende de determinações genéticas e da presença de regiões funcionais do cérebro, como a junção temporo-parietal direita (cf. SAXE; KANWISHER, 2003; SAXE; PELPHREY, 2009; YOUNG et al., 2010), de teorizar sobre os conteúdos das crenças alheias, quer verdadeiros, quer falsos (DUNBAR, 1998, p. 188).

Fora as capacidades inatas vinculadas à Teoria da Mente, temos capacidades que exigem aprendizado social mais intenso. Entre elas, a capacidade linguística de comunicação social, simbólica, informativa e cooperativa. Embora, realmente, como o exemplo das meninas-lobo evidencia, nossa linguagem dependa do aprendizado social, durante a ontogênese, para sermos capazes de exercer funções linguísticas de enunciação e compreensão, usando fonemas, morfemas e estruturas gramaticais sintáticas e semânticas, são também necessárias, simultaneamente, várias capacidades inatas neurológicas. Como Philip Lieberman (2006, (p. 201, tradução nossa) esclarece, nossas habilidades linguísticas complexas estão vinculadas a funções neurológicas de certas áreas do cérebro, incluindo áreas ligadas às funções motoras e perceptivas:

Muitas regiões diferentes do córtex, incluindo as áreas de Broca e Wernicke e estruturas subcorticais, desempenham um papel nos circuitos que fornecem tanto a habilidade humana linguística quanto a cognitiva. Os gânglios basais e outras estruturas subcorticais que tradicionalmente estavam associados ao controle motor são elementos-chave nesses circuitos neurais. (p. 131, tradução nossa) […] as estruturas neurais que “definem” o significado de uma palavra parecem ser aquelas relevantes na vida real. Estudos de neuroimagem mostram que, quando pensamos em uma palavra, os conceitos codificados pela palavra resultam na ativação dos mecanismos cerebrais concernentes aos atributos mundo-reais da palavra em questão. Por exemplo, os dados de PET (tomografia de emissão de pósitrons) de Martin et. al. (1995b) mostram que o córtex motor primário envolvido no controle motor manual é ativado quando pensamos o nome de uma ferramenta manual. Áreas corticais visuais primárias associadas à percepção de formas e cores são ativadas quando pensamos o nome de um animal.


Se levarmos em conta a Teoria da Mente psicológica e a hipótese do cérebro social biológica, e, ao mesmo tempo, refletirmos sobre como alcançar conhecimento científico das nossas disposições mentais, comportamentais e linguísticas, teremos, ao final, de conceder que, mesmo que sejamos capazes de identificar muitos processos fisiológicos e neurológicos específicos ligados aos nossos pensamentos gramaticalmente articulados, ainda existirá uma pluralidade possível de respostas corpóreas e de ação ligadas aos processos internos. A complexidade das relações do meio (input) com movimentos corpóreos (output), incluindo o acúmulo de informações memorizadas, impede de sustentarmos algo diferente de um pluralismo em relação às possíveis reações emocionais e cognitivas, diante de certos estímulos do meio. Todavia, embora tudo isso seja verdade, ainda assim, os experimentos atuais nas neurociências demonstram que alguns padrões de funções e reações fisiológicas, neurológicas e comportamentais básicas são compartilhados por todos de uma mesma espécie.

Ao descrevermos nossas habilidades naturais, muitas geneticamente determinadas, vemos que não é possível separar o mundo dos fenômenos mentais das explicações de eventos físicos. Não há explicação científica que prescinda da inclusão de eventos denominados mentais, e sua inclusão nas cadeias causais explicadas pelas novas neurociências é feita de forma muito natural, quase imperceptível, em certos contextos. Portanto, induzimos a uma ilusão, ao dizer que é difícil incluir experiências fenomênicas conscientes em explicações científicas “de terceira pessoa”. Elas nunca saíram do cenário das ciências. O temor metafísico é o de, ao confessar que elas são objetos científicos, retirar delas a aura na qual se quer mantê-las.


4.1 Simulações automáticas de experiências fenomênicas alheias

Ao refletirmos sobre o papel de experiências qualitativas conscientes, nos processos corpóreos, hoje temos que ter em vista as teorias da cognição corporificada (ou enativistas) que nos conduzem a uma visão na qual a consciência parece prescindível em muitos contextos cognitivos e de ação. Porém, ao mesmo tempo, essas mesmas teorias possibilitam,falar de como pessoas sentem o que outras sentem, de maneira quase-automática. Ou seja, embora o enativismo auxilie a explicar a cognição, sem a necessidade de explicar o que são ou o papel de experiências conscientes, ele permite explicar como experiências conscientes são compartilhadas entre seres humanos, sem instrumentos científicos. Logo, há, pelo menos, um duplo aspecto na descrição enativista das ações e reações humanas: a. Podemos observar seres humanos como reagindo ao meio, sem o uso necessário de representações conscientes; b. Entretanto, simultaneamente, o enativismo explica como seres humanos desenvolvem empatia e sentem o que outros sentem, isto é, conseguem simular estados mentais alheios.

Teorias da cognição corporificada, assim como as teorias mais recentes acerca dos neurônios-espelho e da cognição por simulação de estados mentais alheios, sustentam e apresentam evidências de que existe um terreno comum biofisiológico, o qual enseja aos seres humanos vivenciar os estados mentais dos outros, sem os conceitualizar previamente. Essa base comum tem como uma de suas principais partes, conforme Gallese (2004a), a capacidade de simular não apenas as ações alheias, mas também os estados mentais alheios, de uma forma imediata e automática, por meio de processos de simulação inconscientes e pré-reflexivos (simulação corporificada), sem a intervenção de pensamento racional e inferencial: “O que desejo enfatizar é que a cognição social não é somente ‘metacognição social’; isto é, pensar explicitamente acerca de conteúdos da mente de outra pessoa por meio de símbolos ou outras representações em formato proposicional.” (GALLESE, 2007, p. 659, tradução nossa).

Se existe tal mecanismo básico que permite a compreensão das ações e estados mentais alheios, sem a ocorrência de metarrepresentações de natureza proposicional, como muitos experimentos neurocientíficos estão confirmando (PULVERMÜLLER, 2010, 2013; CAROTA et al., 2012; TOMASELLO et al., 2017), é possível aceitar que a neurociência possa ajudar a explicar o papel dos estados mentais e da sua compreensão em interações intersubjetivas, sem precisar pressupor alguma referência linguística anterior a eles. Esse é um passo importante em direção a explicar a natureza da compreensão intersubjetiva de estados mentais sem pressuposições cognitivistas ou referencialistas, ou seja, sem pressupor uma referência precisa de expressões mentalistas ou psicológicas presentes em proposições significativas, as quais expressam conhecimento acerca de estados mentais.

De acordo com as teorias da cognição corporificada (cf. VARELA et al., 1993), reagimos aos aspectos do meio sem precisar representar conscientemente esses aspectos, e sem computar (calcular) em sentido lógico-racional consciente. “Argumentarei que a cognição social não tem de ser concebida exclusivamente como metacognição baseada no uso de atitudes proposicionais da psicologia popular.” (GALLESE, 2009b, p. 23, tradução nossa).4 Nós, naturalmente, temos empatia por outros seres humanos e animais – e isso define o que somos. Somos capazes de perceber e conhecer diretamente, sem a interferência de pensamentos proposicionais. Nossos pensamentos e seus conteúdos, isto é, nosso conhecimento acerca do mundo interno e externo ao nosso corpo, dependem não apenas do aprendizado de palavras significativas e de frases verdadeiras, mas também de nossa capacidade corpórea de reagir e agir frente às variações do meio circundante e dos seres vivos que nele interagem.

As novas ciências cognitivas pressupõem que nossas capacidades emotivas, perceptivas e cognitivas evoluíram, conforme a nossa enação, integração e situação no meio. Emoções, por exemplo, não seriam apenas um processo mental ou neurológico: elas estão espalhadas fisiologicamente pelo corpo inteiro. Essas ciências observam o indivíduo como um ser que se movimenta no mundo, não somente como um ser cujo centro de informação, de memorização, de computação e de decisão é o cérebro. Ademais, utilizam as teorias de sistemas dinâmicos para explicar as capacidades perceptivas e cognitivas humanas.

A linguagem adquirida socialmente é a ferramenta evolutiva desenvolvida para informar aos outros sobre nossos estados mentais e corpóreos. Uma parte importante de nossos estados mentais internos (ou processos ou eventos internos) são reações ao meio externo. Uma das questões ainda em aberto é se, ao memorizar as informações que nos alcançam, essas se tornam representações dos estados de coisas do meio, ou se nossas memórias não são, estritamente falando, representações. Deixo, aqui, em aberto essa interrogação, pois poderíamos pensar em nossas memórias como processos que são ativados em situações ou contextos similares aos memorizados, sem, no entanto, termos de tratar dessas memórias como propriamente representando esses contextos. Para uma resposta mais precisa, seria forçoso estabelecer distinções entre prováveis definições do termo “representação”, pois autores o empregam para abordar desde ativações de redes neuronais até estruturas proposicionais.

Embora essa perspectiva enativista contenha, com certeza, afirmações corretas a propósito da natureza humana e de como ocorrem interações sociais, Clark (1998) tem razão em sustentar que não podemos dispensar o uso técnico de certos termos, como “representação”. Se considerarmos representações como estados conscientes (que consistem em uma espécie de experiência qualitativa consciente), quando explicamos a maneira como pessoas pensam, calculam e imaginam, com base em conteúdos memorizados de objetos e fatos que não estão mais presentes ou que são abstratos (não apreensíveis diretamente por meio de sensações), estamos incluindo estados qualitativos conscientes em nossas explicações (desde a perspectiva de terceira pessoa) da cognição humana.

Ora, isso corrobora a nossa visão de que é possível não separar ontologicamente fenômenos mentais de eventos físicos, em uma ciência da mente, mesmo que pessoas continuem vivenciando eventos mentais conscientes de uma forma que a ciência não consegue. Assim, alcançamos uma descrição aceitável do ponto de vista perspectivista neutro: incluímos as experiências “de primeira pessoa” nas explicações científicas, na perspectiva de terceira pessoa, aceitando que exista uma perspectiva alternativa dessas experiências.


Considerações finais sobre a inclusão de experiências fenomênicas em processos causais

As descobertas feitas na biologia evolucionista, na etologia e nas neurociências mostram que há uma base perceptiva, emocional e cognitiva comum a todos seres humanos (e a muitos mamíferos) que explica como conseguimos compartilhar experiências fenomênicas de outras pessoas, por meio da empatia, às vezes usando uma teoria proposicional acerca da mente alheia e, às vezes, operando simulações automáticas. Logo, não apenas conseguimos cientificamente, por meio de teorias, métodos e instrumentos, acessar e explicar fenômenos chamados psicológicos ou mentais (de primeira pessoa), mas conseguimos inclusive, individualmente, simular (vivenciar) o que outros estão experimentando internamente.

Esses fatos nos induzem a afirmar que as experiências de primeira pessoa são parte da cadeia causal física, explicável por intermédio de leis científicas. Que ainda não consigamos explicar cientificamente, a contento, o papel das experiências conscientes nessa cadeia causal pode, talvez, significar apenas que nos faltam boas teorias e suficientes dados para tanto. Talvez um dos principais problemas seja a insistência em nos fixarmos no senso comum, o qual nos informa uma aparente separação entre sensações de objetos físicos e eventos mentais que são produzidos por fatores internos, como sonhos, cenas imaginárias ou processos computacionais off-line. Outra razão provável para a persistência do dualismo nas visões filosóficas da mente pode estar ligada a crenças ideológicas ou religiosas, ou seja, seria uma razão sociológica e não, primordialmente, analítica ou científica.

Muitas evidências neurocientíficas das últimas décadas, algumas das quais mencionadas acima, aumentam o número de razões que temos para justificar a inclusão de experiências fenomênicas privadas, nas cadeias causais cientificamente investigáveis de processos perceptivos, emocionais e cognitivos que participam de sistemas dinâmicos amplos, os quais, por sua vez, abarcam processos fisiológicos internos e processos naturais externos. Isso aumenta a probabilidade de estar correto um perspectivismo neutro, que inclua as experiências fenomênicas conscientes como parte das cadeias causais que contêm fenômenos mentais.


NEUTRAL PERSPECTIVISM AND THE BIOLOGICAL FUNCTION OF PHENOMENAL EXPERIENCES


Abstract: In this paper, I argue in favor of a view on the nature of the human mind that is neither a reductionist physicalism nor any kind of dualism, whether of substance or property. I support neutral perspectivism, inspired by neutral monism, with a scientific and materialist content, which allows for the inclusion of conscious phenomenal experiences as part of causal chains of perceptive, emotional, cognitive and deliberative processes. Although there are still no theories, laws and data that allow a final decision on the role of conscious phenomenal experiences in physical-chemical processes in the body, evidence collected in recent decades does not only strengthen our belief in the correlation between physical-chemical events and qualitative conscious experiences but also increases the number of reasons in favor of the thesis that these experiences do have an important functional role in the processes of collection and use of information by the organism.

Keywords: Neutral perspectivism. Conscious phenomenal experiences. Theories of perception. Evolutionary biology. Neurosciences.


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Recebido: 28/08/2022

Aceito: 03/02/2023



1 Agradeço a Eros de Carvalho e ao seu grupo de pesquisa GEPEPE, por terem debatido comigo as ideias presentes neste artigo, o que resultou na revisão do seu título. Muitas das questões levantadas, no entanto, não poderão ser respondidas no seu âmbito e possíveis respostas ficarão para futuros escritos.

2 Docente na Universidade de Vale dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo, RS – Brasil, pesquisadora do CNPq e pesquisadora colaboradora na Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP – Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1559-1707. E-mail: siastein@gmail.com.

3 Uma circularidade inerente a essa afirmação é inegável e incontornável: se afirmo a limitação do conhecimento científico e afirmo que a mente é um objeto do conhecimento científico, afirmo que qualquer teoria acerca da mente é limitada e, portanto, a minha teoria também. Além disso, não desejo aqui defender toda a filosofia crítica transcendental kantiana, de teor apriorista, ou sua visão das faculdades e princípios necessários ao conhecimento empírico. Contudo, assim como os empiristas lógicos, sustento que o realismo empírico seja a melhor posição (que encontra mais embasamento em fatos) relativa aos limites do conhecimento.

4 Em outro artigo, Gallese afirma: “My embodied simulation model is in fact challenging the notion that the sole account of interpersonal understanding consists in explicitly attributing to others propositional attitudes like beliefs and desires, mapped as symbolic representations.” (2009a, p. 524).