Comentário a “La actualidad del esse em la metafísica tomista: perspectivas críticas”

 

Antonio Janunzi Neto[1]

 

Referência do artigo comentado: Serra Pérez, Manuel Alejandro. La actualidad del esse em la metafísica tomista: perspectivas críticas. Trans/form/ação: revista de Filosofia da Unesp, v. 46, n. 3, p. 129-152, 2022.

 

O artigo de Serra Pérez (2022) trata do histórico e profícuo debate, dentro da escola tomista e dos intérpretes da obra de Tomás de Aquino, sobre o conceito de esse, na Metafísica do Aquinate. Pode-se dizer que o texto é composto de duas distintas partes, ao abordar o esse no Corpus Thomisticum, a saber, a) a origem do problema e seu desenrolar, entre os autores na história do tomismo e b) algumas considerações críticas e hermenêuticas sobre o esse em Tomás, juntamente com a questão sobre a que tradição interpretativa o autor se filia para sustentar sua ótica em relação à função metafísica do esse, no Doutor Angélico.

Em um primeiro momento, Serra Pérez (2022) apresenta a origem do debate metafísico, situando a gênese do problema da atualidade do esse, logo após a morte do Aquinate. Assim, Henrique de Gand e Egídio Romano, já no século XIII, interpretaram o conceito de esse em Tomás, com significativa alteração, ao considerarem a composição ontológica dos indivíduos sob a fórmula de esse essentiae e esse existentiae, o que é reconhecido, por certa parte da tradição de intérpretes tomistas, como o princípio de degeneração do esse em favor do formalismo da metafísica de Aristóteles. Cardeal Caetano (XV-XVI), um dos grandes expoentes da clássica escola tomista, é continuador dessa descaracterização da doutrina do esse, em Tomás, ao propor a redução do esse em um esse actualis existentiae.

Por fim, ainda nesse contexto descritivo sobre a história do conceito de esse e suas variações, ao longo do tomismo, o autor assinala que também no século XX se pode encontrar um conjunto de comentadores que ainda sustentam uma espécie de formalismo sobre o esse, nos escritos de Tomás. Assim, as exegeses de Étienne Gilson e Cornélio Fabro, por exemplo, procuram exatamente evidenciar essa tendência e reconduzir a doutrina do ser, em Tomás, ao seu adequado lugar metafísico, não mais reduzindo o esse a existentiae, mas o considerando, de fato, como esse ut actu – o que seria a original contribuição de Tomás de Aquino para a história da filosofia e o âmago de sua metafísica.

A segunda parte do artigo explicita, de maneira crítica e sob uma perspectiva hermenêutica, as principais linhas interpretativas de compreensão da metafísica do esse, em Tomás de Aquino. Dessa forma, o autor descreve três posições possíveis na leitura da teoria do ser, no Aquinate: a) uma que identifica esse com a existência atual das essências, no mundo; b) a posição de Étienne Gilson, a qual critica a citada identificação, reconhecendo o valor ontológico do esse sobre a existentiae, todavia, ao menos terminologicamente, aproximando as duas expressões – o que pode significar uma potencial redução da novidade de Tomás de Aquino na defesa do esse ut actu; c) por fim, na terceira linha, destacam-se os trabalhos de Cornélio Fabro, ao evidenciar que a história do tomismo é perpassada por uma corruptio notionum em relação à originalidade do esse, no Aquinate.

Serra Pérez aponta que o problema do esse, na metafísica de Tomás, não é somente quanto às deturpações que o conceito sofreu, ao longo da história, mas também há uma nítida contribuição, ao menos materialmente, do próprio Corpus Thomisticum para a diversidade de intepretações, pois o Doutor Angélico, ao falar sobre o esse, em várias de suas obras, parece às vezes aproximá-lo do substancialismo aristotélico (o caso do opúsculo De Ente) e, em alguns outros momentos, apresenta o esse de maneira completamente distinta do formalismo da metafísica do Estagirita, expressando-o como perfeição última e fundante das essências e indivíduos (como em Summa contra Gentiles ou no De Potentia, por exemplo).

Entretanto, como destacado pelo autor, há um conjunto proeminente de intérpretes, no século XX (Fabro, Montagnes, Torrel e outros), nos quais se tem o entendimento comum de que a noção de esse é resultado de um processo de evolução progressiva da compreensão do Aquinate, logo, somente em textos de maturidade se encontra Tomás com a sólida perspectiva do esse ut actu. O próprio Gilson também considera que a originalidade metafísica do Aquinate não pode ser localizada, quando o autor medieval está meramente expondo Aristóteles ou outro filósofo, já que seu modo de escrita utiliza a linguagem dos autores que expõe. Com isso, só poderia se encontrar a sua distinta doutrina sobre o ser, em obras de maturidade, como é o caso da Summa contra Gentiles.

Ao que parece, o ponto central do artigo de Serra Pérez (2022) é localizado quando o autor se pergunta sobre a atualidade do esse e sua relação com a existência real das essências. Nesse sentido, julga-se que, dada a temática de metafísica tomista, não poderia ser diferente do exposto, pois o esse, em Tomás, tem exatamente essa questão como possível aplicação teórica. E aqui, Serra Pérez expõe o eixo de sua tese ou com que corrente exegética tem identificação. Para esse fim, o autor afirma que a identificação entre esse e existência impede a novidade da atualidade do esse e que, portanto, tem total concordância com a crítica feita por Cornélio Fabro a essa perspectiva formalista. Ainda em acordo com a intepretação fabriana, Serra Pérez (2022) enfatiza os estudos de Fabro sobre a teoria da participação e como o citado tomista põe em evidência a anterioridade e a perfectibilidade do esse sobre a existência, já que o primeiro é per se perfeição e, por isso, causa da perfeição relativa da segunda, o chamado “valor causal” do esse sobre a existência.

Por fim, reconhece-se que o artigo de Serra Pérez (2022) possui expressiva contribuição para o debate filosófico e acadêmico acerca da questão do esse, ao logo da história do tomismo e também na exegese da própria obra de Tomás de Aquino. Destaca-se ainda que o autor trabalha com uma extensa e técnica bibliografia sobre o tema, revelando, de modo satisfatório, o domínio dos autores e suas teorias interpretativas.

 

Referência

Serra Pérez, Manuel Alejandro. La actualidad del esse em la metafísica tomista: perspectivas críticas. Trans/form/ação: revista de Filosofia da Unesp, v. 46, n. 3, p. 129-152, 2022.

 

Recebido: 04/05/2022

Aceito: 13/05/2022

 



[1] Professor Assistente na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana, Bahia – Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6141-4528. E-mail: anttonyus@yahoo.com.br.