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A longa trajetória de um intelectual brasileiro Artigos / Articles
EntrEvista
a longa trajEtória dE um intElEctual brasilEiro:
antonio Paim, filósofo E historiador das idEias
1
Rodrigo Jurucê Mattos Gonçalves
2
Resumo: Este texto apresenta uma síntese da trajetória do lósofo e historiador das ideias Antonio
Paim, seguida da entrevista realizada com ele. Na entrevista, o lósofo relata seu longo itinerário
intelectual, que passou pelo marxismo e pelo kantismo, e sua carreira política, pelo comunismo, na
juventude, e pelo liberalismo, na maturidade. Paim conheceu o que é ser dissidência, quando foi
membro do Partido Comunista e acabou sendo um preso político, e o que é ser ligado ao establishment,
quando foi assessor da presidência do Partido da Frente Liberal. A longa trajetória intelectual de
Paim, com suas mudanças e intensidades, se refere à própria História do Brasil republicano, com
suas reviravoltas e passagens dramáticas. Sendo um relato inédito, a entrevista ajuda a compreender a
cultura intelectual brasileira da segunda metade do século XX e como se articulam os intelectuais em
relação ao poder.
Esta entrevista, realizada por telefone, em 15 de janeiro de 2021, faz parte do trabalho de coleta de
fontes da pesquisa de pós-doutorado que realizamos junto ao Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal de Goiás (PPGH/UFG). Agradecemos ao Professor Pedro Leão da Costa
Neto pela ajuda na formulação das perguntas e ao próprio Professor Antonio Paim, pela disposição e
disponibilidade em nos conceder a entrevista. Agradecemos ao Professor Marcos Aurélio Silva (UFSC)
e a Aldo Rebelo, ex-deputado e ex-ministro, por nos facilitar o contato com Antonio Paim.
Professor do Departamento de História e Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Estadual de Goiás (PPGHIS/UEG), Morrinhos, GO – Brasil. https://orcid.org/0000-0003-3736-
4804. E-mail: jurucemattos@gmail.com.
is is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License.
https://doi.org/10.1590/0101-3173.2023.v46n1.p15
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GONÇALVES, R. J. M.
aPrEsEntação
Antonio Ferreira Paim nasceu na cidade de Jacobina, interior da Bahia,
em 7 de abril de 1927. Pouco tempo depois de nos conceder a entrevista
e de completar 94 anos, faleceu, em 30 de abril de 2021. Antonio Paim
foi um lósofo e historiador das ideias que se dedicou à história das ideias
no Brasil, sendo sua principal obra A história das ideias losócas no Brasil,
publicada originalmente em 1967 e com sucessivas republicações.
3
O lósofo
publicou ainda uma extensa obra dedicada ao “pensamento brasileiro”, à
losoa no Brasil, ao liberalismo, ao socialismo, entre outros. Foi professor da
Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ),
professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e da
Universidade Gama Filho (UGF). Tendo se aposentado da docência no ensino
superior, em 1989, foi trabalhar como assessor da presidência do Partido da
Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), ao lado de Jorge Bornhausen,
um importante quadro que presidiu o partido. Entre os títulos e honrarias,
Antonio Paim foi ganhador do Prêmio Instituto Nacional do Livro de Estudos
Brasileiros (1968) e do Prêmio Jabuti (1985), tendo sido membro fundador da
Academia Brasileira de Filosoa.
A entrevista ocorreu por telefone, em 15 de janeiro de 2021, sendo que
o autor falou de sua última residência, na cidade de São Paulo. Esta não é a
primeira entrevista concedida por Antonio Paim
.
4
Nosso entrevistado foi autor de mais de seis dezenas de livros, dentre
os quais destacamos aqueles voltados para a história das ideias, tais como:
Cairu e o liberalismo econômico (1968), Tobias Barreto na cultura brasileira:
uma reavaliação (1972, em colaboração com Paulo Mercadante), O estudo
do pensamento losóco brasileiro (1979), A UDF e a ideia de universidade
Edições da História das ideias losócas no Brasil: 1. ed. São Paulo: Grijalbo/Edusp, 1967, 276 p.; 2.
ed. São Paulo: Grijalbo/Edusp, 1974, 431 p.; 3. ed. rev. e aum. São Paulo: Convívio/Instituto Nacional
do Livro, 1984, 615 p.; 4. ed. rev. e aum. São Paulo: Convívio, 1987, 615 p.; 5. ed. rev. Londrina: Ed.
UEL, 1997, 766 p.
Recentemente, Antonio Paim foi entrevistado pelo jornalista Guilherme Evelin (conteúdo disponível
em: https://epoca.globo.com/quem-antonio-AntonioPaim-losofo-baiano-que-fez-cabeca-do-
ministro-da-educacao-23361323) e por Aldo Rebelo, do canal Bonifácio do YouTube (disponível em:
https://youtu.be/N5AOgmn2s2w). Ambos os entrevistadores perguntam a Antonio Paim questões
mais relativas à conjuntura política, sem centrar em sua trajetória intelectual, a qual é nosso foco.
Nesse sentido, a entrevista concedida a José Crisóstomo de Souza e Ricardo Andrade é particularmente
interessante, disponível no site da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosoa (ANPOF):
http://anpof.org/portal/index.php/en/2014-01-07-15-22-21/entrevistas/1980-crisostomo-e-ricardo-
andrade-conversam-com-antonio-AntonioPaim-sobre-losoa-no-brasil-1.
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A longa trajetória de um intelectual brasileiro Artigos / Articles
(1981), Oliveira Vianna de corpo inteiro (1991), entre outros. Além desses,
enfatizamos aquelas obras que consolidaram Antonio Paim como um dos
liberais mais destacados entre os intelectuais brasileiros, tais como: Evolução
histórica do liberalismo (1987), O liberalismo contemporâneo (1995), A agenda
teórica dos liberais (1997), O liberalismo social: uma visão histórica (1998, em
colaboração com o renomado liberal José Guilherme Merquior e Gilberto de
Mello Kujawski), A bem-sucedida privatização brasileira (2007), entre outros.
Antonio Paim foi um dos mais longevos membros do Instituto
Brasileiro de Filosoa (IBF). O IBF foi fundado na cidade de São Paulo, em
1949, sendo responsável pela Revista Brasileira de Filosoa (RBF), publicada
por cinco décadas, desde 1951. A liderança do IBF cabia ao jurista paulista
Miguel Reale (1910-2006). Antonio Paim publicou seu primeiro artigo na
RBF, em 1965, sobre Tobias Barreto, e passou a ser um dos mais assíduos
autores, com 74 artigos publicados até o ano 2000.
5
Nos anos 1950, concluiu o curso de losoa da Universidade do Brasil,
no Rio de Janeiro, e o doutorado na Universidade Lomonossov de Moscou,
Rússia. Antonio Paim fala detalhadamente nesta entrevista sobre a estadia na
capital russa. Pela sua atuação junto do PFL, Antonio Paim foi considerado um
importante intelectual liberal, mas, antes disso, na juventude fora um militante
do Partido Comunista Brasileiro (PCB) da Bahia, de onde despontaram
grandes quadros do partido e da esquerda brasileira, como Carlos Marighella e
Jacob Gorender. O próprio lósofo aborda, nesta entrevista, sua trajetória no
PCB, do qual acabou se desligando após a divulgação do “Relatório Secreto”,
o qual revelou os crimes de Stálin, divulgado pelo presidente soviético Nikita
Kruschev, durante o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética,
em 25 de fevereiro de 1956.
Na entrevista, Antonio Paim diz que desligar-se do PCB foi uma coisa,
sair do marxismo foi outra e levou muito mais tempo, somente após anos de
estudos da obra de Kant e de sua adesão ao kantismo. O “acerto de contas
do autor com o marxismo viria praticamente meio século depois da saída do
PCB, com a publicação do livro Marxismo e descendência, em 2009.
Paulo Mercadante (1923-2013), intelectual com quem nosso autor
publicou estudos sobre Tobias Barreto, diz que Antonio Paim buscou uma
A lista completa de artigos publicados por Antonio Paim, na Revista Brasileira de Filosoa, encontra-
se no Índice (CDPB, 2005, p. 322-324). Sobre o Instituto Brasileiro de Filosoa, a Revista Brasileira
de Filosoa e Miguel Reale, indicamos: GONÇALVES (2016, 2017a, 2017b, 2019a, 2017b, 2020a e
2020b), MOTOYAMA (2001), PATSCHIKI (2014), PINHO (2019), ZILLES (2000).
18 Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023.
GONÇALVES, R. J. M.
alternativa equidistante do positivismo e do marxismo, e “[...] voltar à reexão
kantiana, ler os críticos do materialismo dialético, identicar as divergências
entre os marxistas, inclusive as antigas entre os clássicos e Feuerbach, entre
os teóricos recentes e a social-democracia” (MERCADANTE, 1997, p. 200),
além de sublinhar a adesão ao culturalismo, corrente liderada por Reale.
Ressata Mercadante:
Seu esforço havia desembocado na corrente culturalista de Miguel Reale,
que, por sua vez, abrigara caudaloso rio da vida intelectual, por meio do
Instituto Brasileiro de Filosoa e de sua Revista, todos os estuários do
Brasil mental. O lósofo paulista alcançara aquela tolerância dos sábios e
humanistas e antevia o no social-liberalismo a solução democrática.
A capacidade de mobilização de Antonio Paim, favorecida pelo seu talento
generoso, foi posta a serviço da causa liberal. [...] (MERCADANTE,
1997, p. 200).
Mercadante dene ainda o liberalismo de Antonio Paim, a partir de
uma atitude pragmática, adaptada à realidade brasileira:
A verdade é que não há doutrina liberal genuína. Há permanentes debates
em processo de reexão. A começar por tradições diversas. Em cada nação,
as circunstâncias emprestam signicado as feições devidas. [...] O estudo
dessas vicissitudes, levadas a cabo por pensadores vacinados contra a ideia
hegeliana do estado, bem como contra os prejuízos do Saber de Salvação,
conduziu Antonio Paim à escolha de visão liberal adequada à realidade
brasileira. (MERCADANTE, 1997, p. 201).
Outro intelectual que fala de nosso autor é o português Eduardo
Abranches de Soveral (1927-2003), o qual foi cofundador, ao lado de Antonio
Paim, nos anos 1990, do Instituto de Filosoa Luso-Brasileiro (IFLB),
sediado em Lisboa. Juntos, Antonio Paim e Soveral organizaram o Doutorado
em Pensamento Luso-Brasileiro, que funcionou na UGF. Segundo Soveral
(1997, p. 167), após estadia na Rússia, Antonio Paim “[r]egressou ao Brasil,
militante e determinado em seu anticomunismo”. Soveral acentua, portanto, o
anticomunismo característico da época da Guerra Fria. Sobre esses temas, fala,
durante a entrevista, de forma branda e com a serenidade, dos anos vividos e
das décadas passadas.
Soveral (1997, p. 167) caracteriza como “político” que “[...] lançou a
crédito dos regimes militares uma indispensável e urgente ação modernizadora,
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A longa trajetória de um intelectual brasileiro Artigos / Articles
ou seja, atribuiu-lhe o mérito de um despotismo iluminado’ ainda necessário,
embora retardado já, e fora de época. Soveral (1997, p. 167) arma que “[...]
a priori rejeita e condena qualquer forma de absolutismo estatal”, o que, se
levado ao pé da letra, soaria como uma rearmação da adesão à Ditadura como
algo meditado (não foi a priori). Todavia, essa armação faz mais sentido com o
fragmento a seguir, no qual Antonio Paim se colocaria equidistante em relação
aos “[...] socialismos totalitários de esquerda, e os populismos totalitários de
direita.” (SOVERAL, 1997, p. 169).
Se aderiu ou não à ditadura civil-militar, é importante salientar que,
anos mais tarde, na apresentação que fez ao livro O retrato
6
, de Osvaldo Peralva
(1918-1992), que deixou o PCB após o Relatório de Kruschev, Antonio Paim
denunciou a perseguição que ele sofreu após o golpe de 1964. Como esse é um
aspecto importante não só da trajetória daqueles que deixaram o comunismo,
em 1956, na época da chamada “desestalinização”, retratados no livro de
Peralva, mas igualmente das nuances do longo itinerário político e intelectual
de Antonio Paim, vale a pena a citação:
No livro, Peralva optou por chamar pelos nomes próprios apenas aqueles
dirigentes comunistas muito conhecidos. Nos demais casos, ele empregou
sempre “nomes de guerra”, como se dizia na gíria comunista. Apesar
de O retrato apresentar um documento importantíssimo de crítica ao
comunismo, de modo geral, após o Golpe de 64, os militares arrolaram
Peralva nos inquéritos sobre o Partido Comunista e o denunciaram por ter
se recusado a decodicar aqueles nomes. Esse fato atesta bem a estreiteza de
visão do grupo que, com a ditadura militar, se apossou da hegemonia.
O episódio, porém, possui o mérito de evidenciar que teria sido melhor correr o
risco da chamada “ditadura sindicalista”, insuada pelos comunistas e sonhada
por João Goulart, do que tentar preservar a democracia por meio de golpes de
Estado. (ANTONIO PAIM, 2015, p. 12-13, grifos nossos).
Soveral acrescenta que Antonio Paim também veria a necessidade
de “teorizar e praticar uma ecaz pedagogia do liberalismo”: “O momento
inicial e indispensável dessa pedagogia consistirá na apologia e na prática de
Originalmente publicado em 1960, pela editora Itatiaia, de Belo Horizonte. A edição póstuma,
publicada em 2015, pela editora Três Estrelas, de São Paulo, traz a apresentação de Antônio Paim.
Quando o Golpe de 1964 foi dado, Peralva estava à frente do jornal carioca Correio da Manhã, e,
após o Ato Institucional número 5 (AI-5), foi preso e acabou deixando o Brasil. Viveu na Alemanha
Ocidental até 1979, quando foi promulgada a Lei de Anistia. De volta ao Brasil, integrou o conselho
editorial do jornal Folha de S. Paulo, do qual foi correspondente no Japão.
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GONÇALVES, R. J. M.
um liberalismo puro e duro, no estilo de Regan e da Senhora Teacher [sic]”
7
(SOVERAL, 1997, p. 169), assinalando assim a posterior adesão do lósofo
baiano ao neoliberalismo. Todavia, é importante salientar que, quando nos
concedeu a entrevista, Antonio Paim defendeu um programa de renda mínima
universal, o qual é uma política mais identicada com a socialdemocracia do
que com o liberalismo e, sobretudo, o neoliberalismo. Lá se vão mais de duas
décadas desde que Soveral escreveu sobre Antonio Paim e, nesta entrevista,
novas nuances de seu pensamento são evidenciadas.
Existem dois aspectos fundamentais na carreira de Antonio Paim: as
disputas com as quais se envolveu na PUC do Rio de Janeiro e a fundação do
Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (CDPB).
Em 1979, Antonio Paim vivenciou forte polêmica que ocorreu na PUC
do Rio de Janeiro, onde organizou e coordenou o Mestrado em Pensamento
Brasileiro. Conforme relata Antonio Paim, no livro de sua autoria, Liberdade
acadêmica e opção totalitária: um debate memorável
8
, a professora Anna Maria
Moog Rodrigues protestou e acabou se desligando da instituição, após um
texto da autoria de Miguel Reale
9
ser vetado do programa de estudos, por parte
do Chefe de Departamento, Henrique Lima Vaz. A instituição argumentava
contra a atuação política de Reale, e alunos protestaram contra ele. Antonio
Paim solidarizou-se à professora Rodrigues e ao autor vetado, e se desligou da
PUC. O conito é mencionado por Antonio Paim, nesta entrevista. O fato é
que a polêmica se tornou pública e ganhou a imprensa, na época.
Em 1982, foi fundado o Centro de Documentação do Pensamento
Brasileiro (CDPB), sediado na cidade de Salvador, com apoio do governo
do Estado da Bahia e de empresas privadas, sendo considerado entidade
de “utilidade pública” por duas leis (uma municipal e uma estadual) e por
um decreto do Presidente da República, José Sarney.
10
No ato da fundação,
Soveral deve estar se referindo à Margaret atcher, primeira ministra do Reino Unido, entre 1979
e 1990, responsável por aplicar políticas neoliberais de austeridade e de desmonte do welfare state,
naquele país.
 Publicação: Rio de Janeiro: Arte Nova, 1979.
Trata-se do texto “Filosoa como autoconsciência de um povo”, que foi a conferência pronunciada
por Miguel Reale, em 1961, durante a fundação da seção da cidade de Fortaleza do Instituto Brasileiro
de Filosoa. O texto está disponível em livro de Antonio Paim (1979, p. 224-248), e foi publicado
na obra: REALE, Miguel. Pluralismo e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 47-62. Para uma
análise pormenorizada do IBF e da obra losóca de Reale e do grupo ibeefeano, recomendamos:
GONÇALVES, 2016, a ser publicada em breve.
10
Lei Municipal 3.360/1984, Lei Estadual 4.281/1984 e Decreto Presidencial 92.368/1986.
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A longa trajetória de um intelectual brasileiro Artigos / Articles
Antonio Paim fez doação de sua biblioteca pessoal ao CDPB e foi nomeado
seu primeiro presidente.
O CDPB foi responsável pela publicação do Dicionário biobibliográco
de autores brasileiros: losoa, pensamento político, sociologia, antropologia
11
,
que é praticamente um catálogo dos autores e obras disponíveis em sua
biblioteca. Além do Dicionário, foi publicada a série Bibliograa e Estudos
Críticos, dedicada a diversos intelectuais, tais como: Silvestre Pinheiro Ferreira
(1769-1846), Alceu Amoroso Lima (1893-1983), Tobias Barreto (1839-
1889), Jackson de Figueiredo (1891-1928), Silvio Romero (1851-1914) e
Miguel Reale (1910-2006). Ademais, o CDPB editou uma série de índices
das seguintes revistas: Revista Brasileira de Filosoa (1951-2000), Revista
Convivium (1962-1987) e A Ordem (1921-1980).
Podemos armar que a entrevista não só traz aspectos importantes
e inéditos da longa trajetória intelectual de Antonio Paim, que hoje fala de
sua vida com a serenidade do tempo passado, mas também os dramas e a
complexidade de quem conheceu o establishment de “fora” e de “dentro”,
como opositor e parte da estrutura, pois vivenciou a perseguição contra os
comunistas, quando foi do PCB e viveu alguns anos na Rússia soviética e,
por outro lado, a estrutura de um partido da ordem, quando trabalhou no
Instituto Tancredo Neves (PFL), na época da chamada redemocratização.
Essas vivências compõem a singularidade da sua trajetória intelectual, e seu
testemunho é parte da própria história do Brasil republicano no pós-Segunda
Guerra Mundial, no pós-Ditadura e no início do presente século, história essa
marcada por tantas reviravoltas e intensidades, assim como o próprio itinerário
intelectual de Antonio Paim.
A seguir, as perguntas que foram feitas, durante a entrevista, seguidas
da transcrição das respostas.
RG: Como o Professor caracterizaria sua formação intelectual, os
principais momentos, que vão dos seus estudos de Marx e na antiga União
Soviética, até os estudos de Kant e da corrente culturalista?
AP: Bom, eu era comunista, em consequência, formalmente pelo
menos, sendo marxista. Eu ganhei uma bolsa, por conta do comunismo, e
11
CENTRO de Documentação do Pensamento Brasileiro (CDPB). Dicionário Biobibliográco de autores
brasileiros: losoa, pensamento político, sociologia, antropologia. Brasília: Senado Federal, 1999.
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GONÇALVES, R. J. M.
fui estudar em Moscou, na Universidade Lomonossov. É uma universidade
clássica, do século XVIII. Eu apenas estudei o marxismo. O que aconteceu
comigo, que entrei para o Partido Comunista, na altura dos meus vinte anos
de idade, é que eu segui a popularidade enorme que a União Soviética ganhou
no Brasil com a [vitória na Segunda] Guerra, a resistência em Stalingrado...
Então cou uma coisa popular. E aí, aquilo, no Brasil pelo menos, era o que
havia de mais representativo da intelectualidade, fora os católicos. Entrava
todo mundo para o Partido Comunista. Candido Portinari era um grande
pintor brasileiro, foi para o Partido Comunista. Carlos Drummond de
Andrade era um grande, talvez o maior, poeta brasileiro, com o perdão dos
outros poetas. Ele entrou para o Partido Comunista. Quer dizer, todo mundo
era do Partido Comunista. Naturalmente, não justica o fato de que eu fosse
“Maria vai com as outras”, mas explica, registra pelo menos o que aconteceu.
Então, eu quei no Partido Comunista durante 10 anos, entre 1945-1956, até
o Relatório Kruschev, que foi em 1956. Então, eu sair do Partido Comunista
era uma coisa simples. Sair do marxismo não era simples. Realmente, eu z
um esforço enorme, durante muitos anos. Formalmente, o que eu estudei na
Universidade Lomonossov era equivalente a um doutorado. Eu quei quatro
anos naquilo. E aquilo era um regime duro de seminário, que exigia que você
lesse. Basta dizer que eu só consegui terminar o livro, que se chama Marxismo
e Descendência, em 2002 [1. ed. 2009; 2. ed. 2019], mais ou menos.
Eu me aposentei da universidade em 1989, mais ou menos. Então,
sendo muito bem relacionado com os portugueses, que imigraram para o
Brasil, por conta da Revolução dos Cravos [ocorrida em 25 de abril de 1974],
eu quei muito amigo do Professor Eduardo Soveral
12
, que era um intelectual
importantíssimo da Europa. Então, quando eu me aposentei no Brasil, eu
quei como professor visitante da Universidade Nova de Lisboa [NOVA]. Eu
ia uma vez por ano, m do ano, na época do Natal, por exemplo, e cava lá
até antes ou depois do Carnaval. Durante vinte e tantos anos eu z isso. E eu
aproveitei as circunstâncias para conseguir sair do marxismo. Lá, eu tinha a
facilidade da biblioteca fantástica da NOVA e, além disso, eu me aproximei lá
de um livreiro, que tinha trabalhado no Brasil, e fui muito amigo. O meu livro
chama-se Marxismo e Descendência, eu li os marxistas mais importantes de
12
Eduardo Silvério de Abranches de Soveral (1927-2003) foi um intelectual monarquista, professor,
diplomata e lósofo português. Em Portugal, lecionou na Filosoa na Faculdade de Letras da
Universidade do Porto. No Brasil, lecionou na Universidade Católica de Petrópolis, na Universidade
Gama Filho e na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Foi membro da Academia de Ciências de
Lisboa e da Academia Brasileira de Filosoa.
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A longa trajetória de um intelectual brasileiro Artigos / Articles
tudo quanto é país. Durante anos, isso. E eu precisava ter acesso [aos livros].
Eu não ganhava exatamente pouco, era o suciente para viver, mas não tinha
nenhuma forma de ter uma biblioteca moderna, comprando livros. Eu me vali
desse português que morou no Brasil e dirigia uma grande livraria. Durante
muitos anos, durante os ns de ano, eu conseguia ler e consegui me safar.
Então, eu entrei no Partido Comunista e saí com facilidade. A primeira
consequência: me cortaram a bolsa [universitária de estudos] lá na União
Soviética. Saí do PC, perdi a bolsa. Então, por coincidência, em 1956, faleceu
a senhora que fazia as traduções para a Rádio de Moscou, para o português, e
eu quei no lugar dela. Me pagavam bem melhor que a bolsa. Eu não era da
Rádio propriamente, me davam o que era para traduzir, eu traduzia, durante
o tempo que eu quei em Moscou, uns quatro anos. Eu consegui sobreviver
sem a bolsa.
RG: E como o senhor chega aos estudos de Kant e da corrente
culturalista?
AP: Bom, a importância do marxismo é o fato que pertence a um
movimento da maior importância da História da Filosoa. O idealismo
alemão é uma coisa extraordinária. Naquele tempo, existia a Universidade do
Brasil, década de 50. Eu me formei nessa universidade, bacharel em Filosoa.
Eu fui incumbido nessa universidade de fazer uma cátedra, uma disciplina, de
losoa brasileira. O primeiro curso de losoa brasileira fui eu que organizei,
lá na universidade.
Na Universidade do Brasil, no Departamento de Filosoa, a gente
tinha amizade com um cara que entendia do Kant no Brasil. Era o professor
Leandro Ratsbona. Ele era meteorologista, responsável pela meteorologia no
Brasil, e era da organização meteorológica internacional. O hobby dele era
[estudar] o Kant. Ele e eu éramos dois sujeitos disciplinados. Sabe quantos
anos eu estudei o Kant? Dezesseis anos, página por página da Crítica da
Razão Pura, com o Ratsbona. Eu ia na casa dele, todo sábado de tarde. Ficava
esperando que ele me acenasse da janela. Ali na [Rua] Barata Ribeiro que ele
morava, numa esquina de Copacabana.
Eu fui escalado para dar aula no curso de História da Filosoa. Eu dava
Kant e Hegel. O marxismo eu estudei na Rússia. Eu era um pouco melhor que
os outros, mas, do ponto de vista do Ratsbona, era uma “brincadeira”. Ficamos
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GONÇALVES, R. J. M.
muito amigos. É um método de estudo que não é factível. Uma pessoa isolada,
um curso de você ler página por página. Eu z texto de como ler o Kant pela
primeira vez, era uma coisa que tinha muita aceitação na universidade.
RG: Como o Professor caracterizaria sua trajetória política: os
principais momentos, desde a militância comunista até o pensamento liberal
e suas atividades no Instituto Tancredo Neves e na assessoria do Partido da
Frente Liberal (PFL)?
AP: Muitas coisas aconteceram por acaso comigo, como a senhora que
faleceu e eu a substituí na tradução [na Rádio Moscou]. Não queria dizer que
eu fosse tradutor. Foi uma coincidência. Muito da minha trajetória política
tem muito disso. Eu era comunista, fui comunista mesmo. Funcionário do
Partido Comunista. Dirigente comunista. Perseguido pela polícia, preso. Eu
quei preso dois anos e dois meses. Condenado a sete [anos]. Então eu me
meti até o pescoço no Partido Comunista.
Com a saída [do PC, anos depois], eu me candidatei a uma assessoria.
Era o começo da criação das fundações partidárias. Foram os alemães que
inventaram isso. E como os alemães zeram aquele grande estrago na Europa, o
Konrad Adenauer, o primeiro presidente
13
não fascista após a derrota do Hitler,
inventou um sistema de ter partido político forte, com gente de conhecimento
da literatura e tal. Foi o começo das fundações partidárias. Eu trabalhava no
mesmo prédio onde funcionava um dos cursos, no antigo prédio onde tinha
sido o consulado italiano, com o rompimento das relações com o Eixo [na
Segunda Guerra Mundial], ali naquela esquina da [Avenida] Antonio Carlos [,
no Centro do Rio de Janeiro]. Eu me aproximei, z o primeiro concurso que
zeram para essa instituição que estava sendo criada. Era o batismo de fogo.
Coincidência histórica, eu consegui o lugar.
Eu fui assessor do Jorge Bornhausen, que era o presidente do Instituto
14
,
a Fundação do Partido da Frente Liberal, que era obstinado, um grande
dirigente. Ele reunia todos segunda-feira, de noite. O Parlamento funcionava
na terça-feira. Na véspera, na segunda-feira, ele reunia um sta dele, e eu às
vezes era chamado, quando havia uma questão teórica, transcendentemente,
13
Na Alemanha, os chefes do governo ocupam o cargo de “chanceler”.
14
A Fundação Presidente Tancredo Neves (1910-1985) foi fundada em 28 de julho de 1987. A
fundação mantém o Memorial Tancredo Neves, inaugurado em dezembro de 1990, sediado em São
João del-Rei, Minas Gerais.
Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023. 25
A longa trajetória de um intelectual brasileiro Artigos / Articles
eu botava para estudar o assunto. Por exemplo: representação política. Eu
dava uma espécie de conferência sobre como é que Burke criou uma doutrina
da representação política, na chamada Carta de Bristol.
15
Depois, o Stuart
Mill aderiu a essa teoria de que o representante tinha que ser superior ao
representado. Era uma diferença intelectual, de formação intelectual. Era
uma doutrina dos primórdios da doutrina [da representação]. Depois, com
o desenvolvimento das fundações partidárias, é que se tomou conhecimento
da doutrina do Benjamin Constant. Era a melhor denição. A representação
política é representação de interesses. Então, os interesses são inconfundíveis.
Os interesses religiosos são de um tipo, os interesses pecuniários são de outro.
Os interesses do indivíduo são... Quer dizer, dá uma base social, do grupo, de
um determinado grupo social. E cou sendo a melhor doutrina.
O problema do partido político no Brasil não era com o Bornhausen:
o Bornhausen não, ele obrigava a ler, a seguir [a doutrina]. Era o tempo do
Vilmar Rocha
16
e zemos um bom trabalho. Vilmar era o presidente [do
Instituto Tancredo Neves]. Nós zemos um curso, em doze volumes que
nós imprimimos. Fizemos o curso com bastante sucesso. No PFL de Sergipe,
por exemplo, a senhora [Maria do Carmo Alves], que depois virou senadora,
sem nenhum proselitismo, aceitava dever pra casa. Tem muito trabalho
[nos partidos]. A comissão dá um trabalho danado. Então, eles refugam,
habitualmente, qualquer nova tarefa. São todos sobrecarregados. Naquele
tempo, essa coisa [funcionava] pela persistência do Bornhausen. E o Vilmar
Rocha fez um bom trabalho. Eu acho que o Vilmar tinha feito uma opção
liberal. Eu entendia a opção liberal como sendo uma adesão ao governo
representativo. Não ter nenhuma fantasia com relação à democracia direta,
com a ideia da representação, e aprimorar, quer dizer, se você fez uma opção
pela social-democracia, tem que saber o que é a social-democracia. Aqui no
Brasil isso virou uma pro forma. Com trinta partidos políticos, você não pode
levar a sério uma coisa dessas.
RG: Uma das suas primeiras atividades políticas e públicas, já durante
a juventude, foi a sua militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB).
15
Edmund Burke (1729-1797), um dos fundadores do conservadorismo moderno, publicou, em
1777, A Letter to the Sheris of Bristol (Uma carta aos delegados eleitores de Bristol).
16
Vilmar da Silva Rocha foi presidente do Instituto Tancredo Neves entre 1997-2007, deputado
estadual de Goiás, deputado federal e secretário de Estado do governador goiano Marconi Perillo,
entre 2014 e 2018.
26 Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023.
GONÇALVES, R. J. M.
Como foi a sua trajetória, as razões da sua entrada e dos conitos que vieram
determinar a sua saída do PCB?
AP: Eu não sei se você tem ideia do que seja o Relatório Kruschev. O
Relatório é a responsabilização de todos os crimes cometidos pelo comunismo,
prisões arbitrárias, fuzilamentos sem processo. Foi tudo atribuído ao Stalin, tudo
foi o Stalin que fez. Aquilo ninguém aguentou. O Partido Comunista acabou
em 1956. Acabou mesmo. Quer dizer, o Secretário Geral, no PC, que mandava.
O Secretário Geral era o Diógenes Arruda
17
, de uma família importantíssima de
Pernambuco, a Arruda Câmara. O Arruda passou na China, na volta passou em
Moscou. Eu estava lá, morando, e estava esperando que eles dessem um visto
para trazer minha mulher. Os russos relutavam tremendamente, não sei por quê.
A saída do país era uma diculdade danada. Não era só comigo não. Eu casei
com uma russa e eles não deixavam a mulher sair de lá. Eu quei muito tempo
lá graças a eles. Então, ninguém aguentou aquilo.
Só para você ter uma ideia, o Agildo Barata, que era um revolucionário
de 1935,
18
militar, popular, de uma família de militares, nome de Rua, Barata
Ribeiro. O Agildo estava voltando dessa viagem, estava em Moscou, e eu o
obriguei [a ler], o Partido Comunista, lá na Rússia, todo mundo leu aquilo.
Mas eles resistiam muito à saída, mas não imaginavam aquela repercussão toda
do Relatório. Para começar, existiam muitos boatos. Uma ditadura, as notícias
circulam por boatos, fofoca. Então, dizia-se que Boleslaw Bierut,
19
que era
apresentado como o “bicho” do Stálin, como um “serviçal”, era o presidente
da Polônia. Dizem que o Kruschev
20
chamou ele e disse: “– Você não tem outra
saída senão meter uma bala na cabeça.” Deu o revólver para ele, que deu o tiro
e voltou para a Polônia morto, em um caixão. Não existe documento sobre
isso. E aquilo provocou um drama danado na Polônia. Tiraram o Gomulka
21
da cadeia, expulsaram os generais que ocupavam posto militar. O Agildo
17
Diógenes Arruda Câmara (1914-1979) foi um militante do PCB e diretor da Problemas – revista
mensal de cultura política.
18
Antonio Paim se refere aos levantes comunistas do ano de 1935, os quais ocorreram nas cidades do
Rio de Janeiro, Recife e Natal, liderados pelo PCB. Sobre esse evento histórico, indicamos o livro de
Marly de Almeida Gomes Vianna (2007).
19
Boleslaw Bierut (1892-1956) foi Presidente da República Popular da Polônia de 1947 a 1952 e
secretário do Partido Operário Unicado Polaco até sua morte.
20
Nikita Kruschev (1894-1971) foi Primeiro Ministro da União Soviética entre 1958 e 1964.
21
Antonio Paim se refere a Wladyslaw Gomulka (1905-1982), líder comunista polonês e primeiro
secretário do Partido Operário Unicado Polaco.
Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023. 27
A longa trajetória de um intelectual brasileiro Artigos / Articles
Barata estava escrevendo um livro, para provar que o Relatório Kruschev era
uma invenção da CIA.
22
Quer dizer, aquilo era um absurdo total.
Até hoje não se estabeleceram as razões pelas quais eles resolveram
fuzilar” o Stalin. Stalin era a grande gura, fez a revolução industrial da
Rússia, da União Soviética. Ganhou a guerra. Era uma pessoa fora de série.
Grande herói. “Pai dos pobres”, como se dizia no Brasil.
RG: Então sua saída do Partido Comunista se deveu...
AP: Foi o Relatório Kruschev. Aí “acabou” o Partido Comunista.
RG: O senhor estudou losoa na Universidade Lomonossov de
Moscou. Como eram os estudos de losoa na antiga URSS? Qual era o
sistema de ensino da losoa?
AP: A Universidade Lomonossov era uma universidade antiga, do
século XVII e tal. Na União Soviética, criaram um braço da universidade ligada
à energia, à energia elétrica e a toda forma de energia. Então, havia um grande
instituto, que aparecia nos jornais. Uma construção moderna da universidade
e tal. A União Soviética apresentava aquela nova organização. E as partes
antigas [da universidade], eu, por exemplo, a Faculdade de Filosoa onde eu
estudava era junto da Faculdade de Direito e da Faculdade de Medicina, na
parte velha de Moscou. Tinha o Kremlin, o Rio Moscou, umas construções,
e ali naquela parte velha é que funcionavam as antigas faculdades. Do mesmo
jeito, os comunistas não se meteram naquilo não. Aquilo era uma cópia do
modelo francês. O modelo francês era das grandes escolas. Eles tinham o
fundamental, a liberal art, quer dizer, a cultura geral que todo mundo estudava
e, depois, a especialização era feita lá mesmo. Do Direito, da Medicina e da
Filosoa. Portanto, a rigor [os comunistas] não mexeram [na universidade].
O ensino do marxismo era igual a qualquer outra universidade. O fato de que
eu tenha estudado o Kant com o Ratsbona é uma coisa excepcional, não quer
dizer que fosse inacessível. Poucas pessoas recorriam a esse estudo. Do ponto
de vista da escolaridade, não havia grande diferença. Era uma cópia do modelo
francês, inclusive a língua. Houve uma época em que o Pedro, o Grande
23
,
obrigou a elite russa a falar francês. Todo mundo falava francês.
22
Sigla da Central Intelligence Agency, a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos.
23
Pedro I (1672-1725), czar e imperador da Rússia.
28 Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023.
GONÇALVES, R. J. M.
RG: Como eram as suas relações intelectuais com o seu irmão, Gilberto
Ferreira Antonio Paim (1919-2013), um importante intelectual, e o Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)? O Professor chegou a estabelecer
alguma relação com o ISEB?
AP: Eu tenho uma informação perfunctória sobre o ISEB. O Gilberto
era um cara muito importante na Fundação Getúlio Vargas e ele a representava
no ISEB. O próprio Roberto Campos
24
pertenceu ao ISEB. Eu nunca me
aproximei do ISEB. Eu tinha um professor lá [na Universidade do Brasil],
que era o catedrático de História da Filosoa, que era do ISEB. Eu nunca me
aproximei dele por essa via e o Gilberto não fazia proselitismo com a família.
Quer dizer, nunca fez menção que eu ia [para o ISEB]. Primeiro, que o ISEB
era uma elite. Eu tenho a impressão que faltava à elite nacionalista, o que
era uma novidade, [uma proposta]. Por exemplo, o Partido Comunista era
internacionalista. Mas o movimento capitaneado pelo ISEB era nacionalista.
Eles não tinham uma proposta. Eu suponho que eles conseguiram a proposta
através do Getúlio Vargas. O Vargas é uma coisa mal estudada, porque o
comunismo penetrou muito no Brasil, em certas instituições e fomentou o
ódio aos Estados Unidos, sem nenhuma procedência. Quem criou [a usina
siderúrgica de] Volta Redonda foram os Estados Unidos. A Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos
25
é que deu o programa de industrialização para o
Brasil. Não se fala no assunto, é como se não tivesse havido o fato. Criou-se a
mentalidade que os Estados Unidos eram contra a industrialização brasileira.
É mentira. É mentira agrante. É a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
que deu o programa de modernização, de industrialização que foi aplicado
pelos militares.
24
Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) foi presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), no governo de Juscelino Kubitschek, Ministro do Planejamento, entre
1964 e 1967, deputado federal e senador.
25
A Comissão Preparatória do Plano Siderúrgico Nacional – também conhecida como “Comissão
Mista” – foi criada em 5 de agosto de 1939, durante o Estado Novo, sob a presidência de Getúlio
Vargas, que visava à construção de uma grande usina siderúrgica no Brasil, a Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN), que foi sediada na cidade de Volta Redonda, Estado do Rio de Janeiro. Em setembro
de 1940, após negociações com o governo dos Estados Unidos, um empréstimo para a construção da
CSN foi liberado. A “Comissão Mista” foi reavivada em outras ocasiões, durante o governo de Eurico
Gaspar Dutra, entre 19 de julho de 1951 e 31 de julho de 1953, com vistas aos setores da agricultura,
energia e transporte, e durante o segundo governo de Getúlio Vargas, que durou de 31 de janeiro de
1951 a 24 de agosto de 1954. Nessa ocasião, a Comissão Mista valeu-se dos estudos realizados pelas
missões norte-americanas Cooke (1942) e Abbink (1948), enviadas ao Brasil, e aprovou 41 projetos do
Plano de Reaparelhamento Econômico.
Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023. 29
A longa trajetória de um intelectual brasileiro Artigos / Articles
Havia uma discussão no Brasil sobre o progresso etc. O que os comunistas
zeram foi discutir, para eles o desenvolvimento econômico obedecia uma lei,
tinha que começar pelo comunismo primitivo, depois seguia, era substituído
pelo escravagismo, pelo feudalismo, depois pela industrialização e, por m,
pelo socialismo, pelo comunismo. Aquilo todos liam, toda essa discussão
acabava interessando apenas um grupo muito pequeno de comunistas. E
mesmo os caras do Partido Comunista estavam se lixando para essa discussão.
Uma minoria no próprio Partido discutia o caráter da revolução brasileira. Os
caras do Sul, os castilhistas, os getulistas, quadradamente, sempre entendiam
como sendo o problema da industrialização, a revolução que o Brasil precisa é
a revolução industrial, e eles criando no segundo governo Vargas. O Vargas foi
deposto, depois foi eleito. Nesse governo não se fala. Uma inuência nefasta
do comunismo, a verdade é que não digo nenhuma novidade.
RG: Como o Professor chegou aos estudos do “Pensamento Brasileiro”,
o qual se tornou o objeto principal de pesquisa? Assim como outros destacados
intelectuais brasileiros, o seu interesse pelo Brasil está de alguma forma
associado a sua estadia no exterior?
AP: Eu era secretário do jornal comunista. Quando eu entrei, era um
garoto de 19 anos, e fui ser jornalista da Tribuna Popular.
26
Quando entrei
para o Partido Comunista, fui convidado a ser da Tribuna Popular. Eu não era
jornalista coisa nenhuma. Fui aprender, eu z um estágio na seção internacional
do jornal. O jornal era dividido por seções. Seção de esporte, eu andei com
o João Saldanha
27
pra cima e pra baixo. João Saldanha era comunista. E eu
z meu estágio, inclusive morando na casa dele, e levava a sério a formação.
Eu, enm, assumi a secretaria do jornal. O secretário do jornal é aquele que
edita o jornal, diz qual vai ser a manchete. [Trabalhava] Até de madrugada,
duas horas da madrugada. Se tem alguma discussão no Parlamento, é o
secretário que diz se continua ou se não vai [ser publicado]. Enm, é o “todo
poderoso” na hora da edição. E no dia seguinte levava porrada, porque os
outros não concordavam. Mas aquilo já passou, já acontecia a mesma coisa
no dia seguinte. Eu fui preso quando tentaram fechar o jornal. [Antes disso,]
26
Jornal diário que circulava no Rio de Janeiro, criado em 22 de maio de 1945 e fechado em dezembro
de 1947, vinculado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).
27
João Alves Jobim Saldanha (1917-1990) foi um quadro histórico do PCB, jornalista, escritor, e
dirigente técnico da Seleção Brasileira de Futebol, entre 1969 e 1970. Devido à sua militância contra
a Ditadura, denunciando internacionalmente as atrocidades cometidas, acabou substituído por Mário
Jorge Lobo Zagallo.
30 Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023.
GONÇALVES, R. J. M.
Eles pediam para fechar o jornal trazendo uma ordem judicial. Nesse dia, não
trouxeram uma ordem judicial e eu também resolvi não entregar o jornal.
Resisti, foi tiro pra lá, tiro pra cá. E eu fui condenado a sete anos, e depois a
tive a pena reduzida para dois anos e dois meses.
Os dois meses iniciais da minha prisão foram um martírio enorme. O
comandante do presídio era um louco, anticomunista. Eu sobrevivi, porque
tinha uma boa saúde. Era pra matar mesmo. Eu vivia na solitária, que era um
apartamento” sem nada, só tinha o aparelho para fazer [necessidades]. [Ficava]
nu da cintura para cima e dormia no piso de azulejo. Negócio para matar o cara.
Quando passou para a penitenciária, o presidente de lá era um homem civilizado.
Os comunistas eram organizados no chamado “coletivo”. Eu era “presidente”
do coletivo. Então, eu falava com a chea do presídio, era comigo que ela se
entendia. No primeiro dia, durante a conversa, o diretor do presídio mostrou
que era um homem muito civilizado. Ele me aconselhou: “– Se você não botar
esse pessoal para trabalhar, seja no que for, você bota para trabalhar, se não vão
lhe atucanar na sua vida. Você tem ocupar eles. Eu pago um salário para eles.
Tinha um monte de prossões lá e o sujeito dava o pagamento para a família. E
havia mais uma franquia que era você ter relações sexuais com uma pessoa, uma
vez por semana. Aquilo era um achado. O diretor do presídio me disse: “– Vou
dar uma incumbência a você. Mas você não vai me fazer nenhuma traição. É o
seguinte: eu preciso de alguém que me organize a biblioteca, que tenha o poder
de comprar livros. Você não vai levar livro comunista [para a biblioteca]. Você
assume o compromisso comigo.” Cultura não tem nada que ver com isso. Então,
eu trabalhei dois anos como diretor da biblioteca do presídio. Nesse período, eu
li, por exemplo, o Silvio Romero todo. E li o Tobias Barreto. O esboço do livro,
que, quando saí da cadeia, publiquei, que era A Filosoa da Escola do Recife
28
, que
era uma escola importante.
Depois disso, me aproximei do professor Miguel Reale. Eu esbarrei no
Tobias Barreto com uma coisa que eu não sabia como chamar aquilo. Ele fez
uma cisão no positivismo. O positivismo virou uma religião ocial do Brasil,
tinha inclusive a igreja positivista. Era ocial, era a igreja do Augusto Comte.
O Tobias Barreto rompe com aquilo e cria uma nova frente que eu não sabia
como chamar. Chamei de “humanismo” e o Reale chamava de “culturalismo”.
Foi um grande achado pra mim. É um mundo que se apreende. Então, eu me
aproximei do professor Reale e vi que ele era um espírito superior, tinha uma
noção do Brasil muito positiva e conhecia os intelectuais brasileiros. Tinha
28
PAIM, Antonio. A Filosoa da Escola do Recife. Rio de Janeiro: Saga, 1966.
Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023. 31
A longa trajetória de um intelectual brasileiro Artigos / Articles
livros escrito sobre o assunto. E o professor Reale foi nomeado representante
de São Paulo no Conselho Federal de Cultura.
29
Vinha uma vez por mês ao
Rio de Janeiro, passava uma semana. Então, eu me aproximei muito dele. Era
um homem brilhante. Realmente, uma grande gura.
RG: Durante a sua trajetória política e intelectual, o Professor construiu uma
estreita parceria e colaboração com Paulo Mercadante (1923-2013), um importante
intelectual no campo da história das ideias. Como surgiu essa aproximação e qual a
importância dessa parceria com Mercadante, em sua trajetória?
AP: Paulo Mercadante era comunista, era de uma família de intelectuais
de Minas Gerais. O pai dele era uma gura importante da política.
30
E até
à Constituição [de 1946], [Xenofonte Mercadante] era ligado ao Benedito
Valadares
31
, que era um interventor da ditadura do Estado Novo. Paulo era
um homem muito sensato. O Paulo, sem nenhum exagero, escreveu um livro
magníco, A consciência conservadora no Brasil. Um assunto que ninguém
tinha coragem de abordar, de exaltar. Era um intelectual independente, de
grande caráter.
RG: O Professor tinha relações com o lósofo Luís Washington Vita
(1921-1968), outro importante historiador das ideias no Brasil, que foi
secretário do IBF entre 1960 e 1968? Como foram essas relações?
AP: O Vita foi um grande amigo meu. Ele editava a Revista [Brasileira
de Filosoa] e ele que me estimulou a escrever a História das ideias losócas no
Brasil. Eu tinha feito um trabalho, publiquei umas coisas, e não tinha ideia de
fazer uma história. E faltava naturalmente alguma coisa sobre o positivismo. E
o Vita me obrigou: “– Se você não faz, eu atribuo a você!” – e camos muito
amigos. O Vita era uma gura extraordinária. Ele era um “irresponsável”.
Ele não levava a sério as coisas; por exemplo, ele me mandou um xerox de
29
Miguel Reale foi membro do Conselho Federal de Cultura entre 1974 e 1989, tendo sido nomeado
pelo Presidente Emílio Garrastazu Médici, durante a Ditadura Militar.
30
Paulo Mercadante era lho de Xenofonte Mercadante, o qual foi um jurista brasileiro, deputado
estadual constituinte de Minas Gerais, entre 1947 e 1951. Assim como Antonio Paim, Paulo havia sido
do PCB e desligou-se do partido, após as revelações do Relatório Kruschev.
31
Benedito Valadares (1892-1973) foi jornalista e inuente político. Foi prefeito de sua cidade natal,
Pato de Minas, governador de Minas Gerais, na época de Getúlio Vargas, entre 1933 e 1945, e
posteriormente deputado federal e senador.
32 Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023.
GONÇALVES, R. J. M.
um diagnóstico e escreveu nas costas uma mensagem, quer dizer, era um
debochado, era uma gura extraordinária, bem-humorado, sem formalidade
nenhuma. Ao contrário do Reale, que era um homem muito formal. O Vita
era uma gura, morreu muito cedo.
O ensino da losoa brasileira já foi obrigatório. Não conseguimos
elaborar um programa [de ensino], acabou naquela briga na PUC, se politizou
o assunto. Eu retomei o assunto, espero antes de morrer deixar resolvido,
eu z uma história da losoa brasileira, vai ser publicado, se supõe que
publicaremos em seguida.
32
RG: Como o professor vê o pensamento liberal e conservador no Brasil
de hoje?
AP: O Brasil de hoje é muito perturbado e há uma proliferação de
partidos políticos. No tempo do Tancredo Neves, da Assessoria do Partido
da Frente Liberal, não houve meio de a gente conseguir reproduzir algumas
exigências mais substanciais sobre a criação de partidos. Virou um negócio...
O cara arranja 60 mil assinaturas, e o Tribunal [Superior Eleitoral] dá com
a maior facilidade, não tem maiores exigências. Nós não conseguimos
mudar esse regulamento. Ultimamente, eles conseguiram introduzir algumas
precauções: é preciso que, na eleição, tenha tanto número [mínimo] de votos,
parece que reduziria para dez [partidos], não sei quantos. Mas é um absurdo.
A representação política, sendo [representação] de interesses, ela tem poucas
formações políticas, poucos sistemas. Seria o socialismo, que, com a social-
democracia, eles introduziram a economia de mercado e abandonaram a ideia
de estatizar a economia, de ter o monopólio generalizado, quer dizer, essa
é a social-democracia. A grande invenção, na minha opinião, a intervenção
do Estado em favor do mais pobre, a grande invenção é a renda mínima, o
programa de renda mínima, o social security. Os Estados Unidos adotaram o
uso. É uma coisa extraordinária. O sujeito trabalha num lugar e é explorado,
enm, chega no m do ano – todo mundo nos Estados Unidos é obrigado a
declarar o imposto de renda –, quem não chega a vinte e tantos mil [dólares]
por ano, eles complementam a renda. Tanto que é uma pressão muito grande
na migração atrás disso. Mas eles zelam pelo cumprimento normal. É uma
32
Uma breve consideração sobre esse parágrafo da entrevista. Durante a entrevista, esse trecho foi
dito pelo Professor Antonio Paim, quando respondia à pergunta seguinte, de número 9; todavia, ele
retornou ao tema de Vita, de modo que inserimos essa fala aqui, para que o material casse mais
organizado para a leitura.
Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023. 33
A longa trajetória de um intelectual brasileiro Artigos / Articles
mudança mesmo no capitalismo, na minha opinião. Social-democracia, de
modo que tem a social-democracia hoje, tem o liberal, o liberal-conservador,
uns quatro ou cinco sistemas econômicos.
RG: O conito tradicional entre conservadorismo, liberalismo e marxismo
parece ter assumido, hoje, novas formas. As novas pautas culturais e de costumes,
como as questões de gênero, signicaram um deslocamento das antigas clivagens
político-ideológicas. Como o Professor vê esses conitos de hoje?
AP: Essa coisa de gênero, eu pessoalmente não engoli isso até hoje.
Você transformou a mulher numa coisa muito pior, a mulher sempre teve uma
posição laudatória, mulher bonita, cultuada, fotografada, desenhada, grandes
pintores zeram o retrato. Não sei se melhorou, não tenho informação. A
minha repugna é essa coisa de gênero. Não entendo como uma clivagem. As
mulheres sempre foram bem tratadas, essa que é a verdade. O que me parece
supercial eu vou dizer: a mulher, no gênero, ela quer substituir o homem.
Me parece que não seja esse o caminho. Você não pode acabar com a família.
A mulher vai ter sempre um papel destacado na formação das pessoas. É
impossível, a criança é absolutamente dependente. Vai ter que encontrar um
meio termo aí nesse negócio, de maneira que... Do jeito que as coisas vão, as
mulheres vão se ocupar dos assuntos que afetam os homens, e as crianças? Não
me satisfaz essa chamada “clivagem” não.
RG: Como o Professor vê a losoa e o seu ensino no Brasil de hoje?
Qual o balanço da sua longa atividade como historiador das ideias?
AP: Eu não sei lhe dizer o ensino de losoa em algumas universidades,
que são universidades respeitáveis, uma Unicamp, uma USP
33
, de padrão
internacional. Apesar disso, no que diz respeito às ciências sociais, há uma
politização excessiva. Na minha formação de professor, a primeira coisa que a
gente aprendia era: o professor tinha que começar dizendo qual era a doutrina
que ele fazia parte, “sou marxista, sou comunista, sou socialista, e eu procurarei
não inuir na pauta que eu tenho que defender aqui, então eu vou procurar
ensinar não me excluindo, o que eu acho como militante.” Por exemplo, não
seria nunca um socialista, social-democrata é possível. Isso é resultado da
33
A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, criada em 1962) e a Universidade de São Paulo
(USP, criada em 1934) são universidades públicas mantidas pelo governo do Estado de São Paulo.
34 Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023.
GONÇALVES, R. J. M.
proibição, uma perseguição absurda. Eu, um menino de 20 anos, car dois
anos preso por defender uma ideia. Depois, eu fui dirigente comunista, vivia
sendo perseguido. Tinha que mudar de nome, vivia escondido, quer dizer, um
negócio absurdo.
RG: Como o Professor avalia a atualidade dos estudos sobre o
Pensamento Brasileiro? O Professor tem acompanhado os novos estudos do
Pensamento Brasileiro, dos autores Ivan Domingues e Paulo Roberto Margutti
Pinto?
34
Como o senhor vê esses novos estudos?
AP: Não me interessei mais por acompanhar. Me pareceu, por conta
daquela briga na PUC, havia uma polarização em torno do [Henrique] Lima
Vaz. Ele assinou aquela carta, negócio dos estudantes. Ele voltou da Europa com
uma assistência dos jesuítas junto dos estudantes e encampou aquilo. Aquilo é o
único documento, na História do Brasil, que você tem uma opção pelo partido
único. É um absurdo aquilo. Então, ele tinha que se retratar, como os outros
zeram. Então, ele se recusou a se retratar. E como se recusou a se retratar,
continuou até hoje a favor. Ele já morreu. Então, em torno dessa história,
polarizou-se uma coisa desnecessária. Não tinha por que politizar uma questão
de que diz respeito ao ensino. Não é esse o caminho. Então, eu não acompanhei,
não tenho opinião e estou aqui em torno disso. É uma questão idiota, quer dizer,
é uma coisa signicativa para minha geração, a adesão ao partido único é uma
opção que nem os partidos comunistas faziam mais. E o Partido Comunista era
a favor da democracia popular. Era um jeito de o Partido Comunista continuar
mandando, mas era mais civilizado, vamos dizer assim, então não tem por quê.
Então, não repeti as mesmas coisas, z uma declaração a respeito da minha
posição. O Vaz é um homem de grande valor, eu examinei a obra dele, na
História das ideias losócas no Brasil, e me dei por satisfeito.
RG: Eu terminei de fazer as perguntas. Eu co muito grato ao senhor
pela disposição e pela disponibilidade por conceder esta entrevista.
AP: Eu que agradeço, perdoe a minha dispersividade, eu acho que foi
satisfatório.
34
Ivan Domingues é autor de Filosoa no Brasil: Legados e Perspectivas - Ensaios Metalosócos (São
Paulo: Unesp, 2017). Paulo Roberto Margutti Pinto é autor de História da Filosoa do Brasil (1500-
hoje). 1ª Parte: O Período Colonial (1500-1822) (São Paulo: Loyola, 2013) e História da Filosoa do
Brasil. A Ruptura Iluminista (1808-1843) (São Paulo: s Loyola, 2020).
Trans/Form/Ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36, Jan./Mar., 2023. 35
A longa trajetória de um intelectual brasileiro Artigos / Articles
GONÇALVES, R. J. M. Interview - e long trajectory of a brazilian intellectual: Antonio
Paim, philosopher and historian of ideas. Trans/form/ação, Marília, v. 46, n. 1, p. 15-36,
Jan./Mar., 2023.
Abstract: We present a synthesis of the trajectory of the philosopher and historian of ideas Antonio
Paim, followed by the interview we did to him. In the interview, the philosopher recounts his long
intellectual journey, which went through marxism and kantism. His political career went through
communism in youth and liberalism in maturity. Paim knew what it is like to be a dissident, when
he was a member of the Communist Party and ended up being a political prisoner, and what it is
like to be linked to the establishment, when he was an advisor to the presidency of the Liberal Front
Party. Paims long intellectual trajectory, with its changes and intensities, refers to the very history of
republican Brazil, with its dramatic twists and turns. Being an unprecedented report, the interview
helps to understand the brazilian intellectual culture of the second half of the 20th century and how
intellectuals articulate themselves in relation to power.
rEfErências
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Recebido: 22/03/2022
Aprovado: 19/06/2022