Comentário A “Em busca do(s) deus(es) ausente(s): o modo de vida populista em Laclau e em Chaui”

 

Marilena de Souza Chaui[1]

 

Referência do artigo comentado: Maeso, b. e. a. Em busca do(s) deus(es) ausente(s): o modo de vida populista em Laclau e em Chaui. Trans/form/ação: revista de filosofia da Unesp, v. 44, n. 4, p. 41–62, 2021.

 

Estou em total concordância com o artigo de Benito Maeso (2021), pela cuidadosa e original interpretação dos textos por ele comentados. Apenas tomo a liberdade de fazer um pequeno aggiornamento sobre o populismo brasileiro.

No dia 6 de janeiro de 2019 – Dia de Reis, no calendário cristão –, numa cerimônia na Igreja Universal do Reino de Deus, o pastor Edir Macedo ungiu o recém-empossado presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, num gesto semelhante à unção papal do rei medieval, que lhe conferia um corpo místico imortal e transcendente: seu corpo político, pelo qual se tornava Marido da terra e Pai da justiça.

Com Messias Bolsonaro, ressurge a presença político-ideológica da bandeira nacional e a referência à “pátria amada”, unidade indivisa que permite mobilizar argumentos racistas, homofóbicos, misóginos e religiosos, transformando medos, ressentimentos e ódios sociais silenciosos em discurso do poder e justificativa para extermínios. Seu populismo pode ser resumido em alguns traços: põe fim na social-democracia, com a privatização neoliberal dos direitos sociais, agora como serviços regidos pela lógica de mercado; põe fim na democracia liberal representativa, apresentando-se como único representante do verdadeiro povo, com quem se relaciona diretamente, por meio das redes sociais, operando sem mediação institucional e pondo em dúvida a validade dos parlamentos políticos e das instituições jurídicas, açulando manifestações contra ambos; como Pai da Justiça, busca o controle total sobre o judiciário, graças a dossiês sobre problemas pessoais, familiares e profissionais de magistrados, aos quais oferece “proteção” em troca de lealdade completa; como Marido da terra, considera-se divinamente autorizado a estuprar o meio ambiente.

 

Referência

Maeso, b. e. a. Em busca do(s) deus(es) ausente(s): o modo de vida populista em Laclau e em Chaui. Trans/form/ação: revista de filosofia da Unesp, v. 44, n. 4, p. 41 –62, 2021.

 

Recebido: 29/5/2021

Aceito: 03/6/2021

 


 

 



[1] Professora Emérita da FFLCH da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP – Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4199-1632. E-mail: 1ms Chaui@gmail.com.