Comentário a “SOME CONTRIBUTIONS OF HABERMAS TO THE STUDY OF PUBLIC COMMUNICATION OF SCIENCE”

 

Juliano Cordeiro da Costa Oliveira[1]

 

Referência do artigo comentado: Alvim-Silva, A. E. F.; Pereira, J. R.; Aguiar, C. M. G. de. Some contributions of Habermas to the study of public communication of science. Trans/form/ação: revista de filosofia da Unesp, v. 44, n. 4, p. 15 –36, 2021.

 

O artigo de Alvim-Silva, Pereira e Aguiar (2021) trata da relação entre ciência, conhecimento, comunicação pública e democratização, à luz de Jürgen Habermas, tendo como base alguns de seus textos da década de 1960. O artigo possui o mérito de reconstruir uma discussão que aparece apenas de modo periférico na obra do filósofo alemão, embora seja de fundamental importância para o tempo presente. Já na década de 1960, Habermas enfatizava a necessidade de tradução dos conteúdos científicos para uma linguagem pública, estabelecendo pontes entre a ciência e a sociedade civil. A comunicação da ciência deve ser realizada nos padrões de uma racionalidade dialógica e comunicativa. Habermas pensa a partir de um paradigma comunicacional, em que a relação entre ciência, conhecimento e comunicação pública é uma condição fundamental para a democracia.

Os autores propõem que diversas discussões atuais podem se beneficiar das considerações dos escritos habermasianos da década de 1960. Afinal, já naquela época, o filósofo alemão debatia temas que se relacionavam com a temática do conhecimento científico e sua publicização, na sociedade civil. Porém, é raro encontrar Habermas referenciado por aqueles que escrevem sobre o assunto. Como destacado antes, é mérito do artigo atualizar uma discussão que, embora periférica no pensador alemão, é fundamental nos dias de hoje, época de um crescente negacionismo e desvalorização do conhecimento.

Em Conhecimento e Interesse, por exemplo, Habermas (1987) afirma que todo conhecimento é acionado por interesses que o orientam e dirigem, ideia que compromete a alegada imparcialidade do método científico. Os interesses precedem a autorreflexão (não há conhecimento sem interesse) e obscurecem a alardeada “objetividade do conhecimento”. Portanto, a dinâmica de geração de conhecimento ocorre por meio da satisfação de interesses subjacentes. a) O interesse técnico motiva as ciências naturais, empírico-analíticas, as quais buscam predizer e controlar os fatos e principalmente produzir informação. b) O interesse prático representa o alicerce das ciências do espírito, que se centram na compreensão social, através da comunicação e interação, resultando principalmente em interpretações. c) O interesse emancipatório motiva a ciência crítica, a qual pode refletir sobre o conhecimento que produz, resgatando o papel da filosofia no processo científico e produzindo conhecimentos passíveis de transformação social, em que as análises são priorizadas como categoria de conhecimento. Embora diversos entre si, esses interesses estão interligados e devem ser considerados em conjunto.

Em Técnica e Ciência como Ideologia (HABERMAS, 1968), dos anos 60, e, posteriormente, em sua Teoria do Agir Comunicativo, de 1981 (HABERMAS, 2012), aprofundaria essa temática ao conceituar sua racionalidade comunicativa em contraposição à racionalidade instrumental e estratégica. Habermas elabora uma perspectiva teórica que se fundamenta na relação entre trabalho e interação/comunicação. Não se trata, em Habermas, de negar a técnica e a racionalidade instrumental, porém, acima de tudo, de redirecionar a chamada racionalidade sistêmica para o âmbito do mundo vivido e das relações intersubjetivas. Desse modo, Habermas, já nos anos 60, enfatizava a importância da ciência e de sua comunicação pública, à luz da democratização da sociedade, pensando a ciência e o conhecimento também como instâncias fundamentais para a própria democracia. O saber não pode ser apenas algo dos especialistas, preso a instâncias burocratizadas, mas algo compartilhado na esfera pública, através de processos de tradução do idioma científico para o mundo da vida.

Habermas critica o tecnicismo e o cientificismo. Estes reduziram todo o conhecimento humano ao domínio do técnico e do modelo das ciências empíricas, limitando o campo de ação da razão humana. Assim, ele critica a estrutura das ciências objetivistas que negam a autorreflexão como elemento fundacional da construção do conhecimento. O processo reflexivo faz com que o conhecimento não fique preso a situações (ou tópicos) particulares, estando livre para novas reflexões. Os autores do artigo defendem que, ao valorizar os interesses práticos e emancipatórios, podemos estimular a popularização da ciência e, consequentemente, colaborar para que a ciência passe a incorporar os interesses decorrentes do debate público, melhorando continuamente. Contudo, seria inconsistente excluir a sociedade de tais processos reflexivos, uma vez que a ciência trabalha para gerar conhecimento, a fim de ajudar o avanço da sociedade, em seus múltiplos aspectos. Nesse contexto, é essencial, nos dias de hoje, um maior diálogo entre ciência, Universidade e sociedade civil.

Por isso, os autores defendem a necessidade de popularizar o conhecimento científico, estimulando interpretações e análises, chamando atenção, inclusive, para a importância das ciências humanas, nesse processo. Em seguida, os autores argumentam que, à medida que os estudos de pesquisa encontram espaço para seu debate, na esfera pública – por meio da popularização e divulgação científica – os pesquisadores podem incorporar comentários, posições, expectativas, críticas e declarações do público em seu universo de pesquisa.

Na perspectiva habermasiana, é preciso reconduzir o saber técnico e instrumental para uma nova orientação no mundo da vida. Por conseguinte, a sociedade se vê como parte integrante do saber tecnológico e científico, através das discussões e deliberações na esfera pública. A ciência, por sua vez, também ganha uma dimensão ética e social, porque se relaciona diretamente com a sociedade, evitando que caia apenas numa esfera mercadológica e autocentrada, sem comunicação com a esfera pública. A comunicação científica e a publicização das pesquisas são essenciais para uma sociedade democrática que, por sua vez, reconhece a importância do conhecimento e do fazer científico para seu desenvolvimento.

Em outros textos clássicos, como Mudança Estrutural da Esfera Pública (HABERMAS, 1984), Teoria do Agir Comunicativo (HABERMAS, 2012), Facticidade e Validade (HABERMAS, 2020) e O Futuro da Natureza Humana (HABERMAS, 2004), Habermas aprofunda vários dos temas discutidos no artigo, através de certos conceitos, como razão instrumental, comunicativa, sistema e mundo vivido, tornando-se um autor determinante para refletirmos a relação entre comunicação pública, ciência, conhecimento, democracia e Universidade, como propõe o artigo.

 

REFERÊNCIAS

Alvim-Silva, A. E. F.; Pereira, J. R.; Aguiar, C. M. G. de. Some contributions of Habermas to the study of public communication of science. Trans/form/ação: revista de filosofia da Unesp, v. 44, n. 4, p. 15 –36, 2021.

HABERMAS, J. Técnica e ciência como ideologia. Tradução de A. Morão. Lisboa: Edições 70, 1968.

HABERMAS, J. Mudança Estrutural da Esfera Pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Tradução de J. N. Heck. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

HABERMAS, J. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal? São Paulo: Martins Fontes, 2004.

HABERMAS, J. Teoria do Agir Comunicativo. Tradução de F. B. Siebeneichler. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

HABERMAS, J. Facticidade e Validade. São Paulo: Editora Unesp, 2020.

 

Recebido: 12/5/2021

Aceito: 17/5/2021


 

 



[1] Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE – Brasil. Doutorado Sanduíche pela Ludwig Maximilian-Universität (LMU), em Munique, Alemanha, Pós-Doutorando pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Bolsista CAPES/PNPD. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0844-6731. E-mail: julianopesquisa81@gmail.com.