TRADUC;AoITRANSLATION

 

DO PRINCIPIO DE INDIVIDUAC;Ao

[Ordinatio Livro II, Distinao Terceira, Parte Primeira]

 

[Questao 1 : Se a substancia material e individual ou singular por si mesma ou por sua natureza?]

 

Joao Duns ESCOTO Tradução : Cesar Ribas CEZAR[1]

 

Introduao

 

Joao Duns Escoto,  0 Doutor Sutil,  nasceu em  1265/1 266 em Duns,  condado  de Berwirck, Escocia. Ingressou no convento franciscano de Dunfries em 127811279. Or­ denou-se em 1291. De 1293 a 1296, estudou em Paris . Lecionou em Cambridge e Oxford de 1297 a 1301. Encontra-se em Paris entre 1302 e 1303 , quando leciona como bacharel sentenci<'uio, mas e obrigado a deixar a Fran<;a por se recusar a aderir a causa do rei, no conflito entre Felipe, 0 Belo, e o papa Bonifacio VIII . Retorna a Paris em 1304 . Em  1308 e enviado para Colonia,  onde veio a falecer com 42  anos  de idade .

texto apresentado foi retirado da Ordinatio (comentario sobre as Senten<;as de Pedro Lombardo) e trata da no<;ao de natureza comum.2 Para 0 "Doutor Sutil" , a natureza de algo e anterior a singularidade e a universalidade. Por exemplo, a natureza de urn homem, isto e, a "humanidade ", em si mesma nao possui nem a singularidade da coisa nem a universalidade do conceito . Ela e anterior tanto a coisa quanto ao conceito . Em outras palavras , a natureza e aquilo que ha de comum entre a coisa singular e 0 conceito universal.

Esta ideia de uma natureza anterior a singularidade e a universalidade pode ser encontrada em Avicena (980- 1037) e em Tomas de Aquino (1225/1226- 1274) . Duns Escoto inova ao atribuir a natureza uma unidade propria, distinta da unidade do individuo da unidade do conceito . Sobre esta unidade da natureza, ele ira fundar  a sua  teoria do conhecimento, a qual ira influenciar, pOI exemplo, 0 filosofo americana C.  S. Peirce.

1                Acerca da terceira distinc;ao deve-se pesquisar a respeito da distinc;ao pessoal nos anjos. Mas, para ver a respeito desta distinc;ao neles,  em primeiro lugar,  deve-se pesquisar a respeito da distinc;ao individual nas substancias materiais, a respeito da qual assim como diversos se pronunciam de maneiras diversas , consequentemente assim tambem a respeito da pluralidade dos individuos na mesma especie angelica. E  para que  as  diversas  opiniiSes,  as  quais  pesquisam  a respeito  da  distinc;ao  ou da indistinc;ao da substancia material, sejam distintamente vistas, pesquiso urn a urn os diversos modos de responder,  -

texto  interpolado  ["eis  que  foi  mostrado"  etc.  Acerca desta terceira distinc;ao, na qual 0  Mestre  trata de como foram criados os anjos quanto a suas condic;iSes na­ turais, formula principalmente duas perguntas : primeiro , a respeito da distinc;ao pes­ soal deles, segundo, a respeito do conhecimento natural deles ; mas ja que da distinc;ao pessoal da substancia material somos conduzidos para 0 conhecimento da distinc;ao pes­ soal da substancia espiritual, entao deve-se ver primeiro a distinc;ao individual na substancia material e por ultimo na substancia espiritual. E, ja que acerca da distinc;ao individual na  substancia material h8.  uma variedade  de  opiniiSes,  entao,  segundo  a variedade de opiniiSes, uma variedade de questiSes sera formulada : pergunta-se, por­ tanto,  primeiro,  se  a  substancia  material e  individual  ou singular por si  ou por sua natureza ;  segundo,  se e individual atraves de algo positivo intrinseco ,  terceiro,  se e individual atraves da existencia atual ou se alguma outra coisa e a razao da indivi­ duac;ao ;  quarto,  se  atraves  da  quantidade ;  quinto,  se  atraves  da materia ;  sexto,  se atraves de alguma entidade positiva que determina por si a natureza a singularidade ; setimo e ultimo, se e possivel existirem muitos anjos na mesma especie .] - e primeiro, se  a substancia material e  individual ou singular por si  ou por sua natureza.

2                 Que sim :

o Filosofo prova, no livro VII da Metafisica - contra Platao - que "a substancia de qualquer coisa e propria aquela da qual e, e nao esta em outra"; portanto etc. Portanto , a substancia material por sua natureza, deixando de lado tudo 0 mais , - e propria para aquela coisa na qual esta, de modo que por sua natureza nao pode estar em outro ;  portanto pOI sua natureza e individual.

3                 Contra :

Qualquer  coisa  que  esta por si  em  algo  por  sua  razao,  esta nele,  em qualquer que seja este algo ; portanto, se a natureza da pedra de si fosse "esta", - em qualquer urn em que houvesse a natureza da pedra, aquela natureza seria "esta pedra" . 0 con­ sequente e inaceitavel, falando de singularidade determinada, a respeito do que trata a questao .

4                 Alem disso, aquilo a que de si convem urn oposto, a ele de si repugna 0 outro oposto ;  portantose  a  natureza  de  si  e  una  em  numero,  a  ela repugna  a  multidao numerica.

[I - Em relaao a questao: A - Opiniao  de  outrosl

 

5          [Exposi9ao  da opiniao]  - Aqui se diz que,  assim como a natureza e por si for­ malmente natureza,  assim tambem e por si singular,  de modo  que nao e necessario buscar outra causa da singularidade alem da causa da natureza como se a natureza fosse antes - no tempo ou na natureza - natureza do que singular e, assim,  atraves de urn outro algo acrescentado fosse restringida a se tomar singular .

6          0 que se prova por semeJhan9a : pois , assim como a natureza por si tern urn verdadeiro  ser  fora  da alma,  mas  tern  0  ser na  alma  somente por  outro,  isto  e,  pela pr6pria alma (e a razao e, porque 0 ser verdadeiro convem a ela simplesmente, - mas ser na alma e ser dela sob certo aspecto), assim tambem a universalidade nao convem a coisa senao segundo 0 ser sob certo aspecto, a saber, na alma ; a singularidade, porern,  convem a coisa segundo  0  verdadeiro  ser  e,  assim,  por  si  e  sirnplesrnente . Deve-se, portanto, buscar a causa pela qual a natureza e universal (e deve-se dar 0 intelecto como causa) , - mas nao deve-se buscar alguma outra causa pela qual a natureza e singular,  alem da natureza da coisa, mediando entre ela pr6pria e sua sin­ gularidade, mas as mesmas causas que sao causas da unidade da coisa, sao tambem da singularidade dela;  portanto etc.

Segue-se texto interpolado :  [Contra isto argumenta-se assim, primeiro da parte da comunidade da natureza: se de si e esta, repugna ser comunicada, como e evidente a respeito da essencia divina,  - e assim tambem nos anjos,  se fosse de si esta.  Pro­ va-se, tambem, porque aquilo que por si convem urn dos opostos, a ele repugna 0 outro ; ora a comunicabilidade nao repugna a natureza material. Alem disso, se a na­ tureza segundo aquilo que e na coisa, fosse de si esta, seria impossivel inteligi-la universal, a nao ser que fosse inteligida sob a razao oposta de inteligir tal objeto . Alem disso,  se  na razao da natureza se inclui a singularidade,  entao repugna-Jhe ser nao- este (e assim ser universal) , porque 0 que quer que repugna ao incluido, repugna tambem ao includente]

7          [Refuta9ao da opiniao] - Contra isto argumenta-se assim :

o  objeto,  na medida em que e objeto,  e naturalmente anterior ao pr6prio ato,  e naquele anterior - segundo tu - 0 obj eto e de  si singular, pois isto sempre convem a natureza nao tomada sob certo aspecto ou segundo 0 ser que tern na alma ; portanto , o intelecto inteligindo aquele objeto sob a razao de universal, intelige 0 mesmo sob a razao oposta de sua razao, pois, como precede 0 ato, e determinado de si ao oposto desta razao,  a saber,  de universal.

8          Alem disso, se a unidade real, pr6pria e suficiente do que quer que seja e menor que a unidade numerica, isto nao e de si uno em unidade numerica (ou, nao e,  de si, isto) ;  ora,  a unidade pr6pria,  real ou suficiente  da natureza existente nesta pedra  e menor que a unidade numerica ; portanto etc.

9         A maior e patente por si, pois nada e de si " uno" em unidade maior que a unidade suficiente para si :  com efeito ,  se a unidade pr6pria - que,  de  si,  e devida a algo - e menor que a unidade numerica, a unidade numerica nao the cabe por sua natureza e de acordo consigo mesmo (de outro modo , precisamente por sua natureza, teria uma unidade maior e menor, as quais sao opostas acerca do mesmo e de acordo com 0 mesmo - pois uma multidao oposta a unidade maior pode estar junto a unidade menor sem contradiQao, multidao que nao pode estar junto a unidade maior, pois the repug­ na; portanto etc.)

10      Prova da menor :  pois,  se nenhuma  "unidade real"  da natureza e menor que  a singularidade, e toda unidade " da natureza especifica, distinta da unidade da singu­ laridade " e menor que a unidade real, - entao nao havera nenhuma "a unidade real" menor que a unidade numerica ; 0 consequente e falso como provarei por cinco ou seis vias ;  portanto etc.

11      1    A primeira via e a seguinte :

Segundo 0 Fil6sofo, no livro X da Metafisica , "em todo genero h8. urn primeiro, que e metro e medida de tudo que esta naquele genero".

12      Esta unidade do primeiro mensurante e real, pois 0 Fil6sofo prova que a primeira razao de medida cabe ao "uno", e declara por ordem de que modo e "uno" aquilo a que cabe a razao de medir em todo genero . Ora, esta unidade e de algo na medida em que e "primeiro" no genero ; e, portanto, real, pois os medidos sao reais e sao realmente medidos ; ora, 0 ente real nao pode ser realmente medido por urn ente de razao ; portanto e real.

13      Ora,  esta unidade nao  e numerica,  pois nao  h8.  nenhum  "singular"  no genero, que seja medida de todos aqueles que estao neste genero, - pois de acordo com 0 Fil6sofo,  no livro III  da Metafisica ,  "nos individuos da mesma especie,  nao e este an­ terior e aquele posterior".

14      Ainda que 0 Comentador explique 0 " anterior" como dizendo respeito ao " an­ terior" como constituinte do posterior, nada disso se refere a menor, pois 0 Fil6sofo pretende ai assinalar a razao pela qual Platao postulou uma razao separada da especie e nao no genero , pois nas especies h8. uma ordem essencial, por causa da qual 0 posterior pode ser reduzido ao anterior (e, assim, segundo ele [Plataol nao e preciso postular uma ideia do genero "por cuja participaQao as especies sao aquilo que sao", mas a ideia da especie, a qual todas as outras se reduzem) ; ora, nos individuos , de acordo com Platao e de acordo com 0 Fil6sofo, que 0 cita, nao h8. tal ordem, quer urn constitua 0  outro quer nao ;  portanto etc.

15      Portanto,  e aqui intenQao do Fil6sofo concordar com Platao,  que nos individuos da mesma especie nao h8. uma ordem essencial. Portanto, nenhum individuo e por si medida daqueles que estao em sua especie, - portanto, nem unidade numerica ou individual.

16      Alem disso, em segundo , provo que 0 mesmo consequente e falso : pois, de acor­ do com 0 Fil6sofo no livro VII da Fisica da-se comparaQao na especie atoma, pois e una  em natureza,  - mas  nao  no  genero,  pois 0  genero nao possui tal unidade .

17          Esta diferenQa nao e de unidade de acordo  com a razao, pOis 0 conceito do ge­ nero e tambem uno , em numero, no intelecto, assim como 0 conceito da especie ; de outro modo, nenhum conceito seria dito quiditativamente de muitas especies (e,  as­ sim, nenhum conceito seria genero) , mas haveria tantos conceitos ditos das especies quantos fossem  os conceitos das especies,  e,  entao,  em  cada uma das predicaQoes o mesmo seria predicado de si . Igualmente, a unidade do conceito ou do nao- conceito, nada te rn a ver com a intenQao do Fil6sofo ai , a saber, em relaQao a comparaQao ou nao.  Portanto,  0 Fil6sofo  pretende ai que  a  natureza  especifica  e  una  na  unidade  da natureza especifica ; nao pretende, porem, que a mesma e assim una em unidade numerica, pois , na unidade numerica nao  se  da  comparaQao . Portanto etc.

18          Alem disso, em terceiro :

De  acordo  com  0  Fi16sofo,  no  livro  V  da Metafisica ,  cap . "Sobre  a  relaQao ",  0 mesmo,  0  semelhante  e 0 igual estao fundados  sobre 0  "uno",  de  modo  que ,  ainda que a semelhanQa tenha por fundamento a coisa do genero de tal qualidade, a relaQao nao e real a nao ser que tenha fundamento real e a razao pr6xima fundante real; portanto, a unidade,  que e requerida no fundamento da relaQao de semelhanQa, e real:  ora, nao e unidade numerica, pois nada uno e 0 mesmo e semelhante ou igual a si mesmo .

19          Alem disso,  em quarto :

Os dois primeiros extremos de uma 0posiQao real sao reais ; ora, a contrariedade e oposiQao real (0 que e claro, pois urn corrompe ou destr6i realmente 0 outro, dei­ xando de lado toda obra do intelecto, e nao e assim senao porque sao contrarios) ; portanto, cada urn dos primeiros extremos desta oposiQao e real e "uno" em alguma unidade real : mas nao e em unidade numerica, pois assim precisamente este branco seria 0 "primeiro contrario " a este negro (ou precisamente aquele branco) 0 que e inaceitavel, pois haveria entao tantas contrariedades primeiras quantos individuos contrarios ; portanto etc.

20           Alem disso, em quinto :

o  objeto de uma aQao do sentido e uno segundo alguma unidade real;  ora, nao numerica ;  portanto,  alguma unidade,  distinta da unidade numerica,  e real.

21           Prova da menor, pois a potencia, que conhece 0 objeto assim (a saber, na medida em que e uno "nesta unidade "), conhece-o na medida em que e distinto do que quer que nao e uno nesta unidade, - ora, 0 sentido nao conhece 0 objeto na medida em que e distinto do que quer que nao e uno naquela unidade numerica ; 0 que e claro, pOis nenhum sentido distingue que este raio do sol difere numericamente de outro raio, mesmo quando sao diversos por causa do movimento do sol; se forem colocados de  lado  todos  os  sensiveis  comuns  (por  ex.  a  diversidade  de  lugar  e  posiQao),  e  se fossem colocadas,  pela potencia divina,  duas quantidades  que fossem simultaneas, que  tambem tossem em tudo  semelhantes  e iguais  na brancura,  - a visao nao  dis­ tinguiria  que  ali  M  dois brancos  (se,  no  entanto,  conhecesse urn deles na medida em que e uno  em unidade numerica,  conheceria-o na medida em que e uno distinto em unidade numerica l).

22           Tambem se poderia argumentar, de acordo com isto, a respeito do primeiro ob­ j eto do sentido, que e uno em si,  em alguma unidade real, pois , assim como 0 objeto "desta potencia" - na medida em que e objeto - precede 0 intelecto, assim tambem de acordo com sua unidade real precede toda a<;ao do intelecto . Mas , esta razao nao conclui  assim  como  a precedente :  com  efeito,  pode-se  sustentar  que  algum  objeto primeiro - na medida em que e adequado a potencia - e algo comum, abstraido de todos  os  objetos  particulares,  e  assim  nao  tern  unidade  senao  de  comunidade  em rela<;ao  aqueles  varios  objetos particulares ;  ora,  nao  e dado negar,  acerca do  objeto uno  de urn ato uno de sentir,  que tenha necessariamente uma unidade real e menor que a unidade numerica.

23           Alem disso, em sexto :

Pois ,  se toda unidade real e numerica,  entao toda diversidade real e numerica. Mas , 0 consequente e falso, pois toda diversidade numerica, na medida em que e numerica,  e igual,  - e  assim tudo  seria igualmente  distinto ;  e,  entao,  segue-se  que o intelecto nao poderia mais abstrair algo comum de S6crates e Platao, do que de Socrates e da linha,  e qualquer universal seria uma pura fic<;ao do intelecto .

24           A primeira consequencia se prova de dois modos :

Primeiro,  porque  uno  e  multiplo,  0  mesmo  e  0  diverso,  sao  opostos  (pelo livro X da Metafisica , cap.5); ora, quantas vezes se disser urn dos opostos , tantas se dira tambem 0  outro  (pelo livro I  dos  T6picos) ;  portanto, a cada unidade corresponde sua pr6pria diversidade.

25            Prova-se em segundo , pois cada extrema de qualquer diversidade e em si uno , e no modo pelo qual e uno em si, no mesmo modo parece ser diverso do outro extremo , de modo que a unidade de urn extrema parece ser por si a razao da diversidade do outro extremo .

26            Confirma-se tambem de outro modo,  pois,  se  s6 h8.  nesta coisa a unidade real numerica, qualquer unidade que estiver nesta coisa e, por si, una em numero ; por­ tanto, este e aquele, de acordo com toda a entidade neles, sao primeiro diversos , pois sao diversos que nao se reunem de nenhum modo em nada de "uno" .

27           Confirma-se tambem, pelo fato de que a diversidade numerica e este singular nao  ser  aquele  singular,  suposta,  no  entanto,  a  entidade  de  cada  extremo Ora,  tal unidade cabe necessariamente ao outro extremo .

28           Alem disso :

Por nada existente no intelecto , 0 fogo geraria 0 fogo e corromperia a agua, e haveria alguma unidade real "do gerador para com 0 gerado" de acordo com a forma, por causa da qual a gerayaO seria univoca. 0 intelecto , com efeito, quando considera, nao faz a gerayaO ser univoca, mas conhece que ela e univoca.

 

[B - Opiniao propria]

 

29      Portanto,  em relayao a questao,  concordando  com as  conclusoes daqueles  ar­ gumentos  (7  e 8) ,  digo  que  a substancia material por  sua natureza nao  e  de  si esta,

- pois assim, como 0 primeiro argumento deduz (7), 0 intelecto nao poderia inteligi-la sob 0 oposto a nao ser que inteligisse 0 seu objeto sob uma razao de inteligir que repugna a razao de tal objeto .

30      Assim tambem, como deduz 0 segundo argumento (8) (com todas as suas pro­ vas), alguma unidade real esta na coisa, sem nenhuma OperayaO do intelecto, menor que  a  unidade numerica ou  que  a  unidade  propria  do  singular,  "unidade"  que  e da natureza de  acordo consigo mesma, - e  de acordo com esta  "unidade propria" da natureza, na medida em que e natureza, a natureza e indiferente a unidade da singularidade ; portanto, nao e, de si, una, naquela unidade, a saber, na unidade da singularidade.

31      Mas,  de  que  maneira  isto  deve  ser  entendido,  pode,  de  alguma  maneira,  ser visto atraves do que Avicena diz no livro V da Metafisica , onde sustenta que "a eqiii­ nidade e somente a eqiiinidade, - nao e de si una nem muitas , nem universal nem particular". Entendo : nao e de "si una" em unidade numerica, nem " muitas" em plu­ ralidade oposta aquela unidade ; nem e "universal" em ate (a saber, no modo pelo qual algo e universal enquanto e objeto do intelecto), nem e de si "particular".

32      Com efeito, ainda que nunca seja realmente sem algum destes, de si nao e algum destes,  mas  e naturalmente  anterior a todos  estes,  -  e  de  acordo  com  a prioridade natural e  "aquilo que  e"  por si objeto do intelecto,  e por si,  como tal,  e  considerado pelo metafisico e e expresso pela definiyao ; e as proposiyoes "verdadeiras do primeiro modo" sao verdadeiras em razao da qiiididade assim tomada, pOis nada e dito "por si no primeiro modo" acerca da quididade a nao ser 0 que esta incluido nela essen­ cialmente,  na medida em que ela e abstraida de todos estes,  que sao naturalmente posteriores a ela.

33      Mas,  a propria natureza nao  e somente de  si indiferente a ser no intelecto e no particular, e, por isso, a ser universal e particular (ou singular), - mas ela propria tam­ bern,  tendo  ser no  intelecto,  nao tern primeiro por si  a universalidade.  Com  efeito, ainda que ela seja inteligida sob a universalidade como sob 0 modo de a inteligir, a universalidade nao e parte do seu conceito primeiro, pois nao e conceito do metafisico, mas do logico,  (com efeito,  0 logico  considera as segundas intenyoes,  aplicadas  as primeiras de acordo com ele proprio). Portanto, a primeira intelecyao e " da natureza" , de maneira que nao e co-inteligido nenhum modo, nem aquele que e seu no intelecto nem aquele que e seu fora do intelecto ; ainda que a universalidade seja 0 modo de inteligir deste inteligido,  nao  e  0 modo inteligido !

34      E assim como,  de acordo com este ser,  a natureza nao  e  de si universal,  mas a universalidade advem a esta natureza segundo sua primeira razao, segundo a qual e objeto, - assim tambem na coisa exterior,  onde a natureza esta com a singularidade, esta natureza nao  e,  de si, determinada a singularidade, mas e naturalmente anterior a propria razao que a restringe aquela singularidade, e, na medida em que e natural­ mente anterior aquilo que a restringe, nao the repugna ser sem aquilo que a restringe. E assim como 0 objeto no intelecto teve verdadeiro ser inteligivel de acordo com esta anterioridade dela e a universalidade, assim tambem na coisa a natureza tern urn verdadeiro ser real externo a alma de acordo com aquela entidade, - e de acordo com aquela entidade tern uma unidade que the e proporcional, que e indiferente a singu­ laridade, de tal modo que nao repugna de si aquela unidade que seja colocada com qualquer unidade de singularidade (logo, entendo deste modo que  "a natureza tenha uma unidade real menor que a unidade numerica"); e ainda que nao a tenha de si, como se fosse interna a razao da natureza (pois "eqiiinidade e somente eqiiinidade" , de acordo com Avicena no livro V da Metafisica), aquela unidade e uma afecC;ao pro­ pria da natureza de acordo com sua primeira entidade, e, por conseguinte, nem e por si " esta" intrinsecamente, nem de acordo com a entidade propria necessariamente incluida na propria natureza de acordo com a primeira entidade dela.

35      Mas , parece haver duas objec;oes contra isto (34) :

Uma, pois parece sustentar que 0 universal e algo real na coisa (0 que e contra o Comentador, no comentario 8 sobre 0 livro I do De Anima, que diz que "0 intelecto faz a universalidade nas coisas, de modo que nao existe senao pelo intelecto", e assim e somente urn ente de razao),  - pois,  esta natureza e,  pelo que foi dito, indiferente a este singular e aquele, na medida em que e nesta pedra, mas e  naturalmente anterior a singularidade desta pedra.

36      Alem disso, Damasceno no cap.8: "E preciso saber que uma coisa e ser consi­ derado na coisa e outra na razao e no pensamento . Portanto,  e em particular,  certa­ mente em todas as criaturas, considera-se a divisao das hipostases na coisa (na coisa, com efeito , Pedro e considerado separado de Paulo), - mas considera-se a comunidade e reuniao, so no intelecto, pela razao e pelo pensamento (com efeito, inteligimos no intelecto porque Pedro e Paulo sao de uma (mica natureza e possuem uma (mica natureza comum)" ;  "Com efeito, estas hipostases nao sao em si reciprocas, mas cada uma e individualmente partida, isto e, separada segundo a coisa" . E depois : "De fato, na santa e supersubstancial Trindade ocorre 0 contrario : com efeito, la considera-se na coisa urn unico comum",  "mas depois no pensamento, 0 dividido" .

37      Em relaC;ao ao primeiro, digo que universal em ato e aquilo que tern alguma unidade indiferente, de acordo com a qual 0 mesmo esta em potencia proxima para ser dito de qualquer subordinado, pois,  de acordo com 0 Filosofo, no livro I dos Analiticos Posteriores,  "universal" e aquilo que e uno em muitos e de muitos. Com efeito, nada - de acordo  com qualquer universalidade - na  coisa e tal que,  de acordo  com aquela unidade precisa, esteja em potencia proxima em relaQao a qualquer subordi­ nado para uma predicaQao que diga "isto e isto ", pOis, ainda que nao repugne a algo existente na coisa ser em uma singularidade distinta daquela na qual e , nao pode ser dito verdadeiramente de qualquer inferior 0 seguinte : que " qualquer urn e ele" ; com efeito, isto somente e possivel acerca do objeto numericamente 0 mesmo, considerado em ato pelo intelecto,  - 0  qual,  "na medida em que  e inteligido",  possui tambem a unidade  numerica  do  objeto,  de  acordo  com  a  qual  0  mesmo  e  predicavel  de  todo singular,  no dizer que  "isto e isto ".

38      Disto, fica claro a refutaQao do dito que " 0 intelecto agente faz a universalidade nas coisas ", pelo fato de que pode ser dito de toda " quididade " [ quod quid est] exis­ tente na imagem que e tal que nao lhe repugna estar em outro, e pelo fato de que desnuda a  "quididade "  [ quod quid]  existente na imagem,  - pois,  em qualquer lugar que esteja antes de ter 0 ser objetivo no intelecto possivel, seja na coisa seja na ima­ gem, tenha seT certo ou deduzido pela razao (e, assim, nao pOI alguma luz, mas sem­ pre seja tal natureza por si a qual nao repugna ser em outro) , ainda nao e tal ao qual caiba em potencia proxima ser dito do que quer que seja, mas so esta em potencia proxima no intelecto possive!.

Ha,  portanto,  na coisa urn " comum" ,  que  nao  e de  si este,  e,  por conseguinte, nao Ihe repugna de si 0  nao-este . Mas, tal comum nao e universal em ato, pois falta aquela indiferenQa  de  acordo  com  a  qual  0  universal  e,  de  uma  maneira  completa, universal,  de acordo com a qual,  a saber,  0  mesmo,  por alguma identidade ,  e predi­ cavel de qualquer individuo, de tal modo que qualquer urn seja ele .

 

39      Em relaQao a segunda objeQao - de Damasceno - digo que do modo pelo qual na divindade 0 " comum" e realmente uno, deste modo 0 comum nao e realmente uno  nas  criaturas.  La,  com  efeito,  " comum"  e  singular  e  individual,  pois  a  propria natureza divina e de si esta, e deste modo fica claro que nenhum universal e realmente uno  nas  criaturas ;  pois  sustentar  isto,  seria  sustentar  que  alguma natureza  criada nao-dividida e predicada de muitos individuos por uma predicaQao que diz " isto e isto",  assim como  se  diz  que  0  Pai e Deus e 0  Filho e 0  mesmo Deus .  Nas  criaturas, porem, ha algum comum uno em unidade real, menor que a unidade numerica, e este "comum" nao e assim urn comum que seja predicavel de muitos, ainda que seja assim urn comum que nao the repugna ser em algo distinto daquilo no que e.

40      E,  portanto,  duplamente claro de que modo a autoridade nao esta contra mim: primeiro, porque fala da unidade da singularidade na divindade, - e, deste modo, nas criaturas, nao somente 0 "universal criado" nao e uno, mas tarnbem 0 " comum" ; segundo, porque fala do comum predicavel, e nao precisamente do comum que e determinado de fato (ainda que nao the repugne ser em outro) , precisamente tal " comum" que pode ser colocado nas criaturas realmente.

41      [II - Em relaao ao argumento principal]

 

42      E pelo que foi dito, fica claro em relac;:ao ao argumento principal, pois 0 Filosofo refutava aquela ficc;:ao que atribui a Platao,  a saber,  que  "este homem"  existente por si - 0 qual 8 considerado com o "id8ia" - nao pode ser por si universal para todo ho­ mem, pois "toda substEmcia existente por si 8 propria aquilo da qual 8" , isto 8: ou 8 por si mesma "propria",  ou  "8 tornada propria" por algo  que a restringe, restringente que tendo sido posta nao pode estar em outro, ainda que nao the repugne de si estar em outro, - e esta explicac;:ao tamb8m 8 verdadeira, falando-se da substancia na me­ dida em que 8 tomada como natureza ; e assim segue-se que a id8ia nao sera subs­ tancia de Socrates, pois nem sequer 8 natureza de Socrates, - pois, nao 8 por si propria, nem apropriada a Socrates,  de tal modo que esteja somente nele,  mas tamMm esta em outro, de acordo com 0 mesmo [Plataol. Mas se se toma a substancia como subs­ tancia primeira,  entao 8 verdade que qualquer substancia 8, por si, propria aquilo do que 8 e,  entao, segue-se muito mais que aquela id8ia - que 8 posta como "substancia existente por si" - nao pode ser substancia de Socrates ou de Platao deste modo ; ora o primeiro membro 8 suficiente a este proposito .

 

 

[III - Para a confirmaao da opiniao]

 

43      Para a confirmac;:ao da opiniao ,  8 claro que a comunidade e a singularidade nao estao para a natureza como 0 ser no intelecto e 0 ser verdadeiro fora da alma, pois a comunidade  cabe a natureza fora da alma,  e semelhantemente a singularidade,  -  e a comunidade cabe por si a natureza, mas a singularidade cabe a natureza por algo que a restringe na coisa;  mas a universalidade nao cabe a coisa por si. E assim con­ cedo que se deve procurar a causa da universalidade, mas nao se deve procurar outra causa da comunidade al8m da propria natureza;  e tendo sido colocada a comunidade na propria natureza de acordo com sua propria entidade e unidade,  8 preciso neces­ sariamente  buscar a  causa  da singularidade,  que adiciona algo  aquela natureza da qual 8.



[1] Mestre em Filosofia - Unicamp - Campinas - SP.