Mario Fernando BOLOGNESI[1]
• RESUMO: Adorno e Horkheimer adotaram a noção de fetichismo da mercadoria para a análise da arte e da cultura. Bens materiais e fisicos não sao idênticos aos simbólicos. Apesar de dominante, a industria cultural não pode ser tomada como protótipo de toda analise da cultura. Não se pode reduzir toda a produção cultural da época da economia de mercado a produtos de mercado. A pluralidade de praticas artísticas e culturais , a qual se assiste em países como 0 Brasil, torna problemático o uso indiscriminado do referencial frankfurtiano.
• PALAVRAS- CHAVE: Mercadoria; fetichismo; industria cultural; bens culturais.
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Dentre as varias e pertinentes contribui90es de Karl Marx a critica das condições de vida sob 0 capitalismo, uma delas se sobressai, especialmente porque sua cono ta9ao , embora originaria da Economia Politica, extrapola em muito os seus limites. Trata-se da analise da mercadoria e seu respectivo fetichismo, uma abstração e con densa9ao das implicações inter-subjetivas da relação entre os homens, que e, em ultima instancia, uma relação entre coisas. Ainda que a analise de Marx esteja cir cuns crita ao ambito da economia, ela, pode-se dizer, encontra-se de tal forma aden sada que alcan9a 0 dominio da filosofia. Nesse aspecto, a mercadoria e seu fetichismo convertem-se em uma especie de "manada" do capitalismo, ao lado, certamente, do conceito de luta de classes.
De onde provem essa dimensao que se sobrepoe ao trabalho humano e seus produtos, a ponto de estes tornarem-se em algo que na aparencia nao 0 sao? - per gunta-se Marx. A mercadoria nao e uma simples coisa; nao e aquilo que aparenta ser. A aderencia de valores externos faz dela a portadora de "sutileza metafisica e manhas teol6gicas " (Marx, 1983, p.70). E esse processo nao esta sedimentado no valor de usa , no destino dos produtos para a satisfa9ao das necessidades dos homens. Essa derencia da-se na forma mercadoria como tal. no momenta em que 0 trabalho hu mana (alienado, por excelencia) e seus resultados sao dados para 0 conjunto da so ciedade como mercadorias ; ou seja, no valor como atributo de troca.
o fetichismo da mercadoria consiste, pois, na transformação do produto social em uma coisa metafisica. A mercadoria e fruto de relac;:6es objetivas de produc;:ao e, na economia capitalista, ela alcanc;:a 0 estatudo de mediac;:ao entre os produtores , por que refrata as relac;:6es sociais entre os homens como uma relac;:ao entre objetos, ou melhor, como uma relac;:ao objetiva entre coisas[2] Ela aparece entao, como dotada de vida propria : torna-se independente e escamoteia a sua origem. A forma mercadoria e a sintese das relac;:6es sociais que se erigem a partir do trabalho, de tal forma que essas relac;:6es dao-se "nao como relac;:6es diretamente sociais entre pessoas em seus proprios trabalhos, senao como relac;:6es reificadas entre as pessoas e relac;:6es sociais entre as coisas " (p.71).
A mercadoria so alcanc;:a 0 fetichismo grac;:as a forma peculiar como e produzida na economia capitalista, isto e, na especificidade do trabalho alienado. Neste , 0 ho mem nao domina a totalidade do processo produtivo, nao so porque nao e possuidor do produto final. mas tambem por nao ter 0 dominio mental das diferentes etapas da produc;:ao. Ocone com 0 processo de produc;:ao uma racionalizac;:ao de tal ordem, que termina por fragmenta-lo inteiramente. 0 trabalhador nele se incorpora como uma parte mecanizada, como urn outro objeto [3]Ao obj etivar-se, ao aparecer socialmente na forma mercadoria, manifesta-se, concomitantemente, 0 aspecto desumano da sociedade capitalista. A reificac;:ao che ga ao ponto de ser urn dos elementos constituintes do capitalismo. Fragmentado como forc;:a de trabalho (quando se transforma em coisa), 0 homem tambem se fragmenta, de tal forma que a objetividade da mercadoria termina por expressar essa fragmen tac;:ao. Em outras palavras, a mercadoria passa a reter uma unidade que nao se en contra mais no homem, ou na relac;:ao de produc;:ao. Ela, por assim dizer, sintetiza 0 capitalismo, a propriedade privada e 0 trabalho alienado, pois se coloca como resul tado e objetivo ultimos das relac;:6es sociais. As relac;:6es entre os homens atingem uma forma racional e abstrata na mercadoria, urn abstracionismo, contudo , originario do universo concreto da produc;:ao.
o fetichismo aponta 0 carater velado daquela aderencia metafisica e teologica, que quer esconder suas marcas essenciais , efetivamente concretas , e encontra na forma de dinheiro a sua mais sublime efetiva<;:ao. 0 involucro mistico da merca doria manifesta-se, pois , no valor de troca. 0 uso tern interesse para os homens , mas somente a troca e que confere 0 estatuto ultimo da coisa produzida, na forma de mercadoria, como rela<;:ao social entre coisas, que sao, igualmente, rela<;:aes entre homens.
Para os objetivos deste trabalho, cabe, todavia, ressaltar que Marx empreendeu seus estudos tendo como base a produ<;:ao material de bens. Nao chegou a aplicar 0 conceito do fetichismo a instancia cultural. A analise da cultura sob esse paradigma vai se dar no seculo XX, e talvez as reflexaes dos teoricos da Escola de Frankfurt tenham sido as mais radicais nesse sentido (ainda que nao haj a unanimidade so bre 0 assunto entre Adorno e Benjamin, por exemplo). 0 que se pretende aqui e a averigua<;:ao das identidades e distin<;:aes entre mercadorias dadas a satisfa<;:ao de necessidades fisicas e imediatas e outras , eminentemente culturais e simboli cas , postas a disposi<;:ao para suprir necessidades, pode-se dizer, da intui<;:ao , do desejo, da imagina<;:ao e da sensibilidade. 0 objetivo primordial deste trabalho e , por tanto, 0 exame da transferencia do conceito do fetichismo da mercadoria para a pro blematica da arte e da cultura. 0 problema artistico e cultural, nesse contexto, des loca-se das matrizes intrinsecas do seu fazer e estende-se ate 0 circuito total de sua produ<;:ao, reprodu<;:ao e consumo. Isto e, ja nao se fala explicitamente de obra de arte, mas sim de uma mercadoria de natureza cultural, gerada de acordo com a logica e os atributos industriais.
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Sao por demais conhecidas as observa<;:aes de Adorno & Horkheimer (1985) acer ca do carater industrial que 0 capitalismo imprimiu a cultura no seculo XX e a sua imediata contrapartida, 0 consumo[4] A no<;:ao de industria cultural, por ambos desen volvida, nao quer deixar margem a duvida quanto a natureza intrinseca de seus pro positos. Contrariando a visao de cultura de massa, ambos os autores optaram por uma melhor estrutura<;:ao conceitual, especialmente porque a no<;:ao de industria cultural desfaz a pretens8.o ilusoria de que se trata de uma cultura espontanea, que surge das massas. Os elementos diferenciais est8.o , de urn lado , na no<;:8.o prioritaria do con sumo que tal produ<;:8.o concomitantemente almeja e determina, contrariamente a imagem equivocada de cria<;:8.o das massas ; e, de outro, no carater efetiva e prepon derantemente industrial que a cultura assumiu, vindo a se firmar como prototipo do minante de manifesta<;:8.o.
E igualmente sabido que tal proposi<;:8.o conceitual funda-se no choque e na desilus8.o, se se quiser, que os autores experimentaram diante do modelo cultural consumista da sociedade norte-americana, por for<;:a do exilio diante do nazismo. Tal pratica de cultura em nada correspondia aquela fun<;:8.o totalizante, de integra<;:8.o e recomposi<;:8.o do sujeito, tal como Lukacs julgava adequado, e que tinha no romance do seculo passado a sua melhor express8.o.
Desviando rapidamente do tema aqui proposto, cabe ressaltar que a tarefa de reconstruir, na imagina<;:8.o e na subjetividade, uma totaliza<;:8.o desalienante, diante de decomposi<;:8.o fragmentaria do mundo objetual do trabalho, tarefa atribuida a arte por parte do filosofo hungaro, n8.o encontrava mais terreno apropriado em nosso se culo. As iniciativas das vanguardas artisticas apontavam para outro rumo. A rejei<;:8.o a poetica emanada do realismo acentuava a renuncia de verossimilhan<;:a da rela<;:8.o da arte com a realidade, ou mesmo quando n8.o renunciava (como foi 0 caso daqueles movimentos intimamente ligados com a politica, particularmente os ocorridos na RUssia e na Alemanha) , essa rela<;:8.o dava-se em urn estagio diferenciado. De todo modo, a arte e a poetica abandonaram a atitude contemplativa de uma composi<;:8.o organica, descobridora ou reveladora dos sentidos que escapam ao olhar, a percep<;:8.o e a cons ciencia usuais, para investir, mimeticamente, talvez, na fragmenta<;:8.o da vida a partir do interior da propria obra. E como se a vida e sua fragmenta<;:8.o tivessem adentrado definitivamente na cria<;:8.o , alojando-se explicitamente na obra - e este e 0 exato sentido do mimetismo na arte de vanguarda. A obra de arte procurou intencional mente essa aproxima<;:8.o, como forma de desmascaramento daquele estilha<;:amento que 0 capitalismo imprimia ao cotidiano e, principalmente, aos sujeitos sociais ; leia se, as classes dominadas[5]
Retornando a problemática da cultura no universo industrial, pode-se dizer que a mercadoria cultural, tal como outra qualquer, e resultado de urn longo processo
produtivo, cuja ênfase é o produto final. posta a venda, com base no valor de troca. Nesse processo intervem 0 trabalho humano em diversos ambitos, alienado, dividido e fragmentado , a ponto de 0 produto nao comportar mais as marcas dos diversos sujeitos que nele atuaram. 0 sujeito, nesse caso, e o trabalhador, coisificado abstra tamente como forQa de trabalho. 0 artista-produtor e apenas uma parte dessa cadeia produtiva. A posse da produQao quase sempre nao the pertence, ainda quando restam porcentagens contratuais de direitos de autoria. 0 processo de produQao deixa 0 am bito preferencial da relaQao subjetiva e aloja-se na objetividade do complexo produtivo de bens (neste caso simbolico), e em suas complexas relaQiSes sociais. 0 trabalho e os produtos por ele gerados transformam-se em mercadorias, e, como se viu, estas sao relaQiSes sociais, que assumem, no capitalismo, a forma de relaQiSes entre coisas[6]
o processo geral, quando voltado para a geraQao de produtos, e fruto exclusivo da coisificaQao, quando 0 sujeito e incorporado nele como uma parte estilhaQada, quando nao automatizada. Nesses termos, a equaQao do ato de fruir (talvez fosse preferivel "usufruir") uma obra artistica tern, como ponto de partida, a fragmentaQao de urn processo reificado.
Ocorre, todavia, que a reificaQao original se propiSe a estender-se ate 0 desti natario. 0 consumidor relaciona-se com as experiencias da sensibilidade a partir e por meio dos produtos dados pelas ofertas do mercado. Uma primeira conseqiiencia dessa cadeia de desenvolvimento redunda nos limites que se interpiSem entre 0 consu midor e 0 proprio mercado. Nesse ponto devem ser relevadas as situaQiSes precisas de renda, estrutura concreta de distribuiQao dos produtos e, principalmente, eviden cias quanto ao gosto, aos valores e habitos que sao postos pela industria da cultura. Em linguagem abstrata, pode-se dizer que, nesse exemplo, 0 sujeito so realiza seu prazer estetico e so consegue satisfazer sua sensibilidade e emoQao a partir dos objetos. Uma vez mais , a coisificaQao se taz presente. Desta feita, no momenta terminal da cadeia.
o aparente suj eito destinatario, em ultima instancia, e tao-somente urn novo objeto na cadeia intrincada das relaQiSes produtivas para 0 mercado. Assim, a relaQao es tabelecida pode ser sintetizada nos seguintes termos : ela vai do objeto ao sujeito, e este e encarado como urn novo obj eto[7] 0 sujeito destinatario nao vai mais ao encontro
de si, mas sim do produto. E 0 fato deste objeto destinar-se a suprir exigencias e necessidades subjetivas nao altera, aparentemente, os termos da equac; ao , em urn mundo no qual as exigencias e necessidades sao , tambem elas , interpostas pelos pr6prios mecanismos de mercado , terreno ultimo e reino predileto do produto[8] Afinal, outras categorias de produtos, para consumo e satisfac;ao de necessidades, sao igualmente obj etificadas e destinam-se a tantos outros sujeitos fragmentados. A crueza dos termos e elementos da equac; ao traz , certamente, uma anulac; ao do suj eito. Ela se da tanto no nivel daquele sujeito- operario que se transformou em simples forc; a de trabalho, quanto no destinatario que e tornado pelo mercado so mente como urn consumidor. Em ambos os casos, os atributos do sujeito estao vili pendiados pela fragmentac; ao incessante de uma trajet6ria que se origina na fabrica c;ao de produtos e termina em urn sujeito, objeto da industria cultural, nao menos objetificado que 0 primeiro. Em outros termos : alguns poucos especialistas produzem, outros tantos nao especialistas consomem. A relac;ao entre ambos , contudo, e inter mediada pelo produto, pelo objeto , a ponto de a relac;ao s6 ser reconhecida social mente no ambito exclusivo da produc;ao de mercadorias. A "desumanizac;ao" e parte integrante desse processo[9]
Para Adorno & Horkheimer, 0 carater mer cantil da obra de arte nao e algo pe culiar ao nosso seculo. A arte , neste seculo, vai acentuar (e esta e, no entender dos autores, a grande novidade) a negac;ao de sua autonomia. Essa renuncia e acompa nhada da reduc;ao da arte a mero bern de consumo. A partir de entao, sua subordi nac; ao ao mercado e total. 0 que implica apresentar-se sempre como uma novidade para consumo, uma novidade, todavia, veladora da mesmice : a repetic;ao e a exaustao sao os prot6tipos daquilo que quer aparecer como novo e diferente.
o valor de troca, 0 lucro e a enfase nos neg6cios vern substituir todos os atributos da arte e suas grandes finalidades. A arte e seu ambito nao sao mais espac; os apro priados para 0 exercicio e manifestac; ao do juizo estetico : transformaram-se em objetos preferencialmente destinados ao lazer e a diversao, uma extensao e conti nuidade da reificac;ao dominante , mesmo quando apresentam-se como momentos de suspensao e de aparente distanciamento do dia a dia. A industria da diversao e do lazer faz que a arte e a cultura se vejam integradas ao cotidiano alienante, concomi tantemente como forma de fuga e de inserc;ao. 0 processo industrial da cultura almeja a naturalizac;ao completa da reificac;ao. 0 neg6cio e 0 lucro nao sao apenas intenc; oes
da industria cultural, mas principios unicos. Sua ideologia e a sua pr6pria forma, ou seja, a mercadoria.
Na concepc;ao de Adorno & Horkheimer, a possibilidade indiscriminada de con sumo nao aproximou as massas daquelas areas das quais elas se viam excluidas : serviu, outrossim, para selar a decadencia da cultura, ao reduzi-la unicamente a eco nomia de mercado. Nas suas palavras :
Mesmo na !lor da idade dos negocios, 0 valor de troca nao arrastou 0 valor de usa como urn mero apendice, mas tambem 0 desenvolveu como 0 pressuposto de sua propria existencia, e isso foi socialmente vantajoso para as obras de arte. A arte manteve 0 burgues dentro de certos
!imites enquanto foi cara. Mas isso acabou. Sua proximidade i!irnitada, nao mais mediatizada pelo dinheiro, as pessoas expostas a ela consuma a a1ienac;:ao e assirnila urn ao outro sob 0 signo de uma triunfal reificac;:ao. (1985, p.150)
Os autores da Dialetica do esc1arecim en to aplicam com radicalidade 0 conceito da reificac;ao ao universo da produc;ao cultural industrializada. 0 imperativo do valor de troca provoca 0 obscurecimento do uso[10] A cultura e vista unicamente como mer cadoria, ainda que se saliente 0 aspecto paradoxa! de seu estatuto : "A cultura e uma mercadoria paradoxa!. Ela esta tao completamente submetida a lei da troca que nao e mais trocada. Ela se confunde tao cegamente com 0 usa que nao se pode mais usa lao It por isso que ela se funde com a publicidade" (p.1 51).
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A concepc;ao da arte e da cultura exclusivamente como mercadoria parece des considerar certas particularidades que as fazem distintas daqueles bens voltados a satisfac;ao de necessidades fisicas. E isso se deve ao ponto de partida que Adorno e Horkheimer adotaram para a an8.lise da obra de arte no ambito industrial, qual seja, o do consumidor-objeto, que se complementa com 0 da industria e seus interesses. Ambos os p610s se unem e sao interdependentes[11]
Se, no nivel da abstrac;ao, e possivel alcanc;ar os limites da reificac;ao, cabe, no entanto, detectar as peculiaridades que esse processo recebe quando se trata de bens materiais ou de bens simb6licos, como e 0 caso da pIOduc;ao cultural e artistica (an teriormente, afirmou-se que na aparencia nao havia distinc;ao entre produtos materiais
e simbolicos, post os ao consumo}. A abstrac;ao empreendida, entao, mostrar-se-a urn necessario guia, porem incompleto se nao se adentrar nas especificidades de cada tipo de produto. Do contrario, prevalece 0 imperativo da abstrac;ao. Se ta uma uni cidade quanto a compreensao do fenomeno, ta, igualmente, uma diversidade quanto as especificidades dos produtos gerados. Ou seja, como valor de troca, os produtos culturais nao se distinguem dos materiais, pois ambos tern a mesma origem e resultam de urn identido processo reificado. Contudo, no que se refere ao usa, ta diferenciac;oes que necessitam ser acentuadas. A pIOduc;ao material, em principio, destina-se a sa tisfac;ao de necessidades de sobrevivencia e de bem-estar; a simbolica, a satisfac;ao do gosto, do prazer estetico e do desejo.
Por mais que se proceda a analise das obras de cultura sob 0 paradigma da mercadoria, h8. que ressaltar que elas dirigem-se para a satisfac;ao de necessidades sensitivas, intuitivas e da imaginac;ao, para alem, portanto, das fisicas. 0 trabalho nas artes, nos atos de cultura, nao e unicamente demonstrac;ao de uma habilidade tecnica, com vistas a urn valor de troca no seio da realidade de mercado. Com efeito, ele atinge urn patamar que 0 trabalho mercantil, de produtos materiais, de urn modo geral, nao alcanc;a, qual seja, 0 da beleza. Ainda que a arte nao perca seu vinculo com as tecnicas de pIOduC;ao, dada a historicidade de suas formas, ela nao se contenta em restringir-se a elas. A pIOduC;ao cultural nao e necessariamente utilitaria. A trans formac;ao da materia e a conexao entre forma e conteudo, mesmo que fundadas em tempos historicos precisos, nao se contentam com a atitude mimetica, como urn sim ples reflexo do mundo objetivo. Antes de mais nada, a criac;ao e exercicio deliberado da capacidade humana de buscar formas sensiveis que procuram a beleza, em ultima instancia, e, assim, sobrepor-se ao seu proprio tempo. Apesar da distancia temporal, a trag8dia grega mantem seu devido atrativo sobre a contemporaneidade.[12] Os atos culturais sao representac;oes que nascem das relac;oes de produC;ao e contribuem para a sua repIOduC;ao e transformac;ao. Isto e, carregam urn potencial utopico quando . imaginam e criam possibilidades de outras relac;oes.
Ainda que inserida no processo da mercantilizac;ao, a pratica da arte e da cultura mantem uma certa distancia para com 0 trabalho coisificado, proprio do universo fabril das mercadorias. Nao se presta, unica e somente, aos valores de troca que refletem a alienac;ao generalizada. Apesar de relacionarem-se e, sob certo aspecto, estarem dependente das condic;oes sociais e economicas alienantes, as criac;oes artisticas po dem direcionar-se para 0 futuro, num processo de nitida negac;ao, e manifestar a von tade e a liberdade, diante de urn cotidiano de desilusao [13]
Os process os artisticos e culturais nao se reduzem, imediata e sumariamente, a concepgao do trabalho alienado, tal como aplicado na relagao capitalista de produ gao. A superagao da alienagao esta presente na arte (ou tambem em outras atividades, tais como na ciencia e na filosofia), se esta assim 0 quiser, possibilitando 0 desenrolar de urn lado ut6pico e critico, de exploragao das faculdades humanas para alem das atividades fundantes da produgao economica. Sua autonomia, portanto, deve ser pre servada, mesmo que se entenda que esta circunscreve-se, em ultima medida, ao de senrolar geral do processo social. Ela possibilita a vivencia sensorial e aprofunda a percepgao das complexidades hist6ricas. A arte e a cultura estao, neste seculo, inseridas no universo economico, como atividade de exploragao e expansao do capital, e participam tambem do universo simb6llco como urn dos mecanismos privilegiados de sedimentagao do imaginario dominante. Os meios preferenciais de exercicio da hegemonia sao os veiculos de difusao da informagao e da cultura de massas.
Entretanto, ainda que diferenciando-se em sua destinagao (como usa , portanto) dos produtos materiais, a obra de arte mantem-se em urn patamar de extrema dell cadeza quando discutida no nivel ideol6gico. Por destinar-se a beleza e a satisfagao da subjetividade, ela toma-se urn elemento conformador do imaginario. Mas, como ideologia, nada assegura que sera etema e completamente reiterativa da ordem do rninante ; isto e, ela pode dar-se em uma configurag8.o de contra-hegemonia. Ela pode ser critica, ainda que ocorra por intermedio da industria da cultura e se manifeste por intermedio dos meios de comunicagao de massa. Se 0 capitalismo faz usa da arte e da cultura para solidificar 0 conjunto social, h8. que relevar que ele nao detem 0 do rninio pleno e absoluto do ato de criagao, embora detentor dos meios de produgao da arte dominante. E igualmente sabido que a vida em sociedade funda-se na opo sigao de classes, que, por sua vez, deixa transparecer suas marcas nas grandes obras, em grandes atos de cultura. Essa trans-aparencia restitui 0 aspe cto critico da arte e da cultura, mesmo em suas formas massificadas.[14]
No dominio da propriedade privada e do trabalho alienado, a mercadoria, como tal, e uma especie de alegoria fechada e acabada do capitalismo. Os bens culturais, pOI sua vez, sao veiculos que repoem essa alegorizagao, mas nao somente isso : mes rno escamoteando, eles restituem aos sujeitos sociais a dominagao e sua contrapar-
tida, a possibilidade da mudanQa e da transformaQao. A arte e a cultura sao alegorias em aberto, que se prestam a valorizaQao dos atributos subjetivos diante da reifi caQao e repoem ao corpo social os seus limites, bern como algumas possibilidades de superaQao.
Assim, nao parece adequado reduzir toda a produQao cultural da epoca da eco nomia de mercado a produ tos de m ercado. Ela se tornou dominante graQas a conti guraQao industrial e empresarial que essa pratica vern adotando nas ultimas decadas. Mas, ao lado dela, outras tantas relaQoes ainda permanecem vivas, desde as artesa nais, levadas a efeito por produtores independentes, que poem a venda as suas obras, ate as patronais, sem tins lucrativos, mantidas por instituiQoes privadas ou publicas , ou mesmo as governamentais, em que as praticas culturais desenrolam-se no interior de instituiQoes estatais, ou a partir delas. Esses casos nao podem ser classificados como uma pratica da industria cultural, embora possa oconer que terminem em produtos que se dao a venda. Os produtos, contudo, sao diferenciados, sem a pretensao mas siva e consumista que adquirem no caso industrial. Essas praticas ainda se consubs tanciam, conforme 0 caso, ou na esfera das praticas culturais populares, ou na erudita.
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Ao se enfatizar a presenQa de outros modos de praticas culturais na epoca con tempor{mea pretende-se apenas ressaltar a pluralidade diante da hegemonia e do pre tenso imperio industrial. Essa pluralidade torna-se de maior valia quando aplicada a casos como 0 Brasil. Aqui, 0 modelo exercitado pela industria cultural nao chega a compor 0 quadro simb6lico geral ; isto e, nao constitui urn universo homogeneo, ainda que sua pretensao seja esta. 0 caso brasileiro nao pode ser comparado inestritamente aos paises europeus do capitalismo classico, ou mesmo a sociedade norte-americana de alto consumo. Neles, a divisao do trabalho solidificou a distancia entre artistas e nao-artistas , criando categorias profissionais e campos de trabalho especializados na produQao cultural, tanto erudita como, e principalmente, industrial.
No Brasil, 0 acesso aos bens materiais e simb6licos restringe-se a camadas so ciais especificas , restando as classes populares limites acentuados, em constante con
£lito com os desejos que 0 pr6prio mercado alimenta, mas que as condiQoes econ6- micas e sociais impedem de serem satisfeitos. Para 0 caso dos bens culturais, na l6gica de mercado, a distribuiQao de renda e urn dos fatores determinantes do tipo de produto que pode ser mais facilmente adquirido. 0 mercado dos bens simb6licos obedece a mesma dinamica do material, sendo determinado pela desigualdade da distribuiQao da riqueza, com 0 agravante da fragilidade do sistema educacional que, alem de nao ser extensivo a todas as classes, alimenta urn ideario simb6lico pr6prio da cultura erudita e da cultura massificada, desprezando, quase que completamente, os modos de constituiQao e exercicio das culturas populares, que se fazem presentes ate mesmo nos grandes centros urbanos. Portanto, nao ocorre aquele acesso indiscrimi nado e intensivo das massas a cultura industrial, mas tao-somente a uma parte dela.
It bastante sintomatico que as cidades industrializadas, ainda hOje, apresentem formas culturais oriundas da vida rural. Elas nao foram eliminadas pela cultura indus trial, nem ao menos assimiladas pelos veiculos de comunicaQao de massa. No contexto geral da cidade, elas nao almejam resgatar 0 passado dos migrantes, mas tao-somente colocar-se como contraponto a massificaQao do cotidiano. No minimo, restituem aos seus praticantes 0 deslocamento da condiQao urbana e, nesse aspecto, apontam para a con dit;:ao de desqualificados sociais, ja que 0 imperante e 0 consumo de bens. Ora, essas praticas nao se constituem bens culturais. Nao sobrevivem, por outro lado, como re siduo de urn passado belo, mas unicamente como forma dominada e diferenciada de uma possibilidade social e cultural.
A an8.lise do campo simb6lico em urn pais como 0 Brasil nao pode apenas orien tar-se pela oposiQao cultura eruditalindustria cultural. A presenQa dos excluidos so cialmente dos mercados materiais e simb6licos torna relevante , para a pratica da cul tura, 0 papel das culturas populares , tambem excluidas do modelo simb6lico domi nante, tanto erudito como industrial.[15]
A cultura erudita alimenta e reitera urn c6digo especifico , destinado a urn pu blico restrito , educado e iniciado na apreensao de seu universo. Os meios de expansao e de imposiQao de seu campo simb6lico estao ao encargo dos sistemas de educaQao e das instituiQoes culturais depositarias deste patrimonio, particularmente os museus e, em graus diferenciados , os edificios teatrais, quando se voltam a difusao da alta cultura. A intenQao dominante da industria cultural e a indiferenciaQao de todas as culturas, querendo , com isso, suplantar as diferenQas culturais, sociais e ideol6gicas. Seu mecanismo de manifestaQao da-se no interior de uma estrutura empresarial de mercado e de concorrencia, pela divisao entre produtores especialistas, de urn lado, e publico consumidor, de outro , intermediados pelos veiculos de distribuiQao , dentre os quais os meios de comunicaQao de massa sao os preferenciais.
As formas culturais populares, por seu turno, nao se portam como espetaculos postos a venda, nem ao menos almejam sobrepor -se como formas dominantes de cultura. Nao contam com nenhum espaQo institucional para reiterar os seus valores. Os seus praticantes estao inseridos na condiQao de dominados da pratica mercantil de que a dominaQao cultural alardeia.
A diferenciaQao dos modos de pratica cultural a que se assiste em urn pais como
o Brasil, a despeito de todo 0 imperio da cultura sob moldes industrializados, nao tern a pretensao de isolar formas estamentais de manifestaQao. As inter-relaQoes politicas e ideol6gicas entre esses modos sao por demais complexas para que se possa con tentar com urn purismo conceitual que , em realidade, nao se ve. A diferenciaQao entre formas dominantes e dominadas tern 0 unico prop6sito de trazer a tona a pluralidade de formas culturais que, bern se sabe, influenciam umas as outras. A enfase na diferen ciac;ao e na diversidade quer apenas fazer ver a pertinencia e a complexidade da ana lise da cultura e, por extensao, das politicas culturais em paises como 0 Brasil. As formas de aparic;ao do sensivel, de manifestac;ao da intuic;ao e da imaginac;ao cria doras, de realizac;ao da beleza e do prazer estetico sao por demais complexas (quando nao, interdependentes), para se verem condicionadas e reduzidas a categoria de merca doria e seu fetichismo. Estas noc;oes sao, por certo, da maior valia quando aplicadas ao mecanismo industrial de produc;ao da cultura, mas somente neste contexto e que se fazem pertinentes. Outras praticas necessitam de outros aportes te6ricos.
BOLOGNESI, M. F. The cultural commodity. TransIFormIAgao (Sao Paulo), v.19, p.75-86, 1996.
• ABSTRACT: Adomo and Horkh eimer adoted the notion of the fetishism of commodities for the analysis of art and culture. Material, physical goods are not identical to symbolic ones. In spite of being predominant cultural industry can not be taken as the prototype of all analyses of culture. One can not reduce all cultural productives of the period of market economy to market products. The plurality of artistic and cultural practices present in countries like Brazil, does make questionable the indiscriminate use of the Frankfurtian framework.
• KEYWORDS: Commodity; fetishism; cultural industry; cultural goods.
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[1] Professor do Departamento de Filosofia - UNESP - 17525-900 - Marilia - SP.
[2] Marx expoe 0 cafi3ter fetichista da mercadoria nos seguintes termos : "Porem, a forma mercadoria e a rela<;:ao de valor dos produtos de trabalho, na qual ele se representa, nao tern que ver absolutamente com sua natureza fisica e com as rela<;:oes materiais que dai se originam. Nao e mais nada que determinada rela<;:ao social entre os proprios homens que para eles aqui assume a forma fantasmagorica de uma rela<;:ao entre coisas. Por isso, para encontrar uma analogia, temos de nos deslocar a regiao nebulosa do mundo da religiao. Aqui, os produtos do cerebro humane parecem dotados de vida propria, figuras autonomas, que mantem rela<;:oes entre si e com os homens. Assim, no mundo das mercadorias, acontece com os produtos da mao humana. Isso eu chamo fe tichismo que ad ere aos produtos de trabalho, tao logo sao produzidos como mercadorias, e que, por iSso, e in separavel da produ<;:ao de mercadorias " (1983, p.71).
[3] Marx & Engels, no Manifesto do Partido Com ilista , de 1847, expoem nos seguintes termos a transforma<;:ao do proletario em mercadoria: "El obrero, obJigado a venderse a trozos, es illla mercancia como otm cualquiera, sujeta, par tanto, a todos los cambios y modaJidades de la concurrencia, a todas las fluctuaciones del mercado" (1961, p.79).
[4] Trabalhar-se-a aqui apenas com as analises acerca da indUstria cultural,tal como aparecem na Diaietica do es ciarecim en to. Adorno ja havia aplicado 0 conceito de fetichismo na analise da musica,em seu conhecido trabalho, "0 fetichismo na musica e a regressao da audi<;ao",de 1938, em resposta a Walter Benjamin e seu ensaio "A obra de arte na epoca de sua reprodutibilidade tecnica" ,de 1936. Ha duas versoes deste ensaio,ambas traduzidas e editadas no Brasil: a primeira esta na coletanea de textos de Benjamin,Magia e tecnica, arte e politica. Sao Paulo : Brasiliense, 1985; a segunda versao apareceu pela primeira vez em A ideia do cinema , Rio de Janeiro: Civiliza<;ao Brasileira, 1969, tendo sido posteriormente incluida na cole<;ao "Os Pensadores",Sao Paulo: Abril Cultural,1980, que traz tambem "0 fetichismo",de Adorno.
[5] Vale lembrar, a titulo de exemplificac;:ao, 0 intenso debate entre Lukacs e Brecht acerca do realismo e do moder nismo. Grosso modo, a acusac;:ao de formaJismo a arte moderna, por parte de Lukacs, devia-se a renuncia da arte de vanguard a aquela func;:ao restituidora da integralidade humana, talvez 0 ultimo refugio de recomposic;:ao do sujeito alienado e fragmentado, ou, se se quiser, ultimo baluarte ao qual valia a pena apegar-se na tentativa de compreensao, ainda que individual e subjetiva, das multiplas facetas do real. Por seu lado, Brecht acenava com 0 uso sociaIista de certas tecnicas alcanc;:adas pela arte modernista, particularmente a montagem e 0 dis tanciamento. Isto e, trazer a fragmentac;:ao para 0 interior da obra, em urn primeiro momento, propiciaria uma identificac;:ao com 0 disperso, que seria quebrada com os efeitos de distanciamento, momenta em que 0 espec tador tomaria nao s6 conhecimento do caos (por se ver nele inserido) e, ao distanciar-se, eJaboraria modos de consciencia e ate de reac;:ao a essa fragmentac;:ao. Arte e praxis politica estavam intrinsecamente ligadas.
[6] Com base no conceito de fetichismo de Marx, Georg Lukacs analisou 0 ato de alhear-se do homem diante de sua atividade, diante do trabalho. Apontou a incidencia do fenbmeno tanto no plano objetivo, como no subjetivo. "Objetivamente, surge urn mundo de coisas acabadas e de relac;oes entre coisas (0 mundo das mercadorias e do seu movimento no mercado). It verdade que os homens vao descobrindo as leis que regem tais objetos, mas, mesmo assim, estes contrapoem-se-lhes como outras tantas forc;as insuperaveis que geram 0 seu pr6prio pode!.
o individuo pode pois, com certeza, utilizar em seu proveito 0 conhecimento que tenha delas, sem que mesmo nesse caso the seja dado exercer, com a sua atividade, uma influencia transformadora sobre 0 seu processar real. Subjetivamente, a atividade do homem - numa economia mercantil realizada - objetiva-se em relac;ao a ele, torna-se numa mercadoria regida pela objetividade das leis sociais naturais estranhas aos homens e deve efetuar os seus movimentos tao independentemente dos homens como qualquer bern destinado a satisfac;ao de neces sidades, que se tornou coisa mercantil" (1974, p. 101).
[7] Adorno & Horkheimer foram enfaticos na abordagem da questao da industria cultural. 0 papel do destinatario nesse processo foi descrito nos seguintes terrnos : "0 principio impoe que todas as necessidades !he sejam apre-sentadas como podendo ser satisfeitas pela indUstria cultural, mas, por outro lado, que essas necessidades sejam de antemao organizadas de tal sorte que ele se veja nelas unicamente como urn eterno consumidor, como objeto da industria cultural" (1985, p.133).
[8] Enfatiza-se, neste momento do texto, 0 aparentemente, pois, como se vera, h3 distin\:oes entre mercadorias postas as necessidades materiais imediatas e as simb6licas, postas a disposi\:ao da sensibilidade, da intui\:ao e da imagina\:ao.
[9] Segundo Lukacs (1974, p.107), "0 que, no seu destino, e tipico da estrutura de toda a sociedade e que, ao ob jetivar-se e tornar-se mercadoria, uma fun\:ao do homem manifesta com extremo vigor 0 carater desumanizado e desumanizante da rela\:ao mercantil" (1 974, p. l07).
[10] "0 que se poderia chamar de valor de uso na recepção dos bens culturais e substituido pelo valor de tIOca ; ao invés do prazer, 0 que se busca e assistir e estar informado, 0 que se quer e conquistar prestigio e nao se tornar urn conhecedor. 0 consumidor torna-se a ideologia da industria da diversão, de cujas institui�iies não consegue escapar " (p. 148).
[11] Esse ponto de partida é o provocador da diferença de Adorno para com Benjamin e Brecht. Alem desses pólos complementares (industria-consumidor), Walter Benjamin e Bertolt Brecht colocam como elemento intrínseco e ate privilegiado do fenômeno artístico e cultural a perspectiva do artista produtor, ao valorizarem a poetica e o criador, dando relevância diferenciada aos mecanismos de pROdução, reprodução e consumo. Em suma, ambos operam com a possibilidade de transformação, ao passe que Adorno e Horkheimer descartam essa hipótese e contentam-se com a constatação do fenômeno com possibilidades infimas de ruptura
[12] Cabe lembrar, a esse respeito, a visao de Karl Marx sobre as artes e a literatura, nada complacente com a versao oficial do marxismo da Segunda Internacional. A esse respeito, consultar Lunn, 1986, p.19-45.
[13] "SegUn Marx, el mejor arte desempena la [uncian cognoscitiva de penetrar a traves de las nubes ideo1agicas que oscurecen las realidades sociales. Ademas, a1 ma terializar graficamente esta re1ativa libertad [ren te a1 mero reflejo de las circunstancias extemas, las creaciones esteticas podian desarrollar e1 deseo de una libertad mayor [ren te a una sociedad deshumanizada y a1ienan te. Todo arte tiene capacidad para crear una necesidad de disfrute y
educa cion esteticos que la sociedad capitalista no puede sa tisfa cer. Aunque cada vez cae en mayor medida bajo la influencia del mercado, el arte se produce y consume en relativa autonomia y no es identico al trabajo fabril ni a una mercan cia pura. Ningun escritor estaba mas consciente que Balzac del valor m onetario de su arte, pero en las novelas de Balzac vieron Marx y Engels el retra to mas fiel e historicamen te rico de la sociedad fran cesa de 1815-1 848" (Lunn,1986, p.27).
[14] Neste momento,e bom nao deixar no esquecimento a ponderar;ao de Walter Benjamin acerca do cinema: "En
quanta 0 capitalismo conduz 0 jogo,0 ti.nico servir;o que se deve esperar do cinema em favor da revolur;ao e 0 fato de ele permitir uma critica revolucionaria das concepr;oes antigas de arte. Nao contestamos,entretanto, que,em certos casos particulares,possa ir ainda mais longe e venha a favorecer uma critica revolucionaria das relar;oes sociais,quir;a do propriO principio da propriedade" (1980, p. 18). Em urn outro registro,muitos exemplos poderiam ser arrolados que salientam essa hipotese. No caso brasileiro,vale pontuar a forte presen<;:a da televisao, particularmente dos festivais de mti.sica da Record,no final dos anos 60 e inicio da decada de 1970, que incen tivaram sobremaneira a rear;ao a ditadura militar.
[15] Adotam-se, aqui, parcialmente, as analises de Alfredo Bosi (1992, p.308-76) e Nestor Garcia Canclini (1983, p.17- 41). De Alfredo Bosi, a pluralidade cultural e suas diversas relat;oes, particularmente as que se estabelecem entre a cultura popular e as culturas de massa e a erudita; de Garcia Canclini, a analise das desigualdades culturais e a ilusao de que todos desfrutam a superioridade da cultura dominante, apesar das distancias entre as classes sociais no tocante a propriedade e ao dominio dos meios de produt;ao.