ARQUITETURA NOVA ANTIGAMENTE: O QUE FAZER? CONV ERSANDO COM UM MODERNISTA RECALCITRANTE

 

Otília B. F. ARANTES

 

RESUMO: Em resposta às questões levantadas por Roberto Schwarz em "O lugar da arquitetura", a autora mostra que por ser arte interessada por definição, a arquitetura não pode ser confinada ao domínio privado do recolhimento estético. Além disso, não se pode perder de vista o seu caráter de massa, ao qual não é indiferente o destino ideológico do Movimento Moderno, não porque tenha sido neutralizada pela mudança dos tempos, mas por ter cumprido o que prometera.

 

PALAVRAS-CHAVE: Movimento moderno; crítica imanente; Habermas.

 

Pelo fecho dubitativo dessa fala muito camarada de Roberto Schwarz[1] a propósito de alguns esquemas que venho desenvolvendo nos últimos anos acerca do irreversível envelhecimento da Arquitetura Moderna, não o convenci inteiramente. Como essas reticências não são de hoje, imagino que não será desta vez que irei convertê-lo. Nem por isso vou desistir. E, para início de conversa, vou logo dizendo que não encontro motivos para mudar o ângulo de análise na apreciação das sobras do Movimento Moderno (como sugere a pergunta final do Roberto). Em primeiro lugar, porque a crítica de arquitetura não pode sem mais ser assimilada à crítica de arte - sobretudo no caso da Arquitetura Nova, que proíbe expressamente essa redução; em segundo lugar, porque também não vejo como mobilizar em separado critérios de beleza herdados justamente desta mesma modernidade cuja exaustão não admite, por definição, exceções, brilhando isoladas num passado carregado de promessas. Sei que, para bem e para mal (para também lembrar Adorno, por meu lado) a crítica é sempre cúmplice do seu objeto e jamais é capaz de superar inteiramente as contra­ dições de que se ocupa, mas o desafio que está posto é justamente a suspensão desta "objetivação" tanto quanto o questionamento da lógica autônoma do objeto visado, sob pena de submergir nele e de reforçar sua pretendida separação, anulando-se justamente como crítica, abolindo sua própria "autonomia" etc. (Deixo, entretanto, esta questão da natureza e destino da assim chamada, pelo mesmo Adorno, "Crítica Imanente", para uma outra ocasião; vou me restringir aqui à crítica de arquitetura depois dos Modernos.)

Voltando. O que está em questão é: quando mesmo, e exatamente corno, e onde,  terá sobrevivido aquele momento feliz de pura aspiração desacompanhada da afirma­ ção enganosa de que tenha enfim se realizado a convergência da arte mais avançadacom as finalidades sociais mais progressistas? Pelo caminho é que não de ter ficado, esperando uma nova chance. Com isto não estou querendo dizer que a Arquitetura Moderna seja mera ideologia (falsa consciência de ponta a ponta), muito menos, no outro extremo, uma virtualidade cultural objetiva em disponibilidade, como acabei de lembrar. Assim sendo, posso estar enganada, mas não acho que minhas análises se restrinjam a uma crítica da ideologia arquitetônica realizada: simplesmente me recuso a dissociar as duas dimensões que o mencionado teorema de Adorno2 parece exigir em qualquer caso. É disto que não tenho certeza (e não só no que concerne ao Movimento Moderno em arquitetura, embora não queira avançar o sinaL). No fundo, voltamos ao argumento dissociativo retomado por Habermas: o projeto moderno, nele mesmo, e não no que veio a ser, ainda resiste - desde que se mantenha fiel às suas origens - o espírito sempre jovem das vanguardas históricas e as implicações estritas de um funcionalismo aliviado de uma sobrecarga abusiva de intenções sistêmicas; um equívoco categorial de que aparentemente teria escapado o que de melhor produziu o Movimento Moderno no seu início, em especial em suas variantesconstrutivistas.[2] Se as afinidades são evidentes, é bom reparar, todavia, que o amigo Roberto toma como exemplos obras tardias, como as da fase americana de Mies van der Rohe, coisa de que estou certa não ocorreria jamais ao rigorista Habermas, muito menos algum palácio em capital do Terceiro Mundo.[3]

Dito isto, vamos por partes.

 

1 Estou obviamente pressupondo que as dúvidas de Roberto não o levariam a isolar e confinar algumas "beldades" (numa expressão dele mesmo, nitidamente irônica, o que torna de imediato manifesta a sua desconfiança quanto ao que há de desfrutável nesses edifícios) num museu imaginário da arquitetura, onde seriam apreciadas como obras de arte por um público muito semelhante ao dos turistas à cata de emoções estéticas (ou algum outro estremecimento crítico), oferecidas por todo monumento arquitetônico. Se fosse isso que estivesse em questão - mas repito que em absoluto não se trata disso -, seria o caso de repisar velhas distinções: atravessada por intenções utilitárias evidentes, a arquitetura não se presta ou se presta mal à contemplação de quem se recolhe diante de urna obra devidamente mantida a distância (estética), pelo contrário, o uso coletivo a que se destina define urna recepção eminentemente "tátil" (nos termos da tipologia dos grandes historiadores da arte do fim do século passado, reinterpretada por Benjamin em "A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica"), geradora de hábitos e atitudes práticas que liberam a atenção, em lugar de concentrá-la, corno exige a dimensão dita "ótica" (pelos mesmos historiadores) da abordagem individualizante, característica da arte autônoma refugia­ da no espaço neutro dos museus, imaginários ou não. Mesmo assim, não estou repassando à toa esse contraponto, pois me interessa sugerir o caráter de arte de massa da arquitetura, ao qual não é indiferente o destino ideológico do Movimento Moderno.[4]

Não se trata, portanto, de "obras-primas" (para ressaltar novamente o tom enfático escolhido pelo próprio Roberto) arquivadas num ciclo eminente da história da arte, mas de modelos citáveis (como um gesto numa peça de Brecht?) na intenção de uma arquitetura vindoura. Nesse sentido, a ideologia-aspiração do Movimento Moder­ no estaria de qualquer modo museificada (sem falar na impossibilidade de princípio de antever a arte do futuro a partir do que ela foi), o seu "conteúdo de verdade" hibernando na forma de um repertório exemplar de imagens da sociedade reconciliada. Resta ver se também aqui a "tendência histórica do material" não teria igualmente alcançado o seu limite, corno prova - se minhas análises convencem - a fusão desde a origem entre "aspiração" e "realização". Ou ainda, dito de outro modo, mais específico: resta ver se ainda faz sentido discernir retrospectivamente casas modernas "bonitas" das "feias" (por mais que nos comovam as primeiras), sem incorrer na abstração do gesto estetizante que isola as obras do processo de racionalização no qual apostavam e justamente pretendiam viabilizar, quisessem ou não, pOis afinal se trata de um uni­ verso de objetos inexoravelmente atrelados à reprodução material da vida. Se assim é, onde o livre jogo da aparência estética (e a transcendência que lhe corresponde), sem o qual não esperança de emancipação que resista ao descarrilamento da história?

 

2 Isso posto, duas palavras sobre o processo da Arquitetura Moderna em parti­ cular, mais urna vez, a respeito das hesitações de um coração veterano: se os desastres que nossa experiência quotidiana do espaço construído registra se devem a vicissi­ tudes extrínsecas ou a disposições internas da mais ambiciosa utopia estético-social dos tempos modernos. Feita a recapitulação, volto à questão do caráter e destino atuais da crítica de Arquitetura, justificando o rodeio: é que a referida crítica só se firmou como tal depois do impacto do Movimento Moderno. Daí o problema: qual o rumo, aqui sim,  do "resíduo crítico" herdado, uma vez desacreditado o impulso que o norteou?

Pois bem: continuo convencida de que a Nova Construção não foi neutralizada porque os tempos mudaram, mas porque cumpriu o prometido, e isto graças à mais estrita fidelidade aos prinCÍpios de racionalização progressiva da prática projetual, que justamente não seria racional caso descartasse os padrões tayloristas e fordistas da economia capitalista de massa. A famosa câmara de decantação das vanguardas, como um teórico dessa colossal passagem confirmadora do contrário designava a Bauhaus, não poderia ter desbravado a via que tornaria a Utopia funcional na ausência daquele vínculo de origem. Veja-se a questão da padronização, para dar um exemplo. Segundo muitos defensores da Causa Moderna ontem, hoje e sempre: apesar de todos os pesares (estou pensando, entre outros, em Anatole Kopp - Quando o modemo não era um estilo e sim uma causa -, para dar uma referência bem conhecida), um golpe de morte no famigerado individualismo burguês... Mas essas boas intenções demo­ cráticas nem por isso barravam, pelo contrário, requeriam a convergência de princípio com a estandardização  industrial exigida pelo momento pós-liberal do capitalismo, de tal sorte que a ordenação do tecido urbano passava a obedecer sem nenhuma violência à lógica da linha de montagem, à qual também estavam ajustadas as famosas setorizações da atividade, homogeneização das soluções construtivas, conjuntos habitacionais militarmente dispostos, elementarismo das formas simples etc. "Fun­ cional", portanto, em todos os sentidos, daí o formalismo integral para o qual sempre tenderam as construções dos grandes Mestres modernos, do purismo corbusiano ao silêncio conclusivo da arquitetura de vidro de Mies van der Rohe. Não será assim descabido reconhecer nesse formalismo a imagem mesma da alienação do trabalho abstrato organizado no sistema de fábricas - seria, portanto, de esperar que o Movimento Moderno entrasse em colapso à medida que o próprio capitalismo pós-fordista se encarregava de destroçar (para pior) a Utopia Técnica do Trabalho que animava aquele ideal construtivo. "Demolir sem remorso", proclamava Le Corbusier: vanguardismo despachado de alma leve? Sem dúvida, mas também medida higiênica disciplinar, visando ao aparecimento de um "homem novo". Um programa que mal esconde a ética puritana do trabalho e a ingerência violenta (própria das políticas de terra arrasada) na vida e na memória de um povo, em nome de uma "ordem" social cujos traços autoritários logo viriam à tona. Aliás, é bom lembrar que a política abstrata da tabula rasa comanda tanto a assepsia do espaço modernista quanto as "destruições criativas" e altamente lucrativas de um empresário schumpeteriano. Daí os nada surpreendentes laços de família entre vanguarda estética e vanguarda do capital, terreno comum em que brota a figura histórica (que remonta ao primeiro lluminismo do Setecentos) do arquiteto-ideólogo.

Vistas as coisas desse ângulo de análise, não será exagero olhar o Seagram's como o mais extraordinário monumento consagrado ao mundo dos negócios, sem nenhuma dúvida o ponto culminante do International Style. Qualquer um de nós compreenderá o turista boquiaberto, estacado diante do edifício - pois se trata por definição de um admirador nato de fachadas e perspectivas. Siderado de estesias? Está claro que não, como também seria impuro o seu embasbacamento diante do luxo de Versailles. Tampouco seria o nosso caso, suficientemente escaldados para nos deixarmos arrastar pela irradiação de uma "aura" tão espúria. Mas nem por isso deixamos de nos surpreender com tamanha performance arquitetônica, aliás o mesmo interesse também nos inspira a comoção igualmente controlada percorrendo Versail­ les: um e outro seriam no entanto muito mais do que extraordinários documentos de época? Mas atenção - quem garante que não estaríamos assim nos consolando, deslizando imperceptivelmente de volta para o historicismo característico da crítica pré-moderna? (Aliás, hoje, depois dos modernos, não é sem coerência que o dito historicismo ressuscitou na figura mais depurada do mais auto-referido formalismo. Voltarei ao ponto.) Reconsideremos, portanto, rapidamente, a questão da Crítica de arquitetura, ontem e hoje.

 

3 Trata-se de um gênero relativamente recente,  embora se escreva sobre

arquitetura (e como!) desde o Renascimento. Mas não precisamos recuar tanto. Nos bons tempos do ecletismo burguês do século passado, a arquitetura era sobretudo assunto de historiador da arte: uma unidade arquitetônica resumia, quando muito, um estilo de época. A reviravolta, que daria origem ao gênero que nos interessa identificar, agora que se consumou a débâc1e moderna, deu-se justamente com a entrada em cena da Nova Construção, quando então a arquitetura começou a abandonar o reino bolorento das Belas Artes - não sem ambigüidade, uma espéCie de ambivalência congênita que até hoje nos acompanha, como se pode perceber de saída no duplo registro que orientava a propaganda de Le Corbusier em favor dos novos cânones construtivos. Para vender à burguesia (que precisava ser convertida à sua própria modernidade) a nova "máquina de morar" , precisava subverter o pendor desta para os arremedos dos estilos históricos da arquitetura áulica e monumental, com os seus excessos ornamentais, em nome da eficiência técnica e funcional. Mas como afinal se tratava de Arquitetura e não apenas de Engenharia, era preciso buscar as motivações na própria História da Arte: a simplicidade virava preceito estético caucionado pela tradição das formas puras que remonta às pirâmides do Egito. Assim, cumprida a dieta funcional, a Nova Construção poderia entregar-se à emoção artística, assinalando o ingresso da arquitetura na esfera da arte autônoma, além do mais decididamente não-figurativa. Esta a nova arquitetura que o crítico precisa aprender a ver: em que os requisitos de funcionalidade e honestidade construtiva, desentranhada das expectativas utilitárias do cidadão comum, se desdobram, na prosa crítica, em considerações sobre massa, linha, cor, espaço etc., como na percepção estética plenamente realizada. Resultado: a ideologia se transfere da obra, inevitavelmente in­ serida no plano positivo da intervenção, para o discurso sobre a mesma. Não surpre­ ende então que voltem a repercutir na tarefa do crítico as aporias que viram nascer no limiar dos tempos modernos uma esfera estética específica, a de um juízo estético desinteressado por definição sobre uma obra interessada também por definição, devolvendo-a ao domínio privado do recolhimento estético, em que é mantida a distância, exatamente o que não faz o público real a quem ela se destina. E assim por diante.

Não é difícil perceber - seja dito de passagem - o quanto as considerações de Habermas acerca do viés estético do funcionalismo a ser preservado a todo o custo, mais as dissociações que requer se enredam nessas antinomias que remontam à crítica moderna da arquitetura ainda no seu estado de inocência. Que começa a perder tão logo o crítico resolve enfim tomar ao pé da letra o ideal construtivo em questão, pois afinal os mestres modernos foram os primeiros a proclamar que a arte autônoma vira fetiche quando cancela o seu ser-para-outro. Mas esse passo adiante da crítica, o reconhecimento da heteronomia da arte autônoma, que se expressa nos desdobra­ mentos sistêmicos das finalidades práticas, já é contemporâneo dos primeiros sinais de esgotamento da Ideologia do Plano etc. O que toma ainda mais insustentável a persistência hoje, por parte de arquitetos e críticos, do ponto de vista de artista, que não é mais do que a expressão do formalismo integral em que foi se convertendo a arquitetura moderna. Trata-se de uma nova "onda" esteticista (pós-moderna?) que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda etc. Recrudescimento do fetichismo portanto, porém sob formasoft. A reificação das relações sociais toma agora forma de uma irrealização do mundo convertido em imagens, da publicidade às artes eletrônicas, passando pela arquitetura simulada, cenarística. Voltando à questão colocada inicialmente: a imagem tátil arquitetônica cabalmente realizada revelou seu fundamento histórico, a generalização da forma-mercadoria e sua apoteose publiCitá­ ria. Mas este é um outro problema.

Encerrando, volto aos nossos exemplos: o próprio parâmetro moderno do programa bem resolvido - fonte do prazer estético impuro do crítico - me impede de eliminar da imagem pura do Seagram 's o mundo dos negócios a que empresta nobreza e sobriedade, que aliás lhe devolve na mesma moeda, dourando os brasões da fatura. Mesma observação para o Itamarati, beldade cuja presença plástica não seria tão intensa caso não reforçasse o simbolismo fácil e grandiloqüente da Praça dos Três Poderes e da Esplanada dos Ministérios. Além disso são prédios-manifestos, modelos a serem reproduzidos ad infinitum, como exige uma economia de escala:  o edifício do Mies tomou-se não por acaso o prédiO de escritórios mais reproduzido pelo mundo afora; já o Itamarati retoma pelo menos o volume, a horizontalidade (nem por isso pouco monumental) do Palácio de Chandighar de Corbusier, sendo reproduzido em série nos palácios do governo federal e municipal de Brasília (em pompa decrescente, está claro); a Maison Savoie do mesmo Corbusier (que Roberto sem dúvida incluiria na sua lista de obras-primas), seguindo a sina dos Manifestos, reúne todos os preceitos propostos pelo arquiteto como condição para ser um protótipo multiplicável (o que realmente não é), e nessa linha imaginou todo um bairro em Buenos Aires que felizmente ficou no papel, mas o paralelepípedo sobre pilotis espalhou-se pelo mundo, dominando pelo menos durante duas décadas a produção de arquitetura residencial para a elite paulistana. Caberia questionar - isto sim - por que estes paralelepípedos sem fachadas (sejam eles prédiOS comerciais, administrativos ou residenciais) trans­ formaram-se no protótipo da beleza moderna? Qual a função que se expressa na forma depurada, homogênea e univalente, senão a de neutralizar qualquer diversidade funcional, contextual ou social, na sua origem? O uso indiscriminado de uma grelha horizontal dupla do IIT, de Mies, em Chicago (esse sim, que eu saiba, um dos xodós do Roberto), num projeto de escritórios em Cuba e depois em dois museus (entre eles o famoso Museu de Arte Moderna de Berlim, nos anos 60), justificado, como lembra um crítico, pela universalidade da forma que permitiria fazer tudo o que se quisesse com ela, redundou numa farsa - na total inviabilidade do seu uso: os espaços abertos e transparentes, demasiado barulhentos e públicos, obrigaram a transferir a maior parte das atividades da escola para o subsolo tanto quanto a coleção permanente do Museu de Berlim. Nas palavras de um outro crítico, arquiteto e urbanista moderno, dissidente, Lewis Mumford: "Mies van der Rohe usou as facilidades oferecidas pelo aço e pelo vidro para criar elegantes monumentos vazios. Monumentos com o estilo seco e frio das formas mecânicas, mas sem conteúdo      Era a apoteose do espírito compulsivo e burocrático. O seu vazio era mais expressivo do que os admiradores de Mies van der Rohe alguma vez pensaram" .

Poderia então resumir minha posição do seguinte modo. Se me perguntassem: à vista de um edifício moderno, mesmo depois do colapso do Movimento Moderno, nunca lhe ocorreu um sentimento qualquer de prazer (desinteressado por certo)? Prazer impuro, misturado - é claro que sim. Mas como o espaço arquitetônico não é um espaço qualquer, entra na sua apreciação a maneira pela qual um problema construtivo é resolvido. (Nesse meio tempo, acrescentaria, o prinCÍpio mesmo da "construção" revelou sua natureza ideológica, arrastando a obra inteiramente cons­ truída para o campo do decorativo, o "formalismo" de que falei.) Esse prazer (ao qual já não se contrapõe mais a pureza de uma obra "pura" que deixou de existir faz tempo) se apresentará inevitavelmente acompanhado por algo como um juízo de adequação, uma faculdade de julgar, igualmente sem regras fixas, porém mobilizando uma série de conhecimentos que não se restringem apenas à arquitetura como invenção plástica ou como construção, mas que também não lhe são extrínsecas, estão todos nesse objeto complexo que não apenas revela uma certa verdade histó­ rica, por assim dizer negativamente, na não-realidade de sua aparência estética (onde confiná-la?), mas no resultado histórico que nela se encarna, plenamente realizado. Em suma, pelo menos na arquitetura é impossível dissociar promessa e realização.

 

ARANTES, O. B. F. The new architecture of old times: what's to be done? TranslFormlAção (São Paulo), v.18, p.15-22, 1995.

 

ABSTRACT: As a rep1y to the questions raised by Roberto Schwarz in "O lugar da arquitetura", the author shows that because it is interested art by definition, architecture cannot be confined to the priva te domain of esthetic contemplation. Besides, one cannot 10se sight of its mass character, to which the

ideological destiny of the Modem Movement is not indifferent, not because architecture has been neutralized by changes in the times, but because it has fulfilled its promise.

KEYWORDS: Modem movement; immanent critique; Habermas.

 

 

Referências bibliográficas

 

1  ARANTES, O. B. F. Arquitetura simulada. In:       . O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Edusp, Stúdio Nobel, FAPESP, 1993. p.17-72.

2  ARANTES, O. B. F., ARANTES, P. Urnponto cego no projeto moderno de Jürgen Habermas. São Paulo: Brasiliense, 1992.

3  FERROS, S. Arquitetura nova. Arte em Revista (São Paulo), CEAC, n.4, p.89-94, 1980.

4  SCHWARZ,  R. Progresso antigamente. In:           . Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

5                        . O lugar da arquitetura. TranslFormlAção (São Paulo), v.18, p.9-13, 1995.



[1] Texto imediatamente anterior "O lugar da arquitetura". Originalmente, argüição em meu concurso de livre-docên­ cia. publicada algum tempo depois no suplemento "Mais" da Folha de São Paulo, 27.3.1994. Esta "conversa" se deu na Jornada sobre Marxismo Ocidental, no campus de Mar1lia da UNESP, em 19.10.1994.

[2] Cf. as duas conferências de Habermas publicadas em Arantes & Arantes, 1992, p.99-149.

2[3] Aliás, segundo o próprio Roberto, num ensaio-resenha - "Progresso antigamente", sobre a "Arquitetura Nova" no Brasil de Ferro (1980, p.89-94) -, não deixa de ser "acintoso" o fato de que em Brasília (ao menos era o que pretendia Niemeyer) "arquitetura e política façam figura de espeCialidades dissociadas". Como tenho certeza de que seu ponto de vista não se alterou, só posso acreditar que as perguntas expliCitem menos uma divergência do que uma

dificuldade - seguramente não apenas do Roberto ou minha, mas de quem quer que se disponha a enfrentar a complexidade do objeto em questão: a Arquitetura Moderna. Publicado em Que horas são? 1987, p.l07-13.

[4] Como procurei mostrar em alguns dos meus textos, em especial na conferência "Arquitetura simulada", de 1987, publicada em Arantes, 1993, p.17-72.