NAO-LINEARIDADES:
DA DINAMICA DO SIMPLES
A
DINAMICA
DO COMPLEXO
Jose Roberto
Castilho
PIQUEl
RA
1
RESUMO: Foram apresentados alguns conceitos relativos a utilizaC;80 da Teoria dos Sistemas Dinami- cos
em problemas de sistemas complexos
.
A
apresenta
c;
ao
destes conceitos
centra
-se
no
estabel
eci-
mento
de duas
dinamicas
:
uma
de
curto
termo
e
outra
de
longo
termo,
relacionando-as
com
os
processos de
organizaC;8o dos sistemas
.
PALAVRAS-CHAVE
:
Caos
;
sistemas dinamicos
;
superposiC;80
;
nao- linearidades;
bifurcac;ao
;
irrever-
sibiJidade;
complexidade.
o
mundo
cie
ntifico
prod
uz,
atualm
ente
,
aquilo
que
parece
ser
a
busca
de
u
rn
novo paradigma universalista para
a
ciencia
.
A
des
coberta
de
comportamentos
caoticos, a formulac;ao da Geometria fractal e a descric;ao de fenomenos auto-organi- zados
apontam para a integrac;ao mais efetiva das ciencias relativas aos niveis de
organizac;ao
superiores com as relativas aos niveis de organizac;ao inferiores
.
A Sociologia e a Psicologia dos individuos e seus grupos, a Biologia das celulas
,
tecidos,
orgaos
,
sistemas
,
individuos
e
populac;6es
integram-se,
cada
vez
mais,
a
Fisica
e a Quimica dos atomos e moleculas
.
Essa
integr
a
c;
ao
,
ja
sonhada
por
pe
nsadores
do porte
de
Lapl
ace,
Newto
n,
Leibn
iz
,
Kant
e
muitos
outr
os
,
esteve
inviabili
zada
ate
finais
d o
se
culo
XIX
devido
,
principal
men
te,
ao
est
ilo
de
produzir
a
Fisica
proprio
daquela
epoca
.
Fundamentada
totalmente
na
Medlnica
Classica
e
embebida
pe
lo deter
min
ismo
,
a
Fisica
,
embora
proporcionasse boas soluc;6es para problemas de equacionamento de movimentos de
corpos macroscopicos, falhava ao tentar modelar outros problemas
.
Os
niveis
de
organ
iza
c;
ao
superiores
da Biologia
,
Psicol
ogia
e
So
ciologia
resul-
tavam da interac;ao de uma grande quantidade de sistemas complexos interligados, com
forte sensibilidade a perturbac;6es e uma grande riqueza de comportamentos possiveis
.
Nao
hav
ia,
por
tanto
,
como
mod
elar
esses
problemas pela bem- comportada
MecEmica, que nao previa espago para indeterminagoes ou comportamentos compli- cados.
En
tretanto
,
dois
fatos datados do
final
do
se
culo
XIX
e
do
infcio
do
se
culo
XX
alteraram esse panorama
:
a formulagao da Mecanica Quantica, responsavel por uma
tentativa
de
modelagem
probabilistica
do
mundo
microsc6pico
e
a
conj
ec
tura
,
feita
por Poincare, de que sistemas mecanicos modelados por equagoes deterministicas podem
apres
entar
,
devido
as
nao-l
inearidade
s ,
comportamentos
compl
icados
e
sen-
siveis
as
condigoes
iniciais
.
Este
artigo
trabalha
com
a
se
gunda
des
cober
ta
:
0
que
sao
linear
idades
e
nao-linearidades
;
qual 0 impacto das nao-linearidades no desenvolvimento da Teoria
dos Sistemas Dinamicos
;
e como essa moderna Teoria esta sendo aplicada
a
casos
1
Departamento de Engenharia Eletr6nica da Escola Politecnica
-
USP
-
05508-900
-
Sao Paulo
-
SP.
complexos.
Finalm
ente
,
uma
visao
critica
gerara
uma
sugestao
de
linha
de
trabalho
pe
la
cone
xao
dos
conceitos
de
Bi
fu
rcagao
e
de
Organizagao
.
Sistemas dinamicos
o conceito de Sistemas Dinamicos e uma extensao natural do estudo dos
movimentos
na
Me
canica
Classica
,
que apr
esen
ta
0
estado
dos
corpos
em
cada
in
stante por meio
de
gra
ndezas
que
sao
,
essenc
ialmente
,
posigoes
e
velocida
des
.
Essas
variaveis
se
relacionam atraves
das
equagoes
dad
as
pelas
Leis
de
Newton
.
Quanto mais
complexo
0
sistema
,
maior
0
numero
de
gra
ndezas
e
equagoes
neces-
sarias para descreve-Io.
Gene
rali
zando
,
pode
-se
dizer
que
u
rn
Sistema
Dinamico
e
todo
aquele
cuj
a
evolugao temporal e descrita por urn certo numero de grandezas fisicas relacionadas por
equagoes provenientes de modelos.
Esse
e
u
rn conceito
amplo
,
aplicavel
a
uma
gama
de
problemas que
vai
desde
sistemas
fi
sicos
simp
les
,
como
0
pend
ulo
,
exaustivament
e
estudado
s ,
ate
sistemas
biol6gicos com
plex
os
,
como
uma
rede
de
neuroni
os,
proporcionando
aqueles
uma
nova ferramenta
de
trabalho
qu
e ,
em alguns
casos
,
ja
se
mostrou
uti!
e
promissora
.
Os Sistemas Dinamicos assim definidos sao ditos lineares quando as equagoes
de seus modelos satisfazem 0 chamado Principio da Superposigao
:
0 comportamento
do sistema como urn todo e refletido pela soma dos comportamentos de suas partes
.
Assim
,
0
efeito
das
var
iagoes
produzidas em
suas
gra
ndezas
fi
sicas
,
indivi
dual-
mente, equivale ao efeito que seria produzido pela soma dessas variagoes individuais
no sistema global.
Sistemas Dinamicos que podem ser considerados lineares tern grande importan- cia
em divers
os
ramos
da
Enge
nharia
,
te
rn
sido
exaustivamente
estudados
e
sua
teoria
tern
sido considerada fechada.
Nas
ciencias mais
complex
as,
essa
superpos
H;
ao
e,
eviden
temente
,
pouco
comum
.
A
pos
sibilidade
de
inc
lusao
de
nao
linearida
des
,
in
dubitavelmen
te,
torna
extremamente atraente 0 usa de ferramentas de Sistemas Dinamicos; quando isso ocor
re
,
efeitos bastante
interessantes
acontecem
,
variando
desde
comportamentos
descritiveis por oscilac;6es auto-sustentadas isoladas ate os chamados comportamen- tos
ca6ticos
,
resultantes da extrema sensibilidade as condic;6es iniciais
,
ligada as
nao-
li
nearida
des
.
Nao-linearidades
em
Sistemas
Dinamicos
Impulsionada pela Mecanica
Celeste
,
Mecanica
dos
Fluidos
e
pe
la
perspec
tiva
de
aplica
c;
ao
em Biolog
ia,
Psicolog
ia,
So
ciologia
e
Ec
onomia
,
a
Teoria
dos
Sistemas
Dinamicos nao-lineares teve grande desenvolvimento
.
A grande dificuldade na obtenc;ao de soluc;6es explicitas de equac;6es com nao-
linearidades colocou matematicos e fisicos no caminho das chamadas Teorias Qualitativas
de Sistemas Dinamicos.
Esse enfoque consiste em procurar obter visualizac;6es globais de familias de
soluc;6es das equac;6es que descrevem 0 sistema e como as variac;6es de seus
parametros constitutivos alteram tais familias.
Ilustra
-se
tal
fato
tomando
-se
como
base
0
chamado modelo
de
Lotka-V
olterra
,
desenvolvido originalmente para estudar problemas de competic;ao entre especies em
u
rn
dado sistema ecol6gico
(E
ngel
,
1 9
87)
.
No
inicio
,
0
modelo
foi
utili
zado
para
0
estudo
de
duas
especi
es,
e
fo
i ,
posteriormen
te,
gener
ali
zado
para varias
delas
(S
chaffer
&
Kot
,
1 9
86)
;
alg
umas
consideradas
presas
e
outras
predadoras
,
em
u
rn dado sistema ecol6gico com
uma
certa quantidade de alimento disponivel.
Aqui
foram
consider
adas
uma
popula
c;
ao
de
predadores
,
represen
tada por
X
l
,
e
duas
de
presas
,
represen
tadas por
X
2
e
X
3
.
Os
predadores
aliment
am-se
das
presas
e
estas
da
res
erva
de
alimentos disponivel
.
.
.
.
As
popula
c;
6es
X
l
,
X
2
e
X
3
e
suas
taxas
de
varia
c;
ao
X
l
,
X
2
e
X
3
podem
ser
des
critas
,
de
acordo com
0
modelo
,
pe
las
equa
c;
6es
:
X
l
=
r
l
X
l
+
a
l
Z
X
1
X
2
+
a
1
3
X
1
X
3
X
2
=
r
2
X
2
+
a
Z 1
X
1
X
2
+
a
23
X
2
X
3
X
3
=
r
3
X
3
+
a
3
1
X
1
X
3
+
a
32
X
2
X
3
(1)
Os parametros rl
,
r2 e r3 representam proporcionalidades entre a taxa de aumento
de populac;ao de cada uma das especies e seus valores instantaneos.
Os parâmetros a12 e a13 são números positivos, indicam como os predadores são
alimentados pelas presas das populações X2 e X3, respectivamente.
As populações de presas X2 e X3 diminuem ao serem consumidas pelos predadores
e esse fato aparece evidenciado pelos números negativos, representados pelos
parâmetros a21 e a31'
Além disso, a competição pelos alimentos entre populações de presas X2 e X3 é
dada pelos parâmetros negativos a23 e a32, completando o modelo.
As equações dadas em
(1)
são difíceis de serem resolvidas e soluções explícitas,
em função do tempo, têm a sua obtenção inviabilizada.
Por
isso,
opta-se
por
traçar
curvas
relativas
às
relações
entre
X
l
o
X2
e
X3
possíveis,
permitindo uma visão global das soluções e relacionando-as com os parâmetros do
sistema.
Assim, nas equações (1), fixando-se r1, r2, r3, a12, a21' a23, a31 e a32 iguais a 1, ao
variar
a13
continuamente observa-se a sensibilidade a parâmetros do modelo.
As equações
(1)
reduzem-se
a:
X
l
=
X
l
+
X
1
X2
+
a
1
3X
1
X3
X2
=
-
X
l
-
X
1
X2
-
X2X3
X3
=
-
X3
-
X
1
X3
-
X2X3
(2)
cuja simulação em computador resulta nos diagramas da Figura
1,
com cada uma das
coordenadas representando uma população.
Tais diagramas evidenciam a forte dependência das soluções em relação ao
parâmetro
a13'
A figura "a" corresponde a uma oscilação auto-sustentada que evolui
para trajétoria caótica (figura
" e "
)
,
quando da variação de
a13'
Essa evolução se através de duplicações sucessivas de períodos que apare-
cem nas figuras "b" (período
2),
"c" (período
4)
e "d" (período
8).
As duplicações de
períodos são chamadas bifurcações sucessivas e seu estudo, do ponto de vista
temático, está bastante sistematizado para sistemas de poucas variáveis (até três) e
poucos parâmetros (até dois).
A riqueza de comportamento e a possibilidade de soluções com grande
sensibilidade à condição inicial (caos), acima exemplificada, atraíram biólogos,
psicólogos, sociólogos e economistas para o uso da Teoria de Bifurcações em
Sistemas Dinâmicos, aplicada a problemas complexos, e muito se tem produzido
nessa linha.
Nao-linearidade em Sistemas Complexos: critica e sugestao
Atualmente assim se faz a aplica9ao da Teoria de Sistemas Dinamicos aos
processos
relativos
a
Quim
ica,
Biologia,
Psicolog
ia,
So
ciologia
e
Ec
onomia
.
As revistas cientfficas contem urn sem-numero de artigos, todos muito seme-
lhant
es
.
U
rn problema
co
mplexo
,
urn
modelo
simpli
fi
cado
e
uma
simula9ao em
computador
variando parametros em busca
de
bifur
ca90es
suces
sivas
.
Embora
esse
enfoque
se
ja
interessante
e
tenha
gerado alguns resultados
importan
tes
,
suas
limi
ta-
90es sao obvias
:
i)
Sistemas efetivamente complexos sao estudados como superposi9aO de
recordes
simpl
es,
0
que
,
dadas
as
nao-
linearidades
intr
insecas
,
compromete
0
enten
-
dimento
correto do problema.
ii)
As
qu
estoes
dinamicas relativas
a
sistemas
complexo
s ,
em geral
,
envolvem
processos que ocorrem em escalas temporais bastante diferentes
.
Exem
plif
icando
,
0
estudo do
ciclo
vigil
ia-
sono
de
uma
pessoa
de
uma
certa ida
de
pode
ser
feito
pOI
meio da Teoria
dos
Sistemas
Dinam
icos
,
pois envolve
apenas
0
estudo de urn processo diario ao longo de algumas semanas de observa9ao
.
Entre-
tanto
,
0
estabelecimen
to
do mecanismo
de
fO
Ima9ao
desse
ciclo
ao
longo da
vida
da mesma
pessoa
e
u
rn problema que requer mais cuidado
,
levando em conta
0
estabelecimento de processos neurologicos com grande numero de variaveis, com
dinamica
propria
e
com
es
cala
de
tempo
de
meses
,
anos
ou ate mesmo
decadas
.
Mais complicado ainda seria considerar 0 processo da ontogenese do ciclo
vigilia
-sono
dentro do
processo
evolutivo
da
especie
humana
.
Nesse
caso
as
es
calas
temporais
seriam seculos, dezenas de seculos ou eras
.
Parece
,
po
rtanto
,
ser
impossivel sonhar com
uma
contrib
ui9ao
efetiva
da Teoria
de Sistemas Dinamicos como agente transformador das ciencias complexas sem pensar
em corrigir ou atenuar os dois pontos citados
.
Para
considerar
a
irreversibili
dade
e
a
complex
idade
,
marcas inquestionaveis
dos
sistemas complexos
,
talvez fosse possivel enfocar os problemas dinamicos de sua
organiza9ao pela defini9ao de parametros estatisticos
,
utilizando-se da Entropia
Termodinamica
(C
oveney
&
Highf
ield
,
1 9
90)
e
da
En
tropia
Inf
ormacional
(S
hannon
&
Weaver, 1971).
Dado 0 sistema formado e considerando sua entropia estavel, sua dinamica pode entao
ser
estudada atraves
das
bif
urc
a90
es
.
Isto
e,
a
proposta
e
divi
dir
,
em
princ
i
pio
,
os
problemas complexos em dois
:
i)
0
primeiro
,
relativo
a
evolu9ao
da
fo
rma9ao
do sistema
complexo
atraves
de
variaveis estatisticamente definidas sobre 0 espa90 das grandezas fisicas
.
ii)
0
se
gundo
,
relativo
a
evolu
9ao
do sistema formado atraves
das
famflias
de
solU90es possiveis sobre 0 espa90 das grandezas fisicas
.
Conclusao
Este artigo tratou da apresentaQao de sugestoes para tentativas de formalizaQao de
problemas relacionados com sistemas complexs, provenientes de diversas cien- cias
.
A combinaQao de conceitos originarios da Termodinamica Estatistica com
conceitos originarios da Mecanica Classica talvez proporcione novas maneiras de
desenvolver conexoes entre a Fisica e as demais ciencias relacionadas aos niveis de
organi
zaQao
superior
es
.
PIQUE
IRA
,
J.
R.
C .
Non
-lineari
ti
es
:
fr
om the
dynamics
of
the simple to the
dynamics
of
the
complex
.
T
ra
ns
l
FormlA
r;
a
0,
Sao
Paulo
,
v.
17,
p .
143-
1
5
0 ,
1 9
94
.
ABSTRACT: Some concepts rela ted to the utilization of Dynamical Systems Theory on complexsystems
problems are presen ted. Using these concepts, we suggest that two dynamics can be established: a
short- term one and a long-term one, and both of them are connected to the system 's organiza tion
processes
.
KEYWORDS: Chaos; dynamical systems; superposition; non-linearities; bifurcation; irreversibility;
complexity.
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