HERMENEUTICA E TEORIA CRiTICA: ILUMINISMO COMO
POLITICA
1
Dick HOWARD
2
RESUMO:
0
presente
artigo,
analisando
a
hermeneutica
de
Gadamer
e
a
teoria
critica
de
Horkheimer
e Marcuse, procura mostrar que, se se concebe
a sociedade modema do ponto de vista do politico, e
possivel elaborar uma
teoria da modem idade em
que
ambas,
em
vez
de
se oporem,
sejam
complemen-
tares.
PALAVR
AS-CH
AVE
:
Hermeneutica
;
teoria
critica
;
politica
;
sociedade
civil
;
modemidade.
o
pro
blema
:
fu
ndando
a
politica
Numa carta publicada como apendice a Beyond objectivism and rela
tivism,
de
Richard
Be
rnstein
,
Gadamer
des
creve
a
diferp
T)
t;
a
central
entre
ele
e
Habermas como
politi
ca
.
Obvi
amen
te,
"po
lit
ica"
aqui
nao
se
refere
as
Wel
tansc
hau
ungen
ou
a
pol
itica
par
tidar
ia
;
refe
re-se
antes
a
diferentes
concep
t;
oes
do papel
pratico
da
fi
loso
fi
a
.
Segundo a descrit;ao de Gadamer,
Bernstein e Habermas negam que sociedades verdadeiramente modernas
partilhem 0 Ethos comum ou comunidade de consciencia normativa que
fundamentava a transit;ao aristotelica da Etica para a Politica. Em vez
di
sso
,
as
condi
t;oes
modernas
exigiriam
a
passa
gem
da
filosofia
pratica
para
a
ciencia
social
.
Gadamer
rej
eita
a
hyb
Ji
s
dessa
alega
t;
ao
;
ele
insiste
que
as
solidariedades
sociais existem e que nao estamos vivendo numa
sociedade " constituida apenas por engenheiros sociais ou tiranos
3
"Platao", continua, "viu isto muito bem: nao ha cidade tao corrompida que
1
Artigo publicado com 0 titulo de "Enlightment as political",
in Welton and
Silverman, Critical and dialectical phenomenology, Albany: SUNY Press,
1987, p. 76-89. A tradw;:ao e da autoria de Marcos Barbosa de Oliveira e
Isabel Maria Loureiro.
2
Professor de filosofia na State University of Nova York
-
11794-3750
-
Stony Brook
-
NY.
nao realize algo da verdadeira cidade". Este " algo" compartilhado pela
comunidade fundamenta a phronesis, que e a forma filosoficamente
adequada
de pratica (Bernstein, 1983, p.
264).
A questao e sobre como
estabelecer a
demons-
trat;8.o da sua present;a ou ausencia.
o livro de Bernstein consiste num esfon;o notavel para juntar diferentes
fios da filosofia contemporanea em torno da estrutura de uma modernidade
por ele sintetizada como "angustia cartesiana". 0 leitor familiarizado com
a "teoria critica", elaborada
pe
la
primeira
gera
<;:
ao
da
Esc
ola
de
Frankf
urt,
reconhecera
no estudo
de
Ber
nstein
a
tentativa
de
fu
ndar
de
forma
imanente
a
distin
<;:
ao
entre teoria
tradicional
e
teo
ria
critica, que culminou
no artigo de mesmo titulo escrito por Max Horkheimer em 1937. Embora
0
metoda
de
Horkheimer
se
ja
diferente
do
de
Ber
nstein
,
seus
objetivos
"pol
itic
os"
sao
os
mesm
os
:
nas
palavras
de
Ber
nstein
,
mesmo
sem
comp
artilhar
"a
certeza
te6rica ou
a
au
toconf
ian
<;:
a
revolucionaria
de
Marx"
,
eles
consistem em
"n
os
ded
icarmos
a
tarefa
pratica
de
promover
0
tipo
de
so
lidar
ieda
de,
pa
rtic
ipa
<;:
ao
e
reconhe
cime
nto
mut
uo"
qu
e,
de
fa
to
,
"n
os
levara para alem do obj
etivis
mo
e
do relativismo" (p.
23
1).
Infelizmente, nem Horkheimer nem Bernstein conseguiram fundamentar este
imperativo politico como imperativo filos6fico.
Se
ria
equivocado opor
a
teoria
critica
a
teoria herme
neuti
ca
,
como
se
a
pr
imeira
fosse resolutamente "moderna", e o apelo da ultima a autoridade
ou ao "preconceito",
uma
fu
ndamenta
<;:
ao
irracional
,
ex
terna
e,
em
ultima
anal
ise,
tradic
iona
l
.
A
respos
ta
de Gadamer (1975, p. 258-9) a esta critica
refere-se explicitamente a Dialetica do
Il
u
minism
o,
de
Adorno
e
Ho
rkhei
mer,
assim
como
a
Hi
st6
ri
a
e
consc
ien
cia
de
c1
asse
,
de Lukacs.
"
Ele tenta mostrar 0 carater especificamente hist6rico de uma hermeneu-
tica filosoficamente fundamentada, indo alem das ingenuidades do
historicismo do
se
culo
XIX
.
o
pensamento verdadeiramente historico precisa pensar
simultaneamente a sua propria
historicidade..
.
0 verdadeiro objeto historico
nEIO
e
objeto
algum;
e
...
uma
relayao
na
qual
a atualidade
da
historia,
tanto
quanto
a
atualidade
da
compreensao
historica
estao
co-presentes.
Uma hermeneutica adequada teria que demonstrar a atualidade da
historia em entender-se a si
mesma
.
(p.
283)
Esta imanencia da compreensao hist6rica e do objeto historicamente
dado recusa-se a apelar para normas externas para explicar quer a genese,
quer a validade do conhe
cimento
hermene
utico
.
Isto dei
xa
0
fi
l6sof
o
perante
a
necess
idade
de
fu
ndamentar
seus
argumento
s.5
A
dif
iculdade
e
que ref
utar
a
alega
<;:
ao
de
que
a
hermeneutica e pre-moderna e feita no
sentido de tornar explicito urn dilema te6rico que
a
def
ini
<;:
ao
de
hermene
utica
como
"o
ntolog
ia" tende
a
ocu
ltar
.
A
hermeneutica
de
Gadame
r,
assim
como
a
pol
itic
a
da teoria
criti
ca
,
precisam
ser
fi
loso
fi
camente fundamentadas.
Do
pon
to
de
vista
da teoria
politi
ca
,
a
des
criyao
de
Gadamer
de
uma
"h
er
me-
neutica
adequada
(sachgemessene)"
lembra
a
insistencia
de
Hegel
(1970,
p.
83)
em
que a verdadeira hist6ria s6 pode ser a hist6ria dos
Estados.6 A teoria critica e a
herrn
eneutica
compar
tilham
sua
origem
no
idealismo alemao
.
A
teoria
criti
ca
de
Kant
foi construida sobre uma
premissa ambigua, expressa no pr6prio titulo da Critica da razao
pU
l
a.
Kant
nunca
expli
cou
0
genitivo
ambig
uo:
e
a
razao
que
criti
ca
,
mas
com
que
autori
zayao?
E
a
razao
sendo
criti
cada
,
mas
por
quem
ou pelo
qu
e?
Ou
e
a
pretensao de pureza que esta em jogo? Mas por que entao admitir a
razao pratica? A Critica de Kant pode alegar que mostra as condiQoes de
possibilidade da experiencia
ou
as
condiyoes
de
possi
bilidade
do
conhecimento
-
ou
am
bas
,
como Hegel
obser
vou
,
tomando
-se
uma
ontolog
ia.
Mas
ent
ao
,
pergunta
Hegel na
L6gica
,
com
0
que
a
fi
losofia
deve comeyar? Disto decorre que a questao dos fundamentos e a questao das
origens implicam-se mutuamente. 0 resultado exclui, aparentemente, a
pratica politica
7
No
fim
da
F
il
os
ofia
do
direi
to
,
0
Es
tado
hegeliano
diss
olve
-se
no
fl
uxo
da
hist6r
ia,
que
e "a
Corte
do Juizo Final".
E
xi
t
Hegel
,
entra
Mar
x.
A teoria critica da decada de 1930 era simplesmente urn codinome para
0 marxismo.
A aula inaugural de Horkheimer como diretor do Instituto de
Pesquisa Social de Frankfurt, em 1931, "A situaQao atual da filosofia social
e as tarefas de urn Instituto de Pesquisa Social",
explica 0 nascimento da
filosofia social a partir do
ideali
smo
alem
ao,
sem
mencionar
Marx
.
En
tretan
to
,
sua
def
iniQao
das
"t
aref
as"
da
pesquisa social e perfeitamente
ortodoxa8 (Horkheimer, 1972, p. 33-46).
Marx nao se
preocupou com origens
ou fundamentos.
Sua tese de doutorado aceitava a realizayao hegeliana da
filosofia como filosofia
;
a tarefa seguinte era "tomar mundana" esta
filosofia
realizada
.
Dois
anos
mais tarde
,
Marx
enc
ontrou
0
locus
ou
origem
da
filosofia
realizada
na
sociedade
civil
,
no
ensaio
"S
obre
a
questao
judaic
a",
e
seu
agente
e
fundamento no proletariado em "Para a critica da
Filosofia do direito de Hegel". Quase
u
rn
se
culo
mais tarde
,
a
tomada
do
poder pelo
fas
cismo
e
a
ex
periencia
ru
ssa
tomaram
dificil
ac
eitar
tanto
0
locus
,
quanto
0
agente postulados por
Mar
x.
8em
a
garantia
de
fu
ndamentagao do
marxi
smo
-
quer
como
pr
8.
xis
pr
oletaria
,
quer
como
l6gica
da
necessidade hist6rica ou econ6mica articulada na sociedade
civil
-
a teoria critica encontra-se na mesma posigao que a hermeneutica
modema. Ela preserva do
marxi
smo
uma
teo
ria
da
imanencia
da
cr
ise
na
so
ciedade
capital
ista
;
porem
,
suas
es
colhas po
liti
cas
nao
podem
ser
just
if
icadas
pe
la
necess
idade
material
ou
te6rica
.
0
resultado e a tendencia
a amalgamar a pesquisa empirica com afirmag6es metafisicas, num esforgo
vaG de invocar urn novo "sujeito revolucionario" sob a forma de uma nova
classe operaria, de uma ampla frente dos oprimidos ou talvez do Terceiro
Mundo ou
da periferia. Qualquer desses esforgos esta condenado ao fracasso
e isto por raz6es te6ricas.
A
cr
ise
,
em
teoria
,
enc
ontr
a-se
"se
mpre
ja"
pres
ente
,
mas
a
solugao
prat
ic
o-p
olitica
nunca
esta
garant
ida
.
A
teoria
critica
nao
esta
em
melhor
situagao
que a phronesis, admitida por
Gadamer, com base numa solidariedade comunitaria
nao
demonstravel
,
mas
pressuposta
.
A politica da teoria
Em seus ensaios de fundamentagao dos anos
309
(Horkheimer,
1937, p.
245-
92
;
Hork
heimer
&
Marc
use
,
19
37,
p.
634
;
Marc
use,
19
68b,
p.
13
5),
Horkhei
mer
e
Marcuse procuram explicar nao apenas as "condig6es de
possibilidade" de sua teoria critica,
mas
tambem
as
condig6es
de
sua
necessida
de.
Es
ta
ex
igencia
filo
s6f
ica
,
tanto
de
fu
ndamentagao obj
etiva
,
quanto
de
origem
subj
etiva
,
significa
qu
e
a
busca "h
erme-
neutica" de
compreensao e incorporada juntamente com a preocupagao "revolucio-
naria" de que "nao se trata de interpretar.
..
mas de transformar" 0 mundo.
Este duplo imperativo evidencia 0 sentido em que, filosoficamente, Marx vai
alem da tradigao
ontol6gica
do
quid
ju
ri
s da
filosofia
transcend
ental
.
Embora
Horkheimer
tenha
cons-
ciencia
desta
ex
igencia
filo
s6f
ica,
e
incapaz
de
satisf
aze-la.
Por
exemplo
,
a
sua
segunda
contribuigao
se
en
caminha
para
uma
conclusao
quase
patet
ica
:
Em
bora
seus
con
ceit
os,
enraizados
em
moviment
os
soci
ais,
hoje
pare
c;:
am
vaos
,
uma
vez
que nada ha por tras deles a nao ser seus
inimigos a persegui-los, a verdade entretanto emergira
-
pois
a
meta
de
uma
sociedade
racional
,
que
hoje
parece
existir
apenas
na
imagina
c;:
ao,
encontra-se necessariamente em cada ser humano.
(Horkheimer, 1937, p. 630)
O
unico
fu
n
damento
para
esta
fe no poder
humane
de
resistir
e
so
ciologico
.
Horkheimer fala de urn "juizo existencial" baseado na
diferen9a entre juizos catego- ricos do feudalismo estavel e juizos
hipoteticos ou disjuntivos do capitalismo moder- nizador. Esta tentativa
de fundar a necessidade em condi90es materiais extemas e
urn dos
criterios frequentemente enfatizados que definem uma teoria como
"tradicio- nal".
Ela
corresponde
ao
outro
criterio
mais
importante
da teo
ria
tradicional
,
seu subjetivismo "cartesiano"
10
(Marcuse, 1968a, p. 50).
Isso
poderia ser melhor feito.
..
hermeneuticamente
!
Enq
uanto
Hor
khei
mer
falava
de
teoria
soc
ial
,
Marcuse
iniciava
argumentando
a
partir
da
imbrica9aO
da
filosofia
com
a
propria
def
ini9aO
de
humanid
ade
.
A filosofia queria investigar os fundamentos uJtimos e mais gerais
do seL Sob 0 nome de razao eoneebeu a ideia de um ser autentieo em
que fossem reeoneiJiadas todas as antiteses
fundamentais (entre sujeito e
objeto, esseneia e apareneia, pensamento e ser). A esta ideia
estava
vineuJada a eonvieyi'io
de
que
aquilo
que
existe
nao
e
imediatamente
raeional,
mas
preeisa
ser
trazido a razao. A razao deve representar a
suprema poteneiaJidade do homem e da existeneia. Ambas van juntas.
(1
968b, p. 135-6)
Enquanto este "idealismo" designa a natureza inerentemente critica
da filosofia,
ele
nao
transforma
a
propria
fi
losofia em teoria
so
cial
,
e
muito
menos
em teoria po
litica
.
A
real
iza9a
O
da
razao
nao
e
tarefa
da
pr6pria
filo
so
fi
a
.
0
mar
x
ismo
espe
rava que
0
proletariado
real
izasse
esta
tarefa
que
aniquilaria
(ou
au
fh
e
be
n)
a
filo
sof
ia
.
Quando
essa
exp
ec
tativa
foi
frustra
da,
a
nat
ureza
da
filosofia
como
critica
foi
reafir
mada
.
Isto
fundamenta a possibilidade subjetiva da critica filosofica
;
sua necessidade
objetiva
continua
carecendo
de
demonstra9
aO
.
A filosofia critica sem 0 proletariado precisa desenvolver uma tecnica
especifica que
combine
a
critica
des
mistif
icadora
com
a
critic
a
pos
itiva
.
Marcuse
es
creveu
"0
conceito de essencia" porque "tantas lutas e desejos
reais dos homens dirigiram-se para
a
procura
metaf
isica
de
uma
ultima
unidade
,
verda
de
e
universalidade do
se
r"
,
pois a analise de tais conceitos
revela concretamente a " fantasia" e 0 " desejo" de "felicidade
material
"
que
anima
a
humanidad
e.
Assim
,
por
exemplo
,
Marcuse per
gun-
ta
por
que
Des
cartes
combina
sua
filosofia
me
canist
ica
,
sua
geo
metria
ana
liti
ca
e
0
tratado
sobre
maquinas
com
uma
filosofia
baseada
no
ego
co
gi
to
.
Marc
use
nao
interpreta isto como 0 "pecado original" do subjetivismo e
dualismo abstratos da
filosofia
mode
ma
.
Des
car
tes
pro
curava
preser
var
u
rn
dominio
de
li
berdade
e
autono-
mia
humanas
diante
do
mundo
extemo
mecanico
-
raci
onal
.
A
fa
mosa
adver
tenc
ia
de
que se deve
conquistar antes a si mesmo que a fortuna nao eo abandono da liberdade,
mas
a
tentativa
para
doxal
de
pres
erva
-la
.
Analogamen
te,
0
que Marcuse
analisa
como o "Carater afirmativo da cultura" nao e apenas uma fuga da
dura realidade. A cultura contem a promesse de bonheur stendhaliana que
preserva 0 sonho- real e a fantasia existencial de liberdade, mesmo quando as
condir;6es materiais nao permitem sua
realiza
r;
ao
.
0
obj
etivo
desta
fi
losof
ia
critica
e
forn
ecer
uma
demonstra
r;
ao
"hermeneu
-
tica" da fantasia e do
"juizo existencial" de Horkheimer, mostrando como a imbricar;ao da
fi
losof
ia no
mundo
humane
a
torna
uma
for
r;
a
material
.
A
dif
iculdade
desta
solu
r;
ao
e
qu
e,
como
0
proletariado ou
0
Es
pirito
hegeliano
,
ela permanece nos limites de uma " filosofia do
sujeito". Nao ha demonstrar;ao da necessaria receptividade do mundo
externo ao veredicto do "juizo existencial" e da fantasia, assim como Kant
pode ser acusado de incompletude na Dedur;ao Transcen- dental da
primeira Critica, pois nao mostra por que a multiplicidade sensivel
deveria
de
ta
to
ser
rece
ptiva
a
imposi
r;
ao
das
categorias do
entendimento
1 1
(Sc
hn
i
der,
19
53/
19
54
,
p.
204-
35;
Howa
rd,
19
85
b,
cap
.
5)
.
A
pressuposi
r;
ao
de
Hegel
sobre
a
racionalidade do
presente
pelo
menos
tentava
sa
tisfazer
este
imperativo
.
0
Capit
al,
de Marx, ou a 16gica da
"alienar;ao", fornecia a demonstrar;ao concreta daquilo que Hegel
e
Kant
pod
iam
apenas
po
stular
.
0
passe
se
guinte
foi
sugerido em
19
23
por
Hi
st6
ri
a
e
conscien
cia
de
ci
a
sse
,
de
Lukacs.
A
16gica
da aliena
r;
ao
,
ou
a
16gica
da mercador
ia,
com
a
qual
Marx
intr
oduz
0
carater "f
et
ichista"
do
capital
ismo
,
exp
lica
0
que Lukacs descreve como "segunda natureza".
Porem Lukacs podia ainda apelar para 0 proletariado com consciencia de
classe. A teoria critica tenta transformar a "critica da economia politica"
de Marx numa "critica da razao instrumental". A " falsa consciencia"
expressa a estrutura do mundo moderno na qual 0 sujeito aparentemente
aut6nomo e afirmativo transforma-se no Verstand analitico, descrito por
Sartre (1960)
como
uma
" atividade
passiva",
cujas
relar;6es
sociais
sao
as
da
"serialidade"
impo-
tente, ou 0 sujeito passiv receptiv,
escondendo sua dependencia na cultura ilus6ria afirmativa, que substitui
sonhos por felicidade. A analise do mundo moderno, tal como
form
ado
pela
razao
instrumental
,
pretende
superar
0
dual
ismo que
vicia
a
fi
los
ofia
do
suj
eito
;
dado que
a
filosofia
e
a
realidade
so
cial
te
rn
a
mesma
estrutu
ra
,
a
teoria
critica reivindica
tanto
a
ne
cessidade
subj
etiva
quanto
a
obj
etiva
.
A ausente teoria do politico
A critica da razao instrumental baseia-se num paradoxo
significativ. Como filosofia, a teoria critica era capaz de explicar as
condir;6es de sua pr6pria possibili- dade
;
entretanto, era incapaz de
demonstrar sua pr6pria necessidade.
A tentativa de resolver esta dificuldade,
mostrando a receptividade do mundo aos veredictos da teor
ia,
exigia
a
tran
si
r;
ao
para
a
te
oria
criti
ca
enq
uanto
teoria
soc
ial
,
seguida pela analise
da sociedade moderna enquanto dominada pelo principio da razao
instrumen
tal
.
De
ixando
de
lado
as
di
fi
cul
dades
imanentes dest
a
proposta
,
1
2
ela
fra
cassa
pe
la razao simetricamente inversa:
e incapaz de
explicar as condiyoes de possibilidade da
filosofia
criti
ca,
a
pa
rt
ir
da
qual
toda
a
busca comeyou
!
(Habermas
,
19
84
,
p.
339-403)
As conseqtiencias
praticas deste circulo de paradoxos emergem inteiramente em One
d
im
ensional
man
,
de
Herbe
rt
Marc
use,
que
teve
de
re
correr
a
nOyoes
como
as
de
uma
fisica
qualitati
va,
a
revolta
dos
margin
ais
,
a
Grande
Recu
sa.
A
mudanya para
a
criti
ca
da razao instrumental foi poderosa
demais
;
destruiu a questao da qual tinha emergido (Marcuse, 1964).
A postura radical de Marcuse foi 0 resultado de sua violayao de uma
das
prem
issas
cardeais
da
teo
ria
criti
ca
.
Se
a
sociedade
unidimensiona
l
fo
sse
a
totalid
ade
,
nao haveria lugar a partir do qual esta totalidade
pudesse ser criticada, e nenhum
fulcro
que
pe
rmit
isse
se
u
deslo
camento
.
Como
acontece
com
0
af
o
ri
smo
de
Ador
no, "0
todo
e
0
nao
-
verdadeiro
" ,
isto
assume
a
valid
ade
da
teoria da
razao
instrumen
tal
;
suas
dificuldades sugerem problemas para esta teoria. A busca de urn ponto
arqui-
med
iano
faz
uma
pressuposiyao
ilici
ta.
Ela
introduz
uma
e
xt
ernalidade
,
algo ou
algum
lugar livre do sortilegio da razao
instrumental ou unidimensional. Isto reintroduz a filosofia do sujeito.
Ela
desconsidera 0 conceito de totalidade que fundamentava a
tentativa
de
Lukacs
de
transcender
as
conseq
ti
enc
ias
te6ricas
e
praticas da
reif
icayao
o
marxi
smo
hegeliano
de
Luk
acs,
entretanto
,
pres
supunha
que
0
pr
oletariado como o sujeito-objeto representasse a moderna totalidade.
Marcu
se
reconhece
que
0
pon
to
de
vista
da
totalidade
te
rn que
ser
reintro
duzido
.
A analise da razao instrumental des creve urn atomismo de
individuos abstratos que se esforyam por
manter
sua
mera
e
xi
stencia
.
0
resultado
e
u
rn
processo
de
reproduyao
social
cada
vez
mais
inco
erente
e
sem
pre em
cr
ise
.
Na
medida
em que
0
todo
se
torna
mais
irracional
,
a
racionalidade
e
atirada para fora
e
para
os
que
estao
de
fo
ra,
recusando
a
se
submete
r.
Mas
se
a
totalidade
e
verdade
iramente
total
,
os
que
estao
de
fora
estao
dentro
,
e
sao
necessa
rios
para
manter
0
sistema em
fun
cionamento
,
med
iante
0
que Paul Piccone chama de a "dialetica da
negatividade" 13 Ou a reificayao instrumental e total, e neste caso a
critica e quando muito imanente e, em ultima analise, afirrnativa
;
ou a
critica e externa a totalidade criticada e, neste caso, nao
M
garantia de que
os resultados da
critica
sej
am
rece
bidos
pelos
destinatanos
pretendid
os
.
No
primeiro
caso
,
a
pos
sibilidade
da teoria
critica
exclui
os
resultados
po
li
ticos
pretendid
os
;
no
outro
,
os resultados politicos pretendidos nao
podem ser teoricamente fundamentados.
A
fonte
do
dilema
e
a
concep
<;
ao
demasiado estreita
de
so
ciedade
civil
,
que
a
teoria
critica
herdou
de
Marx
.
Hegel
sabia
que
as
est
ruturas
da
soc
iedade
civil
moderna
poem
um
problema
a
ser
reso
lvido
no plano
do
Es
tado
po
liti
co
.
Marx
considerou este problema, uma solu<;ao.
Identificando a sociedade civil moderna com
a
sociedade
capitali
sta
,
Marx
des
envolveu
uma
teoria da economia
politica
que mostrava por que a
sociedade capitalista cria as condi<;oes subjetivas e objetivas da
pos
sibil
idade
de
sua
pr
opria
supera
<;
ao
.
En
tretanto
,
Marx
nao
demonstrou
a
necessid
ade
de
que
essa
pos
sibil
idade
fo
sse
realizada
.
A
conseq
uencia teorica
e
extraida
na
primeira senten<;a da
Dialetica
negativa,
de
Adorno
(1973,
p.
3):
"A
filosofia,
que
outrora
parecia
obs
oleta
,
permanece
viva
porque
0
momenta
de
sua
realiza
<;
ao
foi
perdido
.
"
1
4
A
cons
equencia po
litica
nao
e
necessa
riamente
0
pe
ssimismo da
Diale
ti
ca
do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno.
Uma concep<;ao de sociedade civil moderna que nao a identifique com
a economia
capitalist
a
pe
rmite
reintroduzir
0
ponto
de
vista
da
total
idade
.
Horkheimer
e
Adorno
tratam
0
Ilu
minismo
do
ponto
de
vista
de
uma
filosofia
do
suj
eito
.
A
conc
eptuali
za
<;
ao
do
Iluminismo
como
politico
ja
fora sugerida por
Ka
nt
,
para
qu
em
a
cria
<;
ao
de
uma
sociedade
civil
legal
era
0
problema
da moder
nid
ade
.
1
5
A
solu
<;
ao
de
Kant
gira
em
torno
daq
uilo
que
historia
dores
,
consc
ientes do pa
radoxo
,
chamam
de
"d
espotismo
es
clarecido
" .
0
circulo
e
famili
ar,
mas
nao
e
hermene
ut
ico
;
e
politico
.
A
iden
tif
ic
a
<;
ao
das
sociedades
modemas
com
form
a
<;
oes
econ6micas
capitali
stas
(ou
so
ciali
stas)
e
equivo
cada
.
A
questao
classica
da
Boa
Vida
na
Cidade
nao
desapareceu
.
Pelo
contrario
,
a
modemidade
a
fez
mais
candente
ao
roubar
da
sociedade
as
suas
in
stitui
<;
oes
politicas
tradiciona
is
.
Voltar
-se
para
a
economia
,
para
a
razao
subj
etiva
ou para
a
razao
instrumen
tal
obj
etiva
obscurece
esse
fato
fu
ndamental
.
Hermeneutica e teoria critica
como
metodologia
A
necessidade
de
fu
ndamenta
<;
ao
tanto
subjetiva
quanto
objetiva
,
para
a
filo
so
fi
a
modema,
resul
ta
numa
dialetica
parado
xal
,
na
qual
uma
ou
outra
,
mas
nao
ambas
as
exigencias podem
ser
satisfeitas.
Sem
uma
demonstra9ao
das
condi90es
de
possibi-
lidade da
filo
sof
ia,
a
aventura
perde
a
sua
marca racional
.
A
modernidade
introduz
a
duvida
reflexiva
na
fi
loso
fi
a
,
impel
in
do-a
para
0
seu
p610
subj
etivo
.
Quando
a
duvida
se
torna
angust
ia,
a
fi
losof
ia procura
uma
an
cora
obj
etiva
no
mundo
posi
tivo
.
Com
isso
,
ela
sacrifica
0
seu
eu para
se
preser
var
.
A
outra
oP9ao
e
a
"
f
ilosofia da
identida
de"
ontol6gica que subsume a particularidade do
mundo sob a legalidade da razao filos6fica. 0 monismo resultante desvia-
se em dire9ao ao solipsismo quando evita a esquizofrenia. Esta estrutura
paradoxal e 0 resultado de uma filosofia da subjetividade
que
nao
po
de
fu
ndamentar
-se
sem
perder
0
mun
do
,
ou
fu
ndamen
tar
0
mundo
sem
perder-se a si mesma.
Se a sociedade moderna e concebida como politica, a disputa entre a
teoria critica de Bernstein e a hermeneutica de Gadamer pode ser resolvida
mostrando-se que cada uma e correta
-
mas pelas razoes erradas. A
imanencia do politico como uma questao para a sociedade moderna significa
que a insistencia de Gadamer na
possi
bil
idade do juizo
pol
itico
e
da
phron
esis
pratica
e
jus
tific
ada
.
A
dificu
ldade
,
entretanto
,
e
mo
strar
qu
ando
e
como
esta
phronesis
fu
ncion
a.
Isto
ex
ige
uma
teo
ria
daqueles
particulaTes que tornam necessaria a reflexao politica
;
e exige uma teoria
do juizo que
evite
a
subsun9
E1
0
pela
qual
a
"
f
ilosofia
da
id
entid
ade"
reduz
a
al
teridade
a
mera
aparenc
ia.
Eis
onde
entra
a
teoria
criti
ca
,
seg
uindo
0
modelo sugerido
pe
la rela9ao entre a Dialetica negativa de Adorno e sua
teoria estetica. 0 "juizo existencial",
a mimesis e a " fantasia" sao
fundamentadas na imanencia da questao politica no interior do moderno.
Este e apenas 0 primeiro passo.
Os objetivos que Bernstein e Horkheimer
postulam como telos ou totalidade, que dirigem a teoria critica, nao
poderiam ser fundamentados em virtude da tendencia marxista em
identificar a
sociedade
civil
com
a
forma
econ6mica
capitali
sta
,
ignorando
a
questao po
liti
ca
da fundamenta9ao te6rica e institucional do
estar-junto da sociedade. Esta questao emerge quando eventos ou
institui90es particulares liberam energias praticas cuja
repre
ssao
con
stitui
inj
usti9a
so
cial
.
0
res
ultado
e
que
a
pos
sibilidade
e
completada
pela
necessidade e a particularidade e completada pela totalidade, sem amalgama
ou
separa9ao
irreparavel
.
A hermeneutica explica as condi90es de receptividade que fundamentam
a necessidade de asser90es particulares, cuja possibilidade e apontada pela
teoria
criti
ca
.
A
teo
ria
critica
permanece como
0
p610
politico
cuj
a
tar
efa
e
a
articula
9ao
da
particular
idade
;
a
hermene
utica
fo
rnece
0
complemento
filo
s6f
ico
,
cuj
a
universalidade garante que esta politica seja
fundamentada. A sua rela9ao e portanto uma rela9ao de inclusao
;
s6 fica
excluido 0 marxismo economicista
-
aceito pela primeira gera9ao da teoria
critica
-
,
0
qual
nega
a
imanencia
da questao po
liti
ca
a
soc
iedade
civil
.
Inclusao nao e identidade. Cada abordagem tern seu lugar e dominio
legitimos. Esta limita9ao transforma a natureza, tanto da hermeneutica
quanto da teoria critica. Nenhuma delas pode fazer as alega90es totalizantes
que sua formula9ao filos6fica
sugere
.
Em
vez
di
sso,
cada
uma
se
torna
u
rn
momenta
metodol6gico
no
interior
de
uma teoria da modernidade
que transforma a ambas. Neste contexto, a critica politica
de
Ber
nstein
a
Gadamer
e
per
feitamente
correta
.
Gadamer
e
u
rn
naif
po
liti
co
.
. .
mas nao
e
neces
sario
trat
,i-l
o
como
u
rn fil6sofo
polit
ico
.
A
filosofia
pol
itica
de
uma
teoria critica nao-economicista mostra a hermeneutica os !imites e 0
lugar que Ihe sao
pr6pr
ios
,
assim
como
a
hermeneutica
em
rela
r;
ao
a
teoria
critica
.
Se
esta
reconstru
r;
ao
de uma teoria critica contemporanea e
compativel com a variante proposta pela suma da segunda gera
r;
ao
,
a
Teoria
da
aq
ao
com
unica
ti
va
de
Habermas
e
u
rn
t6pico
que
sem
duvida
retornara
nas
disc
uss6es
em curso
1
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ABSTRACT: This paper analyses Gadamer's hermeneutics and the
critical theory of Horkheimer and Marcuse. It tries to show that,
ifmodern society is conceived as political, then it is possible to elaborate
a theory of modernity where hermeneutics and critical theory, instead of
opposing, complement each
other
.
KEYWORDS: Hermeneutics; critical theory; politics; civil society;
modernity.
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