MÉTODO E QUESTÃO JUDAICA EM HANNAH ARENDT

 

Romildo Gomes Pinheiro[1]

 

Resumo: O artigo procura identificar o núcleo metodológico das Origens do Totalitarismo, na estrutura comparativa entre França e Alemanha, espécie de sociologia histórico-comparativa na qual Arendt narra as origens do Nazismo e do Stalinismo. Nessa acepção, as origens ideológicas do III Reich e do Stalinismo devem ser buscadas no Racismo, e não na homologia estabelecida entre Nazismo e Comunismo, a partir da equivalência entre a ideologia da luta de classes e da luta de raças e a prática do Terror. Desse modo, a ideia de ruptura ou novidade do Totalitarismo a que se liga essa perspectiva, deve ser associada com a ideia de “atraso histórico”, espécie de articulação entre o novo e a conservação da velha ordem, na história das Nações Continentais. Sob essa ótica, Arendt mobiliza implicitamente a ideia de atraso histórico, a qual se encontra originalmente em Gramsci e Marx, a fim de dar conta de explicar não somente as homologias entre Nazismo e Comunismo, mas também como surgiram historicamente, no âmbito nacional e europeu, como ideologias políticas fundadas em movimentos de massas. De sorte a explicitar essa perspectiva, procura-se demonstrar, neste texto, como a ideia de “atraso histórico” opera no livro 1 das Origens do Totalitarismo, dedicado ao surgimento do antissemitismo.

 

Palavras chave: Arendt. Método. Antissemitismo. Atraso.

 

INTRODUÇÃO

            As Origens do Totalitarismo foi publicado em 1951. Esse grande livro, na verdade, é constituído por três livros, cuja densidade conceitual e histórica pode ser lida em cada um, independentemente dos demais. Ao mesmo tempo, os três livros são articulados, e a questão que passa então a ser objeto de discussão é como encadeá-los em um todo explicativo e, enfim, se, do ponto de vista metodológico, há um princípio comum que unifica a perspectiva de Arendt, nas OT. Dados os limites do presente texto, em relação à primeira tarefa, explorarei somente o livro 1, sobre o antissemitismo. Já para a segunda, de que passo a me ocupar agora, tentarei discernir a questão do método que envolve a obra, procurando, em seguida, encontrar no livro 1 sua evidência explicativa.

 

1 QUESTÕES DE MÉTODO

            No Prefácio do livro, nós encontramos as clássicas perguntas do historiador: “O que se passou? Por que isto se passou? Como isso foi possível?” (ARENDT, 2002a, p. 8). As perguntas do historiador ocorreram, quando a Alemanha atinge o “ponto zero” da sua história, isto é, quando um novo “regime de historicidade” passa a estar em “disputa”.

            Arendt envereda pela consideração do primado que o evento histórico tem para a historiografia: a história somente se mostra através dos seus momentos inaugurais, “de aceleração do agora”, o que significa que a

[...] novidade é o reino do historiador, que – ao contrário do cientista natural, que se interessa por factos regular e permanentemente recorrentes – se consagra a factos que ocorrem sempre uma só vez. Esta novidade pode ser distorcida se o historiador, invocando a causalidade, se pretender capaz de explicar os acontecimentos por meio de um encadeamento de causas que os teriam produzidos. (ARENDT, 2001, p. 246).

 

Reconhece, portanto, no evento histórico, uma singularidade que ultrapassa os fatores determinantes que o teriam condicionado, como evoca com recorrência, por exemplo, a disparidade entre a causa e os efeitos desencadeados da Primeira Guerra Mundial.[2]

            Essa recusa da ideia de causa não significa, todavia, que o acontecimento se encontre disperso na história. Isto é, ao mesmo tempo, Arendt considera que o evento histórico ilumina retrospectivamente o que ocorreu. “É o acontecimento que esclarece o seu próprio passado, e não pode nunca ser deduzido dele” (ARENDT, 2001, p. 246), de modo que o passado só chega plenamente à existência, quando o acontecimento se produz. Trata-se de um método ex post fact de investigação: desde que o evento em questão seja suficientemente importante para lançar luz sobre seu próprio passado, a história torna-se começo (ARENDT, 2001, p. 246); somente assim se estabelece uma história que pode ser narrada, porque possui um início e um fim. Isto é, o próprio passado passa a ter um começo, de tal maneira que um começo do passado, o qual permanecia até então escondido aos olhos do historiador, finalmente veio à luz. Enfim, o acontecimento se torna o fim, telos, desse começo recém-descoberto pelo historiador. O acontecimento é o fim e o culminar de um processo que ocorreu, “um chegar no tempo”, como frisa Arendt.

            Essa perspectiva se opõe à ideia de causalidade histórica, isto é, a uma determinação monocausal dos acontecimentos, de modo a fazer deste um simples epifenômeno de uma causalidade histórica qualquer – seja na versão kantiana da história como ardil do progresso através do Direito, seja na versão hegeliana da história como manifestação do espírito absoluto, seja ainda no primado das determinações econômicas, pelo marxismo. Arendt recusa a filosofia da história do Idealismo Alemão e sua derivação da história do conceito de processo, por engolfar as ações dos indivíduos nos seus efeitos desencadeados (ARENDT, 2016, p. 93) A questão a se perguntar é se não haveria nas OT uma articulação entre eventos políticos e processos históricos e sociais. Não seria, afinal, essa dualidade entre evento e processo histórico, entre história política e história social coetânea a outras dualidades que atravessam o pensamento da autora?

A questão que merece ser respondida é como associar a consideração pelo evento ou acontecimento com uma pressuposição da história como processo nas OT, articulação sem a qual a exigência de explicação das origens do totalitarismo permaneceria opaca. Argumentarei que nós podemos encontrar no clássico de Arendt essa articulação entre eventos e processos históricos, se nós atentamos para o conjunto da obra, e não apenas para o último capítulo do 3º livro, como é de praxe, no que se refere à antítese histórica entre França e Alemanha, ou melhor, se considerarmos a Reação à Revolução Francesa, no contexto da “miséria alemã”.

            É assim que nós podemos interrogar de que modo nomear esse interregno situado entre o início do passado e o acontecimento final na obra as OT, do qual trata Arendt, nas suas considerações metodológicas sobre a obra. No texto que possui um sugestivo título a esse respeito, Entre o Passado e o Futuro, Arendt nomeia esse intervalo entre duas rupturas do tempo como uma brecha (gap) entre o passado e o futuro, um “[...] estranho entremeio no tempo histórico, onde se toma consciência de um intervalo no tempo inteiramente determinado por coisas que não são mais e por coisas que não são ainda.”[3] (ARENDT, 2014, p. 66). Tal lacuna, para Arendt, concerne ao pensamento, o qual se move para a autora no interior do conflito entre as duas forças do tempo, o passado e o futuro, por meio, na visão da autora, de um “pensamento espacial” que recusa erigir-se além do conflito entre essas duas forças do tempo (ARENDT, 2014).

Ora, com os regimes totalitários, essa lacuna, que dizia respeito à condição do pensamento, se tornou extensível ao tempo histórico, e o entremeio entre os dois tempos, o antigo e o novo, tornou-se visível a todos, e não apenas aos pensadores. Dessa forma, com os regimes totalitários, nós temos algo novo, uma brecha, pois, na ordem do tempo, se trata de algo que não pode ser mais explicado com as categorias do passado. Todavia, ao mesmo tempo, essa novidade não é inteiramente nova assim, podendo ser retraçada no passado. Portanto, um misto entre futuro e passado, nos termos de Arendt, outro nome para aludir a “atraso”, isto é, o quanto no novo nós encontramos ainda a conservação da ordem antiga, de modo que, nas sociedades burguesas, nós encontramos os vestígios da velha ordem.

            Nas OT, esse intervalo ou ruptura que instalou uma fenda no tempo, mas que, ao mesmo tempo, continua carregar o passado no seu interior, dando início a uma série de continuidades históricas até encerrar seu ciclo histórico, “um ponto zero”, como enfatiza Arendt, vai ser escalonado historicamente de uma maneira precisa. Um “regime de historicidade” é aí demarcado, para utilizarmos o conceito de François Hartog (2013, p. 12-13), o qual mencionamos há pouco: Arendt engrena presente, passado e futuro numa ordem do tempo que funciona por sua capacidade de explicar os regimes totalitários. Utilizando os termos de Hartog, essa perspectiva é voltada a identificar as crises e passagens do tempo de um período histórico a outro, o regime de historicidade servindo justamente para identificar o entremeio entre os dois marcos temporais.

            Nas OT, estes dois marcos temporais são colocados do seguinte modo. Arendt parte de um acontecimento maior da política moderna, a Revolução Francesa e a fundação do Estado-Nação Moderno, e, no outro extremo, o “advento” do III Reich e do Stalinismo. Nos dois acontecimentos, nós tivemos duas fendas na ordem do tempo. Ao mesmo tempo, entre esses dois extremos, nós temos, nas OT, um espaço histórico composto de diferentes “extratos do tempo”, em que nós encontramos fundidos os regimes totalitários do século XX e e o passado político das sociedades que não seguiram a via clássica da Revolução Francesa. Assim, o livro começa tratando da emancipação dos Judeus, a partir da Revolução Francesa, em 1792, e o seu fim, com a comparação histórico-política entre o III Reich e a URSS, com a qual se encerra o capítulo IV do livro 3. Olhando para o conjunto, Arendt expõe diferentes extratos dos tempos modernos em que passado e futuro se encontram fundidos: capítulos sobre a história do judaísmo, caso Dreyfus na França, análises marxistas sobre o Imperialismo francês, inglês e continental, retomadas da psicologia do homem de massas etc. Em princípio, nós não podemos mesmo alinhavar a obra entre um começo e um fim, segundo uma continuidade homogênea.

            Por outro lado, indo além da definição do Totalitarismo como “evento”, uma perspectiva de “longa duração ” pode ser situada nas OT. O método ex post fact de Arendt, já referido, no fundo permite que nós estabeleçamos um alinhamento teleológico capaz de possibilitar estabelecer um recorte histórico da obra entre o evento que assinalou uma ruptura no tempo e seus antecedentes históricos. A designação desse alinhamento por meio do qual os fios da obra são reatados do início ao fim, no ciclo histórico considerado por Arendt, pode ser resumida através do nexo entre a influência desencadeada pela Revolução Francesa e as Conquistas Napoleônicas e a formação nacional das sociedades retardatárias, no quadro do estudo das ideologias políticas no contexto da inserção da formação nacional alemã, e também russa, no continente europeu. Entre os dois acontecimentos que assinalam a marcação histórica e conceitual das OT, nós temos um interregno histórico que corresponde ao problema nacional, na esfera ideológica das Nações retardatárias na via do capitalismo.

            Duas pontas desse processo histórico são postas: de um lado, o conceito revolucionário de igualdade, criado pela Revolução Francesa, e, de outro, os Imperialismos Continentais que desencadearam a Primeira Guerra Mundial. São fatores históricos de longa duração que se encontram associados aos desdobramentos da Era da Revolução Francesa, na Europa. Arendt não menciona jamais a ideia de atraso histórico em Marx, isto é, o descompasso comparativo das Nações Continentais relativamente ao Estado Nacional na França, após a Revolução, ponto que já retomaremos. Todavia, sua narrativa acerca da longa duração histórica das ideologias políticas de matriz racista dos Impérios Europeus que colapsaram com a Primeira Guerra Mundial, divisor de águas do regime de historicidade contemporâneo, introduz metodologicamente esse ponto de vista, o qual opera em diferentes regimes históricos tratados na obra.

            Se não estivermos equivocados, essa ênfase na análise do Totalitarismo, com base nas Ideologias Políticas que sobreviveram à dissolução dos Impérios Continentais Atrasados, após a Revolução Francesa, coloca as OT na mesma perspectiva dos trabalhos de Gramsci sobre a “revolução passiva” e a “via prussiana” das Nações que foram modernizadas pelo alto, por meio da aliança entre os Intelectuais e o Estado, diante de uma sociedade civil fraca. Arendt e Gramsci põem ênfase no peso das sedimentações ideológicas do passado político europeu, através de uma espécie de sociologia histórica e comparativa entre diferentes Nações, valorizando a esfera ideológica como meio de explicação das origens dos fascismos contemporâneos das Nações que sofreram o abalo da Revolução Francesa e modernizaram sua estrutura pelo alto. Ressalta Gramsci (2010, p. 29):

Alemanha, como a Itália, foi a sede de uma instituição e de uma ideologia universalista, supranacional (Sacro Império Romano da Nação Alemã), e forneceu uma certa quantidade de quadros à cosmópole medieval, depauperando as próprias energias internas e provocando lutas que desviavam dos problemas da organização nacional e mantinham a desagregação territorial da Idade Média. O desenvolvimento industrial ocorreu sob um invólucro semifeudal, que durou até novembro de 1918, e os junker mantiveram uma supremacia político-intelectual bem maior do que a mantida pelo mesmo grupo inglês. Eles foram os intelectuais tradicionais dos industriais alemães, mas com privilégios especiais e com uma forte consciência de ser um grupo social independente, baseada no fato de que detinham um notável poder econômico sobre a terra, mais ‘produtiva’ do que na Inglaterra. Os junkers prussianos asemelham-se a uma casta sacerdotal-militar, que possui um quase monopólio das funções diretivo-organizativas na sociedade política, mas que dispõe ao mesmo tempo de uma base econômica própria e não depende exclusivamente da liberalidade do grupo econômico dominante. Além disso, diferentemente dos nobres agrários ingleses, os junkers constituíram a oficialidade de um grande exército permanente, o que lhes fornecia sólidos quadros organizativos, favoráveis à conservação do espírito de grupo e do monopólio político.

 

Tanto quanto Arendt, Gramsci põe em evidência, na Alemanha e na Itália (sede do papado, unificação tardia, desagregação territorial etc), a existência de uma Ideologia Universal, espécie de sobrevivência política que ganhou novos esteios com as guerras napoleônicas e o fim do I Império, após a Revolução Francesa. Para Gramsci, foram os Junkers (aristocratas que se modernizaram, semelhantes à gentry, na Inglaterra) que mantiveram a hegemonia político-intelectual na Alemanha. Após a Unificação, tornaram-se intelectuais tradicionais dos Industriais Alemães, espécie de casta sacerdotal e militar que possuía base econômica e dispunha de funções diretivas, na sociedade.

Em Arendt, os contornos dessa ideologia política são forjados com o fim do I Império, durante as invasões napoleônicas, espécie de antítese da herança do Estado-Nação Moderno fundado pela Revolução Francesa. É no pangermanismo que nossa autora apreende a história dos fantasmas políticos alemães, e sua origem data do período Pós-Revolucionário. Assim, na

[...] Alemanha, o pensamento racial se desenvolveu somente após a derrota do velho Exército Prussiano diante de Napoleão. Seu desenvolvimento decorreu dos patriotas prussianos e do romantismo político muito mais do que da Nobreza e de seus porta-vozes. Diferente do movimento racial francês que visava a desencadear a guerra civil e a fazer explodir a Nação, o pensamento racial alemão foi inventado por meio de um esforço para unir o povo contra toda dominação estrangeira. Seus autores não procuravam aliados além das fronteiras; eles queriam revelar no povo a consciência de uma origem comum.[4]

 

            Esse pensamento racial nascido como Reação à Revolução, após a Revolução Francesa, depois da derrota do I Império Alemão, será reconsiderado dentro de um outro “regime de historicidade”, nos capítulos seguintes das OT. Isto é, no registro histórico da reconstituição da ideologia dos Imperialismos Continentais no pan-eslavismo e no pangermanismo, ideologias políticas nas quais nós podemos notar as origens tanto do Nazismo quanto do Stalinismo. Arendt encontrará, após 1871, portanto, após o II Império Alemão, no pangermanismo e do pan-eslavismo, as duas ideologias que deram origem aos movimentos de massa das nacionalidades que visavam a integrar-se nos Impérios Continentais em expansão.

            Isso significa que, se considerarmos as OT sob essa perspectiva de conjunto na qual as formações nacionais alemãs e russa vêm à luz, repousa no conceito de Imperialismo Continental, apreendido como nexo entre a expansão de capitais por meios políticos e a colonização de novos espaços, a partir da compreensão do desenvolvimento histórico alemão e russo. De fato, entre o Imperialismo e o Totalitarismo temos uma distinção terminológica, já que, por exemplo, o Imperialismo Clássico resultante da exportação de capital supérfluo e mão de obra supérflua não gerou um modo totalitário de governo, nesses países. Todavia, sem o pangermanismo e o pan-esvalismo, nós não podemos compreender o surgimento do III Reich e do Stalinismo. Tudo se passa como se, após a decadência desses dois Impérios, depois ds Primeira Guerra Mundial, a conjuntura social e política que deu nascimento a estas duas Ideologias reacionárias houvesse se reproduzido em toda a atmosfera do Entre-Guerras.

            Em resumo, considerada no seu conjunto, a estrutura comparativa França-Alemanha funciona como um contraponto que organiza o conjunto da obra, naquilo que concerne à gênese explicativa das origens dos Totalitarismos, na medida em que inscreve a relação Alemanha e Rússia dentro de uma gênese histórica e ideológica particular, enquanto duas Nações que sofreram o abalo da França Pós-Revolucionária. Essa perspectiva nos permite contestar o método de homologias comparativas entre os dois regimes, sob a pluma do conceito de “forma de governo”, como será o caso no capítulo IV do livro 3 (Arendt, 2002c).

Nesse capítulo, Arendt põe em comparação o Nazismo e o Stalinismo, a partir do conceito de forma de governo, e a luta de classes e a luta de raças são colocadas como as principais Ideologias desses Regimes. [5] Já dentro da perspectiva que anima o conjunto de OT, Raça e Classe não são mais as “Ideologias Totalitárias” colocadas em relação de correspondência (ARENDT, 2002c, p. 287), ficando somente no Racismo a origem das ideologias totalitárias do mundo contemporâneo:

Bem mais que o pensamento de classe, é o pensamento racial que não cessou de planar como uma sombra embaixo do desenvolvimento do concerto das nações europeias, para se tornar finalmente a arma terrível de destruição das nações. Do ponto de vista histórico, os racistas detém um registro de patriotismo pior que aqueles que sustentam todas as outros ideologias em conjunto, e eles foram os únicos a negar incessantemente o grande princípio sobre o qual foram edificados as organizações nacionais dos povos: o princípio de igualdade e solidariedade de todos os povos, garantido pela ideia de humanidade. (ARENDT, 2002a, p. 80).

 

Arendt reconstrói o racismo como Ideologia Política, após a Revolução Francesa, com o objetivo de mostrar sua conjugação histórica ulterior com o Imperialismo Continental dos Estados Atrasados, e a “ideologia da luta de classes” mencionada no capítulo IV do livro 3 corresponde, não a Marx e ao marxismo, mas ao pan-eslavismo. Trata-se de uma mudança de perspectiva evidente entre a gênese explicativa da obra e seu ulterior resumo explicativo, sob a pluma do conceito de forma de governo.

            Por fim, essa inscrição das Ideologias Totalitárias nas Ideologias Racistas dos Estados-Nações atrasados no contexto da França Pós-Revolucionária[6], do ponto de vista da reconstrução metodológica da obra, possibilita rearticular a história conceitual de Arendt com a tese acerca do anacronismo alemão do jovem Marx. O texto sobre o qual nós nos apoiamos é a Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel:

[...] porque o statu quo alemão é o acabamento confessado do antigo regime, e o antigo regime é o defeito escondido do Estado moderno. O combate contra o presente político alemão, é o combate contra o passado dos povos modernos, e as reminiscências deste passado vêm sempre a atormentá-los. É instrutivo para eles de ver o antigo regime, que neles viveu sua tragédia, jogar sua comédia enquanto fantasma alemão. (MARX, 2000, p. 10).

 

            Essa ênfase metodológica posta na ideia de anacronismo alemão, pela marcação comparativa das Nações atrasadas relativamente à Revolução Francesa, assim como o destaque para o âmbito ideológico na explicação do surgimento do Nacional-Socialismo e do Bolchevismo, acompanham o livro OT do início ao fim.[7] Tal perspectiva de investigação, a nosso ver, funciona mais como um complemento necessário à compreensão das OT do que a única consideração do conceito de Totalitarismo pelo prisma da ideia de evento e, portanto, de ruptura com as categorias da filosofia política. É uma articulação necessária entre evento e “longa duração”, que se encontra dada nos próprios pressupostos de Arendt.

            Com efeito, é o caso de verificarmos agora como essa tese sobre o atraso alemão funciona na explicação de Arendt sobre a questão judaica na Alemanha, no livro 1 das OT, exposição que farei tomando a discussão do jovem Marx sobre a questão judaica como referência explicativa. Os espectros alemães como reminiscências políticas do passado alemão têm uma função metodológica importante, no modo como Arendt expõe a questão judaica, no contexto pós-revolucionário, em contínuo diálogo, ao mesmo tempo, com a ênfase posta por Gramsci no Estado e nos intelectuais como agentes das superestruturas ideológicas das nações de formação tardia, como é o caso da Alemã (VIANA, 2002). Mas também com o Lukács historiador da cultura alemã, do classismo como Era da Revolução Burguesa na Alemanha, e teórico da via prussiana, como forma de unificação pelo alto das sociedades retardatárias (LUKÁCS, 2000).

            Dados os limites desta exposição, vejamos apenas a maneira como o livro 1 das OT articula esses dois recortes no tempo, a saber, o extermínio dos judeus, na Europa, e a recepção da Revolução Francesa, na Aufklarung judaico-alemã.

 

2 O ANTISEMITISMO COMO IDEOLOGIA DO ATRASO

            O ponto de partida de Arendt é a definição do antissemitismo como ideologia política que se cristalizou, após a fundação do II Reich, e a virada intelectual e moral sucedida pela recusa da cultura humanista do classicismo alemão e o predomínio do militarismo prussiano.[8] Olhando para o sumário do livro I, observa-se que Arendt mobiliza a distinção entre emancipação política e emancipação social dos judeus, procurando compreender o antissemitismo como ideologia política, a partir da relação dos judeus com o Estado e a Sociedade, descrição histórica ao mesmo tempo política e social. A perspectiva não deixa de lembrar “Sobre a questão judaica”, do jovem Marx, não somente pelo interesse no estudo da situação dos judeus, no contexto do “atraso alemão”, nos seus aspectos políticos, sociais e culturais, mas também por Arendt discutir metodologicamente a questão judaica, partindo da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos Humanos.

Ambos partem da consideração de que o desdobramento político da questão judaica deve ser tomado em conta, em função da relação do judeu com o Estado, em diferentes formações nacionais. Isto é, como o judeu determina o destino do Estado-Nação pelo capital financeiro, o qual, “pelo dinheiro determina o destino do Império Austro-Húngaro”, de modo que, com o declínio do Estado Nacional, os judeus seriam os que mais teriam seus direitos humanos negados. No plano da discussão sobre os dilemas da emancipação social dos judeus, ambos os autores partilham da descrição sobre os dilemas sociais resultantes da emancipação política dos judeus, após a Revolução Francesa. Arendt descreve o que chama de fenômeno da dupla consciência dos judeus, enquanto Marx, a cisão entre o cidadão e as convicções religiosas, uma cisão característica da sociedade burguesa.[9]

            Em Arendt, tal ênfase na relação dos judeus com os destinos da Revolução Francesa e do Estado-Nação é já posta de maneira explícita, na introdução do livro 3 das OT. Arendt associa o ódio mobilizado contra o judeu à famosa análise de Alexis de Tocqueville, consagrada em O Antigo Regime e a Revolução, a explicar as razões pelas quais os nobres foram tão odiados, na época da Revolução. Conforme Tocqueville, a razão é que, na França, o feudalismo continuou sendo uma importante instituição civil, mesmo quando deixou de ser uma instituição política. Quanto uma parte das instituições da Idade Média foram destituídas, o ódio aos nobres pôde adquirir uma outra escala, quando os privilégios agora estavam desguarnecidos do poder político (TOCQUEVILLE, 1997, p. 76). Para Arendt, o ódio aos judeus, nos discursos antissemitas, resultou da condição de privilégio dos judeus no Estado. Esse ódio foi mobilizado pela aristocracia, quando esta se contrapõe como classe ao Estado. É o nobre odiado de Tocqueville que agora passa a odiar, quando seus privilégios de casta são ameaçados, espécie de inversão da reação no interior do discurso da Revolução, quando transplantado para a situação alemã.

 

3 ARENDT, MARX E A QUESTÃO JUDAICA

            Nós podemos inferir que a discussão sobre as dificuldades da emancipação do judeus em relação ao Estado, isto é, o caráter reversível dos direitos obtidos, retoma a discussão de Marx sobre os limites da emancipação política dos judeus, e de toda emancipação política em geral, do mesmo modo que os capítulos das OT consagrados à discriminação dos judeus, na sociedade, discutem os limites de toda emancipação social. Essa associação entre os dois autores é importante, porque a análise de Arendt sobre “a questão judaica” passa a funcionar como uma “prolongação” da hipótese de Marx da situação do judeu, no contexto de “atraso”.[10] Naturalmente, identificá-los sob a perspectiva de uma prolongação da análise de Arendt daquela de Marx não significa que estejamos apagando a irredutibilidade de cada ponto de vista histórico acerca da questão judaica, na Alemanha, mas somente chamando atenção para aquilo que há de comum entre as duas análises, e como, sob o fundo dessa aproximação, os fios histórico-políticos que articulam os demais livros das OT são mais bem compreendidos.

            Em primeiro lugar, para a questão judaica, o aspecto comum concerne à crítica da emancipação dos judeus, na Alemanha, onde a chave explicativa da questão judaica é a considerada, tomando-se em conta a relação do judeu com o Estado, como já salientado. Na Alemanha, o Estado ainda não se emancipou politicamente, é um Estado “atrasado”, carregado pelos vestígios do ancien regime europeu, encarnados no I Reich “Alemão”. Trata-se de um Estado que ainda não se emancipou politicamente, incapaz de tratar o judeu como cidadão (MARX, 2010, p. 35). A análise comparativa de Marx é retomada por Arendt, em um primeiro plano, no entendimento do significado da emancipação política dos judeus na Revolução Francesa. “Era necessário abolir as restrições aos direitos dos Judeus e a seus privilégios ao mesmo tempo que as outras liberdades e direitos particulares.” (ARENDT, 2002c, p. 33).

Essa emancipação é acompanhada pelo desenvolvimento de um Estado independente, acima das classes sociais, capaz de assegurar a unidade nacional. Só que, para o desenvolvimento do Estado-Nação, o crédito judeu foi fundamental, praticado já em grande escala pelos judeus para nobreza. Desse modo, o judeu do crédito passou a desfrutar de privilégios do Estado, em razão da dívida pública adquirida pelo Estado, o que significa que a emancipação política dos judeus, plenamente acordada no século XIX, foi ambígua porque, de um lado, ela se inscrevia na estrutura política e jurídica de um corpo político que funcionava a partir da igualdade política e jurídica.

Mas, de outro lado, essa emancipação foi acompanhada de privilégios específicos acordados aos judeus ricos. Significou, portanto, a igualdade e o privilégio, a destruição da antiga comunidade judia e, ao mesmo tempo, a conservação dos judeus enquanto grupo fora da sociedade, pelas relações de privilégio com o Estado, como assevera Arendt: “A igualdade de condições, no sentido onde os Jacobinos a entenderam durante a Revolução Francesa, somente se tornou uma realidade na América, enquanto que na Europa foi substituída imediatamente por uma igualdade da pura forma, a igualdade diante da lei.” (ARENDT, 2002c, p. 35).

Sob essa ótica, a proximidade com a análise de Marx, em Sobre a questão judaica, é evidente, pois referencia essa insuficiência da emancipação política nas desigualdades sociais das sociedades burguesas, conforme generaliza Arendt: “As inultrapassáveis desigualdades sociais, e o fato que um indivíduo, sobre o continente Europeu, e até a Primeira Guerra Mundial, pertencia a uma classe quase pelo direito de nascimento, era incompatível com a igualdade política.” (ARENDT, 2002c, p. 36).

            Contudo, a inscrição do judeu na divisão entre Estado e sociedade civil burguesa é somente metodológica, porque factualmente os judeus não pertencem à estrutura de classes das sociedades modernas, com seu desenvolvimento capitalista, pois são um grupo à parte. Nas OT, Arendt explica que os judeus se definem como judeus, e não pela sua relação com outras classes da sociedade, e a proteção social que eles receberam decorre da sua relação com o Estado e os serviços que os impediam de aceder ao sistema de classes. Daí sua condição similar à da nobreza, classe por excelência expressão do atraso. E daí também a razão pela qual a autora trata do problema da emancipação social dos judeus, tendo em vista a esfera ideológica da Bildung, dada sua hegemonia sob o impacto da cultura da Aufklarung na “miséria alemã”.

            Essa relação de privilégio com o Estado se exponenciou após a Revolução Francesa, de sorte que, no século XVIII, nos principais centros capitalistas europeus, os judeus foram emancipados ao mesmo tempo que se tornaram os grandes credores do Estado.[11] Arendt identifica no crédito judeu o capital financeiro através do qual o Estado-Nação se desenvolveu, espécie de simbiose entre a alta finança, que sempre acompanhou o desenvolvimento capitalista nas grandes cidades, e o Estado-Nação.[12] Como pensar o Império Austro-Húngaro, sem o crédito judaico, o qual permitia que os judeus gozassem de liberdades civis em Viena? Essa associação do capital financeiro judeu com o desenvolvimento do Estado é fundamental na análise de Arendt, de maneira que, sem essa consideração, nós não compreendemos por que o antissemitismo se tornou uma ideologia política contraposta ao universalismo das Luzes e como uma reação plantada no seu interior.

 

4 O SURGIMENTO DO ANTISEMITISMO

            Como explicar a origem do antissemitismo? Para Arendt, a partir do nexo histórico e conceitual com a Revolução. Isto é, nasceu nos Estados atrasados que sofreram o abalo da Revolução, sobretudo nessa Alemanha cuja reação contra as guerras napoleônicas decorria das reformas que tornaram possível que a Prússia se tornasse um Estado-Nação moderno, o qual tratasse os judeus em condição de igualdade, advinda somente com o Reich de 1871.[13] Quer dizer, nessa Prússia influenciada pelo espírito das Luzes, em que pesem os limites da emancipação, ao judeu eram reconhecidas as melhores condições de vida e de instrução, em um Estado de uma administração burocrática que não tolerava mais privilégios e distinções.

            Nas condições de atraso político, em que a Nação ainda não é definida, importando somente a esfera da cultura e da hegemonia intelectual, vicejou um discurso antissemita em resposta ao Édito de 1812 dos “reformadores”, proveniente de uma aristocracia que passou a atacar os judeus como grupo privilegiado. Decorre, portanto, da reação, no contexto das guerras napoleônicas, quando as revoluções pelo alto procuravam dar luz a uma nova hegemonia cultural, após o abalo representado pela Revolução. Na explicação de Arendt, cujo parentesco com a de Gramsci me parece crucial, a origem do antissemitismo moderno como ideologia política deve ser creditada à aristocracia, que passou a atacar abertamente o Estado Nacional que tratava todos em condição de igualdade. O ataque dirigido ao Estado se voltava ao judeu, ao mesmo tempo; conjuntamente, os valores de classe média eram rejeitados ao mesmo tempo que o discurso dos reformadores.

No contexto da Reação após o Congresso de Viena, a Santa Aliança tonifica a nobreza prussiana, que passa a emplacar uma discriminação contra os judeus, cujo apogeu será a introdução da distinção entre judeus aceitos e aqueles que não o eram. O relevo cristão do Estado, analisa Arendt, associado ao Congresso de Viena, o qual verteu à Prússia as províncias habitadas por massas judaicas de pobres, nunca conseguiu tratar com igualdade os judeus. Caridoso com os judeus ricos, o Estado cristão podia discriminar socialmente a inteligência judaica e as massas judaicas. Isto é, seguindo o nexo histórico de Arendt, o antissemitismo é essencialmente um fenômeno da aristocracia que se opôs à formação de um Estado-Nação, na Alemanha, capaz de tratar com igualdade os judeus. Não é outra a referência de Arendt, senão a de Friedrich Engels, o qual observou que “[...] um dia que os protagonistas do antissemitismo de sua época eram os aristocratas, a ralé pequeno-burguesa desencadeada jogando o papel do coração.” “Nós podemos dizer também”, continua Arendt, “[...] que foi assim na Alemanha, com os cristãos-sociais da Áustria e os anti-Dreyfus francês. Em cada caso, a aristocracia levava uma luta desesperada e procurava se aliar às forças conservadoras da Igreja: a Igreja Católica na Áustria e na França, a Igreja Protestante na Alemanha, sob o pretexto de combater o liberalismo com as armas do cristinianismo.” (ARENDT, 2002c, p. 76).  

            O terreno da agitação dos discursos antissemitas adquiriu status de ideologia política, quando dos movimentos pangermanistas que mobilizaram a opinião pública contra o Império Austro-Húngaro, pois reinvindicavam a união da nacionalidade alemã, sob a base do extermínio dos judeus e dos eslavos. E uma nova marcação histórica é posta: não mais o Edito de 1812, no contexto da ocupação napoleônica, porém, após a fundação do Reich Alemão e o crash financeiro de 1873, quando os slogans antissemitas se tornaram moeda corrente nas regiões atrasadas, até se tornarem uma ideologia política de alcance universal, quando a condição de miséria das províncias alemãs se expandiu às grandes cidades, com a crise do entre-guerras.[14] Os discursos antissemitas proliferaram em condições de atraso radical, o que prova, agora seguindo o raciocínio sociológico de Norbert Elias, que os códigos dos príncipes e das classes aristocráticas que afirmavam a característica desigual se sobrepuseram ao igualitarismo proveniente da Revolução Francesa.[15]

 

5 BILDUNG JUDAICA E AS DIFICULDADES DA EMANCIPAÇÃO SOCIAL

            Essa apreensão do antissemitismo, nas regiões atrasadas, no entanto, iluminadas pelos reformadores que aspiravam à emancipação política dos judeus, tudo no espírito das Luzes e da educação do gênero humano, serve igualmente de baliza teórica para Arendt criticar a emancipação social dos judeus, na Alemanha.

            O cenário de Arendt para apreender essa descrição da situação social dos judeus é Berlim, capital de um Estado atrasado, onde os judeus gozavam dos direitos humanos, mesmo que ao preço de severas restrições às massas judaicas. Nathan, O sábio, de Lessing, torna-se emblemático a esse respeito, pois proclama os direitos humanos para os judeus, por meio da Revolução Francesa, verdadeiro libelo em favor da tolerância religiosa (ARENDT, p. 188, 2011ª). Do paradoxo da igualdade e do privilégio diante do Estado, isto é, do reconhecimento da igualdade diante da lei em um Estado separado da sociedade civil, e do privilégio ao capital financeiro que tornava possível a abstração do Estado, Arendt vai questionar as insuficiências da emancipação social dos judeus. A forma política é posta em questão pelo conteúdo social. O nó do argumento é que a assimilação dos judeus à sociedade foi conferida aos judeus, na qualidade de indivíduos excepcionais em relação às massas judaicas, o que significa que, em face da igualdade econômica, política e jurídica dos judeus, a sociedade reagiu sob base do fato de que a assimilação dos judeus, o reconhecimento da sua igualdade social somente fosse concedido a casos excepcionais. Estabelecer relações com a sociedade significava “ser e não ser-judeu”, isto é, renunciar uma religião discriminada socialmente e se fazer aceitar na qualidade “excepcional” de um indivíduo extremamente educado, resultado que seria encarnado pelos intelectuais judeus.

Um fenômeno de dupla consciência torna-se aqui manifesto, expressão da renúncia pública do judaísmo e sua exacerbação na esfera privada, da própria cisão do homem na sociedade burguesa, entre indivíduo privado e cidadão. Nessa tessitura social, os partidários da emancipação dos judeus consideravam que seria através da educação que os judeus seriam integrados à sociedade, raciocínio idêntico para os não judeus. Se a emancipação dos judeus ocorreu através da emancipação política do Estado, traduzindo a emancipação política do Estado da religião, na explicação de Marx, sua emancipação social traduziria ao mesmo tempo a emancipação da sociedade inteira, na explicação de Arendt. Sobre esse último ponto, é o caso de evocarmos o raciocínio sociológico de Norbert Elias, para quem o homem da Bildung correspondia à classe média em ascensão, através da educação humanista, na qual a cultura representa a retirada e a liberdade das pressões do Estado que conferia a posição de segunda classe a cidadãos comparados à nobreza, que negava à classe média o acesso às posições de liderança no Estado e suas responsabilidades, ao poder e prestígio associado a essas posições.

Esse dilema da classe média, a qual, modernizando-se culturalmente através da educação, ao mesmo tempo permanecia atolada ainda no atraso alemão, que perduraria ainda até o século XIX e XX, uma oposição que recobre desde o século XVIII a distinção entre cultura e civilização, na análise clássica de Elias, entre a classe média educada com seu sentido de acabamento e realização, e a civilização como símbolo dos príncipes e cortes das classes elevadas. Para os judeus, retornando ao livro 1 das OT, a sociedade exigia dele que se educasse suficientemente para não se assemelhar aos judeus ordinários, ao mesmo tempo que somente os aceitava em razão da qualidade exótica dos judeus.

Nesse cenário de atraso, a burguesia era incapaz de prover a cultura no sentido de uma formação (Bildung), não sendo gratuita a razão pela qual o romance de Goethe, Wilhelm Meister, se tornou a expressão da educação do judeu e da educação do alemão de classe média: o herói do romance é formado por aristocratas e atores, e a educação equivalia a transformar o burguês no aristocrata. Isso significava, na verdade, que os Junkers prussianos que não se interessavam de maneira alguma pela cultura, empregavam na educação dos seus filhos preceptores burgueses geniais e mortos de fome, vivendo na estreiteza de uma sociedade atrasada (ARANTES, 2003). Educadas por aristocratas e atores, as classes médias deveriam ser capazes de apresentar e representar sua personalidade (ARENDT, 2002c, p. 112 e p. 226-227).

Para os judeus e a classe média, tal era a condição da sua aceitação social, a capacidade de expressar sua personalidade e de jogar seu próprio papel, razão pela qual Arendt vai consagrar uma importante discussão sobre o salão de Berlim como protótipo desse modo de expressão do talento e da personalidade (ARENDT, 2002c, p. 113).[16] Designa os tempos modernos de Berlim como sociedade burguesa, onde um lugar de conversação sobre temas literários e políticos vai passar a funcionar como expressão da cultura do moderno, na Berlim do Segundo Império.[17] Era a sociabilidade na forma da arte, em que a sociabilidade repousa sobre as personalidades que exalam uma cultura subjetiva, na qual os indivíduos somente contam pelo que eles são espiritualmente, e onde o dinheiro não penetra, espécie de último reduto da cultura face a uma sociedade civil burguesa em desenvolvimento (ARENDT, 2002c).

            Isto é, sobre os dilemas da emancipação social dos judeus e da sociedade alemã em geral, Arendt pensa a questão judaica tomando como referência o conceito de Bildung (formação), processo tipicamente alemão.[18] Na esfera da sociedade civil, a hegemonia cultural era o modelo da Bildung, contraface de um Estado dominado pelo código dos príncipes. O retorno ao classicismo alemão, como era da Revolução Burguesa, na Alemanha, conforme já foi identificado na pluma de Lukács e Benjamin, oferece a matéria através da qual Arendt pensa os dilemas da emancipação social pela educação (Bildung), nas condições de “miséria nacional”. Esta só será superada após 1871, outra marcação histórica importante das OT, com a unificação prussiana e a derrota do humanismo clássico (RENAN, 1990). Quanto ao salão como símbolo dessa configuração cultural, ele chegará ao fim em Berlim, com a 1ª Guerra Mundial, assinalando a decadência da época clássica do individualismo e do Bildungsbergertum e o nascimento de uma sociedade de massas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            E, chegado a esse ponto do livro 1 das OT[19], já se mostra necessário recompor a base material e política nas quais proliferou aquele antissemitismo que se tornou ideologia corrente, após o surgimento do II Império e a crise de 1873, nas regiões de atraso alemão Ou seja, sem a compreensão da conjunção do surgimento do antissemitismo como ideologia política e o nascimento dos movimentos imperialistas que sacudiram o logo liquidado Império Austro-Húngaro, a explicação não seria completa, pois pretende, justamente, dar conta dos aspectos ideológicos e político dessa mudança histórica. Dessa tarefa se ocupará o livro Imperialismo, livro 2 das OT, desenvolvendo, para a análise do imperialismo alemão, o pangermanismo como ideologia política, movimento ideológico que deu nascimento ao III Reich e cuja origem remonta às guerras napoleônicas. Arendt põe ênfase nas ideologias políticas da época pós-revolucionária, cujo paralelo com Gramsci acerca do Ressurgimento Italiano é notável (GRAMSCI, 2010).[20] Para o caso da “ideologia alemã”, esse contorno político resulta da sobrevivência do Sacro Império Romano-Germânico e sua reativação, em condições modernas. Na pluma de Arendt, com o pangermanismo, o patriota alemão reativa o sonho de domínio universal da Europa pela escravização das raças judias, espécie de ideologia do atraso em épocas de imperialismo.[21]

            Mas aqui nós já adentramos na descrição do livro 2, cuja medula expositiva em torno da questão dos “fantasmas alemães” (MARX, 2002) fica para um próximo texto. O regime de historicidade recoberto pela análise de Arendt é o mesmo do livro 1, isto é, vai da Revolução Francesa até a 1º Guerra Mundial, sem deixar de passar pela referência de 1871, como data não somente do surgimento do antissemitismo, como ideologia política, mas também como base da superestrutura do antissemitismo. A preocupação da autora será com o nexo da economia e da violência em escala mundial, fundamento material e político que serviu de base mundial para a proliferação dos discursos antissemitas em escala mundial. Como vimos, o antissemitismo como ideologia foi a sombra da modernização alemã, pois nasceu nas regiões da miséria alemã, em resposta ao discurso da Revolução, até tornar-se moeda corrente, quando essa condição se generalizou para o continente europeu.

 

JEWISH METHOD AND QUESTION IN HANNAH ARENDT

Abstract: The article seeks to identify the methodological core of the Origins of Totalitarianism in the comparative structure between France and Germany, a kind of historical-comparative sociology in which Arendt write about the origins of Nazism and Stalinism. In this sense, the ideological origins of the III Reich and Stalinism must be sought in Racism, and not in the homology established between Nazism and Communism based on the equivalence between the ideology of class struggle and race struggle and the practice of Terror. So that the idea of rupture or novelty of Totalitarianism to which this perspective is linked, must be articulated with the idea of historical delay”, a kind of articulation between the new and the conservation of the old order in the history of the Continental Nations. From this perspective, Arendt implicitly mobilizes the idea of historical backwardness, an idea that we originally found in Gramsci and Marx, in order to explain not only the homologies between Nazism and Communism, but also how they emerged historically in the National and European spheres as ideologies policies founded on mass movements. In order to make this perspective explicit, we seek to demonstrate how the idea of “historical backwardness” operates in book 1 of the Origins of Totalitarianism, dedicated to the rise of anti-Semitism.

Key words: Arendt. Method. Anti-Semitism. Delay.

 

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Recebido: 16/8/2021

Aceito: 22/11/2021

 

 



[1] Professor do Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT/Campus Rondonópolis) Rondonópolis, MT – Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-6094-9555. E-mail: romildogp81@yahoo.com.br.

[2] Para a 1ª Guerra Mundial como divisor de águas do regime de historicidade contemporâneo, ver: Arendt (2011, p. 35-47). Foi não somente a desintegração dos Impérios Continentais que veio à luz, como o austro-húngaro e sua Monarquia Dual, mas também as Revoluções Alemãs, Húngara e Insurreição em Viena, derrotadas, e a Revolução Russa, vitoriosa, mas cuja conexão explosiva foi finalmente sucedida pela estabilização da Revolução em um só país, no famoso Outubro Alemão que não veio. A crença dos bolcheviques se defrontava com as fronteiras das trincheiras da própria guerra com a Alemanha, e, quando sobreveio o declínio do II Império Alemão, “[...] a social-democracia alemã não se entusiasmara com a ideia de uma revolução.” Cf. Reis (1989, p. 106-107). Ou, talvez, retificando um pouco este comentário, a ala mais radical e conselhista fora derrotada pela extrema-direita, com o beneplácito da social-democracia.

[3] Esse intervalo do tempo entre coisas que “não são mais” e “coisas que não são ainda” é discutido por Arendt (2013, p. 259-272).

[4] A propósito dos nacionalistas conservadores na Alemanha, contrários ao espírito do humanismo clássico, ver Elias (1996, p. 14-15).

[5] Nas palavras de Arendt, “[...] a luta de raças pela dominação do mundo, a luta de classes pela tomada do poder político em diferentes países.” (ARENDT, 2002, p. 298).

[6] Ainda sobre essa antítese histórica entre Revolução e o surgimento de Ideologias Conservadoras, cf. Karl Mannheim, para quem, “[...] depois da Revolução Francesa se desenvolveu o que poderíamos chamar de uma tendência polarizante no pensamento”, um pensamento conservador tipicamente alemão, cujo apanágio foi “[...] uma tendência de se ir aos extremos, levando os argumentos lógicos às suas últimas conclusões.” Em seguida, Mannheim evoca o Romantismo como exemplo alemão típico dessa tendência. A questão das ideologias totalitárias, em Arendt, como raciocínio lógico levado às últimas consequências, definida pela autora como princípio de ação dos regimes totalitários, também encontra aqui seu fundamento explicativo. Entre a ideologia como lógica da ação levada às suas últimas consequências e o surgimento do racismo nos Estados pós-revolucionários, a linha é contínua. Cf. O pensamento conservador, In: MANNHEIM. São Paulo: Ática, 1998, p. 74-79.

[7] Renan (1990, p. 180-181).

[8] Quanto à questão do atraso e do antisemitismo, Arendt afirma: “Le fait de coupler des slogans tout à fait modernes avec des conditions extrêmement arriérés, ce qui à première vue apparaît absurde, perde de as signification si l’on fait abstraction pour um instant de l’outillage purement idéologique de ces mouvements et si l’on sepresentete que c’est avec les progroms russes des années 1880 qu’a commencé la nouvelle émigraion de masse des Juifs.” (Arendt, 2011a, p. 189). Em seguida, ressalta: “Avec l’aide des États les plus avancés, les États arriérés transposèrent leur barbarie sous les formes les plus modernes et les plus fascistes.” (Arendt, 2011a, p. 189). Para a virada cultura da fundação do II Reich, ver Renan (1990, p. 181): “[...] la període de sa domination militaire, marquée peut-être par un abaissement intellectuel et moral [...]”.

[9] Marx (2010, p. 32) argumenta: “A cisão do homem em público e privado, o deslocamento da religião do Estado para a sociedade burguesa, não constitui um estágio, e sim a realização plena da emancipação política, a qual, portanto, não anula nem busca anular a religiosidade real do homem.” Se compreendo bem Arendt, a dupla consciência do judeu recobre essa cisão, em contexto de atraso, onde os limites da distinção são esfumados. (Arendt, 2011a, p. 124). P. Gilroy desenvolve essa análise da dupla consciência no estudo dos negros, no período pós-emancipatório da escravidão nos EUA, a partir de Du Bois, cujo resumo segue: “Todos sentem alguma vez sua dualidade - um lado americano, um lado negro; duas almas, dois pensamentos, dois esforços inconciliáveis; dois ideais em guerra em um só corpo escuro, cuja forca tenaz é apenas o que a impede de se dilacerar.” (Atlântico Negro, modernidade e dupla consciência. São Paulo: Ed. 34, p. 248).

[10] Sobre o estudo dos judeus em situação de atraso social e político, a referência é Marx, em A Questão Judaica, novamente, pela razão evidente que situa o problema da emancipação no contexto pós-revolucionário, tanto quanto Arendt. Nossa autora expõe essa perspectiva de análise dos judeus como grupo social dividido entre os privilégios da corte, os judeus de gueto e o desprezo pelos intelectuais da Bildung alemã, claramente, nos Ecrits Juifs (2011a, p. 189), como já assinalado.

[11] Essa marcação da história dos judeus na Revolução Francesa é importante, também, porque, em relação a ela, Arendt apreende a ausência de emancipação política dos judeus nos países atrasados socialmente e onde os judeus não eram um grupo capaz de dotar o Estado de recursos financeiros, como foi o caso dos banqueiros Rothschild, com a Santa Aliança, a partir de 1815 (ARENDT, 2002c, p. 58).

[12] Recapitulando Marx, em A Questão Judaica: “A letra de câmbio é o deus real do judeu. Seu deus não passa de uma letra de câmbio ilusória.” (MARX, 2012, p. 58).

[13] Para o surgimento do II Reich, ponto de inflexão na curva do antissemitismo, ver a análise clássica de Engels (1962). Para a mudança de ideologia representada pelo II Império, assim como sobre a formação do II Reich como retomada do vieux rêve de um Império Universal, ver Engels (1990, p. 132-142).

[14] No resumo de Arendt (2011a, p. 165): “Dans les années 1870, la question juive ne fait plus l’objet d’un débat, mais forme plutôt le point de cristallisation d’un mouvement politique dont le mot d’ordre est l’antisémitisme.”

[15] Sobre tal análise, ver Elias (1997, p. 155).

[16] Arendt considera o Wilhelm Meister, de Goethe, como exemplo de educação das classes médias, onde o jovem burguês é educado por aristocratas. O jovem deve ser capaz de representar sua personalidade, e finalmente passar do estado de filho de burguês para aquele de aristocrata, reproduzindo, assim, para seguir a análise de Benjamin, as condições de atraso em um país incapaz de encontrar uma burguesia que liderasse uma real mudança. Essa condição caracteriza o judeu e as classes médias, na Alemanha, onde a educação era vista como forma de emancipação numa sociedade atrasada e não nacional. A virada desse paradigma da Ilustração, “uma verdadeira virada” (ARENDT, 2002c, p. 113), como assinala Arendt, adveio com a derrota da Prússia, em 1808, diante do Império Napoleônico, que concede aos judeus direitos cívicos, mas não políticos, após os Tratados de Paz, os quais, na verdade, legalizavam a condição de privilégio usufruída pelos judeus de Berlim, e cuja extensão com os editos de emancipação, em 1812, seria finalmente sucedida pela sua revogação após a queda de Napoleão, quando a extensão dos direitos cívicos aos judeus pobres seria alcançada. Além da referência de Lukács já evocada para as análises do Wilhelm Meister de Goethe como obra que retrata o conflito do herói com a realidade social, na época do classicismo alemão, uma contradição cuja reconciliação se faz por tortuosos caminhos, (LUKÁCS, 2000, p. 139), ver ainda Benjamin (2018), onde Os anos de aprendizado de Wilhelm Meistter é cararcterizado pela “[...] permanência hesitante de Goethe nos vestíbulos do Idealismo, no humanismo alemão, que ele transpôe mais tarde na direção de um humanismo ecumênico. O ideal dos Anos de aprendizado – a formação – e o meio social do herói – os comediantes – estão na verdade intimamente interligados, são ambos expoentes daquele domínio intelectual especificamente alemão da ‘bela aparência’, que não tinha muito a dizer à burguesia ocidental em processo de ascensão ao poder.” (p. 158-159).

[17] Para uma relação das personalidades que frequentavam os Salões de Berlim, assim como uma exposição de G. Simmel sobre os mesmos, ver L. Waizbort (2000, p. 446-448). Entre eles, destaca-se naturalmente o Salão de Rahel, analisado por Arendt (ARENDT, 2002c, p. 113). Sua formulação lapidar encontra-se em Rahel Vanhagem – a vida de uma judia alemã na época do romantismo. Um comentário dessa obra, com sua devida articulação com os trabalhos de Arendt sobre o classicismo alemão, “A questão judaica, sob a sua forma moderna, é contemporânea da Aufklarung”, como frisa Arendt (ARENDT, 2007, p. 117), pode ser encontrado em Arantes (2003, p. 9-13), que, de resto, possui comentários esclarecedores sobre os Anos de aprendizado.

[18] Dumont remete o cerne dessa relação aos contornos da formação alemã, onde o intelectual vira as costas para a sociedade civil e, ao mesmo tempo, na sua vida interior, ele se pensa como um indivíduo e consagra todos os cuidados ao desenvolvimento da sua personalidade. O ideal da Bildung corresponde a esse processo, antes de tudo dual, pois corresponde a um processo ideológico no qual a sobrevivência do ideal de comunidade é acompanhada do imperativo da obediência e, de outro lado, o desenvolvimento interior de uma personalidade cultivada, traço característico dos intelectuais, principalmente os judeus. É uma fórmula típica da ideologia alemã, como explica Dumont, relacionada com a reação alemã aos desenvolvimentos da Luzes. A Revolução foi aceita somente no espírito, conforme atesta o famoso opúsculo de Kant sobre o Iluminismo. Cf. Homo aequalis. II, L’idéologia allemande – France-Allemagne et retour (Paris: Gallimard, 1991, p. 36-37).

[19] Deixarei de lado o capítulo consagrado ao caso Dreyfus, último do livro 1, visto que estou somente interessado em restituir o nexo histórico entre França e Alemanha, na marcação conceitual e histórica do livro 1.

[20] Nas palavras de A. Gramsci (2008. p. 84): “A tradição, a civilidade européia, por sua vez, distingue-se justa: mente por tais classes, criadas pela riqueza e complexidade da história pregressa, que deixou um acúmulo] de sedimentações passivas, graças aos fenômenos dé saturação e fossilizaçâo do funcionalismo c dos intelec tuais, do clero e da propriedade da terra, do comércio] de rapina e do exército, a princípio, profissional, e, depois obrigatório, mas de todo modo profissional ej oficialmente. Pode se dizer, enfim, que quanto mais, vetusta é a história de um país, tanto mais numero; sas e onerosas são as sedimentações dessa massa dei vagabundos e inúteis, que vivem do patrimônio dos, avós, pensionistas da história econômica.”

[21] Arendt (2011a) considera os destinos dos judeus no mundo contemporâneo, analisando o conflito árabe-israelense com o propósito de mostrar a reversão perversa dos judeus com os árabes, sob a batuta sucessiva do Imperialismo inglês e americano, com a fundação do Estado de Israel. Sua duríssima crítica ao sionismo que comandou a fundação do Estado dos judeus vai na direção de postular a existência de um Estado binacional, cujo princípio federativo superaria o primado da violência que vai junto com a instituição de um Estado soberano. “O nacionalismo foi já muito nefasto quando ele fez exclusivamente confiança na força brutal da Nação. Mas um nacionalismo que dependente necessariamente, e de maneira confessa, da força de uma nação estrangeira é ainda pior. Tal é o destino que ameaça o nacionalismo judeu e o projeto de um Estado judeu que será inevitavelmente rodeado de Estados árabes e de povos árabes.” (Arendt, 2011a, p. 511). Em Said (2012), nós encontramos importantes esclarecimentos sobre o tema, sob a ótica do desenvolvimento e do subdesenvolvimento. A Guerra desigual e combinada entre o Estado de Israel e a Palestina tornou a Faixa de Gaza a nova fronteira do apartheid colonial, desdobramento do apartheid da África do Sul, na forma da opressão econômica e racial, inclusive no que se refere a uma nova arquitetura colonial e ao assalto permanente dos Campos de Assentados. Cf. A. Weyzmann (2018, p. 43-47).