TRADUÇÃO - Saint-John Perse - Sécheresse (1 974)

 

(pERSE, Saint-John. Chant pour un equinoxe. Pa ris, Gallimard, 1 975)

 

" Disse al guém que o historiador é um profeta às avessas, um adivi nho do passa do; o poeta, poderíamos dizer, é um historiador que adivinha o que aco ntece"

 

(Octávio Paz)

 

Trad ução, introd ução e notas de Bruno PALMA[1]

 

Comemora -se, este ano (1 987 ), o centenário do nasci m ento de Saint-John Perse.

Unin do -se às ce lebrações do an ive rsário daquele que é co nsiderado um dos maiores poetas do século XX, a revista Trans/FormlAção pu bl ica a tradução de "Séche resse", seu últi mo poem a.

Para faci lita r a co mpree nsão deste texto, proporemos 1 ) uns Elementos pa ra uma lei ­ tu ra de Sai nt-J ohn Pe rse 1, e 2) algumas notas à tradução, antecedidos de uma breve no­ tícia so bre a vida e a obra do poeta.

 

Saint -John Perse é o pseudônimo literá rio de Alexis Saint- Léger Léger (P ointe-à-Pi­ tre, Gu adalupe, 1 887 - Gi ens, França, 1 975).

Poeta e di plomata fra ncês, SJ P é autor de uma obra poética relativa mente pequena, em bora extremam ente impo rtante: É/oges (191 1 ), Anabase (1 924 ), Exi/ (1 942 ),

P/uies (1 944), Neiges (1 944 ), Vents (1 946 ), Amers (1 957 ), Chronique (1 960 ), Oiseuax (1 963 ) e Chant pour un équinoxe (1975), que reú ne qu atro poemas, entre os quais "Sécheresse".

Em sua obra em prosa se destacam os dois discu rsos: Poésie ou Discours de Stockholm, quando da recepção, po r SJ P, do prêmio No bel de literatu ra, em 10 de d ezem bro de 1960; e Pour Dante, discu rso para a inauguração do cong resso inte rnacio nal, reu nido em Florença, no VII Centenário de Da nte, a 20 de ab ril de 1 965, con heci do também po r Dis­ cours de Florence.

 

"Disse alguém que o histori ador é um profeta às avessas, um adivinho do passado; o poeta, poderíamos dizer, é um historiador que adivinha o que acontece. E suas imagens o mais verdadeiras do que aquilo que ch amamos de docu mentos histó ricos. Assi m, o espírito desejoso de sa ber o que, realmente, se passou na primei ra metade do século XX, deve rá dirigir-se, não ao testemunho duvidoso dos jornais, mas, ao contrá rio, a algumas obras poéticas. Uma dessas obras é a de Saint-John Perse". Octávio Paz

 

1.     O primei ro contato co m o texto poético persiano pode deixa r o leitor ao mesmo tempo fascinado e desno rteado: enca nta do pe la eufonia das pa lavras e sua magnificên ­ cia, mas desa lentado ao esba rra r com algu mas que lhe pa recem difíceis ou bizarras.

De fato, o uso freq üente de te rmos que para nós são ra ros ou "exóticos" nos fa ria, à pri meira vista, atri bu ir ao poeta uma te ndência ao preci osismo ou ao hermetismo. En­ treta nto, a um olhar mais atento e sen sível, pe rce bemos que todos eles se acham no seu exato lugar, e muito a pro pósito, no edifício verba l.

De resto, aquelas palavras tidas po r ra ras ou exóticas, co rrespo ndem a algo mu ito preciso na rea lidade cotidiana. E se para alguns sã o novas, difíceis, ou reba rbativas, pa ra outros, são sim ples, belas e fa milia res.

Para o poeta, nomear o mu ndo é recriá-l o poetica mente. E dar a ca da co isa, a cada realid ade, seu nome exato, é uma maneira de lhes desvendar o mistério e mergulhar nele. Saint:J ohn Perse fa ri a sua, invertendo-a, a fórmula de Nova lis "qua nto mais poético, mais ve rdadei ro"?

Não. O que o poeta buscava era a verdade poética dos elem entos com qu e construía seus poemas. Se era atento à "prop riedade" das palavras, "se a língua (era) seu primeiro cui da do", Perse queria atingir (como ele mesmo disse de Gi de) essa "qual idade buscada além das palavras, da própria si ntaxe, na su bstâ ncia pri mei ra da obra e seu primeiro momento; essa vida alcançada na própria fonte d Çl criação a rtística, como garantia do ve rdadei ro, do rea l, do justo - gara ntia ta m bém de uma necessi dade, sem a qual a obra é vã"

Perse prefere, algu mas vezes, nomes fictícios - mas se mpre afia nça dos na rea lidade da vida, da ling uagem ou da a rte. Aqui preva l ece a veracidade da ficção. Não obsta nte, na maioria dos casos, preva l ece o nome cie ntífico, posto qu e, pa ra ele, é essa mesma exati ­ dão ou veraci dade que faz do rea l, ficção poética.

Desde as primeiras obras, SJP man ifesta cla ram ente seu prazer em empregar palavras, exp ressões, ou descrições de ti po científico, ou técn ico, tidas comu mente co mo "prosaicas".

E em "Séche resse" chega a col oca r aspas em alguns nomes científicos, acolh idos no próprio corpo do poe ma, além de fazer acom panhar de uma "defi nição" a pal avra porta ­ dora desses rea lces:... ses "Luci/ies "ou mouches d'or de /a viande, ses psoques, ses mites, ses reduves; et ses "Talitres ", ou puces de mer, sous /e varech des p/ages aux senteurs d'offi­ cine ".

E ntreta nto, o que decide a perti nê ncia da presença desses vocá bulos no texto poético são raz ões ling üísticas e literárias.

 

2.     A origi nalidade de SJ P não se restri nge, po rém, ao uso de palavras ra ras ou difíceis. O poeta ta mbém ti ra partido das mutações sem â ntica s e da polissem ia dos vocábu los. Ajudado por seus amplos co nhecimentos do grego e do latim, rea liza um estupendo tra­ ba lho com as eti mologi as: remonta ndo às raízes das palavras, devo lve -lh es o fresco r e o vi gor perdidos, ou desgastados co m o te mpo; novo sentido a termos ba na is; este nde o sign ificado de te rmos simples, pondo em relevo aspectos neutral izados pelo uso, atra­ vés de judiciosos enxe rtos ou tra nspla ntes; revela ndo com isso insu speita das sign ifica ­ ções, ga ranti das co ntudo po r homologias verdadei ras; ou faze ndo entreve r outras, ape­ nas sugeridas por meras hom ofonias. Em su ma: ap roveita -se de todos os recu rsos da língua, dando a seu texto essa extraord in ária "viva cida de" que lhe co nhecemos.

Em nosso poema te mos, entre outros, os exemplos de ossete e de fascination. O te rmo ossete (osseto: língua indo -eu ropéia do Cáucaso) foi escolh ido, em pa rte porque co ntém os (osso ), a imagem-chave do poema, e porque é fa lado em "alguma vertente", sujeita a "gran des secas" e "esbo roa mentos rochosos". Adem ais, (diz Cha rles Dolamore4 ) sendo pri m itiva e mais próxima do seu meio natu ra l, essa língua "ainda não deixou cresce r a di stância entre a pa lavra e a coisa que ela sign ifi ca".

Essa passa gem te rmina por fascination au sol du signe et de {'objet, e fascination, aqui  (conti nua Dolamore), "pa rece in dica r não a atração mútua de duas coisas, mas ta bém a fusão das coisas numa forma co mo numa "fascine" (feixe, faxina). A ligação entre fascination e fascine, em bora eti mologicamente fa lsa, se esta belece pela poesia das pa lavras".

 

3.     Durante muito tempo, ju lgou -se que o texto poético de SJ P fosse, na rea lidade, um texto em prosa - extre mam ente rica e sono ra, mas prosa, ainda que "po ética", onde se desta cassem elem'entos de estruturação, "frases de apoio", que escandiam o texto.

Hoje, porém, sa be-se que tudo ali é metrificados, em bora o poeta trate de modo originai a métrica si lábica tradicional, e alie a ela toda a riqueza e a flexibilidade da m étrica to­ nal ou qua ntitativa greco- lati na.

A respeito da estrutu ra métrica da sua obra, Perse dizia numa ca rta a Kathe rine Biddle: "Falaremos um outro dia dessa qu estão de métrica inte rna, rigo rosa me nte tratada na distribu ição gera l e na a rticu lação das grandes massas prosódicas (em que são bloquea­ dos, por estrofes ou laisses7, numa mesma e larga co ntração, com a mesma fata lidade, todos o;> eleme ntos pa rticu lares trata dos co mo versos regulares - o que eles são na rea li­ dade). E fáci l, evidentemente, pa ra o leitor estra ngeiro se enganar a respeito dessa eco ­ nomia geral de uma ve rsificação precisa ainda que inaparente, o qu e não tem absol uta ­ mente nada em com um com as conce pções corre ntes do "verso livre" ou da grande "prosa poética". Trata -se mesmo aqui de algo intei ra mente contrário a isso".

 

4.     Logo na primeira leitu ra de uma página de SJ P, percebemos a reiteração consta nte de certos "módu los" ou "matri zes" s, e, além desses procedimentos, é notável o em prego freq üe nte dos paralel ismos si ntáticos, se mânticos e so no ros, que sâo, em gran de pa rte responsáveis por essa tessitu ra tão fi rme qua nto flexíVel do texto persi ano.

Nessa tra ma verba l tão rica quão fi namente aca bada, tão ca nta nte e fortemente en ­ tretecida, as reiterações dos moldes si ntáticos ou os co ntrapontos prosódicos servem a associ ações se mânticas, quer em surpreende ntes co rrespo ndências e sinestesias, de fo mas, cores, odores e senti me ntos, quer associ ados em imagens, isol adas ou lti pl as.

Madelei ne F rédéric9 viu mu ito bem o pa pel desempenhado pela fi gura da repetição na obra poética persi ana: "A importâ ncia co nsiderável da repeti ção na poesia de SJ P foi ressa ltada pela crítica desde a origem. (I mportância) não qua ntitativa: ela apa rece em qu ase todas as pág in as; mas ta mbém pela extraordinária diversi dade de elementos que ela faz intervir: qu ase todos os fatos repetitivos desco bertos por ocasião do estu do lin­ ístico e retó rico se acham co nvocados em graus va riáveis pelo poeta. (... ) Ao mesmo tempo que elas são o indício de uma co nstrução mu ito se rrada, essás diversas retomadas (reprises), ou melhor essas constel ações repetitivas, co nferem à obra seu ritmo - ritmo e não metro", po rque seu uso é mais flexíve l que os da ve rsificação tradicional.

 

5.     Para recriar seu un iverso poético, Pe rse não desdenha nenh um recu rso prosódico, ou retórico, bu sca o co ncu rso das ca dências e das assonâncias, das aliterações e das ri ­ mas, dos meta plasm os, das fi guras, das imagens.

E que ele procu rava aproxi mar-se dessa desejada "coincidência, entre a li nguagem e o rea l, (porque para ele, a) fu nção do poema é a de se to rna r, de viver e de ser a coi sa mesma, "conjurada", e não mais o te ma, ante ri or ao poema".

Pois, diz el e, ainda, no Discurso de Estocolmo 11: "Se a poesia não é (... ) o "real absoluto", é ce rta mente a mais próxima cobiça e a mais próxima apreensão desse rea l, nesse lim ite extre mo de cumplicidade em qu e, no poema, o rea l pa rece informar -se a si mesmo".

,, 12, que está para além ou "aO que conta é o "rea l inte ri or", ou essa "super - rea lidade  ci ma do saber", que é da ordem do Absol uto: "Por sua adesão total ao que é, o poeta ma ntém pa ra s li gação com a pe rmanência do Ser"1 3.

O poeta, no poema, pela lingu agem poética, exerce a função (ou a missão profética 14 ) de mediador entre o "mun do intei ro das co isas" e a essê ncia ou o "movi m ento mesmo do Ser".

 

Na o bra de SJ P a linguagem poética não é apenas o instrum ento privi legiado dessa recriação (ou "i nvenção reveladora", como qu eria André Rousseau1 5), não fi gura so ­ mente co mo tema ou imagem, mas, como os elementos natu rais, é co -a utora do poema.

Assi m, a poesia de Pe rse não é uma poesia sobre os elementos, mas dos elem entos: as chuvas, os ventos, os ma res, a terra, não são temas mas co -pa rticipa ntes dessa "alia nça" entre o mu ndo (das co isas e do homem) e o Ser, pela mediação do verso poético.

Contudo o tem a fu nda mental dessa obra, que si ntetiza a todos, nesse fu lgu ra nte universo, nesse "im pério das coisas verdadei ras", é o homem: "... Mas é do homem que se trata ! (... ) em sua presença hu mana; e de um alargam ento do olho aos mais altos ma res inte rio res.

 

6.     Pa ra SJ P o homem não apenas está só, mas ele é só. Little mesmo no exJ1io "a ch ave da poesia de SJ P"1 7.

Contudo, no ex ílio ele não vive o iso lam ento, mas a solidão, o que é mu ito diferente. E vence a "desolação do ex ílio", busca ndo, na solidão, encontra r essa pa rte "divi na" que nele, mergulhar nesse "Mar interio r", que é a presença nele do Absol uto.

O poeta vive, porém, um dilema consta nte: é como que dil acerado, dividido entre dois apel os, ou duas atrações: a do relativo, do múltiplo, do un ive rso das coisas e dos ho­ mens, na sua riqueza fascina nte, na sua atordoa nte profu são, e o Absol uto, o Un o.

E ele reso lve este problema escol hendo... a am bos, integra ndo tudo numa síntese mais rica, onde os contrários convivem em conflitu osa harmonia.

Embora (continua Little) su rja a todo mom ento "a tentaçã o da satisfação em si mes­ mo, e da complacênci a, tentação à qual é preciso resistir para obedecer às ex ig ências mais altas de va lores mais ascéticos e mais du ráveis. O homem rea liza suas vi rtualida ­ des se te nder se mpre para além dos lim ites huma nos, e a poesia de SJ P nos arrasta até bordas que desafi am a imagi nação. El a implica num co nhecimento aprofu ndado do espaço ci rcu nscrito pelas fronteiras de toda so rte e da situação precisa destas. Cum pre que os limites não sejam so mente co nhecidos e reco nhecid os, mas transgredidos ".

E o que faz o homem tra nspor esse limiar (seuil), é essa forma especialíssi ma de co ­ nh eci mento e de ação, a poesia: "Toda ba rrei ra deve ser mudada em fro nteira pela ação e o movi m ento poético" (Little).

Porém, essa "leitu ra" do mu ndo (leitu ra tra nsformadora), na recriação poética, não é, como viu Gaeta n Picon 1 9, nem idea lização do mundo, nem pura aceitação deste, mas sua consagração.

Se o poeta ce lebra o mu ndo, se se co loca dia nte dele na atitude de louvor (é/age ). não deixa de integ ra r no poema esse elem ento polêmico, conflitu oso, que seg un do ele é a ca usa das transfo rm ões e das regene rações.

"A harmonia (diz André Cl averieo ) implica dissonâ ncia, ruptu ra e um constante rea ­ justa mento. (... ) No coração do homem a poesia revela uma pa rte divi na, uma vocação es pi ritual: ordem do pensa m ento, da moral e da metafísica, que esca pa à apreensão dos sentidos e da razão. Porque, seg un do ele, o apelo de um alhures e de um além é constitutivo da natu reza hu mana, o poeta propõe (... ) um hu manismo da transg ressão: "espi­ ritu alismo sem objeto nem fi m rel ig ioso; no qual, tudo do se r human o, na impaciência da co nd ição hu mana, é tão -som ente irru pção, e tentativa de efração pa ra além dos limi­ tes human os" (Carta a Paul Claude/, OC 10 17 )21.

E conti nua Cl averie: "Há no homem mais do que o homem22, e a transce ndência é, por assi m dizer, ima ne nte ao ser hu mano. Do trágico de nossa co nd ição SJP ti ra uma epopéia do espírito eternam ente insubm isso, em busca de uma Presença original, mal­ grado o silêncio da Divindade, ex peri m enta ndo a necessi dade de se aproxi mar de Deus sem poder nomeá- lo. (... ) A poesia, celeb ração pa do desejo, su bstitu i pois o reconhe­

ci mento de Deus pela procu ra do divino, a po nto do homem considera r uma honra sua própria in satisfação. (... ) Pode ríamos, sem fo rça r as palavras, chamar de descrença (jn­ croya nce) essa aspi ração fervo rosa a um Abso luto?" (... Ela é,) "a ntes, um ag nosticismo ativo, nessa ardente pe rseg uição que fi nda com a mo rte".

Paul Claud el te rminava assi m seu estudo so bre Vents23: "Deus é uma palavra que SJ P evita, co mo direi?, re lig iosa mente".

Ao que o auto r responde: "Obrigado pela palavra "relig iosamente" que sou bestes in­ se ri r ali. (... ) A procu ra em todas as coisas do "divino" (du "divi n"), que foi a tensão secreta de toda a minha vida pagã, e essa intol erâ ncia, em todas as coisas, do lim ite huma­ no, que co nti nua a crescer em mim co mo um câncer, não poderi am me habilita r a nada mais do que à minha aspi ração (... ) É a minha vida intei ra que não cesso u, si mplesmente, de po rta r e de di lata r o sentimento trágico da sua frustação espi ritu al, às vo ltas, sem or­ gul ho, co m a necessi dade mais elem enta r de Absoluto".

E Claverie prosseg ue: "No fi m do seu últi mo poema, SJ P tenta num último e deses­ perado im pulso co mungar Deus: 'Par les sept os sou dés du front et de la face, que I' homme en Dieu s'e ntête jusqu'à I'os, ah! jusqu'à écl atement de I'os !... Songe de Dieu, sois- nous co mpl ice... ' "

E co ncl ui: "Há aqui ainda a distância entre o pensam ento do poeta e o dog ma cristão postu la ndo que Deus desco bre para o homem, do inte rior, sua li berdade e sua dign idade. SJ P chega so mente a esse po nto extremo do hu mano a pa rtir do qual, no silêncio, a se  to rna possíve l: ponto pa ra além do qual, seg undo Sa nto Agosti nho e Pasca l, a questão se torna resposta, e a procura de Deus a ma rca da sua revelação".

 

S E C A

 

QUAN DO a seca sobre a terra tiver estirado sua pele de asna1 e ci me ntado a argila bra nca dos arredores da fonte, o sal rosa das sa lin as anu nciara os rubros fi ns de impé­ rios, e a fêmea cinza do mosca rdo, espectro de ol hos de fósfo ro, se lançará como ni nfõ­ mana sobre os homens despidos das praias... Lodo esca rlate da ling uagem, basta de en­ fatuação !

Qua ndo a seca sobre a terra tiver assentado seus alicerces, co nheceremos um tem ­

po melhor pa ra os afronta mentos do homem: tempo de ju bil ação e de insolência2 pa ra as gra ndes ofensivas do espírito. A terra abandonou suas gordu ras e nos lega su a concisão.

Cabe- nos, hoje, revezá-Ia ! Recu rso ao homem e livre co rri da !

 

Seca, ó favor! honra e luxo de uma el ite ! diz- nos que el eitos escolheste... Si nistro de Deus, nosso mplice. A ca rne aqui esteve mais pe rto do osso: carne de locusta3 ou de exoceto ! O próprio mar nos devolve suas navetas de osso de siba e suas fitas de algas  murchas: ecli pse e ca rência em toda ca rne, ó tempo chegado das gra ndes heresi as!

 

Quando a seca so bre a terra tiver retesado seu a rco, seremos sua corda breve e a vi bração dista nte. Seca, nosso apelo e nossa abreviação... "E eu, diz o Chamad04, tomei min has armas entre as mãos: tochas erguid as em todos os antros, e que se aclare em mim toda a área do possível! Ten ho por co nson ãncia de base esse grito distante de meu nasci mento".

 

E a terra emaciada gritava seu grandíssi mo grito de viúva inju riada. E foi um lon­ go grito de desgaste e de febri lidade. E foi para nós tem po de cresce r e de cria r... So bre a terra insól ita nos confi ns desérticos, onde o relãmpago muda pa ra -neg ro, o espírito de Deus su sti nha seu fu lgurante ardor, e a terra venenosa enfebrecia como um maciço de co ral dos trópicos... Não havia mais co r no mu ndo  que este amarelo de ouro-pigm ento?

 

"G enebrei ros da Fenícia", mais frisados que ca beças de Mouros ou de bias, e vós, grandes Teixos5 incorru ptíveis, guardi ães de praças forfes e de il has ci mentadas pa ra prisionei ros de Estado masca rados de fe rro, sereis os únicos, todo esse tem po, a consu ­ mir aqui o sal neg ro da terra? Pla ntas de ga rras e espinheiros reto rnam às charnecas; o cisto e o esca mbroei ro são pereg ri nos da brenha... Ah ! que nos deixem somente este fio de pa lha entre os de ntes !

 

Ó Maia, doce e bia e Mãe de todos os so nh os, conci liado ra e mediadora entre todas as facções terrestres, não temas o anátema e a mald ição sobre a terra. Torna rão os tempos que trarão de volta o ritmo das sazões; as noites vão trazer de volta a água viva às tetas da terra. As horas ca minham dia nte de nós com passo de alparcata, e, indócil, a vida remontará de seus ab rigos sob a terra com seu povo de fiéis: suas "Lucíli as" ou moscas de ouro da ca rne, seus psocos, suas traças, seus redúvi os; e seu "Tál itros", ou pu lgas-do -mar, so b o sargaço das praias com aromas de ofici na. A Cantárida verde e a Licena azu l nos trarão de volta o acento e a co r; e a terra tatuada de vermel ho recobra suas grandes rosas incréd ul as, co mo trama de pa no esta mpado pa ra mul heres da Senegãmbia. Os da rtros pú rpu ra do lagarto mudam, so b a terra, pa ra o neg ro de ópio e de pia... Tam bém nos volta rão as belas cobras visitadoras que pa recem desce r de uma li­ teira com suas ondul ações de ancas à Sa nseverina

Abelhei ros da África e Mil hafres apívo ros arrazoa rão a vespa nas tocas das falésias. E a Poupa me nsagei ra vai procu ra r ai nda so bre a terra a espádua pri nci pesca onde pousa r...

 

Rebenta, ó seiva não esta ncada ! O amor jorra por toda pa rte, até sob o osso e sob a córnea8• A própria terra muda de crosta. Venha o cio, venha a brama ! e o homem ainda, todo abismo, se deb ruça sem queixa so bre a noite de seu coração. E scuta, ó coração fi el, esse oaloitar so b a te rra de uma asa inexo rável... O som desQe rta e. salva o enxame so­ noro de sua co lméia; e o tempo engaiolado faz- nos ouvir ao longe seu martelar de pican­ ço... Os ga nsos selva gens buscam seu grão nas margens mortas d o,s arrozais, e os celei ­ ros públ icos cede rão uma ta rde ao ím peto das vagas popula res?.. O terra da sag ração e do prodíg io - terra pródiga ainda para o homem até em suas fo ntes su bmarin as honra­ das pelos Césa res, quantas maravilhas ainda sobem pa ra nós do ab ismo de tuas noites ! Assim por tempo de in cu bação de tem pestade - em verdade o sa bíamos? - os peq uenos polvos das profu ndezas re monta m com a noite para a face tumefacta das águas...

 

As noites vão trazer de volta à terra o fresco r e a da nça: sobre a terra ossificada nos afloramentos de marfi m ressoarão ainda sa rd anas e ch aconas, e seu baixo obsti na d09 nos ma ntém o ouvido à escuta nas maras subte rrâ neas. No estraleja r dos cróta los e do salto de madei ra se faz ai nda ouvi r, através dos sécu los, a dançarina gaditana que dissi ­ pava na Hi spâ nia o téd io dos Procô nsu les romanos... As ch uvas nômades, vindas do Es­ te, ti li nta rão ai nda no ta mborim cigano; e as belas bo rrascas de fi m de estio desci das do alto mar em trajes de gala, passea rão ai nda so bre a terra as orlas de suas saias bordadas de miçangas...

Ó movim ento pa ra o Ser e renasci me nto ao Ser! Nôm ades todas as areias... e o tempo si lva ao rés do solo... O vento que desloca pa ra nós a incli nação das dunas nos mostra ta lvez na cla ridade o lugar onde foi moldada de noite a face do deus que ali ja­ zia...

 

Sim, tudo isso será. Sim, retornarão os tem pos que leva nta m o interdito so bre a fa ­ ce da terra. Mas por um tem po· ainda é o anátema, e a hora ainda é da blasfêm ia: a te rra sob atadu ras, a fonte debaixo de selos... ra, ó so nho, de ensinar, e tu, memória, de en­ gendrar.

 

Ávidas e mo rde ntes sejam nossas horas novas ! e perdidas tam bém no ca mpo da memória, onde nenhuma jamais servi u de respigadeira. Breve a vida, breve a corrida, e a morte nos espol ia ! A oferenda ao tempo não é mais a mesma. Ó tempo de Deus, -n os computável.

 

Nossos atos nos precedem, e a im prudência nos conduz: deuses e patifes sob a mesm a estríg il 1 0, en redados para sempre na mesma fa mília. E nossos ca min hos são co ­ mu ns, e nossos gostos são os mesmos - ah! todo esse fogo de uma alma sem a roma que leva o homem ao seu ponto mais ex posto: ao mais lúcido, ao mais breve dele mesmo!

 

Ag ressões11 do espírito, pi rata rias do coração - ó tempo chegado de g rande cobiça. Nenhu ma oração sob re a terra iguala nossa sede; ne nhuma afl uência em nós esta nca a fo nte do desejo. A. seca nos incita e a sede nos ag uça. Nossos atos são pa rci ais, nossas obras parcelares ! O tempo de Deus, enfi m nos serás cúmpl ice?

Deus se desgasta co ntra o homem, o homem se desgasta contra Deus. E as pa la­ vras à li nguagem recu sam seu tri buto: palavras sem ofício e sem alia nça, e que devora m cerce a folha vasta da li nguagem co mo folha verde de am oreira, com a voracidade de in­ setos, de laga rtas... Seca, ó favor, diz- nos os ele itos que escolh este.

Vós que fa lais o osseto so bre alguma vertente ca ucasiana, por tempo de g rande se ­ ca e esboroamento rochoso, sabeis quão próximo do solo, ao longo da erva e da brisa, se faz senti r do homem o hálito do divino. Seca, ó favo r! Meio- Dia, o cego, nos ilum ina: fas­ cin ação no so lo do signo e do objeto.

 

Quando a seca so bre a terra tiver descerrado seu am plexo, reteremos de seus cri ­ mes os dons mais preciosos: mag reza e sede e favor de ser. "E eu, diz o Cha mad01 2, fe ­ bricitava desta febre. E a ava nia do céu foi nosso ensejo". Seca, ó paixão ! del eite e festa de uma el ite.

E eis- nos agora nas estradas de êxodo. A terra ao longe queima seus arôm atas. A ca rne crepita até o osso. Regiões atrás de nós se exti nguem em pleno fogo do dia. E a te rra posta a nu mostra suas clavícu las grava das de sinais ig notos. Aonde fo ra m os cen­ teios, o sorgo, fu mega a argila branca, co r de fezes torrificad as.

Os cães descem co nosco as pistas enga nosas. E Meio- Dia, o Ladrador1 3, procu ra seus mo rtos nas valas atu lh adas de insetos mig rado res. Mas nossas estradas estão alhu­ res, nossas horas são demenciais, e, roídos de lucidez, ébrios de intem périe, eis que ava nça mos uma tarde na terra de Deus co mo um povo de fa mi ntos que devorou suas sementes.

Transgressão! transg ressã o! Decisiva nossa marcha, im pudente nossa busca. E dia nte de nós por si mesmas crescem nossas obras por vi r, mais incisivas e breves, e co ­ mo que co rrosivas.

Do agre e do acerbo conhecemos as leis. Ma is que vitual has de África ou que espe ­ cia rias latinas, nossos acepi pes abun dam em ácidos, e nossas fontes são fu rtivas.

Ó tempo de Deus, -n os pro pício. E de uma queima dura de alho nascerá ta lvez uma ta rde a centelha do gênio. On de co rria ela ontem, onde correrá aman hã?

Nós ali esta remos, e entre os mais pro ntos, pa ra cingir-lhe sobre a terra o esboço fu lgu ra nte. A aventu ra é imensa e dela cuidaremos. Ei s esta tarde o que convém ao homem.

Pelo sete ossos soldados da fronte e da face, que o homem em Deus se obsti ne e se desgaste até o osso, ah! até o esti lh aça me nto do osso !... Sonho de Deus, nosso cúm ­ pl ice...

 

"Símio de Deus1 4, basta de astúcias!"

 

NO TA S À TRADUÇ ÀO

 

1.   peau d'ânesse: pele ou co uro de asna. Lembra "peau d'âne", conto popu lar mu ito co nh eci do e sig n ifica pele enrugada.

 

2.    insolence: insolência. Como vimos, o uso paradoxal de imagens que associam termos negativos ou pejorativos a idéias positivas de pu reza rigorosa, intransigência, negação radical de co nces­ sões a va lores menos altos em qual quer plano da vida do esprrito, é mu ito co mum na poesia persi ana. Neste poema temos ainda heresias, anátema, maldição, blasfêmia, impudência, etc, que ex­ primem essas ofensivas do espfrito e essas piratarias do coração.

 

3.    locuste: (l ocusta) gênero de gafanhotos. Guardei seu nome cie ntífico, seguindo o proced imento do poeta, - como adiante exoceto (pei xe-voa dor), picanço (pica-pau), etc.

 

4.    I'Appelé: o Chamado. Repo nta aqui a fi gura do poeta -p rofeta, do chamado para exercer a missão de mediador entre os homens e o Ser. Na raiz dessa função profética (como vi mos), uma vo­ cação, um chamado.

 

5.    if: teixo. Á rvo re de fo lh as persistentes, símbolo da eternidade. If é ta mbém o nome de uma ilhota do Med iterrâ neo, a dois qui lômetros de Marselha, onde se enco ntra um caste lo fo rte ed ifi ­ cado por Fra ncisco I e que servia de prisão de Esta do. A lenda diz que ali fo i aprisionado e morreu o Máscara de Ferro, que Al exandre Dum as Fi lho fez passar po r fi lho de Ana d' Áustria, irmão gêmeo de Luiz XIV. Daí o passo do poema que chama o te ixo de guardião "de praças fo rtes e de ilh as cimentadas para prisioneiros de Esta do masca ra dos de ferro".

 

6.    Maia': Maia. Deusa indiana, alternativa mente a mesma que Sakti ou Pa rasitki, esposa de B rahma, Lackhmi ou B havani, esposa de Siva. É a natu reza divin izada, a mãe universa l de todos os seres, o pri ncípio fecu ndador fem inin o, e co mo o mu ndo, seg undo a crença dos indus, não é mais que aparência e ilu são. Maia, mãe do mu ndo, é a mãe das ilusões, ou a il usão person ificada.

Outra interpretaçã o: Maia seria a mãe de Hermes (M ercú rio), mensa geiro dos deuses.

 

7.    Sanseverina: Nome de uma perso nagem de Ste ndhal, de A Cartuxa de Parma, Gina dei Gon go, que, depois de ter enviuvado do Conde de Pietra nera, casa-se co m o Duque de Sa nseveri na- Ta­ xis.

 

8.    come: córnea. Pode si gn ifica r su bstância córnea, ch ifre, e uma fa mília de pla ntas ta mbém desi nada cornu áceas, que com preende árvo res e arbustos de madeira du ra. Nada tem a ve r com a rnea do olh o.

 

9.    basse obstinée: baixo obsti nado, ou ostinato. Mus. "Melodia re peti da conti nua mente no baixo, co m os elementos mu sicais variando na pa rte de cima".

 

10.    étrille: estríg il. A estríg il era, na antiguidade, uma espécie de almofaça (raspadeira), com que se esfregava o corpo, especi almente no ba nho. Esses deuses e ve lh acos (que somos todos nós) vi­ vem numa intimida de, que chega às ra ias da prom iscu idade, "enredados 'na mesma fa mília"...

 

1 1. agressions: ag ressões. Note-se que agressão tem a mesma etimologia que transgressão. Aggredior (de gradior, cam inhar, ma rchar): caminhar em di reção a, dirigir-se a, ir contra, acometer, agredir; transgredior, tra nspor obstácu los, passar al ém de, violar.

Delamore (op. cit., p. 1 20), depois de lembrar que agressões, si gn ifica, eti molog icame nte, "mar­ cha para a frente" diz: "Trata -se de uma entrada numa terra descon heci da, mesmo interdita" daí a ag ressã o, a "i nsolência" daq uele que quer penetra r a "terra de Deus" - "a marcha ag res­ siva leva à tra nsposição das barreiras pela violência" - à transgressão, no sentido persi ano.

 

12.   I'Appelé: o Chamado. Repo nta aqui a fig ura mi steri osa do poeta-profeta, mediador entre os ho­ mens e o Ser. Na base da sua missão um chamam ento.

 

13.  L 'Aboyeur: o La drador. 1) Termo de caça. So rte de cães que ladram à vista do javali, sem se aproximarem dele. 2) Fig. Aquele que procu ra arde ntem ente uma coisa.

Em Amers (OC 373) enco ntramos "o La drador dos mo rtos à beira das fossas fu nerárias".

 

14.   Singe de Dieu: Símio (ou macaco) de Deus. Pa ra Dolam ore (Op. cit., p. 125), ele seria o "espírito criador no fu ndo do próprio poeta ".

Cl averie (Op. cit., p. 10 1) de outro modo; "Se a poesia usurpa, vo lu ntari amente, os poderes

da rel igião, o po eta se arroga os privi légios de Deus, o que expri me a ap óstrofe de SJP a si mesmo no termo da sua criação. Seria o poema, pois, o ídolo por excelência, o fa lso deus que mais se pa rece com a Divindade?"

Símio de Deus é ta mbém uma expressão usada por alguns Pad res da Ig reja para se referi r ao demônio. Esse macaco de Deus o im ita, pa rod ia ndo, não co nseg ue ser seu exato refl exo; pre­ te nde se fazer passa r por Deus, mas nada mais é do que sua co ntrafação

 

S ÉCH ER ESSE

 

OUAND la sécheresse sur la terre aura tendu sa peau d'ânesse et címenté I'argile blan­ che aux abords de la source, le sei rose des salines annoncera les rouges fins d'empires, et la femelle grise du taon, spectre aux yeux de phosphore, se jettera en nymphomane sur les hom­ mes dévêtus des plages... Fange écarlate du langage, assez de ton infatuation!

 

Ouand la sécheresse sur la terre aura pris ses assises, nous connaílrons · un temps meilleur aux affrontements de I'homme: temps d'allégresse et d'insolence pour le g(andes of­ fensives de I'esprit. La terre a dépouillé ses graisses et nous legue sa concision. A nous de prendre le relais! Recours à I'homme et libre course!

 

Sécheresse, ô fa veur! honneur et luxe d'une élite! dis-nous le choix de tes élus... Sistre de Dieu, sois-nous complice. La chair ici nous fut plus pres de I'os: chair de locuste ou d'exo­ cet! La mer elle-même nous rejette ses na vettes d'os de seiche et ses rubans d'algues flétries: éclipse et manque en toute chair, ô temps venu des grandes hérésies !

 

Ouand la sécheresse sur la terre aura tendu son arc, nous en serons la corde bréve et la vibration lointaine. Sécheresse, notre appel et notre abréviation... "Et moi, dit I'Appelé, j'ai pris mes armes entre les mains: torches levées à tous les antres, et que s 'éclaire en moi toute I'aire du possible! Je tiens pour consonance de base ce cri lointain de ma naissance. "

 

 

Et la terre émaciée criait son tres grand cri de veuve bafouée. Et ce fut un long cri d'usure et de fébrilité. Et ce fut pour nous temps de croílre et de créer... Sur la terre insolite aux confins désertiques, ou I'éc/air vire au noir, I'esprit de Dieu tenait son hâle de c/arté, et la terre vénéneu­ se s 'enfiévrait comme un massif de corai! tropical... N'était-il plus couleur au monde

que ce jaune d'orpiment?

 

"Gené vriers de Phénicie ", plus crêpelés que têtes de Maures ou de Nubiennes, et voys, grands Ifs incorruptibles, gardiens de places fortes et d'í!es cimentées pour prisonniers d'Etat masqués de fer, serez-vous seuls, tout ce temps-Ià, à consumer ici le sei noir de la terre ? Plantes à griffes et ronciers regagnent les garrigues; le ciste et le nerprun sont pelerins du ma­ quis... Ah! qu'on nous laisse seulement

ce brin de paille entre les dents!

 

Ô Maia, douce et sage et Mere de tous songes, conci!iatrice et médiatrice entre toutes factions terrestres, ne crains pOint I'anathéme et la malédiction sur terre. Les temps vont reve­ nir, qui rameneront le rythme des saisons; les nuits vont ramener I'eau vive aux tétines de la terre. Les heures cheminent devant nous au pas de I'espadrile, et, rétive, la vie remontera de ses abris sous terre a vec son peuple de fideles: ses "Lucílies " ou mouches d'or de la viande, ses psoques, ses mites, ses réduves; et ses "Talitres ", ou puces de mer, sous le varech des plages a ux senteurs d'officine. La Cantharide verte et le Lycene bleu nous rameneront I'accent et la couleur; et la terre tatouée de rouge recou vrera ses grandes roses mécréantes, comme tissu de toile peinte pour femmes de Sénégambie. Les dartres pourpres du lézard virent déjà sous terre au noir d'opium et de sépia... Nous reviendront aussi les belles couleuvres visiteu­ ses, qui semblent descendre de litiere a vec leurs ondulations de hanches à la Sanseverina.

 

Guêpiers d'A frique et Bondrées apivores arraisonneront la guêpe aux terriers des falaises. Et la Huppe messagere cherchera encore sur terre I'épaule princiere ou se poser...

 

Éclate, ô seve non sevrée! L 'amour fuse de partout, jusque sous I'os et sous la come. La terre elle-même change d'écorce. Vienne le rut, vienne le brame! et I'homme encore, tout abí'me, se penche sans grief sur la nuit de son coeur. Écoute, ô coeur fidele, ce battement sous terre d'une aile inexorable... Le son s'éveille et sauve I'essaim sonore de sa ruche; et le temps mis en cage nous fait entendre au loin son martelement d'épeiche... Les oies sauvages s 'agrainent­ elles aux rives mortes. des rizieres, et les greniers publics céderont-ils un soir à la poussée des houles .. O terre du sacre et du prodige - terre prodigue encore à I'homme jusqu'en ses sources sous-marines honorées des Césars, que de merveilles encore montent vers nous de I'abí'me de tes nuits! Ainsi par temps de couvaison d'orage - Ie sa vions-nous vraiment? - Ies petites pieuvres de grand fond remontent a vec la nuit vers la face tuméfiée des eaux...

 

 

Les nuits vont ramener sur terre la frafcheur et la danse: sur la terre ossifiée aux affleu­ rements d'ivoire retentiront encore sardanes et chaconnes, et leur basse obstinée nous tient déjà I'oreille à I'écoute des chambres souterraines. Au claquement des crotales et du talon de bois se fait encore entendre, à tra vers siecles, la danseuse gaditane qui dissipait en Hispanie

/'ennui des Proconsuls romains... Les pluies nomades, venues de I'Est, tinteront encore au tambourin tzigane; et les belles averses de fin d'été, descendues de haute mer en toilettes de sOirée, promeneront encore ?ur terre leur bas de JURes pailletés...

O mouvement vers I'Etre et renaissance à I'Etre! Nomades tous les sables!... et le temps siffle au ras du. sol... Le vent qui déplace pour nous /'inclinaison des dunes nous montrera peut­ être au jour la place ou fut moulée de nuit la face du dieu qui couchait là..

 

Oui, tout cela sera. Oui, les temps reviendront, qui levent /'interdit sur la face de la terre. Mais pour un temps encore c 'est I'anatheme, et I'heure encore est au blaspheme: la terre sous bandelettes, la source sous scellés... A rrête, ô songe, d'enseigner, et toi, mémoire, d'engendrer.

 

 

A vides et mordantes soient nos heures nouvelles! et perdues aussi bien soient-elles au champ de la mémoire, ou nulle jamais ne fit office de glaneuse. Breve la vie, breve la course, et la mort nous rançonne! L 'offrande au temps n 'est plus la même. Ô temps de Dieu, sois-nous comptable.

 

Nos actes nous devancent, et /'effronterie nous mene: dieux et faquins sous même étrille, emmêlés à jamais à la même famille. Et nos voies sont communes, et nos gouts sont les mê­ mes - ah! tout ce feu d'une âme sans arôme qui porte I'homme à son plus vif: au plus lucide, au plus bref de lui-même!

 

Agressions de /'esprit, pirateries du coeur - ô temps venu de grande con voitise. Nulle oraison sur terre n'égale notre soif; nulle affluence en nous n 'étanche la source du désir. La sé­ c.heresse nous incite et la soif nous aiguise. Nos actes sont partiels, nos oeuvres parcellaires! O temps de Dieu, nous seras-tu enfin complice ?

 

Dieu s 'use contre /'homme, /'homme s 'use contre Dieu. Et les mots au langage refusent leur tribut: mots sans office et sans alliance, et qui dévorent, à même, la feuille vaste du langage comme feuille verte de mtJrier, avec une voracité d'insectes, de cheniles... Sécheresse, Ô fa­ veur, dis-nous le choix de tes élus.

 

Vous qui parlez /'ossete sur quelque pente caucasienne, par temps de grande sécheres­ se et d'effritement rocheux, savez combien proche du sol, au fil de /'herbe et de la brise, se fait sentir à /'homme /'haleine du divino Sécheresse, Ô fa veur! Midi /'a veugle nous éclaire: fascination au sol du signe et de /'objet.

 

Quand la sécheresse sur la terre aura desserré son étreinte, nous. retiendrons de ses méfaits les dons les plus précieux: maigreur et soif et fa veur d'être. "Et moi, dit /'Appelé, je m 'enfiévrais de cette fievre. Et /'avanie du ciel fut notre chance ". Sécheresse, Ô passion! délice et fête d'une élite.

Et nous voici maintenant sur les routes d'exode. La terre au loin brtJle ses aromates. La chair grésile jusqu /'05. Des contrées derriere nous s'éteignent en plein feu du jour. Et la terre

. mise à nu montre ses clavicules jaunes gra vées de signes inconnus. furent les seigles, le sorgho, fume /'argile blanche, couleur de feces torréfiées.

Les chiens descendent a vec nous les pistes mensongeres. Et Midi /'Aboyeur cherche ses morts dans les tranchées comblées d'insectes migrateurs. Mais nos rOutes sont ailleurs, nos heures démentielles, et, rongés de lucidité, ivres d'intempérie, voici, nous avançons un soir en terre de Dieu comme un peuple d'affamés qui a dévoré ses semences...

 

Transgression! transgression! Tranchante notre marche, impudente natre quête. Et de­ vant nous levent d'elles-mêmes nos oeu vres à venir, plus incisives et breves, et comme corro­ sives.

De /'aigre et de /'acerbe nous connaissons les lois. Plus que denrées d'A frique ou qu 'épi­ ces latines, nos mets abondent en acides, et nos sources sont furtives.

Ô temps de Dieu, sois-nous propice. Et d'une brtJlure d'ail naítra peut-être un soir /'étin­

celle du génie. Ou courait-elle hier, ou courra-t-elle demain ?

Nous serons là, et des plus prompts, pour en cerner sur terre /'amorce fulgurante. L 'a­ venture est immense et nous y pourvoirons. C'est ce soir le fait de /'homme.

Par les sept os soudés du front et de la face, que /'homme en Dieu s 'entête et 5 'use jus­ qu'à /'05, ah! jusqu'à /'éc/atement de /'os!... Songe de Dieu sois-nous complice...

 

 

"Singe de Dieu, trêve à tes ruses!"

 

1974.



[1] Tradutor de Sai nt· Jo hn Perse desde 1959. Entre outras trad uções publ icadas: Poemas de Saint John Perse, Rio de Janeiro, Grifo edições, 1971 e Anábase, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1 979.