Sto ALBERTO MAGNO - QUESTÕES SOBRE O "DE ANIMALIBUS".

 

Tradução e Introdução de Carlos Arthur RIBEIRO DO NASCIMENTO[1]

 

INTRODUÇÃO

Alberto Magno (1 206- 1 280) foi, sem dúvida, uma das figuras mais marcantes no panorama intelectual do século XIII. Tanto assim que era citado como uma "autoridade" ao lado de Aristóteles, Avicena e Averrois, segundo o testemunho de Rogério Bacon que, aliás, não esconde sua indignação para com isto (1). Sua pre­ tensão era pôr ao alcance dos latinos a en­ ciclopédia do saber elaborada pelos gre­ gos, árabes e judeus. Contribuiu ele, deste modo, e não sem adversários, para que as disciplinas profanas fossem aceitas como objeto de estudo (2).

Costuma-se indicar a biologia como domínio de eleição de Alberto Magno. Embora não tenha deixado de ser aí um transmissor dos conhecimentos dos anti­ gos, não se priva de acrescentar elementos novos provenientes de suas próprias ob­ servações. Apontam-se como suas princi­ pais obras neste campo Comentários ao De animalibus e ao De plantis, bem como uma série de Quaestiones sobre o De ani­ malibus. O De plantis era na realidade um escrito pseudo-aristotélico. O De animali­ bus consistia numa coleção de obras de Aristóteles (História dos animais, Partes dos animais" Geraçilo dos animais) tradu­ zida do árabe para o latim por Miguel Scot (121 7-20) e retraduzida diretamente do grego por Guilherme de Moerbeke (1 260-7 1). A coleção compreendia 19 livros. Assim, o Comentário de Alberto Magno, que compreende 26 livros, con­ tém os 19 livros do texto aristotélico tra­ duzido por Miguel Scot e 7 livros de material adicional. As Quaestiones sobre o De animalibus compreendem apenas 19 li­ vros. Estas Quaestiones não foram porém escritas e editadas pelo próprio Sto. Alberto, mas ouvidas e redigidas, isto é, re­ portadas, por um certo frei Conrado da Áustria que as transmite como um relato aproximado do que ouviu do mestre, sem muita preocupação com o estilo e a forma literários.

O conteúdo destas Quaestiones pode ser situado de maneira genérica como per­ tencendo a uma zoologia teórica e filosó­ fica. Alberto se apóia, além do texto de Aristóteles, em Avicena e Galeno. Aliás, Avicena é explicitamente invocado na questão aqui traduzida.

Nossa tradução se baseou na edição crítica publicada por Ephrem Filthaut

O.p. nas Opera omnia de Sto. Alberto, Colônia, Aschendorff, 1955, Vol. XII.

 

Alberti Magni QUAESTIONES SUPER

DE ANIMALIBUS

Quaestio 13

Quare omnia animalia sunt multi strepitus in eoitu praeter hominem Quaeritur, quare omnia animalia sunt multi strepitus in coitu praeter homi­ nem. Unde gallus, cum debet supponere, cantat et saltat et bombizat, et similiter equus et alia. Homo vero tacenter et occulte armat tamquam ad bellum priapum et coit.

 

Et dicendum, quod vox causatur multipliciter, ex causa extrinseca vel in­ trinseca. Ex causa extrinseca provenit vox in hominibus. Causa vero intrinseca duplex est, scilicet naturalis et innaturalis. Ex causa innaturali provenit in cygno, cum moritur, quia tunc dulciter canit. Sed ex causa naturali provenit ex calido et hu­ mido multiplicato interius. Sed sperma est calidum et humidum et ante coitum quasi guttatim cadit per membra animalis et ve­ nit ad testiculos. Et ideo cum bruta se­ quantur naturalem complexionem et sensum vel naturam, ideo tunc propter delec­ tationem, quam sentiunt in singulis mem­ bris, multum canunt et clamant quasi fu­ riosa. Sed homo animal discretum est ra­ tione et prudens et habet discretionem et abstinere se potest ab his ad quae ordina­ tur coitus, propter verecundiam, et ideo tunc nom multum strepit, immo si potest, occulte supponit et quanto occultius, tan­ to dulcius. Et hoc verum est.

Avicena etiam dicit, quod homo tunc in tanta delectatione est, quod loqui non potest; cor enim contrahitur prae nimia delectatione, sicut contigit, quod aliqui non possunt loqui, cum sunt in timore. Et ex hoc patet causa, quare homo et alia animalia ante coitum sunt audacia et post coitum factum sunt magis timida, quia audacia provenit ex calore et motu sangui­ nis. Et ideo animalia tunc sunt audacia et in magno motu propter motum caloris et spirituum. Sed timor provenit ex frigiditate et congelatione spirituum, quod evenit post coitum propter evacuationem eorum, et ideo tunc timent. Unde adulter ante coitum non formidat accedere ad uxorem al­ terius propter fortem motum spirituum etiam eo praesente, sed post coitum, quia debilitatus est, timet et fugit ad praesentiam rati vel catti.

iEt ex his insuper potest patere causa, quare homo castratus sit peius morigeratus cuius contrarium accidit in aliis ani­ ma ibus. Cuius causa sive ratio est, quia homo est animal maxime temperatum, sed per castrationem diminuitur in homi­ ne materia sminis sive spermatis, quod est calidum et humidum et temperatum, in quibus stat vita hominis et complexio. Et ideo per castrationem recedit sive labitur complexio hominis a temperamento et per consequens minoratur virtus eius et fit feminaceus. Sed in aliis animalibus sunt multae humiditates et superfluitates dimi­ nuuntur, et calor in eis quasi repercutitur et reflectitur ad singula membra, et Ideo !fiunt melius morigerata. Veruntamen in gallo est calor pungitivus et consumptivus humiditatis, et ideo cum castratur, calor diminuitur et humiditas magis abundat, et ideo tunc pinguescit. Sed in aliis animali­ bus calor est debilis, et per castrationem suae humiditates superfluae consumuntur per illum calorem debilem, qui potest su­ per paucum tunc reverberatum, et ideo omnia animalia castrata magis macres­ cunt. Et si impinguantur, diutius in multo conservant pinguedinem quam non cas­ trata, quia calor est effeminatus, non ta consumens, et quando fatigantur, non Ita cito recuperant sicut non castrata.

 

Alberto Magno

Questões sobre o Tratado dos animais. re­ portadas por frei Conrado da Austria.

Livro I, Questão 13:

Por que todos os animais, exceto o homem, fazem muito barulho no coito?

Pergunta-se por que todos os ani­ mais, exceto o homem, fazem muito baralho no coito. Daí o galo, quando deve Ir para cima, cantar, dançar e fazer barulho, assim como o cavalo e os demais animais. O homem, no entanto, silenciosa e ocultamente arma, como que para a guerra, o príapo e copula.

Deve-se dizer que a voz é causada de muitas maneiras, por causa extrínseca ou intrínseca. Nos homens a voz provém de causa extrínseca. A causa intrínseca po­ rém é dupla, a saber, natural ou inatural. Provém de causa inatural no cisne, quan­ do morre, porque então canta mais doce­ mente. Provém porém de causa natural a partir do quente e úmido multiplicado no interior. Ora, o esperma é quente e úmido e antes do coito como que goteja pelos membros do animal e chega aos testícu­ los. Deste modo, como os brutos seguem a compleição natural e os sentidos ou a natureza, então por causa do deleite que sentem em todos os membros, cantam e gritam muito como furiosos. Mas o ho­ mem é animal discreto e sábio pela razão, tendo discrição e podendo abster-se da­ quilo a que se ordena o coito por causa do pudor. Assim, não faz então muito barulho; até mesmo, se pode, vai para cima escondido e, quanto mais escondido com tanto mais agrado. E isto é verdade.

 

Avicena diz também que o homem se encontra então em tanto deleite que não pode falar; de fato, o coração se contrai diante de excessivo deleite, como acontece que alguns não possam falar quando es­ tão com medo. Disto se evidencia a causa pela qual o homem e os outros animais são audaciosos antes do coito e são mais tímidos depois de feito o coito; pois a au­ dácia provém do calor e do movimento do sangue. Por isso os animais são então au­ daciosos e apresentam grande movimen­ tação por causa do movimento do calor e dos espíritos. Mas o medo provém do res­ friamento e da congelação dos espíritos, o que acontece depois do coito por causa da evacuação destes e por isso os animais têm então medo. Daí, o adúltero antes do coito não temer acercar-se da esposa de ou­ trem, mesmo que este esteja presente, por causa do forte movimento dos espíritos, mas, depois do coito, por estar debilitado, temer e fugir na presença de um rato ou de um gato.

Disto, além do mais, pode evidenciar-se a causa pela qual o homem castrado sej a menos morigerado, cujo contrário acontece nos "outros animais. A causa ou razão disto é que, sendo o homem o animal temperado ao máximo, pe­ la castração diminui no homem a matéria do sêmen ou do esperma que é o quente e úmido e o temperamento, nos quais resi­ dem a vida e a compleição do homem. Deste modo, pela castração, a compleição do homem afasta-se ou decai do temperamento e, por conseguinte, diminui a sua virtude e torna-se efeminado. Contudo, nos outros animais muitas umidades e superfluidades e calor mais fraco por causa das superfluidades. Daí, suas umidades e superfluidades serem diminuídas pela castração e o calor neles como que repercutir e refletir em cada um dos seus membros. Donde tornarem-se mais morigera­ dos. No entanto, no galo um calor mortificativo e consumptivo da umidade. Daí, ao ser castrado, o calor diminuir e a umidade abundar mais e então ele engor­ da. Mas nos outros animais o calor é fraco e, pela castração, suas umidades supér­ fluas são consumidas por este calor fraco que, então reverberado tem poder sobre o pouco. Daí, todos os animais castrados, antes emagrecerem. E se engordam, con­ servam muito mais tempo a gordura do que os não-castrados porque o calor está efeminado, não consumindo na mesma proporção; e quando se cansam, não se recuperam tão rapidamente como os não­ castrados.

 

NOTAS

 

1.    Ver, por exemplo, Opus tertium. Münster. Ed. Brewer. Cap o 9, p. 30-3 1.

2.     Cf. Ph. Boehner. História da filosofia cristã. Petropólis, Vozes, 1970. p. 397.



[1] Departamento de Filosofia - Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação - UNESP -17.500 - Marília - SP.