COMENTÁRIO A “La condición del académico en la época técnica: FILOSOFIA: CAMINHOS NA FLORESTA[1]

 

José Ricardo Barbosa Dias[2]

 

Referência do texto comentado: Bula, Germán Ulises Caraballo; Rodríguez, Hernan Ferney García.. La condición del académico en la época técnica. Trans/Form/Ação: revista de filosofia da Unesp, v. 44, n. 2, 2021, p. 179 – 196.

 

Trato, neste comentário ao artigo “La condición del académico en la época técnica”, de Germán Ulises Bula Caraballo e Hernan Ferney Rodríguez García (Bula; Rodríguez, 2021), não de uma contraposição à tese dos autores ali defendida acerca da natureza das humanidades, mas de enfatizá-la. Agora, dando mais espaço à tese de que o que lá é dito das humanidades (em sua natureza própria na tensão com o fazer instrumentalizado acadêmico no horizonte da Gestell heideggerina), agrava-se ao extremo quando se busca dizer a natureza do saber filosófico e o metro com o qual se deva medir seu fazer. Minha contribuição aparece aqui, portanto, no trato, da mesma questão, com outros autores não citados no artigo em referência, bem como com textos de Heidegger essenciais para seu desdobramento, já que o suposto, aqui e lá, é o advento de uma ontología da possibilidade versus um saber de escola; uma imaginação produtiva versus uma mera produção de filosofemas.

O artigo “La condición del académico en la época técnica” dá uma excelente contribuição para o debate filosófico, em particular na universidade, sobre o fazer humano como tal, no horizonte da atual sobreposição do fazer tecnocientífico (unilateral e quantitativo) sobre o fazer das humanidades (aberto e não quantificável com o metro da tecnociência). Tal sobreposição está determinada pelo que Heidegger identificou como sendo a essência da técnica, em seu domínio planetário atual: Gestelli.[3] O texto esclarece, de modo crítico, vários pontos dessa questão, e vai em direção, mais que necessária, do fortalecimento, em nossa cultura atual, do autêntico papel da filosofia, como guardiã e fazer, por excelência, das humanidades. Com o que aqui é dito, enquanto retorno temático do caráter de inutilidade da filosofia, nada mais faremos que reforçar essa importante tese.

Inicialmente, chamo atenção para o fato de, em minha IES, esse tema ter, em outros termos e num curto espaço de tempo, aparecido em três eventos nosso da filosofia. Todos buscaram dizer o sentido em se fazer filosofia, nos dias de hoje[4], indicando, segundo meu entendimento, que o grave parece estar no “hoje”, sendo ele a nos impelir e justificar levantar essa questão. Como se ele fosse o problema. Porém, será mesmo ele o problema? Junto a isso, podemos indagar: mas, qual dos saberes que temos hoje é mais capaz de nos dizer o que é o hoje, que impele e parece justificar se fazer essa questão pelo papel, pelo sentido, da filosofia, senão a própria filosofia? Eu diria, sem entrar no devido aprofundamento, que hoje, como ontem, o papel e sentido de se fazer filosofia se faz presente, dada a dificuldade que se apresenta ao ser humano, de hoje e de ontem, de ter de dizer o seu hoje e nisso dizer a ele mesmo.

Quando se pergunta pelo papel da filosofia, hoje, o que, no fundo, ainda se mantém como desafio de compreensão, é o seu caráter essencial de inutilidade. O “[...] com filosofia nada se pode fazer.” (HEIDEGGER, 1987, p. 42, grifo meu). Quanto a isso, já muito se escreveu.[5] Todavia, a julgar por essa recorrente pergunta, no meio acadêmico de hoje, deve-se aventar que muito ainda se deve continuar a escrever sobre essa questão, até que a condição que a torna hoje recorrente[6] venha a se desfazer, qual seja: a crescente desvalorização de uma formação humana pautada no saber das humanidades que atinge até mesmo o mundo acadêmico.

Hegel (1991, p. 38) pode ser retomado, quando fala da filosofia como o mais necessário: “Do ponto de vista do espírito que pensa, devemos considerar a filosofia como o que há de mais necessário.” E completa: “Quando a força unificadora (a capacidade de unificação) desaparece da vida dos homens, e as oposições perdem sua relação viva e sua ação recíproca, tornando-se independentes, então nasce a necessidade da filosofia.” (HEGEL, 1991, p. 35).

Esse é um problema que afeta, guardadas as diferenças, as humanidades como um todo, contudo, que se torna agudo na filosofia: o não poder ser medida pelo metro do saber útil. Em outras palavras, a questão remete e depende, uma vez mais, de nos entendermos sobre a natureza do saber filosófico.

Sem pretender superar o desafio de dizer e fazer compreender essa inutilidade positivamente como implicando o livre pensar e, por isso, o mais necessário, teço a seguir algumas ideias em torno dessa inutilidade da filosofia, que já vinha desenvolvendo em outros momentos, com a ajuda do pensamento do ser de Heidegger, o qual a entende não como um acidente ou um defeito a ser corrigido, no fazer filosófico. Ao contrário, ele nos alerta que, quanto mais nos esforçamos em lhe atribuir uma utilidade, mais nos afundamos no preconceito que sobre seu fazer impera nos dias atuais (HEIDEGGER, 1987, p. 42).

As seguintes citações nos dão os elementos de onde sempre temos que partir e voltar, na reflexão, se queremos ir adiante na questão:

De há muito que ainda não se pensa, com bastante decisão, a Essência do agir. Só se conhece o agir como a produção de um efeito, cuja efetividade se avalia por sua utilidade (Heidegger, 1995, p. 23).

Para aprendermos a experimentar em sua pureza – e isto significa também levar à plenitude – essa Essência do pensar, devemos libertar-nos da interpretação técnica do pensamento. Seus primórdios remontam até Platão e Aristóteles. [...]. Desde então, a “filosofia” sente, constantemente, a necessidade de justificar sua existência diante das “ciências”. E crê fazê-lo, da forma mais segura, elevando-se à condição de ciência[7]. Ora, esse esforço é o abandono da Essência do pensamento. A filosofia é perseguida pelo medo de perder em prestígio e importância, caso não seja ciência. O considera uma deficiência, idêntica à inciência [...]. Na interpretação técnica do pensamento, se abandona o Ser como o elemento do pensar. [...] Julga-se o pensar com uma medida que lhe é inadequada.[8] Um tal julgamento equivale ao processo que procura avaliar a natureza e as possibilidades do peixe pela capacidade de viver no seco. De há muito, demasiado muito, o pensamento vive no seco (Heidegger, 1995, p. 26-27, grifo nosso).

 

Há caminhos na floresta que levam para fora da floresta. Há caminhos que não levam a lugar algum, ou seja, positivamente, que levam à floresta mesma e seus perigos. Espera-se dos que fazem filosofia que tenham escolhido o tipo de caminho na floresta que não leva a lugar algum, isto é, que leva a permanecer na floresta, a permanecer na filosofia até o fim, enquanto tarefa do pensamento (HEIDEGGER, 1991a). O outro caminho leva para fora da floresta, quer dizer, para fora da filosofia e, portanto, não deveria interessar àquele que escolheu a filosofia.

A pergunta: “[...] o que posso fazer com a filosofia? [...]” abre-nos ao tipo de caminho que leva para fora da filosofia. No horizonte do pensamento do ser, a pergunta que abre um caminho que nos leva para dentro da filosofia ela mesma é: “[...] o que a filosofia pode fazer comigo, caso a ela me entregue [...]”? (HEIDEGGER, 1987, p. 42-43). A primeira é de cunho pragmático-utilitarista. Se se faz a segunda pergunta, se se é por ela conduzido, começa-se a trilhar o caminho que leva à filosofia ela mesma. Ela começa a se dar enquanto vida de pensamento, enquanto caminho de pensamento. A escolha pela filosofia clama e reclama pela diferença[9] entre pensar técnico-utilitário e o pensar inútil, mas necessário à vida de pensamento (GILVAN, 1988). À vida que visa à totalidade de sentido, visa ao mundo naquilo que ele é e, nisso, põe a nós mesmos em questão na questão do ser. Na questão da totalidade de sentido: por que há entes e não antes o nada? (HEIDEGGER, 1987, p. 33;43; HEIDEGGER, 1991b, p. 44). Põe-nos no arrebatamento, na perplexidade, no não familiar, na estranheza, no fora do “mundo do trabalho.”[10]

Aceitando-se seu caráter essencial de inutilidade, que é a filosofia? Heidegger (2008a, p. 17) assegura que filosofia é filosofar. E se essa equação procede, então, isso significa: a filosofia, positivamente, “[...] precisa ser determinada a partir de si mesma.” (Heidegger, 2008a, p. 17) E, negativamente, por um lado, precisa não aceitar nenhuma adjetivação do tipo filosofia científica (Heidegger, 2008a, p. 18) ou filosofia cristã (Heidegger, 1987, p. 38) e, por outro, em si mesma, precisa nunca aceitar ser um conjunto de doutrinas acabadas; nunca ter um conteúdo estabelecido, embora assuma ter um conteúdo acumulado em sua história. Este, porém, somente terá sentido se serve ao filosofar. Ela é, antes, portanto, uma ação, uma atitude humana no trato com a realidade como tal.[11] Para filosofar, para permanecer nela mesma e seus riscos,[12] somente na libertação do pensar da técnica, do útil. E, aí, no se manter no inútil, lugar do livre pensar, do pensar a partir de si mesma.

Heidegger detecta essa tecnificação do pensamento já no início da filosofia, quando a tríade Sócrates, Platão e Aristóteles, na tentativa de “salvar” a filosofia da ameaça sofística (de fundo pragmático-utilitário), conduz a filosofia a um saber de escola, iniciando seu processo, ao longo da história da filosofia, de redução às doutrinas na forma de disciplinas, tais como a ética, a filosofia política, a estética, a ontologia etc., até seu fim, como acabamento, na forma de mera auxiliar da linguagem da ciência. Todo esse saber de escola é, no fim das contas, formas que alienam a filosofia de si mesma, de sua essência como filosofar. A filosofia como filosofar é “anterior” a esse processo e se se mantém autêntica, nunca se deixando reduzir, em sua essência, a ele.

Filosofia é filosofar e filosofar é filosofar do ser. Ser, no horizonte de seu não abandono pela metafísica, é vigência (presença) que sempre se retrai, mas que, em função da busca metafísica pela presença que nunca deixa de ser presente (presença constante e absoluta), entificou-se em um ente historicamente determinado, objetificando-se, cabalmente, na era atual da tecnificação do pensamento.

A filosofia não serve para nada, a não ser para o nada mesmo, para o pensar do ser, e nisso o pensar a raiz de nós mesmos, nossa liberdade ontológica como o livre, aquela que é condição para nossa liberdade de escolha. Do horizonte do pensamento tecnificado (Gestell-Bestand), porém, vem a contraposição: o nada não serve como referência para se chegar a algum lugar. E isso é verdade. E é assim, porque o nada como tal é a referência mais adequada para chegarmos a nós mesmos.

Com efeito, isso quer dizer, segundo Heidegger (1991b, p. 41), que, “suspensos no nada, somos”. Como entender esse enunciado? Ora, como foi destacado, o nada não serve como referência alguma para chegarmos a algum lugar. Contudo, de algum modo, convivemos com o nada. Ele nos vem ao encontro já desde sempre, não fosse assim, não teríamos como nos comunicar sobre ele. Ele nos diz algo do real: não é referência alguma para se chegar a algum lugar fora de nós. Ele é, outrossim, referência perfeita para chegarmos a nós mesmos, antes de tudo, no fato de ser. Daí que é somente e somente porque nossa referência última é o nada, somos ente e não nada.

Nesses termos, pode-se, por fim, indicar, considerando sua essencial inutilidade, alguns pontos sobre o que seja o papel da filosofia do ontem, do hoje e do sempre, enquanto ação do humano como tal: 1- o de nos manter no âmbito da inutilidade, único no qual o livre pensar, porque do ser, pode se dar, e que nos mantém no estar desperto de nós mesmos, não alienados do fato de sermos (HEIDEGGER, 2012); 2- o de promover uma interpretação suficiente do mundo, aquela que não se reduz a uma mera visão de mundo, mas faz ver, deixa ver visões de mundo como visões de mundo, porque no horizonte do pensamento do ser, da liberdade ontológica, ou seja, do livre como ocupável pelas possibilidades de nossas escolhas ônticas: culturais, éticas, estéticas etc (HEIDEGGER, 2001). E isso se traduz, primeiramente, não numa recusa, porém, em se manter na diferença com a ciência e a técnica: quer dizer, não determinados antecipadamente por esses âmbitos.

Com isso, por fim, entendemos o sentido da solidão enquanto característica do fazer filosófico. O filósofo é filósofo por ser um esforço de fazer por si só. De falar a partir de sua finitude, isto é, de si mesmo e não de outro (HEIDEGGER, 2006, p. 11; 2008b, p.18-19). E também pensamos ter estabelecido um nexo dialógico e de continuidade com o artigo que aqui nos tem servido de referência, qual seja: no horizonte do emplazamiento ou enquadramento ou armação, ou seja, daquilo que somente é se pode ser quantificável, isto é, se é útil, a filosofia deve manter-se como nossa lucidez e guardiã do fazer, por excelência, das humanidades.

 

Referências

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1979 (Col. Os Pensadores).

Bula, Germán Ulises Caraballo; Rodríguez, Hernan Ferney García.. La condición del académico en la época técnica. Trans/Form/Ação: revista de filosofia da Unesp, v. 44, n. 2, 2021, p. 179 – 196,.

CORBISIER, R. Hegel: textos escolhidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

GADAMER, H. G. Verdade e Método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Trad. de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

GADAMER, H. G. Hermenêutica em retrospectiva: a posição da filosofia na sociedade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

GILVAN, F. Da solidão perfeita. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

HEIDEGGER, M. Introdução à metafísica. Trad. de Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987.

HEIDEGGER, M. O fim da filosofia e a tarefa do pensamento. In: HEIDEGGER, M. Conferências e escritos filosóficos. Trad. de Ernildo Stein. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991a (Coleção Os Pensadores).

HEIDEGGER, M. Que é metafísica? In: HEIDEGGER, M. Conferências e escritos filosóficos. Trad. de Ernildo Stein. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991b (Os Pensadores).

HEIDEGGER, M. Carta sobre o humanismo. Trad. de Emmanuel Carneiro Leão. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.

HEIDEGGER, M. Heráclito: a origem do pensamento ocidental. Lógica: a doutrina heraclítica do logos. Trad. de Marcia de Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.

HEIDEGGER, M. Seminário de Zollikon. Ed. de Medard Boss. Trad. de Gabriella Arnhold e Maria de Fátima de Almeida Prado. São Paulo: EDUC. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

HEIDEGGER, M. A questão da técnica. In: HEIDEGGER, M. Ensaios e conferências. Trad. de Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

HEIDEGGER, M. Os conceitos Fundamentais da Metafísica: mundo-finitude-solidão. Trad. de Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Trad. de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis,RJ: Vozes: Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2006.

HEIDEGGER, M. Introdução à Filosofia. Trad. de Marco Antônio Casanova. São Paulo: Martins Fontes, 2008a.

HEIDEGGER, M. Parmênides. Trad. Sérgio Mário Wrublevski. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2008b.

HEIDEGGER, M. Ontologia (hermenêutica da facticidade). Trad. de Renato Kirchner. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

OLIVEIRA, M. A de. Sobre fundamentação. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.

PIPER, J. Que é filosofia? São Paulo: Loyola, 2014.

 

 

Recebido: 22/5/2020

Aceito: 26/5/2020


 

 



[1] Referência a uma coletânea de textos de Heidegger publicadas sob o título de Holzweg (aqui, seguimos o sentido dessa expressão, explicitada por Marco Antônio Casanova, em sua tradução do texto de Heidegger, Os Conceitos Fundamentais da Metafísica: Mundo-Finitude-Solidão (HEIDEGGER, 2006, p. 10, nota 8).

[2] Professor Associado I da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, PI – Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7938-4905. E-mail: jrbdias@ufpi.edu.br.

[3] Termo que, no artigo aqui comentado, foi traduzido por emplazamiento e que nossa tradução em português diz da armação ou enquadramento, como faceta essencial da técnica moderna, juntamente com o termo Bestand, não citado diretamente pelo artigo por nós comentado, mas que compõe aí o que pensa Heidegger como a referida essência da técnica, ou seja, o armação ou enquadramento (Gestell) que torna, cobra, do ente na totalidade o ser algo disponível (Bestand) para o ser humano. Aqui, somente é aquilo que pode ser posto em reserva disponível para o uso, gozo e manipulação humana, que entre no processo de produção como exploração, transformação, armazenamento e distribuição pelo ser humano (HEIDEGGER, 2002).

[4] A saber, “Tem ainda [hoje] sentido a pesquisa filosófica?” (X Jornada de Pesquisa do PPFIL) e na XIII e XIV Semana de Filosofia: “Qual o papel da filosofia hoje?”

[5] A título de exemplo, lembro o texto de Eduardo Prado de Mendonça “O mundo precisa de filosofia”, escrito na década de 1970.

[6] Condições essas que remontam ao advento das ciências, sob o modelo da física-matemática e seu predomínio entre nós como monopólio do conhecimento verdadeiro e lugar, por excelência, da verdade (Gadamer, 1997) e a nossa grande paixão (Heidegger, 1991b).

[7] Gadamer (2007, p. 106) afirma o mesmo, com as seguintes palavras: “Agora [já que a filosofia era a rainha das ciências (a filosofia abarcava a ciência), isto é, as ciências é que tinham que se definir junto a ela], desde que existe a verdade das ciências em um sentido antitético em relação à filosofia, coloca-se a tarefa de determinar de maneira nova a filosofia.” (Cf. também: OLIVEIRA, 1997, p. 44-46.).

[8] Ele ressalta o mesmo, de modo direto, sem uso da analogia com o peixe: “Essa [incompreensão reinante] se cifra no pre-conceito, segundo o qual se poderia avaliar a filosofia de acordo com os critérios vulgares, com que se decide da utilidade de bicicletas ou de banhos medicinais.” (HEIDEGGER, 1987, p. 42).

[9] Desde os gregos, pensar é fazer a diferença (HIEDEGGER, 2001).

[10] Aqui, Piper (2014), afirma ser momento de resistência, de, uma vez mais, não se deixar dominar pela tentação sempre presente de distorção da natureza do saber filosófico. Saber inútil, que ultrapassa o mundo do trabalho – do útil, não deixando o existir humano se reduzir a esse mundo do trabalho, mas sendo espaço para atos, como o amor, a poesia e a religião autênticas, aqueles que vão, que nos levam além do limiar do mundo do útil sem negá-lo, mas nele mesmo, nos levam a testemunhar seus limites no dizer e ser o existir humano. De onde vem a questão pela utilidade da filosofia? De que horizonte vem? Da filosofia mesma ou de um mundo sem filosofia? Se da filosofia, de um pseudofilósofo? Um filósofo de fato se faz essa pergunta ou essa pergunta só se faz, vem de um filósofo ou de uma filosofia que adere ao mundo do trabalho sem mais, responde a ele não filosoficamente, mas para se manter nele legitimado? “No fundo, está em pauta um desacordo perene.” (PIPER, 2014, p.15). Inutilidade e utilidade implicam, portanto, a questão por nós mesmos, pelo ser humano em seu começo como ser humano. Onde assentá-lo, no útil ou no inútil? Ou seja, no uso, por exemplo, de um sapato que é fabricado tão somente para um caminhar protegido ou, para além disso, no seu uso estético, lúdico: um sapato que, além de proteger, acende luzes coloridas?

[11] Na visão de Aristóteles, a ação humana por excelência (livro X, 1979).

[12] Tais como o de cair em buraco e ser motivo de riso (Tales de Mileto); ser visto como algo de extraordinário – fora da realidade ordinária (Heráclito se aquecendo próximo ao forno); não respeitar o extraordinário (Heráclito que brinca com as crianças no templo, quando deveria estar adorando aos deuses) (HEIDEGGER, 1998).