LIVROS
Peirce's Concept of Sign, GREENLEE, DOUGLAS
Appproaches to semiotics - paperback series nQ 5 - The Hague. Paris, Mouton, 1973. 140 páginas.
Lauro Frederico Barbosa da Silveira
O estudioso da semiótica de Peirce é sempre um explorador. Atraído pela riqueza contida nos Collected Papers é desafiado pela complexidade frequentemente obscura das propostas peirceanas, suas aparentes (senão reais) contradições, seus pressupostos, sua mistura de redundâncias e informações. Um estudo sistemático e crítico que se pretenda próximo ao texto, constitue-se num lugar de polêmica e confronto. O livro de Douglas Greenlee, salvo seu caráter acadêmico, convida a este posicionamento da parte do leitor.
O objeto da pesquisa é o levantamento dos predicados que caracterizam o conceito de signo na Teoria Geral dos Signos, teoria da qual Peirce foi um pioneiro e um dos poucos elaboradores. Numerosos sistemas existem sobre classes particulares de signos, e em especial dos signos linguísticos, mas uma fundamentação desenvolvida do signo enquanto tal tem na obra de Peirce um dos seus raros representantes.
O estudo se restringe às elaborações do pensador americano da viragem do século, mas toma a liberdade de divergir das mesmas' quando nelas encontra imperfeições.
Do mesmo modo, quando o pensador permite, através de distinções analíticas, tornar-se mais claro, estas distinções são feitas e passam a se incorparar às discussões sobre a teoria geral do signo.
O estatuto do signo peirceano é, explicitamente, o que importa a Greenlee, e os textos das referências comprovam a escolha. Problemas derivados dos fundamentos da teoria dos signos, que interessaram a Peirce pois constituiriam o instrumental de aplicação imediata à semiose, tais como as classificações dos signos e suas regras de formação, não se apresentam no texto de Greenlee como questões centrais.
Por não desconhecer a importância de tais questões, além da insuficiente referência às mesmas no interior da obra, merecem elas em Peirce's Concept of Sign um apêndice final, pouco crítico e extremamente sucinto. Sua redução a um papel secundário na preocupação· do estudioso, manifesta-se sobretudo· pela não discussão das regras de classificação dos correlatos da tríade peirceana, quando é sabido que estas regras, foram objeto de manifesta polêmica da parte do editor de Collected Papers que, em nota de rodapé, toma a iniciativa de invertê-las ao se referirem ao primeiro e ao terceiro correlatos.
O texto de Greenlee obedece, em sua divisão em capítulos, à análise dos três componentes básicos da tríade do signo. Emoldurados por uma introdução e um primeiro capítulo que expunham o campo da pesquisa e anunciavam a divisão da obra, e de uma rápida conclusão, o segundo capítulo expõe e discute as relações do signo consigo mesmo, levantando o problema do que caracteriza o signo como tal; o terceiro discute e critica a relação de objeto que seçundo Peirce é não só imprescindível mas de máxima importância para que um signo se institua; e o quarto c apítulo expõe as relações do interpretante.
À parte o interesse que mantém o relatório de uma leitura aplicada do conjunto dos textos do semÍólogos, dois pontos constituem a explícita contribuição do estudioso para aprimorar a elaboração peirceana: estabelecer uma distinção no emprego das categorias e, excluir do estatuto geral do signo as relações referenciais a objeto.
Salvo melhor juízo, o mérito destas duas propostas é bastante desigual; a primeira é esclarecedora e denuncia uma ambiguidade frequente no texto de Peirce, a segunda, porém, não diz respeito ao núcleo central da semiótica como parece desconhecer o estatuto da noção de objeto.
o emprego hipostático e o emprego fatorial das categorias:
O discurso peirceano se constrói nos seus mais diversos planos pelo emprego das categorias de primeiridade, secundidade e terceiridade.
Estabelecidas preliminarmente ao nível da Fenomenologia, constituem o instrumento analítico básico para descrever e ordenar os "fanera"; predicam as idéias; caracterizam os momentos do labor científico; regem a divisão e classificação dos signos; classificam as ciências normativas (Estética, Ética e Lógica); fundamentam a validade das operações lógicas traduzindo-se em princípios do sistema semiótico e fazendo daí derivarem regras operatórias.
Atribuídas a classes de objetos, caracterizam-nos ontologicamente. Assim, é primeiro a espontaneidade positiva, mera qualidade, liberdade; é segundo o existente em sua existência, os -pares em conflito, o agente e o reagente e é terda própria rede relacional que constitue o signo, predicam-se sob a categoria de primeiridade o em si, a possibilidade, a essência, o estático; sob a de secundidade o referido, o singular, o dinâmico e sob a de terceiridade, a generalidade, a interpretação, o mediato, a representação, o pragmático.
Deste modo, como se sabe, um terceiro genuino, como é o caso do signo, compreenderá relações, em diversos níveis, de primeiro (por exemplo: relação de representamen ) de segundo (por exemplo: relação de objeto) e de terceiro (por exemplo: relação de interpretante). De um existente, também, pode-se considerar a possibilidade nele implicada, ou qualidade, se sua existência não é tomada como relevante.
Se bem que num grande número de casos o emprego das categorias não prejudique o entendimento do texto peirceano, não só há algumas passagens em que a ausência de uma distinção explícita entre a atribuição ontológica e a atribuição funcional geram ambiguidade como, se esta distinção é suposta, clarifica-se o texto semiótico, manifestando-a.
Exercendo papel classificatório dos 'fanera quanto a seu modo de ser, Greenlee denomina as categorias de "categorias hipostáticas". Empregadas para distinguir as funções exercidas pelos signos, as categorias recebem o nome de "categorias fatoriais". Se bem que creiamos que devido ao fato das categorias se constituirem sempre em instrumentos operatórios, nunca apresentando em Peirce caráter transcendental - aí, a nosso ver, se manifestando a distância consciente de Peirce face a Kant e, até certo ponto" também face a ceiro o mediador, o pensamento e a lei enquanto esta é represenatção do pensamento.
Como recursos analíticos das relações funcionais dos signos, dos momentos do processo científico, das ciências entre si, Hegel -, a disposição de dois tipos de categorias força demasiadamente na leitura da semiótica, a distinção entre os usos (hipotético e fatorial) colabora efetivamente para uma melhor leitura do texto.
A interpretação como único atributo geral dos signos:
Apesar do interesse que nos parece haver no estabelecimento da distinção entre uso hipostático e uso fatorial das categorias, cremos deixar notar alguma reserva de nossa parte em aprofunda, -Ia ao ponto de reconhecer dois tipos de categorias. Um recurso �ógico de sistematização, tal como Pelrce compreendeu serem as categorias, assume para Greenlee uma dimensão reificante denunciando um enrijecimento de leitura tendente a insensibilizar o estudioso a toda a riqueza do pensamento presente nos Collected Papers.
Esta tendência reificante atinge dimensões inaceitáveis ao se opor à exigência peirceana de incluir no estatuto geral do signo a referência de objeto como condição necessária de sua constituição. Para Greenlee somente alguns signos referem-se a objetos e entre eles somente alguns caberiam na exigência semiótica da tríade genuína: aqueles que se referem a outros signos (legi-signos simbólicos) diferentes de si mesmos e que permitem sem degenerescência, cadeia infinita de interpretantes. Haveria signos sem referência a objeto e os signos que não estabelecendo cadeia infinita de interpretantes destituiriam seu objeto do estatuto sígnico.
O signo sem objeto, seria aquele que não mantém relação de exterioridade com coisa alguma. Seu significado somente seria dado por sua capacidade de interpretação determinada.
Os signos referentes a objetos concretos e mesmo a meras qualidades (índices e ícones) não determinariam cadeias infinitas de interpretantes.
Ora, é no processo da interpretação que o signo se constitue. A relação triádica não genuína, ou seja, a relação triádica em que os três correlatos não se constituam em terceiros genuinosseria, ao que tudo indica, uma relação truncada.
Deve-se convir que Greenlee carreia p ara sua argumentação inúmeros textos de Peirce, sobretudo no que diz respeito à insistência do terceiro correlato como mediador da relação de significação. Mas a afirmação da absoluta necessidade da relação de objeto, como relação a um segundo ou outro, por parte da semiótica exigiria maior atenção para ser rejeitada.
Do mesmo modo, se a tríade genuína - em que todos os correlatos são pensamentos - realiza na perfeição a instância do signo, a degenerescência ao incidir numa configuração sígnica manifesta mais uma capacidade não plenamente lização do que um truncamento.
Se o signo é de si sempre triádico não há por que opor-se à relação de objeto, pois a representação fundamentada na presença de uma mediação ( instância da interpretação) , se b em que analise o objeto como outro, não o reifica como coisa em si. É outro enquanto representado como distinto do signo como representamen, nada implicando que na relação limite, que é a relação de identidade, a alteridade lógico-analítica seja rejeitada. A distinção kantiana entre objeto e coisa em si era sobejamente conhecida de Peirce e a ingenuidade pré-crítica não parece ser em momento algum abraçada pelo pensador norte-americano.
O segundo - o outro - é um não
-Eu para o sujeito, mesmo quando, na Fenomenologia, mais se insiste nos aspectos fatuais.
Substituir a relação de objeto na tríade peirceana por uma primeira relação de interpretante, como pretende, em certo momento de seu livro, propor Greenlee, não só fere o texto de Peirce como, queira ou não, reduz a relação triádica a uma mera aparência. A relação de interpretante é sempre terceira e lógica, e não muda de "status" pela multiplicação numérica de signos determinados. O interpretante é pensamento, lei e mediação, haja quantos interpretantes houver. A relação de conflito, de oposição imediata, é condição para uma instância mediadora, ora o correlato do conflito é o objeto, seja ele sujeito de uma definição igual ou diferente do primeiro. Na tríade constitutiva do signo esta distinção está presente, mesmo que não implique em alteridade ontológica.
Ao propor uma tríade constituída de uma relação de meio (ou de representamen) e de duas relações de interpretante como quer Greenlee, cair-se-ia numa relação diádica e numa radical ambiguidade na compreensão da relação de mediação. Seria suficiente recorrer ao trabalho de Peirce sobre os grafos existenciais para denunciar a falsidade de tal proposta. É reveladora a total ausência de referência a este trabalho no livro de Greenlee.
Ao refletir sobre Peirce's Concept of Sign não se pode deixar de perceber uma tendência, malgrado a intenção do autor, de uma semiologia linguística, com sua díade signo-referência, assim como sentir a falta de uma consideração mais atenciosa à presença nem sempre explícita mas nunca irrelevante do pensamento de Kant na proposição de Peirce.