A Ideologia Pre / clara.
A PRODUÇÃO ISEBIANA[1]
A criação do ISEB: a perspectiva oficial.
Personagens secundários da vida política brasileira figuraram como atores centrais na criação e na extinção do Tnstituto Superior de Estudos Brasileiros ( ISEB). Café Filho e Ranieri Mazilli foram presidentes por "força das circunstâncias"; estas, decisivas - bem se sabe - nas direções que tomou o processo político nacional nestes últimos vinte anos. Talvez uma observação poderia ser feita: esses obscuros políticos, através dos decretos que assinavam, assumiam fundamentalmente os papéis de agentes de decisões que eram impostas por (novos) grupos sociais domin antes. Na criação do ISEB, em decorrência da necessidade do Estado de providenciar agências que racionalizassem o surto do desenvolvimento nacional; na extinção do Instituto, em virtude da consolidação de forças político-militares que julgavam a existência do ISEB como um desserviço à Nação”[2].
Postular o desenvolvimento nacional, e propugnar pela elaboração de uma ideologia capaz de promovê-lo e incentivá-lo não foi "mérito" exclusivo do presidente Juscelino Kubitschek. Reconheça-se que o ISEB alcançou sua plena vigência e habitat no período juscelinista, mas ressalte-se também que a temática da "teorização" do desenvolvimento, como preocupação governamental, já estava em gestação há algum tempo no interior da formação social brasileira[3].
Se a expressão Ideologia do desenvolvimento nunca aparece nos estatutos e regulamentos gerais do ISEB, em compensação, ela se constituirá praticamente no emblema e na "palavra de ordem" da Instituição, estando presente explicitamente na quase totalidade de suas publicações e em todas as suas definições de ordem programáticas. Segundo seus estatutos, as atividades do ISEB não deveriam ser confundidas com certos tipos de pragmatismos onde apenas se estipulam os objetivos práticos e imediatos a serem alcançados. Como em toda declaração de princípios que se preze, o Regulamento Geral do ISEB igualmente privilegiava a pesquisa e o trabalho teórico.
Assim estabelecia o artigo 19 daquele Regulamento: "O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (lSEB) (... ) é um centro permanente de altos estudos políticos e sociais de nível pós-universitário que tem por finalidade o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais notadamente da Sociologia, da História, da Economia e da Política, especialmente para o fim de aplicar as categorias e os dados dessas ciências à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira visando a elaboração de instrumentos teóricos que permitam o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional[4].
No discurso que proferiu por ocasião da solenidade do encerramento do Curso Regular de 1956, quando da diplomação dos primeiros estagiários do ISEB, o presidente Juscelino Kubitschek[5] definia a tarefa da Instituição como sendo a de "formar uma mentalidade, um espírito, uma atmosfera de inteligência para o desenvolvimento". Enfatizando sempre a esfera do teórico como a contribuição fundamental a ser desenvolvidas pelos isebianos, diria ainda: "Vós sois os combatentes do desenvolvimento no plano da inteligência (... ) vossa tarefa de catecúmenos do grande Brasil será mais árdua e mais perigosa porque lutareis com argumentadores, com finos representantes da decadência, com gente de recursos". Mas, dirá Juscelino Kubitschek, na medida em que se combate pelo desenvolvimento - e este é o "bom combate" uma vez que os mais autênticos interesses nacionais ali estavam representados - "a vossa inteligência se ampara na realidade que é, finalmente, invencível”[6].
Na mesma ocasião falou o Ministro de Estado (MEC), Clóvis Salgado, assinalando que o ISEB se propunha "precisamente (... ) a secundar os esforços de V. Exa. [presidente Juscelino Kubitschek] para levar adiante este nosso grande e amado país[7]". As declarações do Ministro não deixam margem a dúvida sobre as intenções governamentais: fazer do ISEB um núcleo que assessorasse e apoiasse a política econômica ( Plano de Metas) definida pelo governo Juscelino Kubitschek.
Ainda enfatizando a vocação teorizante que se pretendia imprimir às atividades isebianas, J. Kubitschek lembrava que os estudos ali se faziam "com métodos científicos e racionais, sem preconceitos ou sectarismos. Mais do que uma tribuna brilhante, o ISEB quer ser um laboratório de pesquisas da realidade brasileira, visando conhecê-la e dar direção feliz ao processo do seu desenvolvimento. Sua única bandeira é o amor ao Brasil[8].
Produção científica e pesquisa teórica, sim - desde que estivessem subordinadas ao projeto do desenvolvimento nacional; contudo, não se permitirá em momento algum que se nomeie, nas formulações oficiais, o vocábulo ideologia certamente em virtude de algumas de suas significações, tinterpretadas como "inconvenientes". Não se poderia admitir que o Estado - "representante da Nação", "conciliador das disputas e das tensões sociais", "mantenedor da ordem e da harmonia social", "promotor do bem estar coletivo" - promovesse ideologias. Para o pensamento oficial, as ideologias, quaisquer que sejam seus matizes, carregam consigo estigmas e marcas detestáveis - parcialidade, desarmonia, luta social.
Na prática, porém, aceita-se que uma Instituição criada pelo Estado promova uma ideologia determinada. Pelo menos duas razões justificariam esta aparente contradição: conforme rezava seu estatuto, o ISEB - apesar de estar diretamente subordinado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) - tinha " autonomia e plena liberdade de pesquisa, de opinião e de cátedra". Esta relativa autonomia da Instituição permitiria, pois, ao Estado não se comprometer com determinadas posições e direções que o ISEB porventura viesse a assumir; com a criação e difusão de ideologias, por exemplo.
Contudo, a razão fundamental que explicaria a "permissividade ideológica" por parte do aparelho estatal prenderse-ia ao fato de que a ideologia patrocinada pelo ISEB representaria os "interesses gerais" da Nação. Superados, pois, estariam todos aqueles estigmas que tradicionalmente vêm colados às ideologias. Para o pensamento oficial, com a ideologia do desenvolvimento nacional ter-se-ia constituído um caso modelar: a ideologia não-ideológica ou, em outra versão, a ideologia "acima de qualquer suspeita".
Talvez não tenha existido nenhuma instituição cultural que mais tenha negado radicalmente a tese do "fim" ou "declínio" das ideologias no mundo atual do que o ISEB.
Embora nunca se refiram às análises (e, às vezes, "profecias" ) de cientistas políticos e sociólogos, tais como D. BelI, R. Aron, S. Lipset, M. Duverger e outros que imaginariam tanto a existência de um processo de "desideologização" quanto a de um crescente amortecimento da consciência política na "sociedade industrial" e "tecnocrática", os isebianos[9] afirmam que, no âmbito dos países que ingressam no processo do desenvolvimento, vige em toda a sua plenitude o momento político e ideológico. Nas palavras de R. Corbisier: "não acredito que estejamos vivendo uma fase literária da nossa história; parece-me, ao contrário, que estamos vivendo uma fase eminentemente política e ideológica"[10].
G. Ramos, por sua vez, na linha de negação (implícita) da tese do "fim das ideologias", denuncia como improcedentes as conclusões daqueles autores estrangeiros na medida em que "as ideologias existem e sempre existirão necessariamente em qualquer sociedade, porque é inconcebível que o pensamento e a conduta do homem possam superar suas limitações históricas e sociais"[11].
Dirá Vieira Pinto que as análises daqueles cientistas políticos se explicariam em função das categorias e "formas de pensamento" metropolitanas de que se utilizam, incapazes, todas elas, de captar a realidade histórica das nações subdesenvolvidas[12]. No interior das formações sociais, ditas subdesenvolvidas - argumentam os isebianos -, as ideologias nem teriam sido superadas, nem estariam em "declínio". Muito pelo contrário, caberia, isto sim, forjar novas ideologias.
Vieira Pinto, sintetizando as formulações de vários isebianos, assim definia as tarefas e o programa da Instituição: "a ideologia deve surgir da meditação de um grupo de sociólogos, economistas e políticos que, superando o plano restrito de suas especialidades, se alcem ao pensar filosófico, por via da compreensão das categorias reais que configuram o processo histórico e acompanham o projeto de modificação das estruturas fundamentais da n ação. (... ) "[13].
A necessidade de forjar uma ideologia que promovesse e incentivasse o desenvolvimento - presente em todos os "isebianos históricos" - explicar-se-ia em função das possibilidades contidas no atual processo histórico das nações subdesenvolvidas onde já teriam instalado efetivas condições para aquele processo de desenvolvimento.[14] Muito longe da arbitrariedade e do idealismo estaria o projeto isebiano, afirmam estes pensadores. Segundo eles, a ideologia do desenvolvimento é necessária porque num dado momento se tornou possível constituí-la.[15]
Numa perspectiva muito próxima à das teses da Sociologia do Conhecimento, afirmam os autores do ISEB que a consciência crítica só tem sua gênese nos países subdesenvolvidos quando ali se efetivam transformações em suas estruturas básicas. A ruptura com a consciência ingênua se torna possível, diz Vieira Pinto, porque "cedo ou tarde o país atrasado sofre alteraçeõs da estrutura material em conseqüência quase sempre da instalação de dispositivos de dominação externa destinados a melhor explorá-lo, que acabam por sugerir a um ou outro indivíduo a transformação da consciência que conduz à meditação crítica sobre a realidade"[16].
Para Guerreiro Ramos estas "alterações da estrutura material" que permitirão a emergência da consciência crítica são basicamente três: "a industrialização e duas de suas conseqüências, a urbanização e as alterações do consumo popular"[17]. Roland Corbisier assinala que "vários fatores, e não apenas os de ordem ideal, contribuem para provocar o advento da consciência crítica": 1) as guerras; 2) as crises resultantes de perturbações internas ou de repercussões das crises internacionais na vida do país;
3) a desagregação das instituições locais; 4) as novas relações econômicas e culturais[18].
Na base destas formulações está a aceitação de que no subdesenvolvimento
- ocorrendo aquilo que Nurske denominou de "círculo vicioso da pobreza" ( ou ainda, no truísmo cunhado por Myrdall: "um país é pobre porque é pobre") - a consciência não pode ser senão "inerte, passiva e conformada"[19]. Não há, como assinalou C. Mendes, um real comportamento ideológico ( superador, transformador) por parte da colônia[20], mas, sim, a presença de ideologias imobilistas.
As ideologias imobilistas, presentes na estrutura colonial ou na situação de subdesenvolvimento em estagnação, reproduzem no nível do pensamento e da ação as condições que determinam as estruturas coloniais ou subdesenvolvidas. Se, como diz R. Corbisier, "na colônia tudo é colonial", as ideologias presentes na estrutura colonial não podem ser senão colonialistas ou colonizadoras; ou ainda, a colônia nunca poderá ter projeto próprio devendo se conformar com seu estado de subserviência[21] e de dependência[22].
Porém, instaladas alterações nas estruturas materiais do país e rompido o complexo colonial, pode-se então forjar uma ideologia que sustente e incentive o desenvolvimento incipiente. Ainda nas palavras de R. Corbisier: "resultando de um projeto ou da integração de inúmeros projetos conscientes e racionais, o desenvolvimento nacional requer, para que se possa realizar ordenada e não caoticamente, com o máximo aproveitamento dos recursos disponíveis, um planejamento global cuja elaboração implica a formulação prévia de uma ideologia". Mais adiante, associando V. Lenin e V. Pinto, sintetizaria um dos slogans isebianos do desenvolvimento; "não haverá desenvolvimento sem a formulação prévia de uma ideologia do desenvolvimento nacional"[23].
Segundo o pensamento dos isebianos, as transformações ocorridas no interior da estrutura semicolonial (ou subdesenvolvida) - e que permitem a emergência da consciência crítica - não a conduzirão necessariamente para o estágio superior do desenvolvimento. Só a ideologia do desenvolvimento permitirá que aquelas mudanças assumam a feição de processo (onde haja clareza e precisão acerca das metas e fins visados) conduzindo, promovendo e incentivandQ um desenvolvimento nacional integrado, harmonioso e sem grandes disparidades internas[24]. Sem ideologia do desenvolvimento poderá haver, quando muito, mero crescimento quantitativo, mas que não beneficiará a Nação como uma totalidade.
Como as modificações da realidade material teriam tornado possível o afloramento da consciência crítica e na medida em que se teria colocado a crucial questão da urgência e imperiosa necessidade de se impulsionar e dirigir o processo de desenvolvimento - caso contrário, como afirmava R. Corbisier[25] o país poderia, numa conseqüência catastrófica, "retrogradar a uma estrutura colonial" - destituídas de sentido seriam todas aqueias críticas que denomin avam o projeto de criação da ideologia do desenvolvimento (essa construção ante factum, como acima observamos) de arbitrário e idealista.
Assim, para os isebianos, a arbitrariedade e o idealismo jamais se constituiriam em marcas do projeto de criação ideológica na medida em que as condições então presentes e os reclamos objetivos da Nação subdesenvolvida tornariam não só possível um real comportamento ideológico, como imporiam a necessidade da elaboração duma ideologia determinada: a do desenvolvimento nacional.
Depreende-se dessas considerações que nem a toda ideologia estaria garantido o privilégio de produzir, incentivar o processo de desenvolvimento: a ideologia do desenvolvimento nacional deveria ter marcas essenciais. No trabalho de construção dessa ideologia, a noção de autenticidade desempenharia um papel fundamental.
As concepções acerca da natureza da autenticidade ideológica apresentam algumas distinções entre os vários isebianos. A rigor, poderíamos dizer que, de um lado, agrupam-se H. Jaguaribe, R. Corbisier, C. Mendes e G. Ramos e, de outro, Vieira Pinto.
J aguaribe distingue as ideologias do ponto de vista da sua representatividade e da sua autenticidade. Segundo este autor "é representativa a ideologia que constitui a formulação correspondente aos interesses situacionais da classe ou grupo que a sustenta". Mais adiante, explicitará o critério que permite reconhecer esta representatividade das ideologias: "o que torna uma ideologia representativa é a conexão lógica e 'factual' entre a classe que a sustenta e as formulações que ela indica". Como Jaguaribe aceita que existem classes com distintos interesses situacionais, é de se esperar, pois, que as respectivas formulações ideológicas das classes ou, como diz H. Jaguaribe, suas "crenças adjetivas" também o sejam. Ocorre que nem sempre as aspirações sociais de uma classe correspondem aos seus interesses reais objetivos. Nestes casos, as classes passam a ser "vítimas da própria ideologia, perdendo a oportunidade de organizar em função dela a sociedade a que pertencem"[26]. Portanto, a representatividade não está de imediato garantida, embora o autor nunca se preocupe em indicar quais seriam os fatores que determinam a falsa representatividade das ideologias; nem discute, por exemplo, se as aspirações sociais equivocadas de uma classe seriam explicadas a partir da dominação de certas ideologias sobre outras - mediante o processo da luta ideológica - no interior da formação social. De outro lado, diz H. Jaguaribe, são autênticas as ideologias que, "sejam quais forem os interesses situacionais que representem, formulem para a comunidade como um todo, critérios e diretrizes que a encaminham no sentido de seu processo faseológico, ou seja que permitam o melhor aproveitamento das condições naturais da comunidade, em função dos valores predominantes na civilização a que pertence"[27].
Como entende H. Jaguaribe este processo faseológico ou fase[28]1 Para ele, diversamente da época (etapa do processo histórico-social de uma cultura ou civilização), a fase se constitui na etapa do processo histórico de uma comunida- · de. Diz H. Jaguaribe: "a etapa em que se encontra a comunidade brasileira (... ) embora concomitantemente em relação à época, à etapa em que se encontra a comunidade norte-americana, apresenta uma diferenciação faseológica". Mais adiante aduz: "a fase é a etapa da evolução do desenvolvimento duma comunidade em função dos seus próprios eixos e se caracteriza por uma determinada estrutura-tipo"[29].
Ora, na estrutura-tipo (que H. J<1guaribe nunca chega a determinar rigorosamente qual seja) da nação brasi: e;ra, vive-se em toda sua extensão a cj2se da transformação, caracterizada pela enérgica e acentuada propensão ao desenvolvimentoto"[30]. E o que confere ao Brasil uma poslçao privilegiada após 1930 é o fato de que a linha de maior representatividade ideológica para todas as classes sociais ( com exceção, em cada uma delas, dos "setores arcáicos" vinculados às estruturas semi-colonais) corponde também à linha de maior autenticidade histórica. Ou seja, os setores dominantes de todas classes sociais[31] têm os mesmos interesses situacionais (a transformação social ou o desenvolvimento) e estes interesses situacionais, por sua vez, coincidem com as necessidades objetivas de todo o país (a expansão e modernização das suas forças ma.., teriais de produção).
Coincidência "feliz" esta em que as ideologias representativas cle diversas classes sociais não entram em conflitos; e mais ainda, que esta unidade ideológica corresponda às necessidades "faseológicas" da comunidade nacional.
Segundo H. Jaguaribe, a ideologia do desenvolvimento realiza concretamente esta coincidência, pois não só é representativa de todas as classes, como possibilita efetivamente a promoção do desenvolvimento - necessidade objetivamente inscrita no interior da comunidade no sentido progressivo da realização do seu "processo faseológico".
Em poucas palavras, ao se formular a ideologia do desenvolvimento nacional, deve-se atentar para o fato de que ela seja simultaneamente 'representativa e autêntica; ou seja, deve representar concretamente os interesses situacionais ( então convergentes) das diversas classes que compõem a "comunidade nacional".
Devemos assinalar que as formulações acima, onde se estabelecem os critérios para a construção e o reconhecimento da ideologia ( autêntica) do desenvolvimento, não encontram a mesma explicitação em outros autores isebianos. Mas, há, tanto em C. Mendes como em R. Corbisier e G. Ramos, a aceitação tácita da categoria do processo faseológico - tal como foi sugerida por F. MüllerLyer - como referência teórica fundamental para se pensar a criação da ideologia. Não se utilizam das distinções feitas por H. Jaguaribe - "representividade e autenticidade" - mas as têm como pressupostos básicos em suas respectivas elaborações[32].
Apesar de não se poder dizer que haja fundamental desacordo entre as posições daqueles autores e as de Vieira Pinto, este vai formular a sua concepção de ideologia autêntica numa outra direção. Vieira Pinto não se utiliza das especiosas categorias utilizadas por G. Ramos/ H. Jaguaribe, mas reconhece também que haveria "interesses situacionais" coincidentes dos diversos grupos que compõem a "comunidade nacional" e que estes são os do próprio desenvolvimento da Nação.
O que distingue, porém, a posição de Vieira Pinto acerca dos critérios para a constituição da ideologia autêntica é a afirmação segundo a qual esta deve ser extraída da consciência das massas trabalhadoras, pois são estas "que impõem exigência de desenvolver-se o país"[33]. A ideologia do desenvolvimento somente será legítima ou autêntica, entende Vieira Pinto, quando exprimir a consciência das massas, revelando suas aspirações, num projeto que não é imposto a elas, mas que procede delas[34].
Em Ideologia e Desenvolvimento Nacional três teses de caráter normativo são enunciadas: 1) "a ideologia do desenvolvimento tem necessariamente de ser fenômeno de massas";
2) "o processo de desenvolvimento é função da consciência das massas";
3) "a ideologia do desenvolvimento tem de proceder da consciência das massas"[35].
A ideologia do desenvolvimento só pode proceder da consciência das massas pois são estas as que, em última instância, mais interesses têm no processo de desenvolvimento e, igualmente, porque são elas que podem revelar as direções objetivas desse mesmo processo.
Quem garante que a consciência das massas sej a verídica, posto que - freqüentemente assinala Vieira Pinto - não há neste seu privilegiamento nenhuma exaltação "mística", nem tampouco " afeição ou simpatia moral exterior" pelas classes trabalhadoras?[36]
Aqui se faz necessário introduzir uma noção central em seu pensamento: o conceito de trabalho ou de prática - como ele mesmo às vezes identifica no decorrer de seus escritos: "o caráter necessariamente transfigurador do trabalho é a via de acesso à realidade. Por ele o mundo se abre à consciência (... ) não há outro modo de captar o real senão introduzir-se na sua mobilidade, esposando-lhe a dinâmica"[37]. No trabalhador se realiza, mais do que em ninguém, a transmutação da consciência (de ingênua a crítica ) como conseqüência do movimento de transformação da realidade material operada por sua atividade propulsora do processo do desenvolvimento. À medida que evolui este processo · - como efeito do aprimoramento das técnicas de produção[38] mais esClarecidas se tornam as suas representações da realidade. "O fato decisjvo é a nova consciência que se instala na massa e toma os delineamentos do pensar crítico, em conseqüência do desenrolar, do processo de crescimento nacional, tendo por fator causal a modalidade superior de trabalho"[39].
O trabalho é, pois, fator essencial, rião só da transformação da realidade material, como também da consciência. Fica advertido, assim, que não se trata de uma consciência qualquer, mas, sim, da consciência daqueles que realizam efetivamente as atividades de transforrÍlação, bem como daqueles que se identificam com o ponto de vista da classe trabalhadora ( certas camadas de intelectuais).
Sintetizando o caminho através do qual se elabora a ideologia do desenvolvimento; dirá Vieira Pinto: "a ideologia de que necessita a sociedade subdesenvolvida será transformadora se for autêntica, e só' será tal se surgir de uma consciência que represente veridicamente o real; esta, por sua vez, só terá essa qualidade se tiver sido configurada na prática, a qual (... ) se define fundamentalmente como trabalho"[40].
Reconhecerá Vieira Pinto que as representações da consciência trabalhadora não surgem coerentes, unificadas e sistematizadas através dum aparato lógico-conceitual. As massas forneceriam como que a "matéria prima" aos pensadores (filósofos ou sociólogos incorporados ao ponto de vista coletivo)[41] aos quais, caberia ordená-la e explicitála, dando-lhe um corpo lógico. Assinala Vieira Pinto que esta tarefa da intelectualidade participante se justificaria ainda mais pela circunstância de que - nos primeiros momentos do desenvolvimento - as representações verídicas das massas correm o risco de "contaminação" pois afloram num "espaço ideológico constituído" (onde persistem ideologias comprometidas com a antiga ordem). Daí, muitas vezes, as massas nesse contexto se comportarem de forma equívoca e incoerente. Torna-se, então, tarefa do pensador, não comprometido com as "ideologias arcáicas", "aguçar a sensibilidade p ara discernir e captar quanto haja de autêntico nesses prenúncios ideológicos difusos no pensamento como em qualquer outra forma de comportamento popular"[42]
Dentro destes limites fica, pois, justificada a atividade dos teóricos e pensadores dos países subdesenvolvidos. Como já tivemos a ocasião de mostrar, estes são convocados à urgente tarefa de forjar a teoria e a ideologia do desenvolvimento nacional. Mas que. se tenha bem presente: ao contrário dum projeto de cunho totalitário ou fascistizante que pretenda conceder ou impor às massas uma "consciência" ou um "ideário"[43], os pensadores dos países periféricos deverão apropriar-se das representações da consciência popular. Nas p alavras de Vieira Pinto: "o que compete aos sociólogos [em outros momentos acrescenta: filósofos e pensadores em geral] na ordem teórica e aos políticos na ordem prática, é fazerem-se arautos dessa verdade [a verdade sobre a situação nacional presente na consciência das massas], recolhê-la nas suas legítimas origens e interpretá-la com o auxílio do instrumento lógico-categorial que devem possuir, sem distorcê-la, sem violentá-la, sem mistificá-la"[44]
Aqui estí configurada a tarefa isebiana, segundo a visão de Vieira Pinto: explicitar, a partir das categorias "induzidas do processo histórico nacional", o que jã está implícito no interior da consciência das massas. E não se deve confundir a difusão ou divulgação dessa ideologia com a simples "propaganda" ( através das conotações que tradicionalmente a esta noção se associam). Assim, na medida em que a ideologia do desenvolvimento nada mais seria do que a organização, a ordenação, a sistematização das representações vividas pela consciência das massas trabalhadoras no ato da produção material, estas não fariam outra coisa senão reconhecer nas elaborações dos ideólogos do desenvolvimento os seus próprios pensamentos, formulações e formas de sentir. "A transmissão da ideologia" passa então a ser "obra de sua verdade interior que não é senão a sua concordância com a realidade e a viabilidade do projeto a que conduz. A persuasão que possui decorre dessa verdade e não é obtida por artifícios psicológicos, muito menos pela coação. Ao ser reconhecida pela consciência das massas com o autêntico pensamento de que careciam para exprimir se'l projeto de existência, a ideologia assume automaticamente caráter operatório (... )"[45].
Será justamente em virtude do lugar que a noção de massas trabalhadoras ocupa em seu pensamento que Vieira Pinto se distinguirá dos demais isebianos quanto à questão da difusão e do comando ideológico do processo do desenvolvimento nacional. Neste sentido, tomamos as formulações de H. Jaguaribe como representativas daquelas também postuladas por C. Mendes, R. Corbisier e G. Ramos[46]
Se a ideologia do desenvolvimento é, em Vieira Pinto, o "pensamento natural" das camadas populares, em H. Jaguaribe, por exemplo, são estas que devem "ser conquistadas" para o desenvolvimento através da "política ideológica" comandada pela burguesia industrial. Daí H. Jaguaribe insistir no tema da "educação e organização ideológica" das massas como condição para a consolidação do desenvolvimento econômico, enquanto em Vieira Pinto a exigência do desenvolvimento nunca vem "de fora" nem é estranha às massas.
Vieira Pinto não ignora a "necessidade da divulgação persuasiva, do proselitismo consciente e esclarecido" por parte dos "ideólogos". Contudo, isto não seria condenável desde que se " apóie na certeza de se estar dizendo às massas aquilo que exprime o próprio ponto de vista delas e que, porisso, só precisa ser conhecido para ser reconhecido"[47]. É preciso, pois, afirma, compreender que, se por um lado, a ideologia não deve ser matéria da pura propaganda como o corre em certos "regimes políticos totalitários", por outra parte, ela correrá o risco de ser "pura elaboração teórica" se estiver reduzida ao pequeno círculo de intelectuais.
Para H. Jaguaribe, G. Ramos, C. Mendes e R. Corbisier a perspectiva é outra. Nas palavras do primeiro: "(... ) na medida em que a ação empreendedora dos homens representativos do processo de desenvolvimento econômico (burguesia industrial) alargue ideológicamente a propaganda do desenvolvimento, estabeleçam contactos com as grandes massas e lhes mostre a dependência que existe entre o processo de desenvolvimento e a elevação de seu nível de vida... " (47) criar-se-ão condições para organizar-se nova forma de Estado "funcionalizando-o" para as tarefas do desenvolvimento. Não são as massas que comandam, mas são comandadas; não detêm o conhecimento objetivo de seus próprios interesses, devem, isto sim, ser "conscientizadas" através da "política ideológica" dirigida por grupos "mais esclarecidos" e melhor preparados material e intelectualmente.
Ressaltemos, porém, que entre o "populismo" de Vieira Pinto e o "neobismarismo" de H. Jaguaribe, as diferenças, a nosso ver, se atenuam principalmente quando se tem em conta que ambos postulam o desenvolvimento econômico como tendo de convergir necessariamente para a definitiva consolidação do capitalismo avançado na periferia.
Se em Vieira Pinto a ideologia do desenvolvimento é a bandeira das "massas populares", não se pode inferir daí que a organização da sociedade deverá se fazer a partir dos interesses específicos da classe proletária, pois, esclarece o autor, "não há que confuidir o conceito de ideologia do desenvolvimento tal como apresentamos, com quaisquer formas de partidarismo politico. São coisas radicalmente diferentes. Não se trata aqui de defender nenhum interesse em particular ou de grupo, mas de exprimir o interesse geral da sociedade brasileira, em suma o interesse nacional"[48]
Para nós, a conseqüência de ambas as perspectivas - a de H. Jaguaribe e a de Vieira Pinto - não pode ser outra: tomar as classes trabalhadoras como "massas de manobras" posto que deviam ser elas comandadas ou "esclarecidas", ora pelas burguesias empreendedoras (de fatura "nacionalista" ) ora pelas elites intelectuais acometidas da enfermidade da consciência culposa. Em ambas as perspectivas, pois, jamais era contemplada a possibilidade das classes subalternas imporem à totalidade social a sua hegemonia e - através de aparelhos e organizações políticas autônomos - propugnarem por um (e defenderem a realização de) modelo de desenvolvimento (econômico, social e político ) diverso e/ou antagônico àquele que concebia a Revolução mediante a consolidação e avanço do capitalismo nas área:; ditas "periféricas".
Constituir tais questões como problemas implicaria na tematização das relações existentes entre ideologias diversa:; e, no limite, na discussão da questão do dominação de uma ideologia sobre a outra no interior da formação social; em outras palavras, ter-se-ia que enfrentar o problema da luta de classes na ideologia.
Pensar tais questões ou comprometerse com uma linha de análise nessa direção não se constituía num risco qualquer: seria a própria hegemonia da ideologia nacional-desenvolvimentista que estaria definitivamente arruinada e, por conseguinte, as práticas políticas que procuravam concretizá-la no nível da formação social.
Deve-se assinar, contudo, que tais impasses e limites não podem ser imputados apenas à Instituição aqui analisada. Influenciados ou não pelas ideologias difundidas pelo ISEB, organizações, movimentos e partidos ( alguns destes autointitulados de populares ou proletários ), assim como uma ponderável parcela da intelectualidade "progressista", não conseguiram romper com a espessa camada de significações impostas pelas classes dominantes na década de 50 e no início dos anos 60.
Mais grave do que isso: num ventriloquismo infernal, tais organizações e seus respectivos ideólogos sempre procuraram falar pelas classes trabalhadora bem como interpretar e defender seus interesses e aspirações. Porta-vozes das falácias desenvolvimentistas (49), freqüentemente postulavam para essas camadas soluções conciliadoras e reformistas, postergando, assim, para um futuro incerto - em nome de prudentes e cautelosas " estratégias" - a resolução das contradições fundamentais.
Contudo, nesse mesmo período de nossa vida política, outras forças e instituições começavam a articular-se e mover-se no interior da formação social brasileira com propósitos bem definidos. Estas mesmas forças - ao contrário de instituições com o ISEB - bem souberam, mediante práticas e ações adequadas, alcançar os objetivos a que se propunham. Entre outros, a extinção de movimentos e instituições que ameaçavam romper com o tutelamento político-ideoideológico do Estado. Nos primeiros dias de abril de 1964 organizações e instituições conhecidas nesta fase da vida brasileira como "progressistas"[49] eram postas "fora da lei".
A partir deste ano o processo político nacional vai assistir ao "colapso" de algumas práticas políticas e ideológicas. Contudo, tal como os fantasmas da literatura mágica que assustam e fascinam os pobres mortais, o nacionalismo-desenvolvimentista continuará, nos anos recentes, a povoar as mentes e o pensamento de políticos e intelectuais. Afinal, livre é a imaginação apesar de (todos ) os azares e pesares...
[1] O presente artigo constitui-se, em suas linhas fundamentais, no capo 1 do livro A ideologia nacional-desenvolvimentista.. Ed. Ática, SP (no prelo).
[2] O ISEB foi criado por Café Filho no ctia 14 de julho de 1955 e posto "fora da lei" logo nos primeiros dia8 de abril de 1 964, através de decreto assinado pelo pessedista Ranieri Mazilli.
[3] Uma tentativa de ordenação das diversas fases da "ideologia do desenvolvimento" no Brasil foi esboçada por Guilherme, W. - Desenvolvimentismo: ideologia dominante, Revista Tempo B1·asileiro. N. 2, dez. 1962; pgs. 155-192. Ainda neste artigo, a partir do material levantado por Nícia V. Luz - Luta pela industrialização no Brasil -, o autor assinala as primeiras manifestações ideológicas em defesa da industrialização no Brasil, ocorridas antes de 1930, por parte de setores públicos e privados.
[4] Regulamento Geral do ISEB - Decreto n� 37. 068; 14/07/55. Lex; Marginália. p. 241-244. 1955.
[5] Kubitschek, J. et alii - Discursos. Rio, ISEB, 1957. p. 48.
[6] idem - ibidem, p. 50.
[7] Salgado, C. - ibidem, p. 41 ( grifo nesso ).
[8] Kubitschek, J. et alii - op. cit., p. 43.
[9] Referimo-nos fundamentalmente àqueles que denominamos de "isebianos históricos" (Alvaro Vieira Pinto, Roland Corbisier, Hélio Jaguaribe, Cândido Antônio Mendes de Almeida e Alberto Guerreiro Ramos).
[10] Corbisier, R. - Discurso do prof. Roland Corbisier. In: Kubitschek, J. et alii - op. cit., p. 11.
[11] Ramos, G. - Ideologias e Segurança Nacional. Rio, ISEB, 1957. p. 14. Não sendo interesse do presente artigo examinar as mudanças de perspectivas teóricas dos autores analisados, posteriormente à "fase isebiana", deixamos de comentar as (novas) posições (ideológicas) no tocante à concepção da ideologia, formulada pelo mesmo autor numa obra mais recente (Mito e verdade da revolução brasileira, Rio, Zahar, 1963). Assinale-se, porém que o mencionado sociólogo nessa obra adota, explicitamante, as teses de D. Bel! autor de The End of Ideology.
[12] Para Vieira Pinto nos países desenvolvidos as elites intelectuais não deixariam de criar ideologias, mas estas, em geral, são ingênuas, descomprometidas, pois não se propõem a transformar mais nada. Elas vão, assim, desde as mais razoáveis lucubrações "aos simples devaneios metafísicos". Não sente, esclarece, "a maioria deles (filósofos e pensadores das culturas dominantes) a necessidade de produzir a ideologia como instrumento de transformação da realidade de que participam; com efeito, para eles não há essa tarefa". Cf. Vieira Pinto - Consciência e Realidade Nacional. voI. I, Rio, ISEB, 1960, p. 64.
[13] idem - CRN, I, p. 49.
[14] Na linguagem dos isebianos, não se encontra o eufemismo "nações em desenvolvimento" plenamente utilizado na literatura sociológica "metropolitana". Fala-se em subdesenvolvimento confundido freqüentemente com a noção de semi-colonialismo. Mas, em países como o Brasil, não mais se viveria o subdesenvolvimento tout court, pois, aqui já teriam sido instaladas as condições para o processo de desenvolvimento.
[15] Assim, na medida em que exigidas pelas condições históricas e sociais dos países subdesenvolvidos, determinadas ideologias deixariam de ser simplesmente fenômenos post factum. Na figura da ideologia do desenvolvimento teríamos o caso típico e singular da construção ante factum.
[16] idem - CRN, I, p. 92; v. tb. I, p. 107.
[17] Ramos, G. - op. cit., p. 65. O mesmo Ramos, dirá, num outro trabalho, que houve manifestações isoladas de consciência crítica no Brasil antes de 1930 (Mauá, S. Romeiro, Alberto Torres, Pandiá Calógeras); mas terão sido sempre momentos esporádicos. Afirma: " (... ) A consciência crítica duma nação é também produto histórico. Só surge quando é historicamente necessária. Quando a nação já possui as condições que lhe permitem apoderar-se do seu destino". Ramos, G - A Problemática da Realidade Brasileira, p. 31. In: Introdução aos problemas do Brasil. Rio, ISEB, 1956.
[18] Corbisier, R. - Formação e Problemada Cultura Brasileira. Rio, ISEB, 1960.
[19] Vieira Pinto - CRN, I, p. 90.
[20] Não se constitui para a colônia a tríade opção, projeto, processo. V. Mendes, C. - Nacionalismo di Desenvolvimento. Rio, Ibeaa, 1963, p. 124-154.
[21] Os conceitos de alienação, destino, inautenticidade, heteronomia etc., frequentemente utilizados pelos isebianos para expressar esta situação colonial, são objetos de análise em outra parte de nosso livro.
[22] O conceito de dependéncia, amplmente empregado pelos isebianos para caracterizar as relações "colônia x metrópole", parece provir do estudo de Balandier, G. - Sociologie de la depéndence; citado frequentemente por G. Ramos e R. Corbisier.
[23] Corbisier, R. - FPCB, p. 87. (grifos nossos).
[24] Para C. Mendes a categoria de proce880 é fundamental: "o caráter de processo do movimento emancipador (... ) assegura o encadeamento orgânico das iniciativas integrantes de cada fase e a necessária sucessão destas, de que depende a vigência final do projeto" ( do desenvolvimento). v. Mendes, C. - op. cit., p. 111. Sem uma perfeita integração das fases - a partir de uma rigorosa escala de prioridades das tarefas do desenvolvimento - haverá sempre o risco de se provocar a ruína do projeto.
[25] Corbisier, R. - FPCB. p. 49. A alternativa radical: desenvolvimento econômico x regressão à estrutura colonial foi posta por H. Jaguaribe (citado por R. C.).
[26] Jaguaribe, H. - o Nacionalismo na atualidade b1'asileira, Rio de Janeiro, ISEB, p. 49.
[27] Idem - ibidem. Loc. cito (grifos nossos). Os adeptos da geopolítica nativa têm em H. Jaguaribe um dos seus mais refinados ideólogos.
[28] Tanto a noção de fase (ou processo faseológico) como a de época provêm de F. Carl Muller-Lyer, sociólogo alemão que teria tido decisiva influência no pensamento de K. Mannheim conforme faz notar Guerreiro Ramos em A Redução Sociológica, p. 107.
[29] Estruturar-tipo é, para H. Jaguaribe, o resultado do intercondicionamento de quatro planos estruturais: o das relações econômicas, o das relações sociais, o das relações políticas e o das culturais. Parece não haver dominância de uma estrutura sobre a outra, mas, sim correlações recíprocas. Exemplos de estruturas-tipos: estrutura-tipo colonial; semi-colonial; capitalista. v. Jaguaribe, H. – Condições InstUucionais do Desenvolvimento. Rio, ISEB, 1958, p. 13.
[30] Mas que fique claro - apesar dos textos citados não terem esclarecido o sentido rigoroso dessa fase de transformação: o processo faseológico brasileiro - sendo definido em última instância pelos valores predominantes na Civilização (ocidental) a que pertencemos - só pode ser o da Revolução Burguesa. V. Jaguaribe, H. CID. p. 16. Este "destino nacional" de solidariedade e subordinação aos "valores predominantes na Civilização" levará H. Jaguaribe a propugnar, sem meias-palavras, medidas autoritárias a fim de se conter e reprimir todas aquelas forças e movimentos que ameaçassem por em questão nossa "vocação ocidental e democrática" v. O NacionaliSmo na Atualidade Brasileira p. 20tl.
[31] Para H. Jaguaribe, como basicamente para os demais isebianos, com uma ou outra pequena diferença, as classes sociais, seriam: o proletariado urbano e rural, a classe média, a burguesia industrial e o latifúndio mercantil.
[32] R. Corbisier em seus ensaios, depois de mostrar as características da cultura brasileira durante a situação colonial (não só a estrutura econômica é inautêntica como também a superestrutura ideológica e cultural), entende que a estrutura básica faseológica brasileira permite a emergência dum pensamento nacional autêntico (ideologia do desenvolvimento nacional) ou tiloüoticL bTasileim. · Cf. FPCB, p. 75-88.
[33] idem - IDN, p. 37.
[34] Em ORN, I, 136 dirá, referindo-se às massas: "a ideologia do desenvolvimento é o seu pensamento natural".
[35] idem - IDN; respectivamente às p. 34, 35 e 38.
[36] idem - CRN, I. 144.
[37] idem -'- CRN. I, 61.
[38] idem -'- CRN. I, 61.
[39] idem - ibidem. I, 79.
[40] idem - ibidem, I, 110; v. tb. I, 111:"o trabalhador faz a descoberta do mecanismo determinante do desenvolvimento da realidade material ao perceber que este não é outro senão SO'1 próprio trabalho".
[41] idem - ibidem, I, 63.
[42] idem, ibidem, I, 147.
[43] idem, ibidem, I, 145. vi tb. I, 144: "antes que o pensador seja capaz de dar corpo lógico às novas representações conceituais implicadas nos acontecimentos, o povo mesmo as vai esboçando, num balbucio ideológico onde tem suas primeiras tentativas, de expressão de idéias que, depois, os sociólogos e filósofos procurarão enunciar em forma límpida e doutrinária".
[44] idem - ibidem, I, 138. Admite Vieira Pinto que seria ingenuidade histórica pensar a imposição de ideologia, por força de decretos ou de " propaganda": "não haverá astúcia capaz de implantar socialmente uma ideologia, como não haverá violência que a extinga" (I, 50 ). Uma vez mais, ficaria negada a insinuação da arbitrariedade do projeto ideOlógico a ser constituído.
[45] idem - IDN, p. 39. Logo abaixo assinala que: "(... ) a condição para que surja a ideologia do progresso nacional é mais do que a simples justaposição das classes dirigentes e do povo, mesmo harmoniosa, pacífica e consentida; é a existência de quadros intelectuais capazes de pensar o projeto de desenvolvimento sem fazê-lo à distância, mas consubstancialmente com as massas". IDN, p. 39. Dirá em GRN I, 144 que deve haver uma "ligação existencial" dos intelectuais com "as condições de vida das camadas populares e total descompromisso com os interesses das classes exploradoras".
[46] idem - CRN, l, 50-51 (grifos nossos).
[47] Trata-se aqui, como se advertiu acima, de verificar qual é segundo os autores indicados - o grupo social que define em última instância a ideologia do desenvolvimento. A análise crítica dessas perspectivas se fará quando discutirmos a questão das contradições sociais e das classes soctats. Relacionamos as posições de C. Mendes com as de H. Jaguaribe a partir de sua aceitação do conceito de "política ideológica" presente em Nacionalismo di Desenvolvimento; G. Ramos pelas suas definições em Condições Sociais do Poder NacionaZ e Ideologias e Segurança Nacional (onde a perspectiva é do " esclarecimento" do Poder nacional em relação às suas responsabilidades junto às massas). G. Ramos, em seus trabalhos, sempre defendeu a tese da necessidade das classes dominantes virem a se tornar realmente dirigentes. R. Corbisier - pela aceitação explícita das teses de H. Jaguaribe, frequentemente citadas em seus ensaios.
[48] Vieira Pinto - IDN, p. 51 (grifas nossos).
[49] Embora não tenha sido objeto de nossa análise, podemos afirmar que o último período da vida isebiana ( 1961/64) se caracterizou por acirradas· lutas ideológicas internas. Nesse mesmo período, o nacionalismo-desenvolvimentista já não possui grande ressonância dentro da Instituição. O desenvolvimentismo, por exemplo, é claramente denunciado como a ideologia das classes dominantes. Sabe-se ainda que nesse período - após o "expurgo" de elementos como Hélio Jaguaribe e Guerreiro Ramos - o ISEB passa a manter intensas relações com o movimento estudantil (UNE), Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), Confederações de Trabalhadores (CGT) e outros movimentos políticos.