JAKOBSON, Roman - Questions de poétique. Dir. de

Tzvetan Todorov. Paris Éditions du Seuil ( 1973). 508 p.

 

 

IUM NA MARIA SIMON

 

 

Apresentão. Questions de poétique é uma coletânea que reúne, pela primeira vez, textos essenciais ao conheci­ mento da evolução das pesquisas realizadas por Roman Jakobson no âmbito da criação artística. Até então, muitos desses textos eram inacessíveis ao leitor francês - e, obvia­ mente, ao leitor brasileiro - ou por terem sido escritos em línguas eslavas, ou por se encontrarem dispersos em misce­ lâneas de consulta difícil.

Representativos de uma atividade intensiva, que se alon­ ga por mais de meio século (de 1919 a 1972), os estudos sele­ cionados por Todorov oferecem ao leitor uma visão mais ampla e globalizante da teoria poética elaborada pelo lin­ güista russo: desde seus fundamentos iniciais, quando dos trabalhos do "Círculo Lingüístico de Moscou" e da OPOIAZ, passando pelas formulações estruturalistas do "Círculo Lin­ güístico de Praga", até atingir os estudos mais recentes sobre a "gramática da poesia", desenvolvidos a partir da década de 50.

Tanto mais significativa torna-se esta publicação quanto se considere a difusão parcimoniosa dos escritos do autor so­ bre poética e arte em relação à ampla divulgação de seus es­ tudos específicos sobre a ciência da linguagem, sobretudo no campo da fonologia. Não se pode, entretanto, estabelecer uma fronteira nítida entre uns e outros; pelo contrário, deve-se antes atentar para o fato de que caminham juntos, impulsio­ nados por uma mesma preocupação que é o cerne de toda a obra de Roman Jakobson: o problema das relações entre som e sentido.

Contudo, se é hoje quase dispensável dizer da importância das descobertas lingüísticas do mestre russo para o desenvol­ vimento da ciência da linguagem - os lingüístas sabem reconhecer-lhes o valor a aproveitar-lhes as contribuições -, insistir no mérito de seus estudos sobre poética é, ainda mais do que necessário, urgente.

Questions de poétique, por reunir um corpo amplo de re­ flexões teóricas e aplicações práticas, vem a ser uma resposta decisiva às acusações freqüentemente dirigidas contra a teo­ ria poética de Jakobson, muitas das quais, bem viciadas por chavões equívocos, derivam do desconhecimento de boa parte dos trabalhos realizados pelo lingüista russo nesse setor.

Organização da obra. É notável o cuidado dispensado por Tzvetan Todorov à organização desta coletânea: desde a pre­ cisão dos dados bibliográficos referentes à primeira publicação dos textos até a seleção e disposição da matéria. O mesmo se pode dizer dos tradutores que, inclusive, modificaram tradu­ ções anteriores a fim de unificar a terminologia francesa e anexaram notas importantes sobre questões terminológicas e etimológicas, conceitos e classificações gramaticais, etc. Devem-se ainda mencionar outras notas explicativas, do editor ou dos tradutores, que prestam esclarecimentos importantes ao leitor pouco familiarizado com a literatura e cultura esla­ vas, bem como o glossário de nomes próprios, incluído no final do volume, onde se encontram informações rápidas mas indis­ pensáveis à identificação das personalidades históricas (espe­ cialmente as eslavas) às quais os escritos de Jakobson fazem alusão.

Divisão da matéria. A matéria selecionada apresenta-se dividida em duas partes, segundo critérios de ordem temática e cronológica que correspondem ao desenvolvimento dos traba­ lhos do lingüísta russo no campo da poética.

A primeira parte segue a ordem cronológica da escritura: textos escritos entre 1919 e 1937 (correspondentes à época do formalismo russo e do estruturalismo tcheco), com exceção do último que é de 1971. Reúne todos os estudos sobre teoria da literatura (escrita ou oral) e da arte (pintura, música, cinema); um certo número de estudos consagrados a obras particulares (cujos autores são Khliébnikov, Maiakóvski, Púchkin e Pasternak) e um comentário em torno da primeira carta de Saussure a Antoine Meillet sobre os anagramas (da­ tada de 12/11/ 1906 e transcrita neste volume).

 

A segunda parte organiza-se, de maneira sistemática, em torno do tema que nome ao estudo central: "Poesia da gra­ mática e gramática da poesia". Os textos são mais recentes (publicados entre 1961 e 1972) e foram orginalmente escritos em inglês, francês ou alemão. Dentre os numerosos estudos de Jakobson sobre este assunto, Todorov recolheu todos os textos teóricos, todos os que tratam de poemas escritos em línguas românicas (francês, italiano, português, romeno) e mais dois outros exemplos de análises de Shakespeare e Brecht. Dos 14 textos, os quatro primeiros são teóricos, seguidos de dez poemas analisados à luz do método proposto e dispostos segundo a cronologia dos autores ( indo do século XIII ao XX).

A estas partes, constituídas de textos já publicados ante­ riormente, acrescenta-se um Postscriptum - datado de 1973 e preparado especialmente para esta edição -, através do qual Jakobson responde aos críticos que comentam ou colocam em causa seus pontos de vista sobre a "gramática da poesia" ou sobre a poética lingüística em geral, visando especialmente as análises de alguns poemas de Les Fleurs du Mal.

 

 

A poética lingüística. Todo o esforço desenvolvido por Roman Jakobson no sentido de definir a especificidade da arte verbal e elaborar um modelo lingüístico para sua abordagem tem sido, em geral, confundido com uma posição isolacionista, alheia às vinculações existentes entre a obra de arte e a tota­ lidade social em que esta se inscreve. Considere-se, todavia, que a preocupação em salientar o valor autônomo da palavra na poesia não pode ser erroneamente interpretada como uma defesa da doutrina da arte pela arte. Entre afirmar o auto­ telismo do material verbal na obra literária e a autonomia desta em relação ao contexto global há uma grande diferença. No primeiro caso, trata-se da função da linguagem na litera­ tura; no segundo, da função da literatura na vida social.

Com efeito, a leitura da primeira parte de Questions de Poétique permite desfazer grande parte dos equívocos conti­ dos nos ataques mais extremados à posição da Jakobson, so­ bretudo aqueles dirigidos aos " pecados" do monismo fonoló­ gico ou gramatical, do separatismo da arte ou do sincronismo puro.

Já em "Fragments de 'La nouvelle poésie russe'. Esquisse premiêre: Vélimir Khlebnikov", primeiro estudo de Jakobson sobre literatura e sua principal contribuição à teoria dos for­ malistas russos, escrito em 1919 e publicado em 1921, defi­ nem-se as linhas de força de uma visão muito mais ampla, atenta aos diferentes fatores envolvidos na composição do texto poético. A ênfase deste estudo recai sobre o conceito de literariedade - quase sempre c onfundido com o nível exclusi­ vamente fônico - e sobre eleição do processo (priom) como único "herói" dos estudos literários; mas Jakobson aponta também para a necessidade de se examinarem as relações de interdependência entre som e s entido e de se tratar a poesia como tato social.

Mesmo num estudo bem especializado como "Principes de versification" (1923), onde se reivindica um ponto de vista fonológico para o exame dos traços prosódicos fundamentais do verso, a tendência decisiva consiste em ligar "a toda muta­ ção dos elementos fonológicos uma mudança de sentido". (p. 49)

Por outro lado, questões fundamentais sobre a interde­ pendência entre sincronia e diacronia e sobre o j ogo dialético que caracteriza as correlações entre a "série literária" e as "séries heterogêneas" são abordadas nos textos: "Problêmes des études littéraires et linguistiques" (1928, em colaboração com Júri Tynianov), "Qu'est-ce que la poésie?" (1933), "Notes marginales sur prose du poete Pasternak" (1935) e "La do­ minante" (1935). Neste último, encontram-se perspectivas teóricas particularmente fecundas à análise integrativa das diversas camadas da obra de arte; mesmo porque a utilização do conceito de dominante implica o exame das relações entre as diferentes manifestações artísticas de um época, da obra literária com outras espécies de mensagens verbais, da hie­ rarquia das diversas funções verbais no interior da obra, sem deixar de lado os problemas da evolução literária e da com­ plementaridade entre sincronia e diacronia. No estudo sobre Pasternak, é notável a maneira pela qual o mestre russo con­ segue integrar dialeticamente, através da análise comparativa das "figuras" dominantes nas obras de Pasternak e Maiakó­ vski (metonímia e metáfora, respectivamente), não apenas o j ogo retórico e o das configurações semânticas e narrativas, mas a "personalidade criativa" dos autores e o "meio social" em que viveram.

Nesse mesmo sentido - de uma visão aberta aos proble­ mas mais intrincados da obra de arte - podem ser exami­ nados os estudos sobre Maiakóvski e Púchkin: "La génération qui a gaspillé ses poetes" (1931) e "La statue dans la symboli­ que de Pouchkine" (1937 ). Nestes, a abertura a fatores de ordem histórica e biográfica atinge seu ponto culminante: a integração de tais perspectivas ao exame lingüístico dos pro­ cedimentos poéticos realiza-se de forma inigualável, sobretudo no segundo texto. Em ambos rejeitam-se os polos extremos. do biogratisnw vulgar (que concebe a obra como reprodução da situação em que é criada) e do antibiografismo vulgar (que consiste na rejeição dogmática da ligação entre uma obra de arte e uma situação), para se reconhecer a situação como um dos elementos constituintes da composição da obra, jentro de uma perspectiva que será melhor explorada nos estudos mais recentes: o "universo do discurso", ou seja, a relação entre o discurso e suas circunstâncias, nos termos de Charles Sanders Peirce. No texto sobre Púchkin, o exame de acor­ rência da imagem da estátua no contexto da obra e da vida do poeta, possibilita a colocação de problemas importantes relativos ao processo de transcodificação, isto é, da transposição de traços estruturais de uma espécie de arte (escultura) para outra (poesia).

Essa preocupação com o estudo dos "traços pansemió­ ticos" é mais um exemplo das aberturas oferecidas pela teoria poética de Jakobson ao estudioso da literatura, contando-se ainda com o rico instrumental para o exame das manifesta­ ções literárias orais fornecido no texto "Le folklore, forme espécifique de création" (1929). Aí, como em outros textos, nota-se o interesse do lingüista pela etnografia, pela história da cultura e pelas circunstâncias e modos de relação entre o produtor e o consumidor. O universo em que se movimenta o pensamento lingüístico e artístico de Roman Jakobson é, portanto, muito mais complexo e diversificado do que querem fazer crer os seus detratores.

Em vista de tudo isso, não causa surpresa o fato de cons­ tarem da primeira parte da coletânea textos que dizem res­ peito a outras esferas artísticas: "Futurisme" (1919), "Musi­ cologie et linguistique" (1932) e "Décadence du cinéma?" (1933). Estes estudos antecipam muitas das formulações atuais sobre as artes em questão e ilustram, na base de seus pressupostos teóricos, não apenas a preocupação do lingüista com outros sistemas de signos, mas sobretudo "sua capacidade de ver o novo quando ainda em pleno desenvolvimento e de perceber-lhe a importância", como afirma Boris Schnaider­ man em "Uma visão dialética e radical da literatura" (Roman Jakobson - Lingüística. Poética. Cinema. S. P., Perspectiva, 1970, p. 179). Considerando essa "visada para o futuro" como a marca constante de todo o trabalho de Jakobson, Boris Schnaiderman chama ainda a atenção para a coincidência entre as concepções do mestre russo e as de Bertolt Brecht sobre o problema do realismo na arte. A lucidez de Jakobson em relação a esse problema é demonstrada em seu artigo de 1921, "Du réalisme en art", no qual denuncia a polissemia do termo "realismo" e, à medida que procede a uma limpeza das diferentes noções aí dissimuladas, estabelece as premissas de um estudo que não esteja marcado pela tradicional e exclusiva identificação com o método realista do século XIX.

A gramática da poesia. No curso dos últimos vinte anos, a pesquisas de Jakobson no domínio da poética concentraram-se principalmente sobre o estudo dos "tropas gramaticais" que, se foram raramente reconhecidos pelos críticos e quase totalmente negligenciados pelos lingüistas, "os escritores cria­ tivos", ao contrário, "têm sabido, freqüentemente, tirar um partido magistral deles". (Linguistique et poétique". Essais de linguistique générale. Trad. do inglês e prefaciado por Nicolas Ruwet (Paris) Minuit (1970) p. 244 ).

Do ponto de vista teórico, os estudos sobre a tessitura gramatical da poesia representam o prosseguimento daquela preocupação central do lingüista em examinar as relações de interdependência entre som e sentido. Por isso mesmo, en­ contram seu fundamento na concepção que Valéry tinha da poesia como "hesitação entre som e sentido" e nas formula­ ções de Gerard Manley Hopkins sobre a importância da "fi­ gura de som" e da "figura de gramática" como princípios estruturadores do verso. Estas questões estão bem desenvol­ vidas no primeiro texto teórico da segunda parte da coletânea, "Le langage en action" (1964), em que se procede a um estudo sistemático das relações entre som e sentido no poema "O corvo" de Edgar Allan Poe, escolhido pelo fato mesmo de co­ locar em causa, por deliberação consciente do poeta, o meca­ nismo dessas relações e porque problematiza o próprio ato da comunicação. Ademais, porque Poe conseguiu formular com perfeição o tipo de liame que une a linguagem poética e sua transposição para a metalinguagem da análise científica em seu texto "A filosofia da composição".

Para o desenvolvimento de tais investigações, Jakobson recorre também às pesquisas antropológicas sobre a poesia oral - com o fim de demonstrar o princípio do paralelismo gramatical característico desse tipo de composição -, e re­ toma os estudos de Spinoza e Benjamin Lee Whorf sobre as analogias existentes entre os "princípios geométricos" das artes figurativas e os "princípios formais" característicos da língua.

 

A respeito dos fundamentos paralelísticos das formas poé­ ticas populares, examinem-se sobretudo os textos: "Le parallélisme grammatical et ses aspects russes" (1966), que oferece uma visão do estado atual das pesquisas internacionais sobre as bases paralelísticas da poesia oral e escrita, e "Structures linguistiques subliminales en poésie" (1970), onde se analisa o arcabouço fonêmico, morfológico e sintático de formas poé­ ticas que não se acham sob o controle do raciocínio abstrato ( peças breves do folclore russo, canções folclóricas polonesas, advinhas populares e provérbios).

Quanto às correspondências existentes entre as funções da gramática na poesia e as da geometria relacional na pin­ tura, vêm expostas teoricamente em "Poésie de la grammaire et grammaire de la poésie" (1968), texto onde se desenvolvem as argumentações do autor sobre o papel desempenhado pelos mecanismos gramaticais nas composições poéticas, e onde se discutem as controvertidas questões relativas à "significação dos conceitos gramaticais".

 

Vale a pena observar, ainda uma vez, que o lingüista compõe seu instrumental teórico para a análise desses aspec­ tos da linguagem poética mobilizando várias áreas de inves­ tigação e mantendo-se alerta às mais diversas manifestações artísticas.

Nos quatro estudos teóricos mencionados acima configu­ ram-se, portanto, os princípios básicos que informarão as análises de poemas escritos em épocas e línguas as mais dife­ rentes. São as seguintes: "Lettre à Haroldo de Campos sur la texture poétique de Martin Codax" (197 0); "Vocabulorum oonstructio dans le sonnet de Dante 'Se vedi li occhi miei'" (1966, em colaboração com P. Valesio); " ' Si nostre vie', Ob­ servations sur la composition & structure de motz dans uns sonnet de Joachim Du Bellay (1972); "L'art verbal dans 'Th'expence of spirit' de Shakespeare" (1970, em colaboração com Lawrence G. Jones); "Sur l'art verbal des poêtes-peintres: Blake, Rousseau et Klee" (1970); " 'Les chats' de Charles Bau­ delaire" (1962, em colaboração com Claude Lévi-Strauss); "Une microscopie du dernier 'Spleen' dans les Fleurs du Mal" (1967); "Analyse du poême 'Revedere' de Mihail Eminescu" (1962, em colaboração com B. Cazacu); "La structure gram­ maticale du poeme de Bertolt Brecht 'Wir sind sie' " (1965); "Les oxymores dialectiques de Fernando Pessoa" (1968, em colaboração com Luciana Stegagno-Picchio).

 

Como é impossível resumir, no espaço de uma recensão, essas minuciosas análises, limito-me a chamar a atenção do leitor para o fato de que elas visam desvendar os entrelaça­ mentos existentes entre a disposição das categorias gramati­ cais e as correlações métricas e estróficas, sem perder de vista os problemas semânticos envolvidos em todos os níveis exa­ minados.

Mas essa reconciliação entre gramática e poesia, ampla­ mente desenvolvida nos estudos recentes de Jakobson, tem sido também objeto de muitas polêmicas. Tanto é verdade que o "Postscriptum", incluído em Questions de Poétique, constitui­ se como uma resposta do autor às objeções que lhe vêm sendo feitas por alguns críticos literários. Objeções essas oriundas, como ele próprio afirma, de posições restritivas e proibitivas que negam à lingüística o direito de explorar as questões poéticas, concedendo-lhe tão somente a tarefa exclusiva de ana­ lisar uma única função da linguagem: a função referencial.

 

Jakobson adverte ainda que outros preconceitos, devidos ao desconhecimento das conquistas da lingüística contempo­ rânea, levam os críticos a cometer graves equívocos. Por exemplo: a crença de que o estudo lingüístico encera-se nos limites da frase e, conseqüentemente, torna o lingüista incapaz de examinar a composição dos poemas, ou então, a crença de que a análise semântica do enunciado poético é uma transgressão da abordagem lingüística. (Quando, na verdade, afirma o autor, a tarefa mais urgente que a ciência lingüística de nossos dias se propõe a desenvolver é justamente a análise do "universo do discurso" e seus problemas semânticos).

 

A partir dessas considerações de caráter genérico, o autor relaciona um grande número de restrições feitas a diversos aspectos de suas análises da gramática da poesia, rebaten­ do-as uma a uma. Isto se faz de forma tão minuciosa e rigo­ rosa que só mesmo a leitura do " Postscriptum" possibilitará ao leitor uma visão adequada das questões aí levantadas. No entanto, gostaria de destacar uma passagem fundamental que, a meu ver, encerra toda a problemática da teoria poética elaborada por Roman Jakobson:

"Ainda que a poética que interpreta a obra do poeta através do prisma da linguagem e que estuda a função dominante na poesia represente, por defi­ nição, o ponto de partida na explicação dos poemas, é evidente que seu valor documentário, seja psico­ lógico ou psicanalítico, seja sociológico, permanece aberto à investigação dos especialistas nas disciplinas em questão, mas eles são, todavia, obrigados a dar conta do fato de que a dominante pesa sobre as outras funções da obra e que todos os outros prismas se acham subordinados ao da textura poética do poema. Esta tautologia guarda toda sua eloqüência persuasiva". (p. 486-487).

 

É claro que o material recolhido em Questions de poétique é muito mais rico do que faz supor minha descrição. Creio, porém, ter conseguido demonstrar pelo menos o fato de que tais trabalhos são de fundamental importância para o desen­ volvimento dos estudos literários contemporâneos, visto que não se limitam ao exclusivismo da "função poética", nem im­ plicam a perda do senso de historicidade, mas realizam-se, isto sim, como recusa a posições mecanicistas extremas - sejam elas formalistas ou materialistas, rigorosamente monistas ou pluralistas. Por isso mesmo, pode-se afirmar que vêm ao en­ contro das inquietações manifestadas atualmente pelos teó­ ricos e críticos da literatura, no sentido de se buscarem perspectivas integradoras para a abordagem das correlações entre a obra de arte e a totalidade social. Sobretudo se for devidamente considerado que, para a realização adequada dessa abordagem integrativa, é indispensável o conhecimento profundo dos conjuntos (ou "séries" ) que serão postos em correlação - este é o problema nuclear para o qual Jakobson e Tynianov chamaram a atenção em 1928, numa das impor­ tantes teses expostas em "Problêmes des études littéraires et linguistiques":

"Não se pode resolver o problema concreto da esco­ lha de uma direção ou, ao menos, de uma domi­ nante, sem analisar a correlação da série literária com as outras séries sociais. Essa correlação (o sistema dos sistemas) tem suas leis etruturais próprias, que devem ser estudadas. Considerar a correlação dos sistemas sem ter em conta as leis imanentes a cada sistema é um passo funesto do ponto de vista metodológico". (p. 60)