Comentário ao artigo Consciência e Temporalidade em edith stein

 

Fabíola Menezes de Araújo[1]

 

Referência do artigo comentado: nunes, E. P. L. Consciência e temporalidade em Edith Stein: em diálogo com Heidegger. Trans/Form/Ação: revista de filosofia da Unesp, vol. 44, n. 1, p. 81 –99, 2021.

 

O artigo de Nunes (2021) aqui comentado se propõe pensar a influência de dois conceitos da fenomenologia heideggeriana na obra de Edith Stein, a partir da diferença ontológica que envolve as noções de Ser Eterno e ser finito. Stein encontra o solo de seu pensamento radicalizando aquilo que Heidegger nomeia em Ser e Tempo de consciência e de temporalidade. A autora analisa a pertinência de esses fenômenos virem a ser nomeados respectivamente Deus” e “eu”. A disponibilidade de compreendermos Deus e o ente que somos, com base nas noções trabalhadas por Stein, não é estranha à História da Filosofia. Para balizar essa proposição, trazemos abaixo uma reflexão com base nas filosofias de Spinoza e de Fichte.

Em Spinoza, nem lemos Deus como Ser nem como consciência, mas como a Razão. Razão não quer dizer “Ser”. À diferença do Da-sein heideggeriano, a Razão spinozista é calcada na matemática. À semelhança da consciência spinozista, a consciência heideggeriana não pode agir sobre si mesma. Enquanto a primeira consciência vem a ser guiada pela Razão, a segunda vem a ser guiada pelo Ser. No entanto, enquanto a consciência spinozista se confunde com a alma, o que confere à mesma um estatuto a priorístico, a consciência heideggeriana se constitui a posteriori (ALMEIDA; ARAÚJO), 2020), o que a distancia da noção igualmente apriorística de Deus. A priori, em Ser e Tempo, são o Ser e os existenciais tão somente; isto é, o poder fático de se “compreender-com afetivamente”, e o tempo que permite o advento do fenômeno que é a compreensão fática em questão.

Já com relação à consideração filosófica do termo “eu”, temos como parâmetro a filosofia de Fichte. Para esse autor, precisamente, é preciso conferir ao “eu” um caráter a priori, sendo isso oportuno para o advento de uma filosofia primeira (Fichte, 1984). O legado desse filósofo irá repercutir na filosofia contemporânea, via a obra de Apel (2000a), para quem o “eu” deve ser tomado como condição de possibilidade do agir comunicativo (Apel, 2000b).

Nesses três autores, não vemos, pelo menos não com a pertinência proposta por Stein, o desdobramento teórico da questão da pertinência da facticidade para o advento do pensamento. Um dos pontos altos do artigo por nós comentado é o seu poder de tomar para si e levar a cabo uma leitura a um só tempo afinada com o legado heideggeriano e capaz de deixar evidente, não apenas a influência desse legado para o advento do pensamento de Stein, mas as consequências do pensamento heideggeriano na proposta de radicalização desse pensar junto a um âmbito, ainda que estranho para a maioria dos heideggerianos, pautado em uma facticidade que se quis feminina. Assim, podemos concluir que, enquanto a maioria dos heideggerianos permanecem apenas heideggerianos, Stein avança ou mesmo retrocede, dependendo da temporalidade que se considere oportuna para o pensamento. Entendemos que Stein retrocede ao avançar para as noções de Deus e de eu, e que retroceder, no âmbito da filosofia, vem a ser sempre o melhor a se fazer.

Outro ponto alto do artigo é trazer à baila um conceito de difícil elaboração: a consciência. Se, como já ressaltado, na obra de 1927, a consciência vem a ser tomada como um fenômeno a posteriori ao advento do próprio” ou autêntico”, em Stein, a consciência vai permanecer uma questão. Por esse motivo, convidamos os atentos à leitura do artigo de Nunes (2021), o qual se faz, mais do que oportuno, necessário, caso quisermos levar a cabo a discussão acerca da pertinência ou não das noções de Ser finito e ser eterno, nas leituras de Ser e Tempo.

 

Referências

ALMEIDA, R. R.; ARAÚJO, F. M. Sobre o conceito de consciência em Heidegger. Revista Philia Filosofia, Literatura e Arte. v. 2, n. 1, 2020. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/philia/article/view/100228>. Acesso em: 20 fev. 2021.

APEL, K.-O. A transformação da filosofia I: filosofia analítica, semiótica, hermenêutica. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2000a.

APEL, Karl-Otto. A transformação da filosofia II: o a priori da comunidade de comunicação. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2000b.

FICHTE, J. G. A Doutrina-da-Ciência de 1794 e Outros Escritos. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril, 1984.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo (v. I e II). Tradução de Marcia Cavalcante Schulback. Petrópolis, RJ: Vozes, [1927], 1988.

nunes, E. P. L. Consciência e temporalidade em Edith Stein: em diálogo com Heidegger. Trans/Form/Ação: revista de filosofia da Unesp, vol. 44, n. 1, p. 81 –99, 2021.

 

Recebido: 17/12/2020

Aceito: 22/12/2020

 

 



[1] Doutora em Teoria Psicanalítica pela UFRJ e Doutoranda em Filosofia Antiga pela PUC/RJ, Rio de Janeiro, RJ – Brasil. ORCID: https://orcid: 0000-0002-8295-2536. E-mail: confabulando@gmail.com.